Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 4/2013-T
Data da decisão: 2013-06-17  IMI  
Valor do pedido: € 255.960,06
Tema: Caducidade dos benefícios fiscais
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Decisão Arbitral

 

 

Processo Arbitral n.° 4/2013-T

 

Acordam, nestes autos, os juízes-árbitros, Jorge Lino Alves de Sousa, presidente, Fernando Borges Araújo e Carlos Baptista Lobo, adjuntos:

 

 

1.Relatório

 

  1. O FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO A…, contribuinte fiscal n.° … ("A... 2"), FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B3, contribuinte fiscal n.° … ("B 3"), FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO , contribuinte fiscal n.° … ("C"), FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO D, contribuinte fiscal n.º … ("D"), FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO E , contribuinte fiscal n.° … ("E"), FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO F, contribuinte fiscal n.° … ("F ") e FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO G , contribuinte fiscal n.° … (""), entidades representadas por I , S.A., doravante “Requerentes”, apresentaram pedido de pronúncia arbitral, nos termos do art.° 10° do Decreto-Lei n.° 10/2011 (doravante "RJAT" - Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), de 20 de Janeiro, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT).

As requerentes pretendem a declaração da ilegalidade das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis ("IMI") emitidas pela AT, identificadas nos autos, no valor total de € 255.960,06) e a condenação da AT no reembolso dos juros indemnizatórios

 

1.2. Como fundamento do seu pedido, as requerentes alegaram, em síntese, que:

 

O A… é um fundo de investimento imobiliário fechado ("FIIF") de subscrição particular, constituído em 23 de março de 1995, e cujas unidades de participação são subscritas por investidores não qualificados.

O B… é um FIIF de subscrição particular, constituído em 17 de novembro de 2004, e cujas unidades de participação são detidas por investidores não qualificados.

O C…é um FIIF de subscrição particular, constituído em 21 de agosto de 2006, e cujas unidades de participação são detidas por investidores não qualificados.

O D… é um FIIF de subscrição particular, constituído em 26 de dezembro de 2006, e cujas unidades de participação são detidas por investidores não qualificados.

O E… é um FIIF de subscrição particular, constituído em 28 de dezembro de 2006, e cujas unidades de participação são detidas por investidores não qualificados.

O F… é um FIIF de subscrição particular, constituído em 18 de maio de 2006, e cujas unidades de participação são detidas por investidores não qualificados.

O G… é um FIIF de subscrição particular, constituído em 29 de dezembro de 2006, e cujas unidades de participação são detidas por investidores não qualificados.

As requerentes aproveitaram, até ao final do ano de 2009, da redução de taxa de IMI prevista no art.° 49.° do EBF que veio a ser revogada pela LOE 2010, sem que tivesse sido introduzida qualquer disposição transitória; e

As requerentes beneficiaram, até ao final do ano de 2009, da redução a metade da taxa de IMI aplicável prevista no art.° 49°, n.° 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais ("EBF") na redação à data (i.e. na redação dada pela Lei n.° 53-A/2006, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2007 - "LOE 2007" -, com ligeiras alterações subsequentes).

De acordo com as alterações introduzidas ao art.° 49° do EBF pela Lei n.° 3-B/2010, de 28 de abril, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2010 ("LOE 2010), foi revogado o benefício de redução da taxa de IMI aplicável aos FIIF de subscrição particular por investidores não qualificados (assim como a isenção de IMI aplicável aos restantes FIIF), sem que tenha sido introduzida qualquer norma transitória específica!

Na sequência da revogação do benefício previsto no art.° 49°, n.º 2 do EBF a AT deixou de aplicar a referida redução a metade da taxa de IMI, tendo emitido as correspondentes liquidações de IMI respeitantes aos exercícios de 2010 e 2011, considerando a taxa de IMI aplicável pela sua totalidade.

Na sequência das referidas alterações legais a AT emitiu as seguintes liquidações de IMI notificadas às requerentes, onde foi liquidado o valor total de € 511.920,11, quando, no entendimento dos Requerente, apenas deveria ter sido liquidado o valor de € 255.960,06 correspondente a 50% do valor do IMI .

