Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 483/2023-T
Data da decisão: 2024-03-11  ISV  
Valor do pedido: € 13.115,53
Tema: ISV – Veículo híbrido plug-in, usado, proveniente de outro estado da UE. Desconformidade com o art. 110.º do TFUE.
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SUMÁRIO:

I- A introdução no consumo de um veículo em qualquer Estado-Membro da União Europeia constitui facto gerador relevante para efeitos do art. 5.º do CISV.

II- Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos de outros Estados-Membros, imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.

III- O princípio da não discriminação implica, que se aplique no tempo a taxa intermédia prevista na al. d), do n.º 1 do Art.º 8.º do CISV, vigente à data em que o mesmo foi introduzido no mercado em qualquer Estado-Membro da União Europeia.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi, em 04-07-2023, aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, sendo, nos termos legais, notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. O Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular, o signatário, notificando as partes dessa designação. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 12-09-2023.

 

 

I. RELATÓRIO

I.1.- "A… (doravante “REQUERENTE”), titular do passaporte n.º … e do número de contribuinte …, residente na Estrada …, Cascais, apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a impugnação das liquidações do imposto por entender que a nova redação do artigo 8.º do Código do Imposto sobre Veículos trata de forma desigual um veículo matriculado originalmente noutro Estado-Membro, e que, por essa razão se verifica o desrespeito pelo Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia.

E, defendendo que as liquidações do Imposto sobre Veículos, deveriam ter beneficiado da redação anterior do n.º 1 do artigo 8.º, com aplicação da taxa intermédia prevista na alínea d), vem, a final, pugnar pela anulação parcial dos atos de liquidação, cuja legalidade contesta e do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, oportunamente requerido, devendo ser restituído o valor, indevidamente pago, em excesso, no montante de €13.115,53.

 

I.2- É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, em que suscitou a excepção de Incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria, também, a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

I.3- O Tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

 

II- Questão da competência.

Importa apreciar prioritariamente a questão, de (in)competência, que é de conhecimento prioritário [artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT]

Na tese da Requerida AT, o Tribunal Arbitral é incompetente para conhecer do pedido por duas ordens de razões:

A. A pretensão, conforme formulada no pedido, visa unicamente o reconhecimento do direito à aplicação de taxa reduzida: o Requerente requer a constituição do Tribunal Arbitral com vista a obter a aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.° do CISV na redação que vigorava antes da versão atual, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. Ou seja, pretende a restituição de quantia, paga indevidamente, a que alegadamente teria direito por beneficiar da taxa prevista na redação anterior da dita alínea d) do n.º 1 do artigo 8.° do CISV.

No âmbito da competência dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo do RJAT não se inclui a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária ou de outros atos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação. O peticionado nos autos não pode ter como causa de pedir e objeto a apreciação do não reconhecimento da aplicação de uma taxa reduzida ao ato de liquidação resultante da aplicação das taxas normais (tributação-regra), sob pena de ocorrer a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral, que obsta ao conhecimento do pedido e determina a absolvição da Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.°, n.º 1, e 577.°, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29.°, n.º 1, alínea e) do RJAT.

B. Pretende o Requerente que a liquidação efetuada nos termos do artigo 7.° e do artigo 11.°, n.º 1, do CISV, seja parcialmente anulada, sem invocar qualquer ilegalidade que resulte da não aplicação da lei em vigor, visando, outrossim, uma nova liquidação que aplique um benefício (redução de taxa/taxa intermédia) que nem sequer está previsto no CISV para o veículo do Requerente, visto não preencher os requisitos previstos para o efeito.

Tal pedido – independentemente de tal benefício, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, não abranger o veículo em questão – consubstancia uma exigência para que a AT adote uma nova atuação em sede de liquidação do imposto, procedendo à realização de nova liquidação, que não a resultante da tributação-regra, aplicável ao facto gerador em presença, consistente na admissão de veículo usado, de outro Estado-membro, que é efetuada nos termos dos artigos 7.° e 11.° do CISV, cuja ilegalidade não vem impugnada, não obstante o Requerente afirme pretender a retificação da liquidação, o que resulta numa contradição, pois não pode impugnar uma liquidação que pretende ver substituída. A liquidação é sempre efetuada de acordo com o preceituado naqueles dispositivos legais, sendo que uma liquidação em que há lugar à aplicação de taxas intermédias, taxas reduzidas ou isenções totais, implica nova liquidação, com o processamento de outra DAV, revestindo a natureza de liquidação substitutiva. Nesta medida, pugnando o Requerente pela realização de segunda liquidação, que viria substituir a anterior, a qual sendo válida, não lhe pode ser assacado qualquer vício, visa, concomitantemente, que a Requerida adote um comportamento consistente na realização de novo ato de liquidação, resultando, deste modo, evidente que o que está em causa não é a correção da liquidação impugnada, mas sim a pretensão do Requerente de que seja emitida outra liquidação, em substituição da ora impugnada.

O meio processual próprio face à omissão do dever de proceder a liquidação substitutiva, seria o “reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”, em conformidade com o previsto no artigo 145.º do CPPT, uma vez que não está em causa a “intimação para um comportamento do seu direito” [sic], a qual não resulta diretamente da lei. Tal atribuição não cabe no elenco das competências do tribunal arbitral, descrito no n.º 1 do artigo 2.° do RJAT, o qual se restringe à declaração de ilegalidade de atos de liquidação previstos nas alíneas a) e b), isto é, à mera apreciação de legalidade.

 

Face ao que antecede, como síntese da formulação da Requerida AT, mostra-se necessário que o Tribunal Arbitral aprecie os termos em que vem formulado o pedido de pronúncia arbitral, para determinar qual é, em termos substantivos, o objeto que neste se enuncia e suscita apreciação e decisão.

O pedido de pronúncia arbitral é especificado ao longo do articulado, podendo sintetizar-se a respetiva formulação nos seguintes termos:

- A taxa aplicada pela AT sobre a componente cilindrada e ambiental do imposto foi de 100%, não tendo sido considerado qualquer abatimento pelo facto de a viatura estar equipada com motor híbrido plug-in, cuja bateria pode ser carregada através de ligação à rede elétrica, facto que leva o Impugnante a considerar que a liquidação de ISV foi ilegal, por violação do direito europeu, mais propriamente do art. 110.º do TFUE;

- A disposição aplicada foi a alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, pela qual a “taxa intermédia” de 25% passou a aplicar-se “aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação a rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 quilómetros e emissões oficiais inferiores a 50g C02/Km"; - a viatura adquirida pelo Impugnante não preenchia estes dois requisitos, pelo que o ISV foi liquidado pela taxa de 100%, ou seja, como se se tratasse de viatura nova, matriculada pela primeira vez em 2021, ignorando a AT a legislação em vigor à data da primeira matricula da viatura;

- A liquidação do ISV, efetuada ao abrigo da nova redação do art. 8.º do CISV, tratou de forma desigual uma viatura matriculada originalmente noutro Estado-Membro da UE e posteriormente introduzida em Portugal, relativamente a uma outra adquirida e matriculada originalmente em Portugal, onerando de forma mais gravosa a viatura adquirida noutro Estado-Membro da EU, em desrespeito pelo artigo 110.º do TFUE (artigos 13 a 18).

- Tendo em consideração o primado do direito da UE sobre o direito nacional, previsto constitucionalmente, a norma jurídica que tributa a viatura em função do ano da matrícula em Portugal, e não em função do ano da sua matrícula original, é ilegal, o que toma a liquidação do ISV também ilegal (artigos 19 e 20).

- O ISV liquidado deveria ter tido em consideração a alínea d) do n.° 1 do art. 8.º do CISV que vigorava à data da primeira matrícula do veículo no seu pais de origem, o que determinaria a aplicação da percentagem de 25% sobre a taxa intermédia, e não de 100% como foi.

- Assim, reconhecendo-se a ilegalidade da liquidação efetuada, do que resultará a sua anulação parcial, deve ser restituído ao Requerente a quantia de € 4.959,92 paga a mais. - E vem concluído assim: “Nestes termos deve a presente impugnação ser julgada provada e procedente, ordenando-se a anulação parcial da liquidação do ISV, nos termos requeridos.

 

O Requerente impugna, pois, a legalidade da liquidação de ISV feita pela AT, por ter a mesmo sido feita por aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, dispositivo este que o Requerente considera violador do artigo 110.º do TFUE.

Não se mostra impeditivo desta leitura – quantum satis para fixar a substância do questionamento no âmbito da verificação da legalidade do ato de liquidação – que o Requerente prossiga propugnando pela aplicação do referido preceito [alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV] na redação em vigor à data da primeira matrícula da viatura, com o corolário que extrai do reconhecimento do direito à restituição da diferença de coleta.

O Tribunal Arbitral restringe a apreciação à verificação da legalidade / ilegalidade da liquidação de imposto – alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT –, cabendo subsequentemente à AT dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 24.º do mesmo diploma, caso se venha a julgar no sentido de julgar procedente a tese da ilegalidade. Não cabe, seguramente, ao Tribunal Arbitral pronunciar-se para lá disso, pelo que não implicará a eventual declaração de ilegalidade da liquidação, se for esta a decisão, que o Tribunal venha a pretender ‘ditar’ que disposições legais, vigentes em que data, deveria a AT ter aplicado, mas esta não pronúncia em nada afeta o cabimento legal e a pertinência e suficiência da apreciação do pedido, como vem formulado.

