Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 524/2019-T
Data da decisão: 2021-01-18  IRC  
Valor do pedido: € 343.403,05
Tema: IRC – Justo valor; Menos Valias; Dedutibilidade.
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SUMÁRIO:

 

I. O regime participation exemption, introduzido no art.º 51.º-C do Código do IRC, pela Lei n.º 2/2014, de 16-01, constituindo uma alteração ao regime geral da relevância fiscal das mais e menos valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais, não substitui, nem sucede, ao regime especial consagrado no art.º 32.º do EBF.

II. A revogação do art.º 32.º do EBF, operada pela Lei n.º 83- C/2013, de 31/12, com efeitos a partir de 01/01/2014, fez cessar este regime especial, e, consequentemente, a exclusão da tributação das mais e menos valias abrangidas por esse regime especial.

III. Tendo cessado a referida exclusão no exercício de 2014, não poderá, quanto à tributação devida nesse exercício, aplicar-se essa mesma exclusão.

IV. A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem.

V. A factualidade subjacente ao juízo de culpa inerente à obrigação de pagamento de juros compensatórios é a mesma que está inerente às liquidações do imposto considerado indevidamente não pago, sendo que a ausência de qualquer elemento factual que afaste a culpa indicia a ocorrência de negligência.

VI. Estando demonstrado que foi facultado o direito de audição, com a notificação do projecto de relatório da acção inspectiva e de onde constam todas as circunstâncias de facto que levaram a AT a tributar, bem como dos critérios de cálculo do "quantum ", nenhuma outra notificação tem de ser feita a facultar o exercício de audição prévia, por referência, especificamente, à liquidação dos juros compensatórios, seja por que tal formalidade se tem de considerar acatada com a notificação que, para esse mesmo efeito foi feita com referência ao imposto, seja por que, quanto aos restantes pressupostos de liquidação de JCs, eles consubstanciam-se numa conduta estritamente vinculada da AT.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 2 de Agosto de 2019, A..., SGPS, S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação n.º 2017..., da liquidação de juros compensatórios n.º 2017 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 2017..., relativos ao ano de 2014, no valor de €343.356,33, assim como da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2018... que teve os referidos actos de liquidação como objecto.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:

i.             o ganho obtido com a alienação das ações não deve concorrer para a formação do lucro tributável porque, na qualidade de Sociedade Gestora de Participações Sociais, este ganho deve considerar-se como mais-valia realizada com a alienação de partes de capital, ao qual se deverá aplicar o regime especial previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, em vigor até ao final do exercício de 2013, e a partir de 2014 o regime especial de tributação das mais-valias e menos-valias realizadas com a transmissão de instrumentos de capital próprio previsto no artigo 51.º-C do CIRC;

ii.            no que concerne aos encargos financeiros não aceites fiscalmente, entende a Requerente que atento o teor dos artigos 23.º, n.º 2, alínea c) e 67.º, n.º 1 e 2 do CIRC e a Circular 7/2013, emitida pela Direção de Serviços do IRC, a correcção efetuada pela AT é ilegal, para além de enfermar de falta de fundamentação;

iii.           no que respeita à liquidação de juros compensatórios, sustenta a Requerente que a liquidação de juros compensatórios não é uma consequência imediata e automática de qualquer liquidação adicional de imposto e que a AT, em momento algum, faz referência a que o retardamento da liquidação do imposto resulta de facto imputável ao contribuinte, motivo pela qual padece de ilegalidade.

 

3.            No dia 05-08-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente procedeu à indicação de árbitro, tendo indicado o Exm.º Sr. Professor Doutor Tomás Cantista Tavares, nos termos do artigo 11.º n.º 2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro o Exm.º Sr. Dr. Nuno Maldonado Sousa.

 

5.            Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respectivos encargos.

 

6.            Na sequência de requerimento apresentado pelos árbitros designados pelas partes para que o árbitro-presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi designado árbitro-presidente nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e do artigo 5.º do Regulamento de Selecção e de Designação de Árbitros em Matéria Tributária, o ora árbitro-presidente e relator, que, no prazo aplicável, também aceitou o encargo.

 

7.            Em 21-10-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

8.            Em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 20-11-2019.

 

9.            No dia 07-01-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

10.          Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

11.          Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pela Requerente, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as suas posições jurídicas. A Requerida não apresentou alegações.

 

12.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

13.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é uma sociedade anónima, constituída em 2004, que reveste a natureza de SGPS e tem por objeto a gestão de participações sociais noutras sociedades.

2-            A Requerente detinha, no final do exercício de 2009, 1.516.483 ações no Banco B..., representativas de uma participação no capital social inferior a 5%, registadas ao valor de aquisição (€9.746.679,97), tendo feito o seu ajustamento para o justo valor (€15.515.378,65), e reconhecendo essa variação positiva (€7.768.698,68) nos capitais próprios, mais propriamente numa conta de reservas.

3-            Aquando a entrada em vigor do SNC, em 01-01-2010, a Requerente optou, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 158/2209, pela aplicação das NICs/IAS no tratamento contabilístico dos seus instrumentos financeiros.

4-            A partir de 2010, o reconhecimento e mensuração dos instrumentos financeiros passou a reger-se pela IAS 39 e não pela NCRF 27.

5-            A Requerente contabilizou as acções do B... como activos financeiros disponíveis para venda.

6-            A Requerente não tem refletido as variações do justo valor das ações do B... e do respetivo instrumento de cobertura no capital próprio, mas sim nos resultados.

7-            Em 2010, a Requerente contratou com entidades especializadas do setor financeiro a utilização de derivados de cobertura com vista à redução da exposição a variações das cotações das ações do B... .

8-            Para cada exercício e relação de cobertura, a Requerente preparou, no início da operação, documentação sobre os seguintes aspetos: objetivos de gestão de risco e estratégia associada à realização da operação de cobertura, de acordo com as políticas de cobertura de risco definidas; descrição do risco coberto; identificação e descrição dos instrumentos financeiros cobertos e de cobertura; método de avaliação da eficácia de cobertura e periodicidade da sua realização, tendo, para este efeito, sido efetuados testes de eficácia da cobertura através da comparação da variação no justo valor do instrumento de cobertura e do elemento coberto, situando-se esta relação num intervalo entre 80% e 125%.

9-            As ações do Banco B... estavam indexadas a uma operação de cobertura, cujo instrumento derivado utilizado foi registado pelo justo valor através de resultados.

10-         Para diminuir o risco de exposição à variação do justo valor das ações do Banco B..., a empresa contratou o instrumento de cobertura e o item coberto através de conta de resultados de exercício.

11-         O valor do ajustamento de €5.519.067,73 resulta da diferença entre o ajustamento realizado no ativo por ocasião da adoção do SNC e o realizado no final do exercício de 2010.

12-         Em 2011, a Requerente alienou a participação que detinha no capital social do Banco B... .

13-         Na sequência dessa alienação, a Requerente reconheceu na sua contabilidade, como proveito do exercício de 2011, na conta “7862101” – Alienação de Ativos Financeiros, o valor de €7.768.698,68, correspondente ao ajustamento decorrente da aplicação do modelo do justo valor às ações que detinha no final do exercício de 2009.

14-         Apesar de ter reconhecido como proveito do exercício, a Requerente deduziu no Quadro 07 da declaração Modelo 22, mais especificamente no campo 767, €37.811,23 a título de mais valias contabilísticas.

15-         No exercício de 2014, a Requerente acresceu no Quadro 07, na linha 703 – Variações patrimoniais positivas (regime transitório previsto no art.º 5.º, n.º 1, 5 e 6 do DL n.º 159/2009, de 13 de julho) a importância de €8.468,98.

16-         A Requerente, no exercício de 2014, registou em gastos, na conta SNC 69.11 – Juros de financiamento obtido, a importância de €25.928,32.

17-         A título de rendimentos, a Requerente relevou contabilisticamente na conta SNC 79 – Juros. a importância de €81.159,02:

 

18-         A Requerente acresceu ao 07, no campo 779, da modelo 22 de IRC de 2014, o montante de €5.820,18.

19-         Em 2015, a Requerente foi alvo de uma acção de inspecção de caráter interno e âmbito parcial, ao exercício de 2011, efetuada ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2015..., destinada a confirmar o tratamento fiscal das mais-valias obtidas com partes de capital.

20-         Em resultado da inspecção foram realizadas correções aritméticas à matéria coletável de IRC do exercício de 2011, no montante de €2.801.228,95, tendo, em consequência das mesmas, o prejuízo fiscal declarado de €229.614,79 passado para um lucro tributável de €2.571.614,16.

21-         Na sequência da inspecção, a Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2015..., relativa ao ano de 2011, no valor de €68.809,50.

22-         A Requerente deduziu, num primeiro momento, reclamação graciosa contra os actos de liquidação de IRC e de juros compensatórios relativos ao ano de 2011 e, posteriormente, deduziu pedido de pronúncia arbitral que correu termos sob o n.º 392/2017-T e que foi julgado totalmente procedente.

23-         Em execução desse acórdão, a AT emitiu o acto de liquidação de IRC n.º 2018..., relativo ao exercício de 2011, do qual resultou imposto a reembolsar de €89,44.

24-         Por referência aos exercícios de 2012 e 2013, a Requerente foi objeto de procedimentos de inspecção a coberto da ordem de serviço n.º OI2016... e OI2016..., das quais resultaram correcções meramente aritméticas à matéria colectável de IRC de €1.558.571,09 e €1.553.887,00, nos anos de 2012 e 2013, respetivamente.

25-         Na sequência da referida inspecção, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, referentes ao exercício de 2012 e 2013, contra os quais deduziu reclamações graciosas que foram indeferidas, tendo posteriormente apresentado pedidos de pronúncia arbitral que correram termos sob o n.º 2/2019-T e n.º 3/2019-T, tendo sido julgados totalmente procedentes.

26-         A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva ao exercício de 2014.

27-         Do Relatório de Inspecção (RIT) ao exercício de 2014, consta, para além do mais, o seguinte:

 

28-         Na sequência da inspeção, a Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2017 ..., assim como a liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., da demonstração de acerto de contas n.º 2017... e da liquidação de juros n.º 2017..., no valor global de €343.403,05.

29-         A demonstração de liquidação de juros tem o seguinte teor:

 

30-         Em 26-09-2017, a Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de IRC relativas ao exercício de 2014, no valor de €343.356,30.

31-         Porém, não se conformando com as referidas liquidações, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa.

32-         A Requerente foi notificada do despacho de 10 de julho de 2019 da Senhora Diretora de Serviços de IRC que determinou o indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

                Conforme já previamente elencado, são as seguintes as questões que a Requerente apresenta a decisão:

i.             o ganho obtido com a alienação das ações não deve concorrer para a formação do lucro tributável porque, na qualidade de Sociedade Gestora de Participações Sociais, este ganho deve considerar-se como mais-valia realizada com a alienação de partes de capital, ao qual se deverá aplicar o regime especial previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, em vigor até ao final do exercício de 2013, e a partir de 2014 o regime especial de tributação das mais-valias e menos-valias realizadas com a transmissão de instrumentos de capital próprio previsto no artigo 51.º-C do CIRC;

ii.            no que concerne aos encargos financeiros não aceites fiscalmente, entende a Requerente que atento o teor dos artigos 23.º, n.º 2, alínea c) e 67.º, n.º 1 e 2 do CIRC e a Circular 7/2013, emitida pela Direção de Serviços do IRC, a correcção efetuada pela AT é ilegal, para além de enfermar de falta de fundamentação;

iii.           no que respeita à liquidação de juros compensatórios, sustenta a Requerente que a liquidação de juros compensatórios não é uma consequência imediata e automática de qualquer liquidação adicional de imposto e que a AT, em momento algum, faz referência a que o retardamento da liquidação do imposto resulta de facto imputável ao contribuinte, motivo pela qual padece de ilegalidade.

Vejamos cada uma delas.

 

***

i.

A primeira questão em causa no presente pedido arbitral prende-se com o enquadramento fiscal da variação patrimonial positiva no valor de €7.768.698,68, decorrente da transição para o SNC, e que corresponde ao ajustamento do valor de aquisição para o justo valor.

A este propósito, alega a Requerente, em suma, que:

a)            A contabilização pela Requerente das variações no justo valor do instrumento de cobertura (derivado/call option) e do instrumento coberto (acções do B...) através de resultados não se traduziu num desvio à opção pela aplicação das NICs, mas antes o resultado da aplicação destas NICs, em concreto de uma cláusula especial da IAS 39;

b)           A IAS 39 estabelece como regra, que os ganhos ou perdas provenientes de ajustamentos ao justo valor de um activo financeiro disponível para venda, são registados no capital próprio (cfr. § 46 e 55);

c)            No caso de o activo financeiro disponível para venda estar numa relação de cobertura, introduz-se um desvio àquela regra geral pois é aplicável o disposto nos § 71 e 89-102 da IAS 39, de onde resulta que “O ganho ou perda resultante da remensuração do instrumento de cobertura pelo justo valor (...) deve ser reconhecido nos resultados” e que “O ganho ou perda resultante do item coberto atribuível ao risco coberto deve ajustar a quantia escriturada do item coberto e ser reconhecido nos resultados”;

d)           Contudo, não é este regime específico previsto na IAS 39 para as relações de cobertura que invalida a opção do contribuinte pelas NICs/IAS e automaticamente despoleta a tributação dos ganhos e perdas provocados pelas oscilações do justo valor, impondo a uma SGPS (in casu, a Requerente) a aplicação do regime da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC em detrimento do regime especial do artigo 32.º, n.º 2 do EBF e agora do artigo 51.º- C, do CIRC;

e)           No direito interno, a relevância fiscal (tributação) do justo valor é excepcional, não a regra, e está concebida para os títulos adquiridos com a finalidade de revenda a curto prazo, naquilo a que se designa como trading, permitindo, assim, uma antecipação do imposto e da arrecadação de receita pelo Estado;

f)            As acções do B... constituíam activos financeiros disponíveis para venda para efeitos da IAS 39 e foram inscritas no balanço como activo não corrente, uma vez que a Requerente não tinha a intenção de as vender a curto prazo, mas antes de rentabilizar o seu investimento através do exercício indirecto da actividade de gestão daquele instrumento financeiro, como é próprio de uma SGPS (cfr. artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 495/88);

g)            As participações relevantes em sociedades cotadas, ainda que inferiores a 5%, traduzem uma intenção de manutenção do activo e de gestão duradoura (estabilidade e permanência), não de revenda para obtenção de lucro a curto prazo, pelo que, não constituindo ativos correntes, não devem ser tributadas pelo justo valor;

h)           Uma vez que estas participações não figuram nas demonstrações financeiras como “instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados”, mas sim como activos não correntes, não está preenchido um dos requisitos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, o que quer dizer que as oscilações do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, ou seja, que é aplicável a regra da irrelevância dos ajustamentos do justo valor estabelecida no corpo do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC;

i)             Acresce que sendo uma participação com a natureza de um investimento financeiro substancial, embora inferior a 5% do capital social, não é admissível subtraí-la ao regime especial do artigo 32.º, n.º 2 do EBF (nem, ao actual artigo 51.º-C, do CIRC) que deve sempre ser aplicado;

j)             Em suma, para as participações relevantes mas inferiores a 5% do capital de uma sociedade cotada (como as ações do B...) detidas por uma SGPS (como a Requerente), mantidas com uma intenção duradoura e não para venda a curto prazo/trading (como é o caso), o activo deve ser registado como não corrente (como sucedeu com as acções do B..., registadas nos balanços de 2010 e 2011) e está fora do âmbito da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, ou seja, não concorre para a formação do lucro tributável;

k)            Por fim, a posição defendida pelos Serviços de Inspeção Tributária conduz à revogação ilegal, pela via administrativa, de um benefício fiscal automático cujos pressupostos se encontram integralmente preenchidos, o artigo 32.º, n.º 2 do EBF até 2014 e, agora, do disposto no artigo 51.º- C, do CIRC.

Vejamos.

 

*

O DL 159/2009 passou a aceitar a tributação pelo justo valor em casos contados (cfr. art. 18.º, n.º 9, do CIRC) e para o futuro (2010 em diante).

O referido diploma contém uma disposição transitória (art. 5.º, n.º 1) para efectivar essa mudança de paradigma, que implica que os activos detidos pelas empresas (a quem passará a ser aplicável o novo regime) terão de ser recalculados (contabilística e fiscalmente) para se poder assumir o novo modelo de contabilização.

A diferença de valor entre o custo histórico e o justo valor à data da entrada da nova lei (aplicando-se novo paradigma), vai originar uma variação patrimonial, que se quer sujeitar a tributação (seja positivo ou negativo o seu valor).

Não obstante, ciente do impacto que isso poderia ter – comprimir num ano, os ganhos “potenciais” de vários anos, com reflexo na receita fiscal e liquidez dos sujeitos passivos – a lei, por via de uma disposição transitória, dilui esse efeito, repartindo-o por 5 anos (1/5 por ano), de 2010 a 2014, inclusive.

Nesse sentido, o art.º 5.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, dispõe que:

“Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respetiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de ativos ou passivos, ou de alterações na respetiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes”.

No presente caso, está em questão a repercussão dessa situação para o exercício de 2014.

 

*

Esta questão, no que diz respeito a exercícios anteriores, foi já objecto de decisões por  tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, designadamente nos processos 392/2017-T, 2/2019-T e 3/2019-T, que concluíram pela procedência do pedido, e no processo 4/2019-T, que concluiu pela improcedência do pedido.

Não obstante, julga-se que tal questão deverá ser, nos presentes autos, equacionada em termos distintos.

Assim, a questão ora em análise não foi concretamente apreciada no processo arbitral 4/2019-T, onde, no que diz respeito ao fundo da causa e segundo a mesma decisão, foram unicamente apreciadas as seguintes questões:

                - Incumprimento do Ac. de 21-03-2018 do CAAD, no processo n.º 392/2017;

                - Falta de fundamentação da liquidação de IRC;

                - Ilegalidade da liquidação de IRC por desrespeito com condenação à prática de acto;

                - Preterição de formalidade legal essencial relativamente à liquidação adicional de IRC.

                Já no que respeita ao primeiro grupo de acórdãos arbitrais, o que se verifica é que, no exercício ora em causa (2014), ocorreu a revogação do art.º 32.º do EBF, norma que foi ali aplicada, e constitui a ratio decidendi, daqueles arestos, circunstância esta que assumirá importância decisiva, nos termos melhor adiante explicitados.

                Neste quadro, crê-se que a análise ora a encetar não poderá reconduzir-se a uma mera adesão às análises anteriormente feitas, que devem ser reformuladas, à luz dos dados legais, inovatoriamente introduzidos no ordenamento jurídico.

*

                Assim, e antes de mais, haverá que esclarecer a revogação do art.º 32.º do EBF, e conjugá-la devidamente, com a entrada em vigor do art.º 51.º-C do CIRC-2014.

Dispunha o art.º 32.º/2 do EBF, na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e, antes dele, em termos materialmente idênticos quanto às SGPS, o art.º 31.º/2 do mesmo EBF, na redacção dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que:

“As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”

                Antes disso, dispunha o mesmo art.º 31.º/2, na redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30/12, que:

“As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”.

O regime em questão, plasmado, até 31/12/2013, no art.º 32.º/2 do EBF, foi revogado, com efeitos a partir de 01/01/2014, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, sendo que, pela Lei n.º 2/2014, de 16/01, foi, no art.º 51.º-C do Código do IRC, introduzido o regime designado por participation exemption.

A questão que se coloca, então e antes de mais, é a de saber se o novo regime é uma continuação do anterior ou se, antes, é um regime novo, ainda que parcialmente replicando aspectos do regime revogado.

Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, crê-se que se está perante um novo regime.

Efectivamente, e desde logo, embora não sendo um argumento decisivo, verifica-se que a revogação do art.º 32.º do EBF e a consagração do regime participation exemption ocorreram em actos legislativos distintos e em momentos temporais também distintos, ao contrário do que seria normal se houvesse uma continuidade de regimes.

Por outro lado, e não sendo este, igualmente, um argumento determinante, inexiste uma continuidade do diploma onde são consagrados os regimes em questão.

Esta circunstância dá-se, de resto, e aqui já se começam a apresentar circunstâncias de relevância mais decisiva, porquanto se constata uma diferente natureza substancial dos regimes em causa.

Assim, enquanto que o regime do art.º 32.º/2 do EBF constituía um verdadeiro benefício fiscal, na definição do art.º 2.º/1 do próprio EBF , o regime participation exemption passou a fazer parte do regime geral do IRC, deixando de revestir o carácter excepcional, instituído para tutela de interesses públicos extrafiscais, postulado pela qualidade de benefício fiscal, e passado a ser uma norma genérica, aplicável a todos os sujeitos passivos de IRC, integrando o “modelo de tributação dos rendimentos de partes de capital” , fazendo parte de um “regime, que encontra a sua ratio num aprofundamento do princípio da territorialidade” .

Sendo que, como referiu o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 139/2016 :

“tentando apurar a igualdade substancial de posições jurídicas - no pressuposto de que só duas posições materialmente iguais ou equivalentes podem servir de parâmetro para aferir de um tratamento desigual -, não pode afirmar-se, de modo algum, que tal ligação exista entre uma relação que conduz à tributação-regra e uma outra relação que conduz à concessão ou não concessão do benefício fiscal.”

Este aspecto é bem claro no “Relatório do Anteprojeto da Reforma” do IRC, que refere que “que a realização de mais-valias e a distribuição de dividendos são duas formas alternativas de aportação de valor aos acionistas, sendo concebidas como substitutos próximos, em função da sua inerente substituibilidade relativa. Nestes termos, considera-se que um tratamento fiscal discrepante entre estas duas formas de realização do rendimento é suscetível de influenciar a decisão fundamental de detenção de capital nas empresas, modificando, desta forma, o comportamento “natural” dos agentes económicos, ou, por outras palavras, criando ineficiências.” .

Foi este um dos dois  motivos específicos, dentro da constatação geral da limitação da “eficiência do regime utilizado, a nível nacional, para eliminação da dupla tributação” , que levaram a Comissão de Reforma a propor “a adoção de um regime participation exemption de cariz universal (i.e., aplicável ao investimento independentemente do país ou região em que este se materialize, salvo as indispensáveis normas anti-abuso) e horizontal (aplicável tanto à distribuição de lucros e de reservas, quanto às mais-valias, e, bem assim, às diversas operações suscetíveis de serem consideradas substitutos próprios destas operações)” .

Ou seja: a instituição do regime participation exemption nada teve a ver com o regime do art.º 32.º/2 do EBF, tendo sido determinado por razões próprias e específicas, alheias àquele regime.

A redundância (e não substituição) do “regime fiscal previsto para as SGPS”, e a sua consequente revogação, foi, então, uma consequência da adopção do regime participation exemption, e não uma causa.

Ou seja, e em suma: crê-se que, com o regime participation exemption, não se trata, desde logo, de um regime de carácter excepcional, instituído para tutela de interesses públicos extrafiscais, mas de uma opção de política fiscal, integrado num lote de medidas destinado a aumentar a “eficiência do regime utilizado, a nível nacional, para eliminação da dupla tributação”, tendo a revogação do art.º 32.º do EBF sido uma consequência da sobreposição, em grande parte, entre o novo regime criado, e o regime especial das SGPS, sendo este um dos “diversos regimes fiscais especiais atualmente existentes” que “a adoção do novo regime de participation exemption veio tornar redundantes” .

Assim, e embora, como refere o próprio “Relatório do Anteprojeto da Reforma” do IRC, o novo regime mantenha, “no essencial, as vantagens que o Estatuto dos Benefícios Fiscais concedia a este tipo de entidades” , não deixam de ser regimes substancialmente distintos, sendo que, como se viu e resulta do “Relatório do Anteprojeto da Reforma” do IRC, a referida manutenção, no essencial, das vantagens que o EBF concedia às SGPS na matéria, é um efeito lateral da instituição de um novo regime cuja consagração, causalmente, está desligada do referido regime do EBF, tanto que, é a própria Comissão de Reforma, no referido Relatório, que esclarece que a revogação do art.º 32.º do EBF se dá, igualmente, “atendendo a que estas [as SGPS’s] não lograram atingir o objectivo originariamente proposto de se afirmarem como veículo de investimento fiscalmente competitivo no plano internacional”, o que reforça, igualmente, a noção de que o regime de participation exemption, não só não se trata de um regime especial substitutivo do regime do art.º 32.º do EBF, como, igualmente, que aquele primeiro regime não visa acudir a qualquer especificidade própria das SGPS’s, por via da constatação da não concretização do objectivo inicialmente proposto para aquelas.

Daí que, respeitadas outras opiniões, não se possa nem deva falar em sucessão, nem, muito menos, em substituição, de regimes.

O que ocorreu foi, isso sim, a revogação de um regime, e a consagração, 17 dias depois, de um outro, de âmbito e natureza distintos, que não sucedeu, nem pretendeu suceder, àquele.

                De resto, este hiato temporal, não poderá, igualmente, deixar de se julgar significativo, para a discussão que aqui nos ocupa.

                Efectivamente, segundo jurisprudência que hoje pode ser tida por firmada, “o facto tributário nasce e esgota-se no momento autónomo e completo da alienação e da realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano, pese embora o valor a considerar para a determinação da base tributável para efeitos de IRS seja o correspondente ao saldo anual apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano.” .

                Assim sendo, como se julga dever entender que é, o que se verifica é que as mais valias geradas no hiato entre o dia 01/01/2014 e o dia 17/01/2014 , não estão sujeitas nem ao regime do art.º 32.º do EBF, entretanto revogado, nem a regime consagrado no art.º 51.º-C do CIRC-2014, que ainda não vigorava naquele período.

                Desta forma ficará claro, julga-se, que o regime participation exemption, introduzido no art.º 51.º-C do Código do IRC, pela Lei n.º 2/2014, de 16-01, constituindo uma alteração ao regime geral da relevância fiscal das mais e menos valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais, não substitui, nem sucede, ao regime especial anteriormente consagrado no art.º 32.º do EBF.

 

*

                Posto isto e descendo ao caso concreto, a primeira questão que se coloca é a de saber se a variação patrimonial positiva ora em causa, decorrente de ajustamentos por aplicação do justo valor, está sujeita, ou não, ao regime do art.º 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC-2014.