O A… foi notificado das seguintes liquidações de IMI, no valor total de € 55.681,89 (correspondendo a parte contestada a € 27.840,95):

- Liquidação adicional n.° 2011…, respeitante ao ano de 2010, no valor de 5.105,64 (correspondendo a parte contestada a € 2.552,82 );

- Liquidação adicional n.° 2011…, respeitante ao ano de 2011, no valor de € 50.576,25 (correspondendo a parte contestada a € 25.288,13);

O B… foi notificado da liquidação n.° 2011…, respeitante ao ano de 2011, no valor total de € 9.492,91 (correspondendo a parte contestada a € 4.746,46

O C… foi notificado da liquidação n.° 2011…, respeitante ao ano de 2011, no valor total de € 19.096,28 (correspondendo a parte contestada a € 9.548,14)

O D… foi notificado da liquidação n.° 2011…, respeitante ao ano de 2011 no valor total de € 56.212,82 (correspondendo a parte contestada a € 28.106,41)

O E… foi notificado da liquidação n.° 2011…, respeitante ao ano de 2011, no valor total de € 353.663,60 (correspondendo a parte contestada a € 176.831,80)

O F… foi notificado da liquidação n.° 2011…, respeitante ao ano de 2011, de IMI, no valor total de € 4.869,90 (correspondendo a parte contestada a € 2.434,95)

O G… foi notificado da liquidação adicional de IMI n.° 2011…, no valor total de € 12.902,71 (correspondendo a parte contestada a € 6.451,36)

As requerentes procederam já ao pagamento voluntário das liquidações em causa

As requerentes reputam como ilegais as liquidações de IMI referidas, por entenderem ser-lhes aplicável a redução a metade da taxa IMI, prevista no art.° 49°, n.° 2 do EBF, na redação dada pela LOE 2007, com ligeiras alterações subsequentes.

E isto porque, estando em causa um benefício fiscal temporário o mesmo deve, de acordo com o disposto no art. 3o do EBF, vigorar pelo prazo de cinco anos (i.e. até 31 de dezembro de 2011).

Assim, alegam as requerentes que, apesar de ter sido revogado o benefício de redução a metade da taxa de IMI aplicável antes de o referido prazo de cinco anos ter decorrido (pela LOE 2010), considerando que de acordo quer com os art.°s 3° e 1 Io, ambos do EBF, quer ainda de acordo com princípio da proteção da confiança que lhes está inerente, essa revogação apenas produz efeitos com relação às requerentes (enquanto sujeitos passivos que dela beneficiavam) a partir de 1 de janeiro de 2012, uma vez que a norma revogatória (LOE 2010) não estabeleceu qualquer regime transitório onde fosse utilizada a prerrogativa prevista na parte final do n.° 1 do art,° 1 Io do EBF, que determinasse a aplicação imediata da nova redação da lei aos contribuintes que se encontrassem a aproveitar do benefício fiscal aplicável aos FIIF previsto no art.° 49° do EBF, na redação dada pela LOE 2007

Alegam as requerentes que os benefícios em causa se qualificam como temporários, ao contrário dos benefícios fiscais permanentes, num benefício fiscal cuja aplicação se encontra limitada no tempo e que face ao regime aplicável desde 1 de janeiro de 2007, a generalidade dos benefícios fiscais devem considerar-se temporários, já que, de acordo com o art.° 3o, n.° 1, do EBF introduzido pela LOE 2007, "As normas que consagram os benefícios fiscais constantes das partes II e III do presente Estatuto vigoram durante um período de cinco anos, salvo quando disponham em contrário".

Alegam ainda que o propósito da referência a "disposições em contrário" que consta do art.º 3o do EBF é claramente de esclarecer que, caso alguma norma que estabeleça um benefício fiscal preveja um período de vigência diferente - como é, por exemplo, o caso dos art.°s 36°, 45°, 46°, 47°, 50°, 69° e 71° do EBF, em que se estabelecem prazos diferentes de vigência de benefícios fiscais (em alguns casos superiores e noutros inferiores ao prazo geral de cinco anos) - então não se aplicará a regra geral.