- Assim, tem-se por improcedente a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral.

 

III. Matéria de facto

III.1. Factos provados.

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:

1- O Requerente apresentou duas Declarações Aduaneira de Veículo (DAV), com os n.os 2022/… e 2022/…, relativas a veículos ligeiros de passageiros, de marca Porsche, equipados com motor híbrido plug-in, elétrico e combustível (gasóleo).

 

2- Relativamente ao primeiro veículo, é possível, verificar, na DAV, que a sua procedência é França e que a primeira matrícula, …, data de 25-11-2019. Foi emitida a liquidação de ISV nº 2022/…, de 21.02.2022, com um valor de imposto a pagar de €10.578,87.

 

3- Relativamente ao segundo veículo, é possível, na respetiva DAV, verificar que a sua procedência é França, e que a primeira matrícula – …, data de 02-10-2019. Foi emitida a liquidação de ISV nº 2022/…, de 28.04.2022, com um valor de imposto a pagar de €6.908,62.

 

4- Tratando-se de veículos provenientes de outro Estado-membro, foram objeto de atribuição de matrícula nacional (…-28-… e …-18-…).

 

5- A autonomia dos veículos, em causa, quanto à autonomia no modo elétrico, de acordo com o respetivo certificado de conformidade da marca, é inferior a 50 Km, apresentando emissão de gases CO2 superior a 50g/Km..

 

6- O cálculo do imposto foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos dos artigos 7.º e 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas as taxas normais, previstas para os veículos ligeiros de passageiros usados de acordo com as características dos veículos.

 

7- Aplicando-se ao cálculo do imposto respeitante ás DAV n.º 2022/… e 2022/…, a taxa intermédia de 25%, constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV na redação dada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31/12, resultaria o valor de €2.644,72 e €1.727,24, respetivamente, de ISV a pagar.

 

8- Em 10.04.2023, foi a requerente notificada do despacho do Diretor da Alfândega do Jardim do tabaco que indeferiu a revisão oficiosa pelo requerente apresentada em 2.02.2023.

 

III.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto III.2.1. Os factos foram dados como provados com base nos documentos constantes do processo administrativo.

 

IV- Direito

IV.1- Direito/Mérito.....

A questão a dilucidar no processo é a de saber se está viciado por ilegalidade – em razão de desconformidade com o art. 110.º do TFUE – o ato de liquidação de ISV, na parte relativa à não aplicação da “taxa intermédia” obtida pela aplicação de redução de 25% sobre o resultado da aplicação da tabela normal, para automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, na redação vigente à datada apresentação da DAV, isto é, a introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, desaplicando portanto o comando do mesmo preceito na redação que vigorava quando da primeira matrícula, a da Lei n.º 82-D/2014 de 31 de dezembro.

Na redação introduzida pela Lei n.º 82-D/2014 de 31 de dezembro, aplicável entre 01.01.2015 e 31.12.2020:

Artigo 8.º Taxas intermédias – automóveis

1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da Tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

a) “25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros.

[…]

Na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, aplicável a partir de 01.01.2021:

1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da Tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

[…]

d) 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 g CO2/km.

[…]

A tese do Requerente é a seguinte, em síntese:

À data da primeira matrícula do veículo, ...vigorava o art. 8.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 82-D/2014 de 31 de dezembro. De acordo com a alínea d) deste artigo, a liquidação do ISV era efetuada através de aplicação de uma taxa de 25% aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros. Ou seja, estes veículos, de acordo com o regime vigente à referida data, apenas pagavam 25% do ISV. e não os 100% pelos quais os demais eram tributados.

Esta norma legal foi alterada pela Lei do Orçamento de Estado para 2021 – Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. A nova redação agravou o ISV, limitando a redução do imposto aos veículos que cumulativamente preencham os dois referidos requisitos – autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 quilómetros e emissões oficiais inferiores a 50g CO2/Km.

Uma vez que o veículo adquirido pelo Requerente não preenchia estes dois requisitos, o ISV foi liquidado pela taxa de 100%, ou seja, como se se tratasse de veículo novo, matriculado pela primeira vez em 2021, ignorando a AT a legislação em vigor à data da primeira matrícula.

