Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 122/2012-T
Data da decisão: 2013-05-29  IRC  
Valor do pedido: € 29.314,81
Tema: Derrama - RETGS
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Decisão Arbitral

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Derrama e Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades

Processo n.º 122/2012-T

DECISÃO ARBITRAL

Requerente: A…, Lda. contribuinte …, com sede em … Oeiras (doravante Requerente);

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida).


 

I – RELATÓRIO

1. A Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT).

2. Optou por não designar árbitro, pelo que a constituição do Tribunal Arbitral se processou nos termos do n.º 1 do artigo 6.º e no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, mediante decisão do Presidente do Conselho Deontoló­gico do Centro de Arbitragem Administrativa, tendo sido designado árbitro Tomás Maria Cantista de Castro Tavares, ora signatário.

3. O tribunal arbitral foi constituído no dia 24/1/2013 e a reunião prevista no art. 18.º do RJAT teve lugar no dia 15/3/2013.

4. Em síntese, a Requerente sustenta a sua pretensão no seguinte:

(i) Integra um grupo de sociedades (“Grupo”), de que é a sociedade dominante, o qual está sujeito ao Regime Geral de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), previsto e regulado no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (doravante CIRC), atualmente sob o art. 69.º e ss. e outrora no artigo 63º e ss.;

(ii) A derrama devida no exercício de 2011 (apurada na autoliquidação de IRC entregue em Maio de 2012) deve se apurada com base no lucro fiscal / lucro tributável consolidado do grupo de sociedades – e não, como sustenta a AT, com base no lucro tributável de cada uma das sociedades que compõem o grupo.

(iii) Em consequência, solicita a declaração de ilegalidade parcial da liquidação 2012 …, na parte que resultou no apuramento de derrama no montante de 29.314,81€, solicitando o reembolso dessa quantia acrescida de juros indemnizatórios.

(iv) Sustenta a sua pretensão na jurisprudência do STA e do CAAD e na alteração legislativa introduzida pelo artigo 57.º da Lei do Orçamento do Estado para 2012, o qual alterou o n.º 8 do artigo 14.º da Lei das Finanças Locais (“LFL”) de modo a consagrar de forma expressa o en­ten­dimento propugnado pela Requerida nos presentes autos – e esse pre­ceito não dispõe de caráter interpretativo, sob penas de ilegal e in­cons­titucional aplicação retroativa das normas de incidência tributária.

5. Na sua contestação a AT invocou determinadas exceções:

(i) A AT é parte ilegítima, pois a legitimidade passiva para intervir em processos em que se discuta a legalidade de um ato de liquidação de uma Derrama Municipal cabe aos Municípios – são eles a entidade competente para administrar este tributo e os seus sujeitos ativos.

(ii) Daqui – qualidade de sujeito ativo e competência de administração – resulta também, um interesse premente dos Municípios em agir o que reforça a sua legitimidade para ser parte no processo.

(iii) Por isso, impor-se-ia a intervenção provocada dos Municípios nos processos que tenham por objeto a Derrama Municipal.

(iv) Essa intervenção provocada justifica-se ainda porque os Municípios, sendo os beneficiários diretos da Derrama Municipal (pois, o Estado transfere para eles o produto da cobrança), terão um interesse direto no resultado da ação por ficarem obrigados ao reembolso das quantias recebidas em caso de um eventual decaimento do presente litígio.

(v) A AT não tem capacidade de representação dos Municípios, porque essa competência é, nos termos do artigo 7º do DL 433/99 (diploma que aprovou o CPPT), atribuída ao representante da Fazenda Pública.

(vi) Até porque nem o RJAT nem a Portaria 112-A/2011 (Portaria de Vinculação) conferem, no entendimento da Requerida, ao dirigente máximo da AT o papel de representante de outra entidade que não a própria AT (anteriormente DGCI e DGAIEC).

(vii) Não estando os Municípios vinculados às decisões do Tribunal Arbitral este será incompetente para dirimir o mérito da questão.

(viii) A requerente pretende verdadeiramente atacar o Despacho do SEAF 938/2010: e isso é sindicável por uma ação administrativa especial e nunca através da presente ação arbitral.

6. À cautela, sem conceder, a AT sustenta, por impugnação, a legali­da­de da liquidação. Rebate os argumentos invocados, nomeadamente questionando a base legal que sustenta que os prejuízos tributáveis de algumas das sociedades do grupo possam influenciar a base tributável das Derramas das demais sociedades dominadas que integram o perímetro do grupo, invocando, em síntese, os seguintes argumentos:

(i) A natureza da derrama e a sua relevância no ordenamento jurídico-fiscal nacional, especialmente a sua relevância para a autonomia financeira e fiscal dos municípios (desígnios constitucionalmente consagrados) legitimaria a posição da Requerida.