Assim, encontrando-se o art.° 49° do EBF inserido na parte II do EBF, os benefícios fiscais aí previstos devem qualificar-se como benefícios fiscais temporários e, portanto, vigorar por um prazo de cinco anos (uma vez que não se encontra previsto qualquer prazo especial de vigência para esses benefícios), ou seja, no caso concreto até 31 de dezembro de 2011.

E que tal é também confirmado pelo n.° 2 do art.º 142° da Lei n.° 64-B/2011, de 30 de dezembro ("LOE 2012"), que vem prorrogar por mais cinco anos determinados benefícios fiscais temporários cuja manutenção se pretende (já que, caso contrário, os benefícios fiscais abrangidos pelo art.° 3o, n.° 1 do EBF, caducariam em 31 de dezembro de 2011), entre os quais vários benefícios fiscais da parte II do EBF e, em particular, o próprio art.° 49° do EBF,

Entendem ainda que desta norma resulta também que o legislador confirmou de forma expressa a natureza temporária destes benefícios (i.e., os constantes da parte II do EBF) pois, caso assim não fosse, não seria necessário prorrogar a sua vigência.

E, que, nestes termos, os benefícios fiscais temporários são fonte de direitos adquiridos para os contribuintes que deles beneficiem, pelo menos durante o prazo pelo qual foram inicialmente concedidos, devendo tais contribuintes ficar salvaguardados durante este prazo de normas que alterem ou revoguem os benefícios em questão.

Para demonstrar o seu entendimento, as requerentes citam dois acórdãos, afirmando que decidiu o Tribunal Constitucional, nomeadamente, no seu Acórdão n.° 410/95, proferido no âmbito do processo n.° 248/94, que "(...) sendo o beneficio fiscal concedido pelo artigo 14." do Decreto-Lei 737-A/74 de carácter temporário, pois que, valia, no máximo, durante três anos contados daquele em que se efectuou a entrada de capital, aos investidores não ocorreria que o regime legal pudesse ser modificado em termos de lhes ser retirado um tal beneficio - ou, se se quiser, sem respeitar o direito que a ele haviam adquirido. E, como não se descortinam razões de interesse público que, no caso, sejam capazes de prevalecer sobre o valor da segurança jurídica, a conclusão a extrair é a de que a confiança de tais investidores na ordem de jurídica foi violada de forma inadmissível e arbitrária”.

E que o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão n.° 16580, proferido em 4 de março de 1998 também já considerou, a propósito de um benefício fiscal temporário, que "ao não ser mantido, no novo regime tributário, sem qualquer razão aceitável um direito adquirido, que, aliás, como tal é classificado pela própria lei, haverá violação do princípio constitucional da confiança ou dos princípios da protecção, da boa fé e da segurança jurídica, todos inerentes ao Estado de Direito. Na verdade, a supressão daquele benefício afectaria as expectativas dos particulares que dele beneficiavam, pois tratar-se-ia da perda de um direito que estes, em termos de razoabilidade, não podiam prever."

Alegam ainda que a própria AT esclareceu já, no Despacho 413/2012, de 19 de Março, a propósito da revogação do art.° 43° do EBF (que previa, entre outros benefícios fiscais, uma taxa reduzida de 10% de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletiva - "IRC" - durante os primeiros cinco exercícios de atividade de entidades novas instaladas em determinadas áreas do interior de Portugal) pela LOE 2012, que o art.° 11 °, n.° 1, do EBF era aplicável, tendo entendido que tal taxa reduzida se deveria manter em vigor pelo prazo de cinco anos para as entidades instaladas antes da entrada em vigor da LOE 2012.

Concluem alegando que as liquidações de IMI a FIIF com respeito aos anos de 2010 e 2011, com aplicação da integralidade da taxa de IMI são ilegais por, dada a inexistência de disposição em contrário, violação dos art.°s 3o e 11o do EBF, e a assim não se entender, inconstitucionais, por violação dos princípios referidos acima.