Efectivamente, se não o estiver, tal variação patrimonial positiva não concorrerá para o cômputo do lucro tributável da Requerente, ficando sujeita ao princípio da realização, ou seja, só sendo susceptível de ser sujeito a tributação o ganho consumado no momento da alienação do activo valorizado, e pelo valor efectivamente realizado com a sua alienação.

A Requerente sustenta que não, isto é, defende que a variação patrimonial positiva por si contabilizada, e em questão nos presentes autos, não se integra naquela norma do art.º 18.º, n.º 9, al. a), alegando, em suma, que uma vez que estas participações figuram nas demonstrações financeiras como activos não correntes, não está preenchido um dos requisitos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, o que quer dizer que as oscilações do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, ou seja, que é aplicável a regra da irrelevância dos ajustamentos do justo valor, estabelecida no corpo do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC.

Ressalvado o respeito devido por entendimentos divergentes, crê-se não ser possível reconhecer razão à Requerente.

Com efeito, e desde logo, a própria Requerente nos artigos 82.º e 83.º do Requerimento Inicial, refere que estão reunidos os pressupostos da aplicação da norma do art.º 18.º/9 do CIRC, questionando apenas o pressuposto relativo à contabilização dos instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados.

Ora, e desde logo, a formulação do pressuposto em causa pela Requerente é, ressalvado o respeito devido, errónea, na medida em que o pressuposto da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC é que sejam os “instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados” que é, precisamente, o que se prova que ocorreu no caso, conforme resulta do facto dado como provado no ponto 5 da matéria de facto provada, e é expressamente confessado pela Requerente , e não que devam ser reconhecidos pelo justo valor através de resultados.

Ou seja, e dito de outro modo: a Requerente, em suma, sustenta que a aplicabilidade do regime da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, pressupõe que, face às normações contabilísticas aplicáveis, os instrumentos financeiros em causa devam ser reconhecidos através de resultados.

No entanto, e julga-se que o texto legal é claro, o que aquela norma pressupõe é que tais instrumentos financeiros sejam reconhecidos através de resultados.

Não será também de reconhecer razão à Requerente quando a refere que a tese da Administração Tributária e Aduaneira transforma em regra aquilo que o legislador estabeleceu como excepção, desde logo porque se refere a um universo muito reduzido de situações, reconhecendo mesmo a Requerente , que em relação às SGPS se tratam de situações excepcionais, sendo de se reafirmar aqui o que se expendeu acórdão arbitral proferido no processo 108/2013-T, do CAAD, e da jurisprudência do CAAD  e do STA  que subsequentemente se pronunciou sobre tal questão.

De igual modo, a citação que a Requerente faz no art.º 100.º do Requerimento inicial, que, ressalvado sempre o respeito devido - e independentemente de concordar ou não com a mesma - não terá aplicação no caso. Com efeito, o que se refere em tal citação é uma “interpretação corretiva” da NCRF 27, no sentido de que “os investimentos significativos em participações inferiores a 5% de sociedades cotadas - com um perfil de manutenção do ativo e de gestão duradoura dessa participação — não devem ser mensurados ao justo valor através de resultados”. Ora, como se viu já, no caso, bem ou mal, a Requerente confessou que reconheceu o ajustamento em questão através de resultados, pelo que isso se deverá ter por assente, sendo esse, também como se viu, o pressuposto do art.º 18.º, n.º 9, al. a), do CIRC ora em causa, entendimento que a própria Requerente acaba por admitir, no art.º 101.º do Requerimento Inicial, ao argumentar que "nunca deve ser tributada pelo modelo do justo valor pelas seguintes razões: a) Não figurando contabilisticamente como um “instrumento financeiro reconhecido pelo justo valor através de resultados”, não se preenche um dos requisitos do art. 18º, n.º 9, al. a), do CIRC;" , quando a mesma Requerente, como se apontou já, confessa que o valor em causa figura contabilisticamente como um “instrumento financeiro reconhecido pelo justo valor através de resultados”.

Acresce ainda que, pressupondo expressamente a norma em questão (o art.º 18.º/9/a) do CIRC) o registo contabilístico (reconhecimento pelo justo valor através de resultados), aceitar a tese da Requerente, equivaleria a aceitar a possibilidade de judicialmente se corrigir a contabilidade do sujeito passivo, numa situação em que, em primeira linha, intervêm juízos discricionários próprios do tratamento contabilístico, e em que a correcção não teria implicações apenas na questão que ora se discute, mas alteraria, globalmente, o cômputo do lucro tributável daquele, já que, retirando-se das contas de resultados o montante em questão, o lucro tributável no exercício em que ocorreu o registo seria, necessariamente alterado, com uma série de repercussões que extravasam, potencialmente em muito, o que se discute no presente processo .

Nota-se por fim, que o ora decidido nesta matéria, é conforme à fundamentação das decisões arbitrais proferidas nos processos arbitrais n.º 392/2017-T, 2/2019-T e 3/2019-T, do CAAD, que concluíram pela procedência do pedido ali formulado pela Requerente, análogo ao que está aqui em causa.

Efectivamente, tendo ali sido reconhecida razão à Requerente, por via de uma interpretação actualista do, à data vigente, art.º 32.º do EBF, necessariamente que se considerou que o ajustamento pelo justo valor contabilizado pela Requerente, em tudo análogo ao que ora nos ocupa, não estava sujeito ao princípio da realização, já que se assim fosse, não seria necessária qualquer aplicação daquele art.º 32.º do EBF, já que a tributação estaria excluída, desde logo, pelo corpo do art.º 18.º, nº 9, do CIRC aplicável, que é o que a Requerente ora sustenta em primeira linha, e que, pelo atrás exposto, não se pode acolher.

                Face a todo o exposto, julga-se que, tendo, in casu, o ganho decorrente do justo valor sido, confessadamente, reconhecido em sede de resultados, está sujeito ao regime do art.º 18.º, n.º 9, alínea a) do CIRC aplicável.

 

*

                Aqui chegados, dispõe então o art.º 18.º, n.º 9, alínea a) do CIRC aplicável que:

“Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, exceto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, quando se trate de instrumentos de capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital igual ou superior a 5% do respetivo capital social;”

                Pelo que o princípio será que, como entendeu a AT, que a variação patrimonial positiva em causa nos presentes autos, concorram para a formação do lucro tributável da Requerente, no ano de 2014, por, nos termos da referida alínea a), se excepcionar o regime do corpo do art.º do 9 daquele artigo 18.º.

                Assente isto, cumpre apurar se alguma outra norma excepciona ou condiciona os termos em que aquela mesma variação patrimonial positiva concorre para a formação do lucro tributável da Requerente no exercício em causa.

                Nesta hipótese, a Requerente limita-se a, em suma, sustentar, que sendo uma participação com a natureza de um investimento financeiro substancial, embora inferior a 5% do capital social, não é admissível subtraí-la ao regime especial do artigo 32.º, n.º 2 do EBF (nem, ao actual artigo 51.º-C, do CIRC) que deve sempre ser aplicado.