A liquidação do ISV, efetuada ao abrigo da nova redação, tratou de forma desigual um veículo matriculado originalmente noutro Estado Membro da UE e posteriormente introduzido em Portugal, relativamente a um adquirido e matriculado originariamente em Portugal, onerando de forma mais gravosa o adquirido noutro Estado Membro da UE. Se o Requerente tivesse adquirido o mesmo veículo usado em Portugal, este não seria onerado com a aplicação da taxa de 100% do ISV, pois no preço a pagar já estaria incorporado o ISV pago quando da importação como veículo novo e liquidado pela legislação em vigor nessa data.

A liquidação do ISV, efetuada ao abrigo de norma que entrou em vigor em janeiro de 2021, pelo aumento da carga fiscal que acarreta, excede o montante residual do imposto incorporado no valor de veículo usado já matriculado em Portugal, criando uma imposição interna da qual resulta tratamento desfavorável para veículos usados provenientes de outro Estado Membro, relativamente aos comercializadas em Portugal, em desrespeito pelo art. 110.º do TFUE.

Tendo em consideração o primado do direito da UE sobre o direito nacional, previsto constitucionalmente, a norma jurídica que tributa o veículo em função do ano da matrícula em Portugal, e não em função do ano da matrícula original, é ilegal, o que torna a liquidação do imposto também ilegal.

 

Da posição da AT extrai-se, em síntese:

O cálculo do ISV foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável a veículos ligeiros de passageiros, atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos do artigo 7.º, e da tabela D do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas as taxas normais, previstas para os veículos ligeiros de passageiros usados de acordo com as características dos veículos (Quadro R da DAV).

O ISV é um imposto sobre o consumo, interno, de natureza específica, incidente sobre veículos, sendo exigível no momento da introdução no consumo de veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal. Não é um imposto harmonizado na UE, não se encontrando o seu regime regulamentado ao nível desta, nem existindo harmonização de taxas, não estando estas sujeitas ao princípio do primado do Direito da UE.

A fiscalidade automóvel não está harmonizada na UE (divergindo consideravelmente de um Estado-Membro para outro), incumbindo aos Estados-Membros gerirem a tributação incidente sobre os veículos novos sem matrícula e/ou portadores de matrículas estrangeiras (usados), pautando-se por critérios e opções de vária ordem, tendentes a satisfazer resultados e necessidades, designadamente ao nível do ambiente, da receita fiscal e da segurança rodoviária.

Os Estados-Membros são livres de exercer a sua competência fiscal e é neste pressuposto que, como na situação em apreço, a admissão dos veículos em Portugal está sujeita ao pagamento do imposto e à atribuição de matrícula nacional.

Conforme estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do CISV, o ISV torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada no momento da apresentação da DAV pelos particulares, determinando o n.º 3 da mesma disposição legal que o imposto a aplicar é aquele que estiver em vigor no momento em que se torna exigível. Por força do estabelecido na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CISV, a apresentação da DAV assume-se como a obrigação declarativa decorrente da verificação do facto gerador do imposto (admissão do veículo no território nacional), tornando o imposto exigível na introdução no consumo. Logo, a introdução no consumo efetuada num outro Estado-Membro não pode relevar ou ser considerada, para efeitos de constituição de facto gerador de imposto, na aceção do n.º 1 do artigo 5.º do CISV.

Somente a entrada do veículo no território nacional/admissão pode configurar facto gerador de imposto, o qual, mediante a obrigação declarativa de apresentação da DAV, determina a taxa de imposto a pagar, nos termos, conjugados, do n.º 1 do artigo 5.º, alínea b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 6.º do CISV. A DAV de introdução no consumo constitui condição sine qua non da fixação da matéria tributável e da liquidação, aplicando-se a taxa em vigor no momento da exigibilidade do imposto.

No caso em apreço, o imposto teve como base a tributação dos veículos novos, similares, que foram introduzidos no consumo durante o ano 2021, fazendo refletir no imposto liquidado o tempo de uso, tendo sido aplicada a tabela D constante da atual redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV.

Não se vislumbra em que medida, e de que forma, em concreto, a existência de um imposto interno sobre os veículos e a legislação nacional, mormente os artigos 5.º e 8.º do CISV, colidem com o estabelecido nos artigos 26.º e 28.º do TFUE. Os princípios relativos ao funcionamento do mercado interno e da livre circulação de mercadorias não se opõem à existência no ordenamento fiscal dos Estados-membros de impostos internos, porquanto não existe harmonização fiscal no seio da UE, podendo, inclusivamente os Estados-membros criar tributos que não existam noutros ordenamentos jurídicos. Não constitui entrave à circulação o facto de um veículo que foi introduzido e declarado num Estado-Membro ser posteriormente introduzido noutro Estado-membro, como ocorreu no caso vertente em Portugal, relativamente ao veículo em causa.