 

1.3 A Requerida considera que o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelos Requerentes carece de base legal, pelos motivos seguintes:

 

Não está em causa um benefício fiscal temporário, mas antes um benefício fiscal estrutural, já que o mesmo está incluído na Parte II - Benefícios Fiscais com Caráter Estrutural e não na Parte III - Benefícios Fiscais com Caráter Temporário do EBF, concluindo tratar-se o art.° 49.° do EBF de um benefício fiscal de duração predeterminada, apesar do prazo de caducidade a que está sujeito ex vi art.0 3.° do EBF;

O art.° 3.°, n.° 1 do EBF não tem caráter impositivo, uma vez que o EBF não se trata de uma lei de valor reforçado; e o facto de o art.° 176° do EBF "consagrar a sua entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, seria, aliás, sempre suficiente por caber na previsão do art.º 11.°, n." 1, parte final do EBF.

Conclui, afirmando que a revogação dos benefícios fiscais previstos no art.° 49.º do EBF pela LOE 2010 produz efeitos imediatos a todos os sujeitos passivos, incluindo às requerentes, pelo que as liquidações adicionais realizadas são legais.

 

1.4.Em articulado superveniente (admitido pelo tribunal como alegação final), as requerentes, e na sequência do acórdão proferido no âmbito do processo n. 107/2013, reforçam os seus argumentos, referindo:

 

Que com as alterações introduzidas em matéria de benefícios fiscais pela LOE 2007 (em particular com a revogação do art.° 14." da LGT e com a introdução da atual redação do art.° 3.° do EBF) a lei deixou de fazer qualquer referência a benefícios fiscais estruturais - em virtude da ambiguidade de tal conceito - optando assim por qualificar a maioria dos benefícios fiscais constantes do EBF como temporários (tendo em conta a redação do n.° 1 do art.° 3.° EBF), e excecionando determinadas situações, que são os benefícios fiscais permanentes previstos no n.° 3 do art.° 3o do EBF.

Que desde 2007 só encontramos na legislação sucessivamente em vigor, quanto ao seu período de vigência, duas espécies de benefícios fiscais no EBF: os permanentes, constantes do elenco fechado do n.° 3 do art.° 3o do EBF, e os temporários, que vigoram pelo período de cinco anos estabelecido no art.° 3.°, n,° 1 do EBF, ou cujo prazo de vigência se encontre estabelecido no próprio texto da disposição legal em causa.

Que as normas constantes da LOE 2010 que procedem à revogação dos benefícios constantes do art.º 49.° do EBF não se tratam de verdadeiras normas orçamentais, tratando-se antes de "cavaleiros orçamentais", sendo de concluir que tais normas revogatórias não têm qualquer valor reforçado.

1.5. A Requerida, em resposta à (admitida) alegação final dos requerentes, vem reforçar os seus argumentos, dizendo.

Que os benefícios fiscais temporários são apenas os compreendidos na Parte III do EBF, e que são estruturais os benefícios contidos na Parte II, nomeadamente o referido no art.º 49.º.

E que o prazo referido n.° 1 do art.° 3.° EBF é um prazo de caducidade, não consubstanciando qualquer proibição da sua revogação nos cinco anos posteriores à sua criação.

 

1.6. Cumpre apreciar e decidir.

 

a) O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem, não foram arguidas excepções e as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e as requerentes estão regularmente representadas por Advogado, cumprindo, apreciar e decidir.

b) Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se as liquidações de IMI acima enunciadas, relativas aos exercícios de 2010 e 2011, no valor total de € 255.960,06 correspondente a 50% do valor do IMI, sofrem de ilegalidade por violação da norma de isenção.

 

2. Fundamentação de facto

 

Como pertinentes ao conhecimento e decisão da questão decidenda, o Tribunal arbitral dá como provados os seguintes factos:

i) Por considerar que a alteração introduzida ao art.º 49.º do EBF pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que aprovou o Orçamento do Estado para 2010, revogara a isenção de IMI anteriormente aplicável, a AT procedeu às seguintes liquidações de IMI aos Requerentes:

Ao A… foram efectuadas liquidações de IMI, no valor total de € 55.681,89 (correspondendo a parte contestada a € 27.840,95):

- Liquidação adicional n.° 2011…, respeitante ao ano de 2010, no valor de 5.105,64 (correspondendo a parte contestada a € 2.552,82 );

- Liquidação adicional n.° 2011…, respeitante ao ano de 2011, no valor de € 50.576,25 (correspondendo a parte contestada a € 25.288,13);

Ao B… foi efectuada liquidação de IMI (liquidação n.° 2011…), respeitante ao ano de 2011, no valor total de € 9.492,91 (correspondendo a parte contestada a € 4.746,46

Ao C… foi efectuada a liquidação n.° 2011…, respeitante ao ano de 2011, no valor total de € 19.096,28 (correspondendo a parte contestada a € 9.548,14).

