Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 721/2023-T
Data da decisão: 2024-03-21  IRS  
Valor do pedido: € 118.546,16
Tema: IRS – Inutilidade superveniente da lide – extinção da instância.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

Ocorre inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância se o Requerente obteve a plena satisfação do pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do acto tributário impugnado.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Nina Aguiar e Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

            1. A..., titular do número de contribuinte português..., residente na Rua ..., cidade..., São Paulo, (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2023..., e respectivo acto de liquidação de juros compensatórios, referentes ao período de tributação de 2021, no montante total de € 118.546,16.

 

            2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito em 11 de Outubro de 2 023 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

            3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 5 de Dezembro de 2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            4. No pedido de pronúncia arbitral o Requerente alegou, em síntese, que a liquidação de IRS contestada é ilegal por ter sujeitado a tributação à taxa de 28% as mais-valias realizadas com a alienação de 28.338 acções B... em 2021, quando a era aplicável o regime de isenção de tributação previsto no artigo 27.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), pelo facto de o Requerente não ter residência fiscal em Portugal mas sim no Brasil.

 

            5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 27 de Dezembro de 2023.

 

            6. Em 28 de Dezembro de 2023, foi a Requerida notificada para apresentar resposta nos termos do artigo 17.º do RJAT.

 

            7. Em 28 de Dezembro de 2023, a Requerida apresentou requerimento a informar que “por despacho da Subdiretora-Geral de 2023-12-26, foi revogado parcialmente o ato impugnado nos presentes autos”.

 

            8. Em 29 de Dezembro de 2023, foi proferido despacho arbitral a notificar o Requerente para se pronunciar sobre o teor do requerimento apresentado pela Requerida, o que este veio a fazer por requerimento de 12 de Janeiro de 2024, no qual declarou manter interesse na manutenção da instância, por não ter obtido integral satisfação do seu pedido.

 

            9. Em 29 de Janeiro de 2024, o Requerente solicitou a junção ao processo de dois documentos, compostos por “Recibo de Entrega da Declaração de Imposto de Renda” e de “Atestado de Residência Fiscal no Brasil”, com o intuito de comprovar a sua residência fiscal no Brasil no ano de 2021. Por despacho de 2 de Fevereiro de 2024 foi admitida a junção aos autos dos referidos documentos, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo previsto nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT, tendo-se ainda renovado a notificação da AT para apresentar a sua resposta nos termos do artigo 17.º do RJAT.

 

            10. Na sequência da junção aos autos dos referidos documentos, a Requerida apresentou requerimento em 23 de Fevereiro de 2024 a informar que “por despacho da Subdiretora‑Geral de 2024-02-15, foi revogado o ato impugnado nos presentes autos”.

 

            11. Em 27 de Fevereiro de 2024, foi proferido despacho arbitral a notificar o Requerente para declarar se mantinha interesse na manutenção da instância, tendo aquele declarado por requerimento apresentado em 8 de Março de 2024 que nada tinha a opor à sua extinção.

 

            12. Em 8 de Março de 2024, foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.

 

II. SANEAMENTO

 

            13. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Factos provados

 

            14. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A AT emitiu o acto de liquidação de IRS n.º 2023..., e respectivos juros compensatórios, referentes ao período de tributação de 2021, no montante total de € 118.546,16;
  2. Em 11 de Outubro de 2023 o Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo;
  3. Em 13 de Outubro de 2023, foi enviado pelo CAAD um e-mail automático à AT a informar da entrada do pedido de constituição de Tribunal Arbitral e do número do processo que lhe foi atribuído, tendo a notificação sido confirmada por Fátima Soares às 09:41 horas;
  4. Em 27 de Dezembro de 2024, foi constituído o Tribunal Arbitral;
  5. Por despacho de 26 de Dezembro de 2023, da Sra. Subdirectora-Geral, foi parcialmente revogado o acto de liquidação de IRS contestado;
  6. Por despacho de 15 de Fevereiro de 2024, da Sra. Subdirectora-Geral, foi totalmente revogado o acto de liquidação de IRS contestado.

 

  1. Factos não provados

 

            15. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que se tenham considerados como não provados.

 

  1. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

16. Ao Tribunal Arbitral compete seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

            17. Os actos de liquidação de IRS e de juros compensatórios contestados pelo Requerente no presente processo foram totalmente revogados pela AT após a constituição do Tribunal Arbitral. Significa isto que, nesta fase, inexiste objecto processual sobre o qual deva pronunciar-se o Tribunal Arbitral, de tal modo que carece de sentido útil a manutenção da instância. De resto, são as partes que, em resultado da revogação dos actos contestados, estão de acordo quanto à extinção da instância.

 

            18. Quanto a esta temática, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em 30 de Julho de 2014, no acórdão proferido no processo n.º 0875/14, nos seguintes termos: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.

 

            19. Em idêntico sentido, referem Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

 

            20. Perante o exposto, julga este Tribunal Arbitral procedente a inutilidade superveniente da lide, por ter já obtido o Requerente a plena satisfação dos efeitos pretendidos com o seu pedido, determinando-se consequentemente a extinção da instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar extinta a instância;
  2. Absolver a Requerida da instância; e
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

           

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 118.546,16.

 

VII. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.060,00, a suportar pela Requerida, já que foi esta que deu causa à presente acção, porque apenas comunicou a revogação dos actos de liquidação após a constituição do Tribunal Arbitral, em conformidade com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de Março de 2024

 

Os árbitros,

 

Carla Castelo Trindade

(Presidente e relatora)

 

 

Nina Aguiar

 

 

Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho