Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 363/2019-T
Data da decisão: 2020-01-23  IMI  
Valor do pedido: € 83.678,97
Tema: AIMI - Terrenos para construção que se destinem aos fins de comércio, indústria ou serviços
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DECISÃO ARBITRAL

Acordam em Tribunal Arbitral

 

I – Relatório

 

1. A... LDA., com o número de pessoa colectiva..., com sede em Rua ..., nº..., ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade do acto tributário de liquidação do adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis, com referência ao ano de 2018, no montante total de € 83.678,97.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que tem por objeto “operações sobre imóveis e comércio de adelo e móveis usados”, compreendendo as actividades de compra e venda de bens imobiliários, nomeadamente, edifícios residenciais e não residenciais e de terrenos, a subdivisão de terrenos em lotes, a promoção e mediação imobiliária e exploração de estabelecimentos hoteleiros, bem como actividades de arrendamento e exploração de bens imobiliários, incluindo espaços e instalações industriais e comerciais.

 

A Requerente foi notificada da liquidação de adicional de IMI relativamente a diversos bens imóveis por se considerar que estes não se encontravam abrangidos pela cláusula de exclusão do artigo 135º-B, n.º 2, do CIMI, que se refere a prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros».

 

 Ora, o artigo matricial ..., da União de Freguesias de ... ..., do município de ..., corresponde a um terreno para construção urbana, sito na ..., Lote ..., que, nos termos do Alvará de Loteamento n.º .../82, possui autorização para a construção de um hotel de 12 pisos, com 6 lojas, e cuja destinação se manteve inalterada apesar da emissão de um novo Alvará de Loteamento (.../14) em substituição do anterior que havia caducado.

Relativamente às demais matrizes prediais constantes da nota de liquidação, correspondentes a terrenos para construção, resulta do Alvará de Loteamento nº .../82 (e do subsequente Alvará de Loteamento nº.../14) que as matrizes ...º a ...º, correspondentes aos lotes 25 a 30, 33 a 40, 49 a 52, 54 e 62, se encontram destinadas a garagens, comércio, escritórios e habitação. Tratando-se, por conseguinte, de lotes de terreno para a construção de prédios mistos, que serão compostos, para além da parte habitacional, por fracções para comércio, escritórios, armazéns, estacionamento e garagens.

 

Ainda no que se refere ao artigo matricial ... da freguesia de ... e, do município de  Lisboa, este encontra-se descrito na respectiva caderneta predial urbana como prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, com loja (restaurante), 1º, 2º, 3º pisos e águas furtadas, pelo que não poderia ser liquidado imposto sobre a loja destinada a serviços de restauração, apenas porque a mesma se insere em prédio não constituído em propriedade horizontal.

 

A norma do n.º 2 do artigo 135.º- B do CIMI relativa aos prédios urbanos classificados como comércio, indústria e serviços, deve ser interpretada extensivamente de modo a excluir da tributação os terrenos destinados à construção de prédios com a mesma afectação, isto é os terrenos para construção cuja a potencial utilização se insere nos fins “comerciais, industriais  ou serviços”.

 

Conclui que a interpretação da norma do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, que exclua do seu âmbito de aplicação os terrenos destinados à construção de prédios para fins comerciais, industriais ou serviços é inconstitucional por violação do princípio da igualdade fiscal e do princípio da capacidade contributiva.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que “os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” foram expressa e exclusivamente afastados da incidência objectiva do adicional de IMI  por efeito do disposto no artigo 135.º-B, n.º 2, do CIMI, e, consequentemente, estão sujeitos ao imposto os prédios afectos à ''habitação" e os "terrenos para construção", tal como definidos no artigo 6.º do Código, independentemente da sua afectação potencial.

A opção do legislador foi balizada pela necessidade de mitigar o impacto da tributação sobre o exercício empresarial das actividades económicas em geral - o que veio a acontecer através da exclusão dos prédios urbanos com fins industriais, comerciais e de serviços, e “outros” -, e que teve o propósito de não onerar em termos fiscais a competitividade das empresas. Apesar de ter afastado os prédios urbanos assim classificados, houve a intencionalidade de manter no âmbito da incidência do adicional ao IMI outros prédios que também integram o activo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção. Assim, este tipo de prédios, ainda que pertencentes a empresas, não se enquadram no âmbito da delimitação negativa efectuada pelo artigo 135.º-B, n.º 2, do CIMI.

 

Quanto às questões de constitucionalidade, a Autoridade Tributária considera que a titularidade de um património imobiliário de valor elevado por uma pessoa singular ou por pessoa coletiva (seja ou não  sociedade imobiliária) evidencia, como em relação a qualquer proprietário de imóvel destinado a habitação, uma especial capacidade económica, o que justifica que possa contribuir para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, a que está consignada a receita do adicional ao IMI, pelo que não há uma qualquer violação do principio da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva.

 

2. No seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e ordenada a notificação para apresentação de alegações escritas facultativas por prazo sucessivo.

 

Em alegações as partes reiteraram as suas anteriores posições.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 5 de Agosto de 2019.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é, como se demonstrará de seguida, materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e foi invocada a excepção da incompetência do tribunal arbitral em relação aos actos tributários incidentes sobre terrenos de construção afectos a fins habitacionais.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.

 

A) A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que tem por objeto “operações sobre imóveis e comércio de adelo e móveis usados”, compreendendo as actividades de compra e venda de bens imobiliários, nomeadamente, edifícios residenciais e não residenciais e de terrenos, a subdivisão de terrenos em lotes, a promoção e mediação imobiliária e exploração de estabelecimentos hoteleiros, bem como actividades de arrendamento e exploração de bens imobiliários, incluindo espaços e instalações industriais e comerciais;

 

B) A Requerente foi notificada da liquidação de adicional de IMI nº 2018..., de 30 de Junho de 2018, no valor de € 83.678,97;

 

C) Entre os bens imóveis que foram tributados a título de adicional de IMI contam-se os seguintes:

O artigo matricial ..., da União de Freguesias de ... e ..., do município de descrito na caderneta predial como terreno para construção urbana, sito na .., Lote ..., que, nos termos do Alvará de Loteamento n.º .../82 e do Alvará de Loteamento nº .../14, está destinado à construção de um hotel de 12 pisos, com 6 lojas;

 Os artigos matriciais ...º, ...º, ...º, ...º, ...º, ...º, ...º, ...º, ...,º ...º, ...º, ...º, ...º, ...º, ...º, ...º,  ...º, ...º, ...º, ...º e ...º, do mesmo loteamento, correspondentes aos lotes 25, 26, 27, 28, 29, 30, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 49, 50, 51, 52, 54 e 62, respectivamente, estão destinados a garagens, comércio, escritórios e habitação.

O artigo matricial ... da freguesia de ..., do município de Lisboa, encontra-se descrito na caderneta predial urbana como prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, com loja (restaurante), 1º, 2º, 3º pisos e águas furtadas;

 

D) Em 22 de Outubro de 2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa do acto de liquidação do adicional de IMI, que foi indeferida por despacho de 30 de Novembro de 2018 do chefe do serviço de finanças, praticado com delegação de competência;

 

E) A decisão de indeferimento baseou-se no entendimento de que os imóveis excluídos da tributação são os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”, não se encontrando aí enquadrados os terrenos para construção. Quanto ao artigo matricial ... da freguesia de ... acrescentou-se que a Requerente foi notificada da avaliação e respectiva afectação, em 10 de Janeiro de 2013, e não apresentou reclamação para efeitos do disposto no artigo 76.º do CIMI;

 

F) Em 28 de Dezembro de 2018, a Requerente apresentou recurso hierárquico, que foi tacitamente indeferido.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, na sua resposta, e em factos não questionados.

 

Matéria de direito

 

5. A Requerente impugna a liquidação do adicional de IMI relativamente a terrenos para construção que se destinem aos fins de comércio, indústria ou serviços, defendendo que a norma do n.º 2 do artigo 135.º- B do CIMI carece de ser interpretada extensivamente de modo a excluir da tributação os terrenos destinados à construção com potencial utilização para aqueles fins. Coloca ainda a questão da inconstitucionalidade dessa disposição legal, por violação do princípio da igualdade fiscal e do princípio da capacidade contributiva, quando interpretada no sentido de que se encontra excluído do seu âmbito de aplicação os terrenos destinados à construção de prédios para fins comerciais, industriais ou para serviços.

 

No que se refere ao artigo matricial ... da freguesia de ..., do município de  Lisboa, a Requerente considera que o prédio se encontra destinado, num dos seus espaços, a serviços de restauração, e, como tal, está abrangido pela cláusula de exclusão do n.º 2 do artigo 135.º- B do CIMI, pelo que não podia ser liquidado imposto nessa parte.

 

São estas as questões a decidir e sobre a primeira delas pronunciou-se já em sentido negativo, entre outros, o acórdão proferido no Processo n.º 664/2017-T, e não há motivo para alterar agora o entendimento que foi aí sufragado. 

O adicional ao IMI foi instituído pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017), que aditou ao Código do IMI o capítulo XV integrado pelos artigos 135.º-A a 135.º-K.

               

No artigo 135.º-A define-se a incidência subjectiva do imposto, estabelecendo-se que “são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português”, sendo “equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis”.

               

Por sua vez, o artigo 135.º-B define o âmbito de incidência objectiva, estipulando o seguinte:

“Artigo 135.º-B

Incidência objectiva

 

1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.”

 

                A remissão feita no n.º 2 do artigo 135.º-B para o artigo 6.º do Código do IMI tem em vista caracterizar o que se entende por prédios urbanos «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» para efeitos da exclusão do âmbito de incidência do adicional ao imposto.

 

De facto, o imposto municipal sobre imóveis (IMI) incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, tal como resulta do artigo 1.º do Código do IMI, e os artigos subsequentes definem, para efeitos do imposto, os conceitos de prédio, de prédios rústicos, de prédios urbanos e de prédios mistos (artigos 2.º a 5.º). O artigo 6.º, por seu turno, estabelece as espécies de prédios urbanos, estatuindo o seguinte:

 

“1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

 a) Habitacionais;

 b) Comerciais, industriais ou para serviços;

 c) Terrenos para construção;

 d) Outros.

 2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.

 

É a todos os títulos evidente que o legislador, ao definir a delimitação negativa da incidência do imposto por referência aos prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º» do Código do IMI, está precisamente a remeter para essa tipologia de prédios de acordo com a própria caracterização que o Código lhe atribui.

A exclusão do imposto abrange, por conseguinte, os prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços, entendendo-se como tais os edifícios ou construções licenciados para esses efeitos ou que tenham como destino normal cada um destes fins. A dita exclusão abarca, para além disso, a espécie residual referida na alínea d) do n.º 1 desse artigo 6.º, aí se incluindo os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem prédios rústicos e ainda os edifícios e construções que se não enquadrem em qualquer das anteriores classificações.

 

O âmbito de incidência objectiva, por efeito da remissão para aquele artigo 6.º, ficou assim definido não só por referência a uma certa espécie de prédios urbanos, mas também por referência ao procedimento administractivo através do qual foi efectuada a classificação ou, na falta de licença, à normal destinação desses prédios para os fins comerciais, industriais e serviços ou outros.

 

Requerente entende, todavia, que deve encontrar-se excluída do âmbito de incidência do adicional ao IMI os terrenos para construção cuja potencial utilização coincida com os fins “comerciais, industriais ou serviços”.

 

Ora, como vimos, o artigo 6.º do Código do IMI distingue, no seu n.º 1, entre prédios “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços”, “terrenos para construção” e “outros” e define nos números subsequentes os critérios normactivos de que depende a classificação de um prédio urbano em qualquer uma dessas espécies. Os terrenos para construção são, como resulta do n.º 3 desse artigo 6.º, os terrenos que tenham sido abrangidos por operação de loteamento ou licença de construção e não se destinem a outros fins de natureza urbanística, e não se confundem com os prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, que são aqueles que se encontrem licenciados para esses fins ou, na ausência de licença, tenham como destino normal cada um desses fins.

 

Tendo a lei definido o âmbito de incidência do imposto como o fez, recorrendo a conceitos técnicos jurídicos utilizados noutros lugares do sistema é seguramente com esse sentido que tem de ser definido o âmbito aplicactivo da disposição legal. As normas, por vezes, comportam mais do que um significado e então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. Mas se o legislador recorreu a uma linguagem técnico-jurídica especial, para expressar com maior precisão o seu pensamento, cabe ao intérprete socorrer-se do significado técnico-jurídico da expressões utilizadas, dispensando-se de usar elementos circunstanciais que apenas poderiam conduzir a um resultado interpretactivo não pretendido pelo legislador (cfr., neste sentido, BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, pág. 182).

 

E, desse modo, encontrando-se definida uma cláusula de exclusão por referência expressa e precisa a certas espécies de prédios urbanos, que são imediatamente identificáveis no contexto da lei, não é possível efectuar uma interpretação extensiva de modo a aí incluir outras tipologias que o legislador manifestamente não quis considerar. Não podendo sequer chegar-se a esse resultado interpretactivo com base em meras considerações de ordem pragmática ou de identidade teleológica.

 

Ainda que se justificasse, numa perspectiva de política fiscal, conferir aos terrenos para construção destinados a edificações para fins comerciais, industriais ou para serviços o mesmo estatuto que veio a ser atribuído aos prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, o certo é não foi essa a opção legislativa, que se limitou a excluir do âmbito de incidência do imposto esses tipos de prédios e não aqueles outros que potencialmente pudessem ser utilizados para esses mesmos fins.

 

6. A Requerente entende ainda que a norma do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, quando interpretada no sentido de que a exclusão do adicional abrange os prédios comerciais, industriais ou para serviços e não já os terrenos para construção que se destinem a esses mesmos fins.