Ao D… foi efectuada a liquidação n.° 2011…, respeitante ao ano de 2011 no valor total de € 56.212,82 (correspondendo a parte contestada a € 28.106,41)

Ao E… foi efectuada a liquidação n.° 2011…, respeitante ao ano de 2011, no valor total de € 353.663,60 (correspondendo a parte contestada a € 176.831,80)

Ao F… foi efectuada liquidação n.° 2011…, respeitante ao ano de 2011, de IMI, no valor total de € 4.869,90 (correspondendo a parte contestada a € 2.434,95)

Ao G… foi efectuada a liquidação adicional de IMI n.° 2011…, no valor total de € 12.902,71 (correspondendo a parte contestada a € 6.451,36)

ii) As requerentes procederam já ao pagamento voluntário das liquidações em causa.

A convicção do Tribunal fundamenta-se no acordo das partes relativamente aos factos dados como assentes e nos documentos com que as requerentes instruíram o seu pedido.

 

3. Fundamentação de direito

3.1 Quanto à natureza da norma constante do art.º 3, n.º 1 do EBF.

A norma que estabelece um prazo de vigência dos benefícios fiscais de cinco anos constava originariamente do artigo 14.º da LGT, na sua redacção inicial. Porém, a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro transpôs essa disposição para o EBF, mantendo, no entanto, o sentido teleológico inicial.

O princípio subjacente a estas disposições é o da limitação temporal de vigência dos benefícios fiscais. Efectivamente, na sequência de diversas críticas efectuadas pela doutrina ao status quo anterior, o legislador optou, por via desta técnica legal, evitar aquilo que se denominava de “cristalização dos benefícios fiscais”. Este fenómeno traduzia uma tendência de permanência exagerada de determinadas normas excepcionais que, uma vez adoptadas, vigorariam indefinidamente na ordem jurídica devido à ausência de uma apreciação de manutenção da sua oportunidade.

De facto, a norma de benefício fiscal deverá ser entendida como norma excepcional que extrai do âmbito de incidência de uma norma (a tributação-regra) uma qualquer realidade económica que não é por essa via tributada dada a existência de um interesse excepcional sectorial superior ao que legitima a tributação.

Porém, esse interesse superior que extrai a realidade da incidência positiva deve ser periodicamente ponderado. Se tal não acontecer poderá acontecer que benefícios fiscais injustificados vigorem no tempo, ainda que na ausência de qualquer interesse excepcional sectorial que os legitime. Esta última situação é intolerável na óptica do princípio da igualdade fiscal.

O artigo 14.º da LGT, na sua redacção originária e subsequentemente o artigo 3.º n.º 1 do EBF configuram-se, assim, enquanto sunset clauses, estabelecendo a caducidade dos benefícios abrangidos pelo seu âmbito ao fim de um período de tempo estipulado, in casu, cinco anos, o que obriga o legislador a uma periódica reconfirmação da vigência do mesmos, ou seja, a uma apreciação da manutenção da sua justificação extra-financeira atenta a força normalizadora da tributação-regra.

Porém, na versão originária da LGT, essa sunset clause só deveria ser aplicada quando o benefício não tivesse uma natureza estrutural, pois só assim seria necessária essa reponderação dada a sua particular fragilidade perante a força impositiva da tributação-regra. No caso do benefício se configurar como estrutural, já não seria necessária essa reponderação periódica pois a sua força intrínseca, decorrente da força auto-justificativa dos fins extra-financeiros que prosseguia, afastaria de forma perene a atractividade natural no regime de tributação regra. Daí a sua denominação de benefício estrutural.