(ii) Assim, e considerando a tipologia dos impostos dominante na Doutrina portuguesa, a Requerida conclui que a Derrama Municipal assume a natureza de um imposto geral, ordinário, direto, real, periódico e não estadual (o sujeito ativo do imposto é o Município, enquanto pessoa coletiva de direito público).

(iii) Relativamente à perspetiva imposto principal ou acessório ou independente, considera a Requerida que, à face da nova Lei das Finanças Locais – Lei 2/2007 – a Derrama deixou de assumir natureza acessória, e possui agora total autonomia e apenas se socorre das regras de cálculo do IRC para apuramento do lucro tributável.

(iv) Em face desta posição e do disposto na LFL, a Recorrida conclui:

O município correspondente à área geográfica no qual é gerado o rendimento é o sujeito ativo do imposto, podendo haver tantos sujeitos ativos quantos os municípios onde uma sociedade gera rendimentos.

Quanto à incidência real, esta recai sobre o lucro tributável das sociedades, sendo que para efeitos de determinação da base de incidência da Derrama Municipal, o legislador se socorreu dos mecanismos previsto no Código do IRC.

Havendo um grupo de sociedades tributadas pelo RETGS, cada sociedade que integra esse perímetro deve, para efeitos de Derrama, ser tributada tendo por base o seu próprio lucro tributável.

Pelo que a tese assumida na jurisprudência do STA nesta matéria não tem cabimento, sendo que, na opinião da Requerida, aderir a tal posição será denegar a concretização dos desígnios constitucional­men­te consagrados e legitimar o reforço das assimetrias entre Municí­pios, o que é contrário à Constituição.

A nova redação introduzida pela Lei nº 64-B/2011 (Lei do OGE para 2012) ao artigo 14º da Lei 2/2007 (Lei das Finanças Locais) visou reparar a sua desadequação face à Lei Fundamental, pois, a partir dessa al­te­ra­ção ficou consagrado, expressamente, que “quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a Derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115º do Código do IRC.”

O propósito desta alteração visou obstar à dimanação de jurisprudência eivada de inconstitucionalidade – violação dos princípios constitucionais ínsitos nos artigos 81º, 104º e 238º da CRP.

(v) Em face do exposto na sua contestação, a Recorrida conclui que a Derrama Municipal liquidada não padece de qualquer irregu­la­ridade, sendo manifestamente conforme à lei, razão pela qual não de­ve ser deferida a sua pretensão de restituição da Derrama auto­liquidada.

9. Ambas as partes realizaram alegações orais.


 

II – DAS EXCEÇÕES INVOCADAS

As questões objeto do presente processo estão já de­vida­mente tratadas, de forma uniforme, na abundante jurisprudência do STA (proc. 909/10, de 2/2/2011; proc. 309/11, de 2/6/2011, proc. 234/12 de 2/5/2012; proc. 206/2012, de 5/7/2012 e proc. 265/12, de 5/7/2012) e do CAAD (proc. 82/12-T; 19/11-T; 2/12-T; 5/12-T; 16/12-T;23/11-T; 40/12-T; 38/12-T; 18/11-T, 53/12-T e 112/12-T). Concorda-se integralmente com os raciocínios, jul­ga­mento, ponderação, corolários e conclusões que esses acórdãos dão às questões suscitadas. A presente Sentença seguirá de perto, com a devida vénia, o teor das Sentenças do CAAD nos processos 112/2012-T, 53/2012-T e 5/2012-T, que sistematizam e decidem as questões com clareza e justeza.

1. Da competência do Tribunal Arbitral

1.1 Cumpre apreciar, em primeiro lugar, a exceção da (in)competência do Tribunal Arbitral, pois, a considerar-se que o tribunal é incompetente para julgar a questão suscitada, não poderá analisar todas as restantes questões apresentadas, quer pela Requerente, quer pela Requerida.

1.2. A Requerida fundamenta a sua pretensão no facto de, no que se refere à Derrama Municipal, a AT apenas ter funções de arrecadação do imposto, o qual deve, posteriormente, entregar ao município.