                Ora, aqui, uma vez mais, e sempre ressalvado o respeito devido, incorre a Requerente em novo equívoco, no que diz respeito à correcta interpretação das normas aplicáveis.

                Com efeito, e desde logo, a própria Requerente reconhece que apenas se poderá conjecturar a aplicação do art.º 51.º-C do CIRC aplicável, conforme decorre, para além do mais, do alegado nos artigos 78.º, 105.º, 107.º, 110.º, 111,º, 112.º-D), I) e J) e 117.º, do Requerimento inicial, o que se considera pacífico, atenta a revogação, entretanto operada, do art.º 32.º do EBF, norma na qual se fundaram as decisões dos processos arbitrais n.º 392/2017-T, 2/2019-T e 3/2019-T, do CAAD.

                Deste modo, a questão fulcral a enfrentar nesta matéria, é a de apurar se as ponderações operadas naquelas decisões arbitrais, a propósito do artigo 32.º do EBF, e da necessidade da respectiva interpretação actualista, são ou não transponíveis para o art.º 51.º-C do CIRC aplicável.

                Ora, a resposta a esta questão, julga-se, não poderá ser outra que não de sentido negativo.

                Assim, e desde logo, o art.º 46.º/1/b) do CIRC exclui, expressamente, os ajustamentos relevantes para o art.º 18.º/9 do conceito de mais e menos valias, pelo que, por força de lei expressa e clara, não será aplicável aquele art.º 51.º-C do CIRC, não se podendo, por isso, proceder a uma interpretação deste artigo nos mesmos termos em que foi interpretado o art.º 32.º do EBF nas decisões dos processos arbitrais n.º 392/2017-T, 2/2019-T e 3/2019-T, do CAAD.

                Ou seja: os ajustamentos, positivos ou negativos, abrangidos pela alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, concorrerão, nos termos de tal norma, para a formação do lucro tributável, não lhes sendo aplicáveis os condicionamentos do art.º 51.º-C do CIRC, por força do art.º 46.º/1/b) do mesmo Código.

                Acresce que, sendo aquele mesmo art.º 51.º-C do CIRC aplicável uma norma nova - a estrear-se no exercício em questão - não poderá, nem, ressalvado o respeito devido, fará sentido que seja, alvo de uma interpretação actualista.

                Por fim, e como igualmente se viu já, aquela norma do art.º 51.º-C do CIRC aplicável não é uma norma específica das SGPS’s, não é um benefício fiscal, nem constitui um regime especial que atenda a qualquer especificidade daquelas, sendo que, como a perfunctória leitura das decisões processos arbitrais n.º 392/2017-T, 2/2019-T e 3/2019-T, do CAAD, foi a especificidade daquelas (das SGPS’s) que fundou a interpretação actualista do art.º 32.º/2 do EBF.

                Daí que careça igualmente de fundamento, a alegação da Requerente, segundo a qual a posição defendida pelos Serviços de Inspeção Tributária conduz à revogação ilegal, pela via administrativa, de um benefício fiscal automático cujos pressupostos se encontram integralmente preenchidos, o artigo 32.º, n.º 2 do EBF até 2014 e, agora, do disposto no artigo 51.º-C, do CIRC, uma vez que aquele primeiro normativo, como a própria Requerente reconhece, só vigorou até 2014, e este último, no contém no seu âmbito as situações abrangidas pelo art.º 18.º, n.º 9, al. a), por força do disposto no art.º 46.º/1/b) do mesmo Código, não sendo susceptível de qualquer interpretação actualista, pelos motivos previamente expostos.

                Assim, e face ao exposto, outra conclusão não será possível de tirar que não a de que, no exercício de 2014, estando os ajustamentos pelo justo valor, em causa nos presentes autos de processo arbitral, contabilizados em resultados, serão os mesmos abrangidos pelo regime do art.º 18.º, n.º 9, al. a), do CIRC aplicável, concorrendo para a formação do lucro tributável da Requerente, e não se sujeitando ao regime do art.º 51.º-C daquele mesmo Código, por força do disposto no artigo 46.º/1/b), também do mesmo diploma, não sendo transponíveis, a este propósito, qualquer das considerações e argumentos que fundaram a interpretação actualista do art.º 32.º do EBF, operada nos processos arbitrais n.º 392/2017-T, 2/2019-T e 3/2019-T, do CAAD.

                Daí que, inelutavelmente, se haja de concluir pela improcedência desta parte do pedido arbitral.

 

***

ii.

                Sustenta também a Requerente (ponto A)1 do Requerimento Inicial - art.ºs 113 e ss.) que o entendimento que se encontra vertido nos acórdãos proferidos nos processos n.º 392/2017-T (IRC 2011) e no processo n.º 2/2019-T (IRC 2012) deverá ser replicado nos presentes autos, uma vez que dos mesmos decorre a correcta aplicação aplicação do direito ao caso concreto, e que a análise e conclusões daqueles acórdãos são transponíveis mutatis mutandis para os presentes autos, pelo que se deverá acompanhar o itinerário cognoscitivo dos mesmos.

Numa mesma linha de argumentação, mas autonomizando a questão sob a forma de invocação da verificação de caso julgado material, alega ainda a Requerente (ponto B) do Requerimento Inicial - art.ºs 144.º e ss.), que aquele se imporá a este Tribunal arbitral, na medida em que "há identidade de objecto se já existir uma sentença transitada em julgado que apreciou os concretos fundamentos de facto e de direito em que se baseia a pretensão anulatória do acto impugnado" .

Ambas estas questões assentam no mesmo pressuposto material que é a ocorrência da identidade das circunstâncias de facto, e do direito a aplicar, entre os casos já julgados e o caso (ora) a julgar.

Sucede que, nos termos previamente expostos, não se verifica – notoriamente, como a própria Requerente admite, ao fazer referências ao actual art.º 51.º- C do CIRC – identidade do direito a aplicar.

Com efeito, e como antes se detalhou, o art.º 51.º-C do CIRC 2014 não poderá, segundo se julga, ser considerado, na sua substância e intencionalidade, uma continuação material do regime do revogado artigo 32.º do EBF.

Nestes termos, e como de alguma forma já resulta do anteriormente explicado, apenas fará sentido seguir a fundamentação e argumentação dos acórdãos arbitrais invocados pela Requerente até ao momento em que ali se procede à interpretação e aplicação do artigo 32.º do EBF, norma que, à data do facto tributário em questão nos presentes autos, se encontrava já revogada e, como tal, é insusceptível de aplicação.