Assim, e por outras palavras, os benefícios estruturais auto-justificavam-se permanentemente sendo intrinsecamente estáveis enquanto que os demais benefícios tinham uma auto-justificação menos sólida, uma fez que o interesse extra-financeiro subjacente era mais ténue, pelo que deveriam ser reconfirmados periodicamente.

Este regime de transitoriedade dos benefícios fiscais foi aprovado no momento em que o Professor António de Sousa Franco era Ministro das Finanças, e segue a orientação que constava já do projecto de Estatuto dos Benefícios Fiscais (in Estatuto dos Benefícios Fiscais, esboço de um Projecto, Lisboa, 1969) da sua autoria, conjuntamente com Alberto Xavier, revisitada por Pitta e Cunha (in A Reforma Fiscal, Lisboa, 1990, págs. 96 e segs) que preconizava justamente um limite de cinco anos para a duração dos benefícios fiscais.

3.2 Benefícios Fiscais Estruturais e restantes Benefícios Fiscais.

A ratio do artigo 3.º n.º 1 do EBF é, como se referiu, obrigar à reapreciação periódica da justificação dos benefícios fiscais. Porém, essa obrigação só é exigível no caso dos benefícios fiscais que não revistam natureza estrutural. Ora, no momento inicial, ou seja, na vigência do artigo 14.º da LGT, o EBF estava efectivamente identificava os benefícios fiscais estruturais autonomamente. Com a sequência de revisões, o legislador sentiu a necessidade de enumerar aqueles que considerava como estruturais, ou seja, aqueles que não necessitam da reconfirmação periódica. Essa é precisamente a função do n.º 3 do artigo 3.º do EBF, quando refere que o disposto no n.º 1 não se aplicação “aos benefícios fiscais constantes dos artigos 16.º, 17.º, 18.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 32.º,44.º,60.º e 66.º-A, bem como ao Capítulo V da parte II do (…) Estatuto” (em 2010 aos benefícios fiscais constantes dos artigos 14.º, 15.º, 21.º, 22.º, 22.º-A, 22.º-B,e 44.º-A, bem como ao Capítulo V da parte II do (…) Estatuto”).

Tal significa que, actualmente, os benefícios fiscais aplicáveis aos Fundos de Pensões, Regime Público de Capitalização, Contribuições das Entidades Patronais para a Segurança Social, Fundos Poupança Reforma e Planos Poupança Reforma, Fundos de Investimento, Fundos de Capital de Risco, Fundos de Investimento Imobiliário em Recursos Florestais, SGPS, Isenções relativas a Bens Imóveis, Reorganização de Empresas e às Cooperativas têm uma natureza estrutural, enquanto todos os outros devem ser alvo desta reapreciação periódica.

Neste quadro, poderemos afirmar que, num jogo de ponderação de expectativas, os benefícios estruturais implicam uma maior expectativa de manutenção de vigência do que um benefício meramente conjuntural. Qualquer argumentação em sentido contrário padece de incoerência; nunca poderemos dizer, em circunstância alguma, que o benefício estrutural implicaria uma expectativa de manutenção de vigência inferior à que resultaria de um benefício não estrutural. A não exigência da sua revisão indicia uma maior estabilidade na perspectiva do legislador.

3.3- A manutenção dos direitos adquiridos, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do EBF.

Os benefícios fiscais constituem-se como normas de direcção socio-económica, uma vez que, pela sua aplicação, o legislador pretende que os contribuintes adoptem uma determinada conduta tendo em vista a salvaguarda de interesses públicos de ordem extra-financeira. Isso significa que, sendo o contribuinte levado à realização de um determinado comportamento, se existir uma alteração de orientação legislativa, ele deverá ser protegido perante as expectativas criadas. Assim, a tutela das expectativas do contribuinte, numa situação de revogação de benefício fiscal aplicável a uma situação jurídico-fiscal duradoura, constitui-se como uma questão de confiança e segurança jurídica, cujo regime positivo poderá ser extraído do n.º 1 do artigo 11.º do EBF. Aí refere-se que “as normas que alterem benefícios fiscais convencionais, condicionados ou temporários, não são aplicáveis aos contribuintes que já aproveitem do direito ao benefício fiscal respectivo, em tudo que os prejudique, salvo quando a lei dispuser em contrário”. O n.º 2 do mesmo artigo alarga o conceito de direitos adquiridos aos benefícios fiscais que se fundamentem em regime de direito comum que limite os direitos dos contribuintes, especialmente quando restrinja os poderes de disposição ou fruição de bens.