1.3. Pelo que, conclui, a Requerida, a legitimidade passiva para intervir no processo em litígio pertencerá, não à AT, mas aos Municípios, os su­jei­tos ativos deste imposto e titulares de um interesse direto na sua reso­lu­ção.

1.4. A incompetência do Tribunal Arbitral decorrerá também do facto de os municípios não se encontrarem submetidos à jurisdição arbitral, por falta de vinculação.

1.5. “…., em geral a competência do tribunal deve ser aferida em função do pedido formulado pelo autor e dos fundamentos (causa de pedir) que o suportam, tendo em conta o modo como surgem formulados na petição inicial, independentemente da sua procedência ou não. A competência apura-se, portanto, de acordo com o quid disputatum ou o quid decidendum tal como o mesmo é configurado pelo auto (vd., assim, entre muitos os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04.03.2010, proc. 2425/07.1TBVCE.P1.S1 e de 10.12.09, proc. 09S0470, divulgados em www.dgsi.pt).”

1.6. Pelo que, também neste caso, conforme a decisão no Processo 53/2012-T, “…o pedido formulado pela Requerente é a declaração parcial da ilegalidade do acto de autoliquidação da Derrama Municipal, estando, pois, relacionado com a forma de liquidação deste imposto no âmbito da existência de um grupo tributários sujeito ao RETGS. Ora, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT, e em atenção ao disposto no artigo 2º da Portaria nº 112-A/2011 a competência dos tribunais arbitrais inclui a apreciação da ilegalidade dos actos de liquidação de impostos. Da referida Portaria, resulta ainda claro, que a AT está vinculada à jurisdição dos Tribunais Arbitrais, quando se trate de impostos que sejam administrados pela Requerida, ou seja, pela própria AT.”

1.7. Assim, é evidente que a Derrama Municipal, apesar de a receita reverter para os Municípios, é administrada pela AT – cfr. n.ºs 8 a 10 do artigo 14.º da LFL, na sua redação em 2009, bem como dos n.ºs 9 a 11 da Lei do OGE para 2012.

1.8. Na verdade, é à AT que compete conduzir o procedimento de liquidação e cobrança da Derrama Municipal, confirmando os valores declarados e liquidados pelos sujeitos passivos, que cabe emitir liquidações adicionais e/ou oficiosas, e também fiscalizar o cumpri­mento das obrigações tributárias em sede deste imposto.

1.9. É também à AT que compete apreciar e decidir sobre reclamações graciosas interpostas pelos sujeitos passivos (sobre IRC e derrama).

1.10. Desta forma, não restam quaisquer dúvidas quanto à compe­tên­cia exclusiva da AT para a prática dos atos de administração da Derrama Municipal, apesar dos municípios serem os credores tributários da receita arrecadada e os sujeitos ativos da relação tributária.

1.11. Assim, sendo o Tribunal Arbitral competente para julgar questões re­la­tivas a impostos que sejam administrados pela AT, aqui Requerida, jul­ga-se improcedente a invocada exceção de incompetência do Tribunal Arbitral.

2. Da Ilegitimidade Processual da Administração Tributária e do Incidente da Intervenção Provocada.

2.1. A legitimidade ativa no procedimento tributário é atribuída à “admi­nis­tração tributária”, como decorre do n.º 1 do artigo 9.º do CPPT, pelo que no caso da Derrama Municipal é a AT que tem competência para intervir nos procedimentos respetivos, inclusivamente para apreciar reclamações graciosas e recursos hierárquicos.

2.2. Assim, a determinação de quem é o credor tributário é irrelevante para o apuramento da legitimidade processual. O aspeto relevante para este apuramento é determinar a quem a lei atribui competência para a liquidação e cobrança do tributo.

2.3. O mesmo se aplica necessariamente ao processo judicial tributário, pois o n.º 4 do artigo 9.º do CPPT atribui competência para os processos judiciais “às entidades referidas nos números anteriores”, incluindo ne­cessa­riamente a “administração tributária” mencionada no n.º 1 do referido artigo.

2.4. Não se encontra, nas normas que regulam o processo de im­pugna­ção judicial (em relação ao qual o processo arbitral é alter­nativa – cfr. preâmbulo do RJAT e n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), que permita intervenção do credor tributário, como tal (quan­do não for simultaneamente “administração tributária” por ser quem li­qui­da e cobra o imposto).

2.5. Sendo o mencionado art. 9.º, n.º 4 do CPPT norma especial so­bre a legitimidade no processo judicial tributário, fica afastada a re­gra do artigo 26.º do Código do Processo Civil invocada pela Requerida.

2.6. Também as demais normas para pretensamente fundamentar a ile­gi­timidade passiva da AT – artigo 7º do Decreto-Lei nº 433/99 (diploma que aprovou o CPPT) e artigo 54º nº 2 do ETAF - não têm aplicação no caso em apreço.

2.7. Quanto ao segundo dos citados preceitos (que determina que quando “estejam em causa as receitas fiscais lançadas e liquidadas pelas autarquias locais, a Fazenda Pública é representada por licen­cia­do em direito ou por advogado designado para o efeito pela res­petiva autarquia”) o mesmo é afastado porque, conforme anteriormente de­mons­trado, não compete aos municípios o lançamento e liquidação da Derra­ma Municipal.

2.8. Pelo mesmo motivo não será de aplicável o disposto no artigo 7º do Decreto-Lei 433/99, já que, conforme resulta evidente do seu conteú­do e epígrafe, este se aplica exclusivamente a “tributos administrados por autarquias locais”, o que, como já se demonstrou, não é o caso da Derrama Municipal.

2.9. Assim, tal como se refere no Acórdão proferido no âmbito do Processo nº 22/2011-T do CAAD, e que, com a devida vénia se reproduz, “assegurando a AT, nos termos legalmente previstos, a administração da Derrama Municipal relativamente a cujos atos intermédios ou finais (administrativos) detém a competência decisória, parece ser de concluir assistir a essa entidade os poderes para a representação da entidade credora em juízo arbitral no que tange à legalidade de atos de liquidação ou de autoliquidação da receita tributária a que se reportam os autos.”

2.10. Ora, atuando a AT, em sede de Derrama Municipal, ao abrigo de um mandato de natureza pública, cabendo a esta os poderes de representação em juízo e estando em causa apenas a legalidade do ato praticado pela AT (e definir o eventual direito a juros indemniza­tórios), não é necessária a intervenção dos municípios no presente processo arbitral “para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal”, como é requisito do litisconsórcio necessário, quando não está especialmente previsto na lei, nos termos do n.º 2 do artigo 28.º do CPC.

2.11. Ora, não havendo tal disposição, conclui-se pela legitimidade passiva, em exclusivo, da AT para estar em juízo no presente processo.

2.12. E, em base da conclusão quando a essa competência exclusiva da AT, considera-se prejudicada a apreciação prévia da intervenção principal provocada dos Municípios.

2.13. A atribuição de competência à AT para liquidar e cobrar a derrama é compatível com a autonomia e dignidade dos municípios vertida na CRP – artigos 238.º, 241.º e 254.º, os quais não são violados no presente caso, com a cisão entre o sujeito ativo do tributo (município) e competência estadual de liquidação e cobrança por parte da AT, nos termos e condições descritas pela lei e definidas pelos Municípios.

3. Da impugnação da liquidação ou do Despacho do SEAF 938/2010.

3.1. A Requerida invoca que a impugnação da autoliquidação não se estribaria na orientação genérica do Ofício Circulado 20132 mas no Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais 938/2010 – e que assim sendo, deveria intentar uma ação administrativa especial, não tendo o tribunal arbitral competência para conhecer desse tipo de ações judiciais.

3.2. A Requerida não tem razão: a Requerente impugna uma liquidação de imposto IRC e derrama (autoliquidação) – e aqui o tribunal arbitral tem claramente competência (art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT).

3.3. A requerente, ao impugnar a liquidação de imposto, invoca simplesmente o conteúdo de pronunciamentos administrativos que conhece sobre o assunto, como forma de melhor explanar a sua argumentação (numa licita lógica de procurar o contraditório e exaustividade argumentativa). Mas não impugna esses pronunciamentos administrativos, que nem tem porque os conhe­cer total e profundamente; impugna a liquidação de imposto – como resulta claro da sua petição inicial e pedido.


 

III – SANEAMENTO

O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 5.º, 6.º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março.

O processo não enferma de vícios que o invalidem. O Tribunal pronun­ciou-se sobre todas as questões prévias suscitadas, considerando-as im­pro­cedentes e impondo-se, por isso, apreciar o mérito do pedido e da causa.


 

IV – FACTOS PROVADOS

1. A Requerente encabeça um grupo de sociedades, de que é a sociedade dominante e o qual está sujeito ao RETGS, previsto e regulado nos artigos 69º e seguintes do CIRC.