Daí em diante, conforme atrás se operou, haverá que proceder à interpretação e aplicação do art.º 51.º-C do CIRC 2014, e nessa operação os dados normativos a ponderar, conforme também se explicou já, são substancialmente distintos, sendo, por isso, distinta a conclusão a retirar.

Por outro lado, não existindo identidade do direito aplicar – nas decisões invocadas pela Requerente estava em causa a aplicação do art.º 32.º do EBF, e no caso sub iudice a aplicação do art.º 51-C do CIRC 2014 – não ocorrerá, por definição e nos termos da própria jurisprudência invocada pela Requerente, caso julgado material.

Daí que, também nestas partes, não possa senão improceder o pedido arbitral.

 

***

iii.

 

                A Requerente sustenta ainda (art.ºs 151.º e ss. do Requerimento Inicial), que relativamente às correcções que dizem respeito a encargos financeiros não aceites fiscalmente, se verifica o vício de falta de fundamentação, na medida em que os Serviços de Inspeção Tributária se limitam a invocar juízos conclusivos sobre, alegadas, incoerências da contabilidade da ora Requerente.

                Mais alega a Requerente que a mesma correcção enfermará em erro sobre os pressupostos, quer de facto, quer de direito.

                A Requerida, na sua resposta, informa que se trata de uma correcção a favor do sujeito passivo.

                Em sede de alegações, a Requerente veio alegar que a correcção teria sido efectuada ao abrigo da Circular 7/2004, conforme, ainda no entendimento da Requerente, terá sido reconhecido pela própria AT, e que o método de cálculo ali preconizado é ilegal, conforme tem sido, consabidamente, reconhecido pela jurisprudência.

                Ressalvado o respeito devido, indicia-se que a Requerente aqui incorrerá em alguma confusão.

                Efectivamente, e desde logo, não se vislumbra onde, e porque forma, a AT terá reconhecido que a correcção se funda na Circular 7/2014, quando o que consta do RIT é uma referência à circular 7/2013.

                Por outro lado, o certo é que, da leitura do RIT é perceptível que se trata, efectivamente, de uma correcção a favor do sujeito passivo.

                Com efeito, e desde logo, é referido que se trata de uma correcção relativa ao montante inscrito no campo 779 do Quadro 07 da declaração Modelo 22, relativo a encargos financeiros não dedutíveis (ex-art.° 32.°, n.° 2 do EBF), conforme consta da própria Modelo 22.

                Daí que a retirada de tal montante, aumenta o montante de encargos financeiros deduzidos ao lucro tributável sujeito a imposto, diminuindo, consequentemente, este.

                Assim, ao contrário do que alega a Requerente, o valor corrigido – a seu favor – não resulta de qualquer operação de cálculo, muito menos decorrente da aplicação da circular 7/2004, mas resulta, unicamente, da retirada do montante de € 5.820,18 do referido campo 779 do Quadro 07 da Modelo 22.

                Isto mesmo é evidenciado no quadro constante do ponto III.5 do RIT (página 27/29), onde se verifica que o montante em questão é relevado como um acréscimo negativo ao lucro tributável, diminuindo à correcção € 1.553.739,74, relativas à correcção respeitante a variações patrimoniais positivas.

                Ou seja, e em suma: ao contrário do que parece entender a Requerente, a correcção em questão não afastou a dedutibilidade de qualquer encargo financeiro por si suportado, mas, pelo contrário, acresceu o valor de € 5.820,18 ao montante de encargos financeiros dedutíveis, retirando-o do campo 779 do Quadro 07 da Modelo 22.

                Daí que, sendo desde logo perceptível, face ao próprio RIT, a que é que se refere a correcção em questão, bem como o seu fundamento, e sendo aquela correcção favorável ao sujeito passivo (o que implicaria, desde logo, a falta de interesse em agir no que a qualquer ilegalidade que a correcção em causa enfermasse), nada haverá a censurar à mesma, improcedendo, também nesta parte, o pedido arbitral.

 

***

iv.

                Alega, por fim, a Requerente, que da liquidação de juros compensatórios também não consta qualquer menção aos motivos essenciais pelos quais tais juros se encontram e podem ser liquidados, e que, em nenhum momento, no acto notificado, a Administração Tributária e Aduaneira demonstrou os pressupostos de que depende a liquidação de juros compensatórios, limitando-se, conforme já referido a identificar o período de tributação e de cálculo, o valor base sobre qual estes foram contabilizados e a taxa aplicável.

                Ora, conforme tem sido jurisprudencialmente aceite, “A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem.” .

                Esta jurisprudência tem sido recorrentemente afirmada, podendo consultar-se, a título de exemplo recente, os Acórdãos do TCA-Sul de 25-06-2020, proferido no processo 1080/07.3BELRS, e de 09-07-2020, proferido no processo 75/17.3BCLSB.

                Daí que, conforme consta dos factos dados como provados e a Requerente reconhece, constando da liquidação de juros “o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem”, se deverá ter a mesma por suficientemente fundamentada.

                Alega ainda, nesta matéria, a Requerente, que cabe à Administração Tributária e Aduaneira demonstrar e provar os factos constitutivos do direito à liquidação de juros compensatórios, designadamente, a culpa do sujeito passivo no eventual atraso ou retardamento da liquidação do imposto, e que em momento algum é feita qualquer referência a que o, suposto, retardamento da liquidação do imposto resulta de facto imputável ao contribuinte, não sendo, portanto, devidos os juros compensatórios.

                Ora, como se escreveu no acórdão do TCA-Sul de 11-04-2019, proferido no processo 1429/08.1BELRS:

“Na liquidação de juros compensatórios têm de estar preenchidos elementos objetivos e um elemento subjetivo, consubstanciando-se este último no facto ser imputável ao sujeito passivo, a título de dolo ou negligência.

Centrando-nos neste elemento subjetivo, que os Recorrentes consideram não estar evidenciado, desde já se refira que não se acompanha este entendimento.

Com efeito, a factualidade subjacente, do ponto de vista subjetivo, à liquidação dos juros compensatórios é a mesma que está inerente às liquidações do imposto considerado indevidamente deduzido – cfr. o n.º 8 do art.º 35.º da LGT.

Assim, e centrando-nos no caso concreto, o elemento subjetivo pertinente tem a ver com o facto de as liquidações de IVA terem sido emitidas na sequência do apuramento, na ação inspetiva, de deduções de IVA indevidas por comportamento imputado ao Recorrente. Como tal, resultaram de correções que implicaram a emissão de liquidações adicionais – que, como já se deixou evidenciado, se encontram cabalmente fundamentadas, na medida em que do RIT constam todos os elementos que a AT considerou como indiciadores de o Recorrente ter deduzido IVA titulado por faturas que não respeitam a operações reais. Como tal, encontra-se fundamentado o elemento subjetivo.”.

                Também aqui, o elemento subjectivo tem a ver com a Requerente não ter feito concorrer para o cômputo do lucro tributável o valor corrigido em sede inspectiva, nos termos do art.º 18.º/9/a) do CIRC aplicável, nada indiciando que não o pudesse fazer, o que consubstancia um juízo de negligência.

                No mesmo sentido, no essencial, se havia já decidido no acórdão do mesmo Tribunal, de 11-11-2008, proferido no processo 02020/07, onde se podia ler que:

“- Reportando-nos, de novo, aos pressupostos da liquidação de juros compensatórios, como liquidação autónoma, ainda que integrada na liquidação de imposto, é evidente que esta tem que possuir um mínimo de fundamentação própria no que concerne, desde logo, à base de cálculo, à taxa aplicada, ao lapso de tempo a que se reportam (4), mas, ainda e também, quanto á culpa necessária a sua imputabilidade ao sujeito passivo; E será por referência a essa mesma fundamentação que terá de ser aferido o acatamento do poder/dever da AF de facultar ao contribuinte o direito de audição prévia.

- Ora, no que diz respeito à taxa, base de cálculo e período de tempo a que se reportam os juros compensatórios, nenhuma margem de conformação é facultada à AT, que apenas tem e pode concretizar o que se encontra expressamente consignado na lei, isto é, no que àqueles pressupostos se refere, a actuação da AF consiste num procedimento estritamente vinculado, pelo que a sua actuação, em tal domínio, não é susceptível de ser influenciada por quaisquer argumentos que o recorrente pudesse suscitar, no sentido de influenciar o acto de liquidação, por pretender a aplicação de uma taxa diferente, ou de um período de tempo ou de uma base de cálculo diversas, uma vez que estas não podem ser outras que não as determinadas pelo ordenamento jurídico aplicável.

- E evidente que a entidade liquidadora, por lapso ou por outra razão, pode atender, no que a tais pressupostos diz respeito, a elementos que não sejam aqueles a que deveria atender; Só que tal eventual circunstancialismo não constitui fundamento ao exercício do direito de audição prévia, antes e apenas a que a referência expressa e clara ao mesmo, terá de fazer parte da fundamentação da liquidação para que o seu destinatário possa, contra ela reagir, por vício de violação de lei.

- Por consequência e no que a estes fundamentos diz respeito, o que se entende é que, ao sujeito passivo não assiste qualquer direito de audição prévia antes da liquidação dos juros compensa tórios, o que vale por dizer que, neste domínio, o não lhe ter sido facultado o exercício do mesmo não consubstancia, sequer qualquer irregularidade procedimental e, muito menos, com efeitos invalidantes do acto final de liquidação.

- Já no que diz respeito à culpa, enquanto pressuposto dos juros em questão, se entende que, tratando-se de um juízo subjectivo, tem implícito que o contribuinte, em sede de exercício de audição, possa carrear para o procedimento, elementos até aí não disponíveis pela AT, que possam afastá-lo, à luz dos elementos relevantes à sua aferição, nos termos acima referidos; Por isso que se não possa concluir que o simples facto do conhecimento do retardamento do imposto, por parte do contribuinte, da taxa aplicável e do período de tempo, implique inexoravelmente o acto da respectiva liquidação, pelo que, neste âmbito, se entende, por um lado, como formalidade essencial a observar, a notificação do destinatário do acto tributário final, para exercer, querendo, o direito de audição, e, por outro, que a preterição de tal poder/dever é insusceptível de se degradar em formalidade não essencial.

- Só que, o que se vem de dizer, não significa/implica, que a razão se encontre do lado do recorrente.

- É que, como acima se deu conta, a culpa é um conceito de direito a extrapolar da factualidade adequada e pertinente, pelo que o afastamento da mesma passa pela demonstração da falta de aderência à realidade daquela em que a entidade liquidadora estriba aquele juízo conclusivo, pela sua inadequação a tal efeito desde logo pela justificação relevante susceptível de a excluir.

- Ora, no caso dos juros compensatórios e na sequência do acima referido, a factualidade em que há-de radicar o juízo de culpa, não pode ser outra que não aquela que subjaz ao apuramento de imposto entendido em falta, na exacta medida em que se integram neste, nos termos do n.° 8, do art.° 35.° da LGT.

- Mas, assim sendo, se por um lado é inexorável que, ao contribuinte tem de ser facultado o exercício do direito de audição, antes da liquidação de juros compensatórios, sob pena de invalidade deste acto final, é igualmente axiomático que o exercício desse direito se satisfaz, no que à culpa diz respeito, com o facultar-lhe o exercício desse mesmo direito antes da liquidação do imposto a que se reportam os JC's, já que será aí que ele terá de contestar a aderência á realidade, ou justificação, das circunstâncias de facto que podem constituir o fundamento daquele juízo de censura(5).

- Ora, "in casu", está demonstrado que, ao recorrente foi facultado o direito de audição, com a notificação que lhe foi feita do projecto de relatório da acção inspectiva e de onde constam, como se dá conta na decisão recorrida, todas as circunstâncias de facto que levaram a AT a tributá-lo por recurso a metodologia indiciaria, bem como dos critérios de cálculo do "quantum ", o que vale por dizer, na linha do que acima se referiu nenhuma outra notificação lhe tinha de ser feita a facultar-lhe o exercício de audição prévia, por referência, especificamente, à liquidação dos juros compensatórios, seja por que tal formalidade se tem de considerar acatada com a notificação que, para esse mesmo efeito, lhe foi feita com referência ao imposto, seja por que, quanto aos restantes pressupostos de liquidação de JCs, eles consubstanciam-se numa conduta estritamente vinculada da AT.”

                Assim, e face ao exposto, entendendo-se, na senda da jurisprudência que se acaba de citar, que a factualidade subjacente ao juízo de culpa inerente à obrigação de pagamento de juros compensatórios é a mesma que está inerente às liquidações do imposto considerado indevidamente não pago, e que a ausência de qualquer elemento factual que afaste a culpa indicia a ocorrência de negligência, não poderá proceder, igualmente aqui, o vício arguido pela Requerente.

                Efectivamente, a única circunstância que a mesma invoca em benefício da sua tese é a de que diligenciou no sentido de cumprir escrupulosamente com todas obrigações contabilísticas e fiscais a que estava adstrita, alegação esta que, todavia, não se encontra consubstanciada em quaisquer factos, que permitam concluir que assim foi.

                Deste modo, improcede também esta parte do pedido arbitral.

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v.

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, terá de improceder, igualmente, face à improcedência do pedido de anulação das liquidações.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter na ordem jurídica os actos de liquidação objecto da presente acção arbitral.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 343.403,05, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de Janeiro de 2021

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Tomás Cantista Tavares)

 

O Árbitro Vogal

(Nuno Maldonado Sousa)