Neste quadro, o legislador concretiza, numa norma legal positiva, aquilo que decorre de um equilíbrio entre a estabilidade da posição jurídica do contribuinte que usufui do benefício fiscal ou que desenvolveu uma actividade condicente e as necessidades financeiras do Estado que obrigam, muitas vezes, a alterações da norma fiscal com prejuízo dos particulares. E, nesse equilíbrio, refere que os direitos decorrentes de benefícios fiscais convencionais, condicionados, temporários, ou que se fundamentem em regime de direito comum que limite os direitos dos contribuintes deverão ser salvaguardados.

Esta é uma norma indicativa, uma vez que caso a intensidade do interesse público na arrecadação da receita seja esmagadora, o interesse privado de protecção patrimonial será sempre sacrificado. Daí a ressalva permanente de existência de lei em sentido contrário. Por outro lado, e no limite, a ponderação será sempre efectuada na óptica da tutela constituicional da confiança e da segurança jurídica, mas também esse juízo será balizado pelos intensidade dos interesses em presença.

Não obstante, este dispositivo legal dota o intérprete de alguns instrumentos úteis para a apreciação de casos concretos, estabelecendo uma medida de análise que, na generalidade das situações, se apresenta como equilibrada e ponderada.

Assim, e mantendo a nossa apreciação ao conteúdo integrante do n.º 1 do artigo 11.º, verificamos a existência de uma protecção aditivada dos benefícios fiscais: i) convencionais (nomeadamente os decorrentes de contratos fiscais, na óptica da regra pacta sunt servanda) já que, comprometendo-se os contribuintes a determinados objectivos, maxime, de investimento, num determinado período de tempo, seria de todo atentatório da segurança jurídica que as regras de fruição do benefício fossem alteradas na vigência do mesmo; ii) condicionados, uma vez que estando os contribuintes sujeitos a determinadas condições, se eles as cumprirem, nomeadamente no que diz respeito à concretização de metas, seriam totalmente desequilibrado que a norma de benefício deixasse de ser aplicável por alteração legal na vigência do compromisso; e; temporários.

3.4 Será o benefício constante do artigo 49.º do EBF um benefício temporário?

Efectivamente, a generalidade da doutrina entende os direitos decorrentes de benefícios fiscais temporários deverão ser mantidos até ao termo da vigência originária dos mesmos, mesmo em caso de revogação da norma de isenção em momento prévio. O princípio de salvaguarda é idêntico ao subjacente aos benefícios convencionais e condicionados: se existe uma indicação de perenidade do benefício o contribuinte cria legítimas expectativas que deverão ser tuteladas na óptica do princípio da segurança jurídica.

Entendemos, no entanto, que o artigo 49.º do EBF não se pode qualificar como benefício temporário, na perspectiva adoptada pela doutrina e pelo n.º 1 do artigo 11.º do EBF. Efectivamente, não é legítimo efectuar uma distinção binária ao nível dos benefícios constantes do EBF entre estruturais e temporários. Essa distinção não existe: o que existe são benefícios fiscais estruturais (os identificados no n.º 3 do artigo 3.º do EBF) e outros benefícios sujeitos à sunset clause prevista no n.º 1 do artigo 3.º do EBF). O facto da sua reapreciação ter que ser realizada em prazos de cinco anos não os qualifica como temporários na perspectiva legal. Porém, os benefícios temporários também não se limitam aos constantes na Parte III do EBF, mas englobam todos os que contenham no seu regime uma data específica de vigência, ou seja, uma previsão explícita de aplicação do regime. Englobam-se neste tipo de benefícios regime como o das entidades licenciadas na Zona Franca da Madeira que estabelece que “os rendimentos das entidades licenciadas, a partir de 1 de Janeiro de 2007 e até 31 de Dezembro de 2013 (…)” (artigo 36.º n.º 1 do EBF, ou seja, fora da Parte III do EBF) ou o regime fiscal dos residentes não habituais que estabelece que “o sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português” (artigo 16.º n.º 7 do CIRS, ou seja, fora do EBF). Por sua vez, o artigo 74.º do EBF, referente aos seguros de saúde não se afigura como benefício temporário apesar de constar da Parte III do EBF.