Não pode afirmar-se que, designadamente, o artigo 5.º, n.º 1, do CISV, e o conceito de facto gerador nele constante, constituem uma “imposição interna”, pois, além de tal afirmação colidir com o que vem sendo pugnado pela interpretação do TJUE neste âmbito, seria o mesmo que dizer que o regime jurídico do ISV, em Portugal, ou dos outros EM, por si constituiria um “encargo de efeito equivalente” ou uma “imposição interna”. Não existe definição decorrente do direito da EU, mas o TJUE tem considerado o “encargo de efeito equivalente” como “qualquer imposição, independentemente da sua designação ou meio de aplicação”, que, incidindo especificamente sobre o produto importado de um país membro e não sobre o produto nacional similar, tenha como resultado, ao alterar o seu preço, sobre a livre circulação de produtos a mesma incidência que um direito aduaneiro. Acresce que, mesmo na ausência de medidas de harmonização (direito derivado da UE), o TJUE defende que os Estados-Membros são obrigados a permitir que mercadorias legalmente produzidas e comercializadas num Estado-Membro circulem e sejam colocadas nos seus mercados. No caso concreto, o conceito de “facto gerador” não impede que os veículos de outros Estados-membros circulem e sejam colocados no mercado nacional.

Não existe, por conseguinte, qualquer efeito discriminatório, até porque, em todos os casos, independentemente do facto gerador em causa, os veículos são tributados nos termos do artigo 7.º, sendo que, no caso dos veículos usados ainda lhes são aplicadas as reduções previstas na tabela D, do n.º 1 do artigo 11.º do CISV.

Não existe, igualmente, discriminação, impedimento à livre circulação das mercadorias, ou imposição interna, por força da aplicação ou não aplicação de um benefício fiscal previsto no CISV, porquanto o artigo 8.º é aplicado de igual modo, ou não, em função da verificação das condições relativas ao benefício, a todos os veículos, sejam eles provenientes de outros Estados-membros ou nacionais, não assentando a aplicação da taxa reduzida no facto de os veículos

serem exclusivamente nacionais. Não estando previsto na lei um critério que dependa da proveniência do veículo, o que seria potencialmente discriminatório, o veículo foi tributado, quer por força do facto gerador, quer quanto à não aplicação da taxa reduzida prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º, que também não seria aplicada a veículo nacional com as mesmas características.

Conclui a Requerida AT que a tributação em causa no processo, além de não violar qualquer princípio do TFUE, mormente o previsto no artigo 110.º, foi efetuada em cumprimento do previsto na lei em vigor aplicável aos factos, resultando comprovados os seus pressupostos e devendo ser mantido o ato tributário de ISV impugnado.

 

Ora, em 16 de Outubro de 2023, foi, no respeitante, pelo Tribunal de Justiça, (oitava secção), no processo C-349/22, produzido Acórdão do seguinte teor, no essencial:

....

Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, na data da introdução no consumo num Estado-Membro de um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado-Membro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo e da qual puderam beneficiar os veículos similares com as mesmas características relevantes que esse veículo mas que foram matriculados pela primeira vez nesse primeiro Estado-Membro.

A título preliminar, importa recordar que, sem prejuízo de determinadas exceções que não são relevantes para o presente processo, a tributação dos veículos automóveis não foi harmonizada a nível da União. Os Estados-Membros são, portanto, livres de exercer a sua competência fiscal neste domínio, na condição de o fazerem respeitando o direito da União [Acórdão de 19 de setembro de 2017, Comissão/Irlanda (Imposto de matrícula), C-552/15, EU:C:2017:698, n.° 71 e jurisprudência referida],

Por outro lado, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um imposto sobre veículos automóveis cobrado por um Estado-Membro aquando do registo desses veículos com vista à sua entrada em circulação no seu território não constitui nem um direito aduaneiro nem um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, na aceção dos artigos 28.° e 30.° TFUE. Além disso, tal imposto também não pode ser apreciado à luz do artigo 34.° TFUE, que proíbe as restrições quantitativas à importação e as medidas de efeito equivalente a essas restrições. Com efeito, um imposto como o que está em causa no processo principal constitui uma imposição interna e deve, portanto, ser examinado à luz do artigo 110.° TFUE (Acórdãos de 7 de abril de 2011, Tatu, C-402/09, EU:C:2011:219, n.os 32 e 33, e de 17 de dezembro de 2015, Viamar, C-402/14, EU:C:2015:830, n.° 33 e jurisprudência referida).