2. Em 30/5/2012, entregou a sua Declaração Modelo 22 (a declaração do Grupo), relativa ao IRC, calculando a derrama segundo o seu entendimento (soma dos valores de derrama das empresas do grupo).

3. Em 2/7/2012, a requerente foi notificada pela AT do alegado erro no preenchimento da Modelo 22, por entender que a derrama municipal deve ser calculada com base no lucro individual de cada uma das sociedades que integram o grupo – com liquidação adicional em conformidade de 29.314,81€, por diminuição do valor a reembolsar à Requerente.

4. A requerente deduziu a presente arbitragem contra essa liquidação solicitando anulação parcial da liquidação, com devolução, com juros, dessa quantia de derrama paga em excesso.

Os factos acima mencionados resultam provados pelos documentos anexados pelas partes (não contestados ou impugnados), não se tendo provado outros factos considerados relevantes para a decisão objeto do presente processo.

As partes concordam muitos dos factos relevantes do presente pro­ces­so: valor da derrama em disputa (29.314,81€) e existência e composição das entidades que integram o perímetro de consolidação fiscal.


 

V – FUNDAMENTOS DE DIREITO

Segue-se, por concordância plena, o sentido da abundante juris­pru­dên­cia do STA e do CAAD sobre este assunto (cfr. ponto II supra), em espe­ci­al o teor das Sentenças do CAAD nos processos 112/2012-T, 53/2012-T e 5/2012-T.

1. Da questão da base de incidência da Derrama Municipal no contexto de um grupo de sociedades sujeitas ao RETGS

1.1. A questão principal neste processo é a de determinar se a tributação da Derrama Municipal, no caso particular de sociedades sujeitas ao RETGS, previsto nos artigos 69.º e seguintes do CIRC se faz com base no lucro tributável individual de cada uma das sociedades ou com base no lucro tributável global do grupo.

1.2. “Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria co­letável em relação a todas as sociedades do grupo” (art. 69.º, n.º 1, do CIRC).

1.3. “… o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.” (art. 64º, n.º 1, do CIRC)

1.4. Igualmente relevante para a apreciação desta questão é o disposto no artigo 14º da Lei 2/2007 (Lei as Finanças Locais), que estabelecia que “Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma Derrama, até ao limite de 1.5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza …”.

1.5. Com base nestas disposições, em particular a menção na última destas à possibilidade da Derrama Municipal poder ser lançada “sobre o lucro tributável sujeito e não isento” de IRC, justificava-se a inter­pre­ta­ção de que a Derrama Municipal tinha como base de incidência o lucro tributável global do grupo e não aquele correspondente a cada so­ciedade individualmente considerada.

1.6. Esta conclusão resulta do facto dos lucros individuais de cada uma das sociedades não estarem sujeitos a IRC, servindo apenas de base para determinação do lucro consolidado do grupo, esse sim sujeito a IRC.

1.7. Ainda assim, a AT adotou o entendimento oposto, o qual foi explanado no Ofício Circulado nº 20.132 que estabelece que “No âmbito do regime especial de tributação de grupos de sociedades, a determinação do lucro tributável do grupo é feita pela forma referida no artigo 64º do Código do IRC, correspondendo à soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais. Se é verdade que nas declarações periódicas individuais não há um verdadeiro apuramento da coleta, o mesmo já não se pode dizer relativamente ao lucro tributável. Com efeito, cada sociedade apura um lucro tributável na sua declaração individual. Assim, para as sociedades que integram o perímetro do grupo abrangido pelo regime especial de tributação de grupos de so­ciedades, a Derrama deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma das sociedades na sua declaração, sendo preenchido, também individualmente, o Anexo A, se for caso disso.”

1.8. No entanto, foi no sentido de a Derrama Municipal incidir sobre o lucro tributável global do grupo de sociedades que se pronunciou uniformemente o STA nos acórdãos citados supra, em particular nos acórdãos proferidos nos processos n.º 909/10 e n.º 309/11.

1.9. Posteriormente, a Lei do OGE para 2012, veio consagrar para a Derrama Municipal uma norma autónoma de apuramento do lucro tributável estatuindo que, sendo aplicável, o RETGS “…a Derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115º do Código do IRC.”

1.10. A Requerente e a Requerida têm um entendimento oposto quanto à natureza desta alteração, argumentando a Requerida que esta nor­ma é meramente interpretativa, ao passo que a Requerente en­ten­de que contém uma alteração às regras de cálculo da Derrama Municipal.