3.5 Não se nega que o n.º 1 do artigo 3.º do EBF pretente regular e estabilizar as relações jurídico-fiscais. Neste quadro, o beneficário sabe antecipadamente que o benefício (que não estrutural) será reapreciado em cada cinco anos, o que permite criar uma expectativa, que entendemos que não é de estabilidade, mas de instabilidade do benefício em causa já que a sua existência é problematizada ciclicamente. Neste sentido, o “Pacto para a Estabilidade dos Benefícios Fiscais” alegado pelas requerentes fará sentido relativamente aos benefícios fiscais estruturais ou permanentes, mas não relativamente aos restantes, se estes não tiverem um prazo de vigência compromissório expressamente referido.

Note-se que uma concepção binária de benefícios fiscais, distinguindo-os entre estruturais e temporários, ou entre permanentes e temporários, como parecem fazer as requerentes e a Requerida, origina um problema básico insustentável. Nessa concepção, o legislador poderia livremente revogar benefícios fiscais estruturais ou permanentes, mas não o poderia fazer relativamente aos temporários (estes entendidos como categoria residual não integrando os estruturais ou permanentes) fora do prazo de apreciação cíclica. Isso não faz o mínimo sentido atento o princípio da segurança jurídica e da tutela da confiança já que se traduziria numa desvalorização da legitimação intrínseca do benefício fiscal estrutural (ou permanente) que, pela sua justificação superior que legitima a sua qualificação aditivada e portanto a sua imunidade perante a sunset clause merece que o seu beneficiário seja protegido de forma superior atenta a sua estabilidade face ao beneficiário de um outro beneficio fiscal constante do EBF mas que não atinja essa qualificação.

A qualificação de beneficio fiscal enquanto beneficio temporário não decorre, portanto, da necessidade da sua revisão cíclica (que é indiciadora, ao invés, de uma fragilidade estrutural do mesmo) mas de uma salvaguarda adicional na norma de estatuição e que consiste na fixação positiva e explícita de um prazo de vigência expresso para a fruição do mesmo.

Este é o compromisso do Estado perante o contribuinte, em termos semelhantes ao que ocorre com os benefícios fiscais convencionais e condicionados.

Finalmente, poder-se-ia sempre efectuar uma análise, exterior ao quadro normativo do n.º 1 do artigo 3.º do EBF, tomando em consideração única e simplesmente o princípio da segurança jurídica e da tutela da confiança. E nesse caso, teria que se averiguar se os requerentes só teriam efectuado as operações em causa no pressuposto de fruição do benefício fiscal. E que, no caso da sua revogação, as expectativas geradas teriam sido violadas já que o benefício fiscal seria indispensável à economia do negócio celebrado, num juízo aproximado ao constante no n.º 2 do artigo 11.º do EBF. No entanto, e perante a configuração dos FII em causa, não consideramos que esse juízo possa ter viabilidade.

Estamos deste modo a concluir que as liquidações de IMI, em parte impugnadas, não sofrem de vício de violação de lei; e uma interpretação jurídica, como a nossa, que uma tal conclusão alcança, não afronta, antes respeita, Constituição, nas suas normas e princípios,

 

4. Decisão

Destarte, atento tudo o exposto, acordam, neste Tribunal Arbitral, em julgar improcedente o pedido formulado pelas requerentes no presente processo arbitral tributário quanto à ilegalidade das liquidações de IMI e respectivos juros indemnizatórios, respeitantes aos exercícios de 2010 e 2011

De acordo com o disposto no art.º 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em € 255.960,06.

 

Nos termos do art.º 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4 896,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo devidas pelas requerentes, solidariamente.

 

Lisboa, 17 de Junho de 2013

Os árbitros

 

 

 

Jorge Lino Alves de Sousa

 

 

 

Fernando Borges Araújo

 

 

 

Carlos Baptista Lobo, relator