O artigo 110.° TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados-Membros, em condições normais de concorrência. Esta disposição visa eliminar todas as formas de proteção que possam resultar da aplicação de imposições internas, designadamente daquelas que são discriminatórias para produtos provenientes de outros Estados-Membros (Acórdão de 14 de abril de 2015, Manea, C-76/14, EU:C:2015:216, n.° 28). Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado [Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Portugal (Imposto sobre veículos), C-169/20, EU:C:2021:679, n.° 34 e jurisprudência referida].

Em matéria de tributação dos veículos automóveis usados importados, o artigo 110.° TFUE visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que respeita à concorrência entre os produtos que já se encontram no mercado

nacional e os produtos importados e, por conseguinte, obriga cada Estado-Membro a escolher e a estruturar os impostos que incidem sobre os veículos automóveis de maneira a não terem por efeito favorecer a venda de veículos usados nacionais e desencorajar desse modo a importação de veículos usados similares (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C-402/09, EU:C:2011:219, n.° 56, e Despacho de 17 de abril de 2018, dos Santos, C-640/17, EU:C:2018:275, n.° 17).

Ora, os veículos automóveis presentes no mercado de um Estado-Membro são

produtos nacionais desse Estado, na aceção do artigo 110.° TFUE. Quando esses produtos são vendidos no mercado dos veículos usados desse Estado-Membro, devem ser considerados produtos similares aos veículos usados importados do mesmo tipo, com as mesmas características e com o mesmo desgaste. Com efeito, os veículos usados comprados no mercado do referido Estado-Membro e os comprados, para importação e entrada em circulação no mesmo, noutros Estados-Membros, constituem produtos concorrentes (Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C-402/09, EU:C:2011:219, n.° 55, e Despacho de 17 de abril de 2018, dos Santos, C-640/17, EU:C:2018:275, n.° 16).

Assim sendo, existe uma violação do artigo 110.° TFUE sempre que o montante do imposto que incide sobre um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro exceder o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados em território nacional. Com efeito, tal situação pode favorecer a venda de veículos usados nacionais e desencorajar assim a importação de veículos usados similares (Acórdão de 19 de dezembro de 2013, X, C-437/12, EU:C:2013:857, n.os 31 e 32 e jurisprudência referida).

No caso em apreço, resulta dos elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, por um lado, o imposto em causa é um imposto sobre o consumo cobrado, nomeadamente, a todos os veículos obrigados à matrícula em Portugal e que é exigível no momento em que esse veículo é aí introduzido no consumo. Assim sendo, este imposto é aplicável aos veículos novos e aos veículos usados importados, uma vez que só é cobrado uma única vez, no momento da introdução no consumo de um determinado veículo no território português.

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio explica que o artigo 8.° do Código do Imposto sobre Veículos foi objeto de uma alteração posterior à data da primeira matrícula do veículo em causa no processo principal na Alemanha, mas antes da sua introdução no consumo em Portugal. A referida alteração destinava-se a tornar mais exigentes as condições para que um veículo pudesse beneficiar da aplicação da taxa reduzida de imposto igual a 25%.

Com efeito, como resulta do pedido de decisão prejudicial, na vigência do regime que era aplicável em Portugal ao abrigo do artigo 8.°, n.° 1, alínea d), do Código do Imposto sobre Veículos, na versão introduzida pela Lei n.° 82-D/2014, à data da primeira matrícula do veículo em causa no processo principal na Alemanha, esse veículo tinha direito a beneficiar da aplicação da taxa reduzida de imposto igual a 25%. Em contrapartida, à data da sua introdução no consumo em Portugal, o referido veículo não preenchia os requisitos para beneficiar dessa taxa reduzida na vigência do regime previsto no artigo 8.°, n.° 1, alínea d), do Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.° 75-B/2020.

Daqui resulta que veículos usados do mesmo tipo, com as mesmas características e com o mesmo desgaste, que, assim sendo, são produtos similares na aceção da jurisprudência mencionada no n.° 24 do presente acórdão, podem ser sujeitos a imposto a uma taxa diferente consoante tenham sido introduzidos no consumo em Portugal antes ou depois da alteração legislativa descrita nos n.os 27 e 28 do presente acórdão.

Neste contexto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, no momento da introdução no consumo em Portugal de um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro, tal aplicação da legislação relativa ao imposto sobre veículos conduz a que o imposto que incide sobre o veículo usado em causa exceda o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados em território nacional, criando, assim, o risco de favorecer a venda de veículos usados nacionais e de desencorajar a importação de veículos usados similares, na aceção da jurisprudência referida no n.° 25 do presente acórdão.