1.11. De facto, entende a Requerente, com base no então artigo 69º do CIRC, que o Grupo de sociedades era tributado numa base agregada, como se de um único sujeito passivo se tratasse. E, sustentada neste princípio, considera que, apenas após a entrada em vigor da Lei das Finanças Locais é que a Derrama passou a ser calculada com base no lucro tributável do Grupo e não nos lucros tributáveis de cada uma das sociedades que integram esse Grupo.

1.12. A posição da Requerente tem suporte (unânime) na jurisprudência do STA e deste Tribunal Arbitral, facto enunciado no seu requerimento.

1.13. Na verdade, o STA tem vindo a manter o entendimento que, nos casos a que se aplica a redação inicial do artigo 14.º da LFL, a Derrama Municipal incide sobre o lucro tributável global do grupo, afirmando que a nova redação do referido preceito “não tem natureza interpretativa”, tendo antes um carácter totalmente inovador (cfr. acórdãos proferidos nos processos n.º 234/12 e 265/12).

1.14. No mesmo sentido têm vindo a ser proferidas diversas decisões arbitrais, nomeadamente (entre outros) nos processos n.º 22/2011-T, n.º 5/2012-T e n.º 82/2012-T.

1.15. Assim sendo, a alteração ao artigo 14.º da LFL é aplicável apenas para o futuro, não sendo aplicável aos atos tributários praticados antes da sua entrada em vigor.

1.16. Dessa forma se respeitando, aliás, o princípio, constitucionalmente consagrado da não retroatividade da lei fiscal (consagrado no artigo 103º nº 3 da Constituição da República Portuguesa).

1.17. Assim, acompanhando a jurisprudência do STA e deste Tribunal Arbitral, entendo que, não tendo, à data dos factos, o regime legal da Derrama Municipal normativo que dispusesse especificamente sobre a determinação da sua matéria coletável, deve esta, quando se trata de um Grupo de sociedades, ser determinada pela aplicação das regras do IRC no que tange à tributação dos grupos de sociedades.

1.18. Pelo que, é convicção deste Tribunal que, em 2011 (data a que se reportam os atos tributários), o cálculo da Derrama devida por um grupo de sociedades sujeita ao RETGS, deverá incidir sobre o lucro tributável global desse grupo e não sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades que o integram, assim se acolhendo a tese invocada pela Requerente.

1.19. Com base no acima exposto, em particular com base na ilegalidade parcial acima reconhecida, conclui-se que a Requerente pagou Derrama Municipal em excesso no ano de 2009, no montante de 29.314,81€.

2. Juros indemnizatórios

2.1. A Requerente pede ainda que seja determinado o pagamento de juros indemnizatórios, relativamente à quantia de 29.314,81€, que deve ser-lhe reembolsada.

2.2. Os n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária estabelecem que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e que “considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas”.

2.3. No caso em apreço, a Requerente, embora discordasse, seguiu orientação genérica da AT, e depois impugnou a liquidação, pelo que se está perante uma situação enquadrável n.º 2 do artigo 43.º da LGT, em que se considera haver erro imputável aos serviços.

2.4. Por isso, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, entre a data em que efetuou o pagamento da quantia referida e a data em que for efetuado o eventual reembolso, nos termos do n.º 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, n.ºs 2, 3, 4, e 5 do artigo 61.º do CPPT e artigo 559.º do Código Civil.


 

VI – DECISÃO

Em face do exposto, o presente Tribunal decide:

  1. Julgar improcedentes as exceções e incidente invocado pela Requerida;

  2. Julgar procedente, por violação de lei, a impugnação parcial da liquidação 2012 …, relativa a derrama municipal no montante de 29.314,81€, anulando-se nessa parte a liquidação e condenando-se a Requerida a restituir essa importância;

  3. Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemniza­tórios à taxa legal, contados desde o pagamento da derrama em cau­sa (por diminuição do valor a reembolsar à Requerente) até ao momento da restituição das quantias indevida­mente liquidadas e pagas.


 

Fixa-se o valor do processo em 29.314,81€ (vinte e nove mil, trezentos e catorze euros e oitenta e um cêntimos), nos termos do art. 97.º-A, n.º 1, do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. a) e b), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de custas dos processos de arbitragem tributária (RCPAT).

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.530,00€ (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela 1 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerida, uma vez que a Requerente obteve deferimento integral do pedido, nos temos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 2 do citado Regulamento.

Notifique-se.

Porto, 29 de Maio de 2013

O ÁRBITRO

Tomás Maria Cantista de Castro Tavares