Em primeiro lugar, esse órgão jurisdicional deverá ter em conta, por um lado, o facto de o imposto ser cobrado à taxa plena no momento da importação e da introdução no consumo do referido veículo proveniente de outro Estado-Membro, mesmo quando preenchia os requisitos para beneficiar da aplicação da taxa reduzida de imposto igual a 25 % no momento em que foi matriculado pela primeira vez nesse outro Estado-Membro. Por outro lado, deverá ter em conta que o adquirente de um veículo usado similar, já presente no mercado português, apenas deve suportar o montante do imposto residual incorporado no valor comercial do veículo que adquire, sendo que, além disso, o valor desse imposto está ligado à referida taxa reduzida paga no momento da introdução inicial desse veículo no consumo.

A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça esclareceu que os Estados-Membros não podem instituir novos impostos ou introduzir modificações nos impostos existentes que tenham por objeto ou por efeito desencorajar a venda de produtos importados em benefício da venda de produtos similares disponíveis no mercado nacional e introduzidos no mesmo antes da entrada em vigor dos referidos impostos ou modificações (Acórdão de 19 de dezembro de 2013, X, C-437/12, EU:C:2013:857, n.° 35).

Em segundo lugar, resulta das explicações do órgão jurisdicional de reenvio que as modalidades de cálculo do imposto foram sendo progressivamente alteradas através de várias reformas legislativas, a fim de que a componente ambiental desse imposto passasse a ter em conta a depreciação resultante do tempo de uso dos veículos usados importados para Portugal.

No entanto, sob reserva das verificações que o órgão jurisdicional de reenvio deverá efetuar, tais reformas legislativas não parecem ser suscetíveis de garantir, por si só, uma aplicação do imposto compatível com o artigo 110.° TFUE. Com efeito, como resulta, em substância, do n.°31 do presente acórdão, o valor comercial dos veículos similares a um veículo como o que está em causa no processo principal, que também são comercializados no. mercado português dos veículos usados e que beneficiaram da aplicação da taxa reduzida de imposto igual a 25 % no momento da sua introdução no consumo, inclui o montante residual do referido imposto. Ora, é em relação à taxa a que este imposto foi pago que esse montante residual deve ser avaliado.

Tendo em conta os fundamentos acima expostos, há que responder à questão submetida que o artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, na data da introdução no consumo num Estado-Membro de um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado-Membro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo e da qual puderam beneficiar os veículos similares com as mesmas características relevantes que esse veículo mas que foram matriculados pela primeira vez nesse primeiro Estado-Membro, se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o mesmo veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto que é incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional dos veículos usados.

....

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

O artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, na data da introdução no consumo num Estado-Membro de um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado-Membro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo e da qual puderam beneficiar os veículos similares com as mesmas características relevantes que esse veículo mas que foram matriculados pela primeira vez nesse primeiro Estado-Membro, se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o mesmo veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto que é incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional dos veículos usados.

 

Vejamos

Sobre o tema da vinculação dos tribunais nacionais ás decisões do TJUE, .....cumpre referir com Carla Machado, citada, entre outros, no Ac. do TRL460/17.0YHLSB de 07-06-2018 pertinente é não olvidar que “ as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia constituem fonte de direito imediata, permitindo a uniformidade e a harmonização na aplicação do direito da União no território dos Estados-Membros

... partindo do princípio da lealdade europeia [ do artigo 4.º do TUE  ], pertinente é também não olvidar [ reafirma Carla Machado ] que tem o TJUE vindo a reafirmar uma série de outros princípios com vista a assegurar os objectivos da União de direito, sendo de destacar de entre eles o princípio do primado [ o qual impõe a prevalência do direito da União sobre o direito nacional , e estando o mesmo internamente plasmado na conjugação dos artigos 7.º, n.º 6 e 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa] , o princípio da interpretação conforme e o princípio da responsabilidade do Estado-juiz por violação das obrigações europeias, e dirigindo-se o primeiro também ao juiz nacional e a quem de resto incumbe fiscalizar e zelar pela aplicação do direito da União e a sua efectiva tutela jurisdicional.

Alinhando por semelhante entendimento, e no que aos efeitos materiais da decisão prejudicial - sobre a decisão a proferir no processo nacional em que foi colocada - diz respeito, chama a atenção Carla Câmara   que o tribunal que suscitou a questão e os restantes tribunais nacionais e do espaço da União estão vinculados às conclusões – bem como à fundamentação - do acórdão prejudicial, sendo razões de uniformidade as subjacentes a tal obrigatoriedade.

No mesmo sentido se pronuncia Jónatas Machado, in “Direito da União Europeia”, pág. 591/592, acrescentando: “…a sentença do TJUE vincula igualmente os demais tribunais nacionais do Estado-membro em causa e dos vários Estados-membros que se vejam confrontados com a mesma questão jurídica. A decisão adquire, por isso, uma eficácia a tender para efeitos erga omnes. Embora juridicamente se esteja perante efeitos circunscritos ao caso, e não se possa falar de preclusão de novos reenvios, os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da igualdade, da proibição do arbítrio e da discriminação e da unidade do sistema jurídico europeu acabam por determinar a vinculação dos tribunais nacionais por estas decisões”.

 

Ou seja,

Pode, ou não, o Tribunal concordar com as asserções ou conclusões do Acórdão proferido, mas delas, em rigor, não se pode afastar para produzir a decisão que lhe é acometida.

 

Sendo certo, nessa razão, que as normas em causa não permitem outra interpretação que não a referida:

O artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, na data da introdução no consumo num EstadoMembro de um veículo matriculado pela primeira vez noutro EstadoMembro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo e da qual puderam beneficiar os veículos similares com as mesmas características relevantes que esse veículo mas que foram matriculados pela primeira vez nesse primeiro EstadoMembro, se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o mesmo veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto que é incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional dos veículos usados.

 

Assim, conforme, aliás, o referido, também, na decisão n.º 350/2022, que é o sentido da jurisprudência, fortemente maioritária, do CAAD:.

(...) da conjugação do disposto no artigo 5º do Código do Imposto sobre Veículos em articulação com o direito da União, mais concretamente os artigos 26.º e 28.º a 37.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que consagram o direito à livre circulação de mercadorias, resulta que  o facto gerador do imposto para efeitos do artigo 5º do CISV deve ser entendido como, a introdução ao consumo do veículo é na Alemanha, […], que é a data de atribuição da sua primeira matrícula.                         

E, que qualquer interpretação contrária colidiria com o princípio da não discriminação constante do artigo 110.º do TFUE, ou mesmo pelo princípio da liberdade de circulação de mercadorias, que encerra igualmente uma dupla proibição, consagrados nos artigos 28º nº 1, 30º e 34º, 35º do Tribunal de Justiça da União Europeia.

Pelo que, o conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente do Direito da União Europeia, deve ser aplicado no tempo, ou seja, na data da sua primeira matrícula no país de origem ...e em consequência deve ser aplicada a taxa em vigor nessa data.

 ...será esta a data relevante para aplicação do facto gerador de imposto previsto no art. 5.º do CISV o que, assim sendo, determina a aplicação da taxa intermédia que resulta da al. d), do n.º 1 do art. 8.º do CISV, na redação que estava em vigor à data dessa primeira matrícula.

 Assim sendo, se conclui que é de aplicar a taxa intermédia de 25%, constante da al. d) do n.º 1 do art. 8.º do CISV, na redação da Lei 82-D/2014, de 31 de dezembro, uma vez que se trata de veículo ligeiro de passageiros, com motor híbrido plug-in, com bateria que pode ser carregada através de ligação à rede elétrica, com autonomia no modo elétrico de 48 km, sendo, assim, superior aos 25 km mínimos previstos na lei(...).

 

IV.3- Nessa razão, impõe-se determinar a anulação parcial, (conforme pedido), do acto tributário de liquidação de ISV, em apreço nos autos, uma vez que padece de ilegalidade, já que não considerou a redução de ISV, resultante da aplicação da taxa intermédia de 25%, constante da al. d) do n.º 1 do art. 8.º do CISV, na redação da Lei 82-D/2014, de 31 de dezembro.

 

Determinada a referida anulação dos atos tributários de liquidação e tendo o Requerente pago a totalidade do ISV liquidado, deve ser-lhe restituído o imposto indevidamente considerado, nos termos do disposto nos arts. 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT e 100.º da LGT.

 

 IV.4- Procedem, assim, os fundamentos da Requerente, reconhecendo-se a ilegalidade das liquidações efetuadas, do que resultará a sua anulação parcial, devendo ser restituído ao Requerente a quantia de €13.115,53.

 

V- DECISÃO

Termos em que:

-  Se julga improcedente a excepção de incompetência material do Tribunal.

- Se julga procedente o pedido arbitral de anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e anulação, (parcial), dos atos tributários impugnados, devendo ser restituído á Requerente a quantia de €13.115,53. 

- Se condena a Requerida nas custas do processo.

 

VI- VALOR DO PROCESSO 

Em ordem ao disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da causa em €13.115,53.

 

VII- CUSTAS 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, e Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em €918,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 11-03-2024

 

O Árbitro   

 

Fernando Miranda Ferreira