 

Para dar resposta a estas questões deve começar por efectuar-se, ainda que em termos sucintos, a caracterização dos princípios constitucionais da igualdade fiscal e da capacidade contributiva.

Conforme refere CASALTA NABAIS, o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitactivos ou quantitactivos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» (Direito Fiscal, 5ª edição, Coimbra, 2009, págs. 151-152).

Configurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva – segundo o mesmo autor - enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece dum específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respectiva “constituição fiscal” e, em especial, aqueles que decorrem já dos princípios estruturantes do sistema fiscal que constam dos artigos 103º e 104º da Constituição (ob. cit., pág. 152).

Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva – dentro da mesma linha de entendimento - «afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objecto e matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto» (ob. cit., pág. 154).

Também o Tribunal Constitucional, mais recentemente, tem analisado o princípio da igualdade fiscal sob o prisma da capacidade contributiva, como se pode constatar designadamente no acórdão n.º 142/2004, onde se consigna que «[o] princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação».

O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará «a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo».

O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negactivo da igualdade tributária, passando a adoptar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema.

Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010 e n.º 695/2014).

                7. Revertendo à situação do caso, cabe fazer notar - como ressalta do Relatório do Orçamento para 2017 (pág. 60) - que a criação do adicional ao IMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, visou introduzir na tributação “um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados”, e, nesse sentido, compagina-se com  o princípio da progressividade do imposto a que se reporta o n.º 3 do artigo 104.º da Constituição, que tem como corolário a imposição tendencial de uma maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.

               

Tem-se entendido, do mesmo modo, que a tributação do património, a par da tributação do rendimento, constitui uma projecção da capacidade contributiva, funcionando como um prolongamento do imposto pessoal sobre os rendimentos e como o reforço de discriminação qualitativa (SÉRGIO VASQUES, “Capacidade contributiva, rendimento e património”, Fiscalidade – Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 23, Coimbra, 2005, págs. 33 e 36).

               

 Não é, por outro lado, possível estabelecer uma equiparação entre terrenos de construção que possam considerar-se potencialmente afectos aos fins de comércio, indústria ou serviços e os prédios já classificados como comerciais, industriais ou para serviços.

 

Neste plano de análise, deve ter-se em linha de conta que estamos perante factos tributários diversos. Num caso, a lei sujeita a tributação terrenos urbanizáveis que constituem um activo económico por efeito da sua aptidão para a construção. Noutro caso, a lei exclui do imposto o património edificado que desempenha uma função instrumental relativamente à actividade produtiva.

 

Não há uma necessária conexão entre essas duas realidades. O terreno para construção tem um valor patrimonial próprio que constitui, em si, um indicador de capacidade contributiva que é susceptível de ser objecto de um imposto autónomo sobre o património, independentemente da sua eventual e futura utilização através da implantação de edificio para fins comerciais, industriais ou serviços. O património já construído que se encontre classificado como imóvel comercial, industrial ou para serviços tem já uma função instrumental relativamente a uma certa actividade produtiva que o legislador, dentro da sua margem de livre conformação, pode pretender salvaguardar no quadro das suas incumbências de incremento do desenvolvimento económico e social, que têm assento constitucional (artigo 81.º da Lei Fundamental).

 

Afigura-se assim existir fundamento constitucionalmente aceitável para a restrição da incidência do adicional ao imposto aos prédios habitacionais por confronto com os imóveis classificados como comerciais, industriais ou para prestação de serviços, ficando afastada a invocada inconstitucionalidade com base na violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

 

Resta acrescentar que o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 299/2019, tirado em Plenário, decidiu  não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do artigo 135.º B, n.º 2, com o artigo 6.º, n.º 1, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, segundo a qual a exclusão da incidência objectiva do adicional ao imposto municipal sobre imóveis abrange os prédios urbanos para serviços mas já não os terrenos para construção, cuja afectação prevista dos edifícios a construir seja para serviços.

 

8. Todas as precedentes considerações conduzem igualmente à improcedência do pedido arbitral no que se refere ao artigo matricial ... da freguesia de ..., do município de  Lisboa, relativamente ao qual a Requerente considera que se encontra abrangido pelo n.º 2 do artigo 135.º- B do CIMI a parte do prédio que está afecta a serviços de restauração.

 

Como vimos, a exclusão do imposto abrange os prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços, entendendo-se como tais os edifícios ou construções licenciados para esses efeitos ou que tenham como destino normal cada um destes fins.

 

E, nesse contexto, o entendimento segundo o qual se encontra excluído do âmbito de incidência do imposto a fracção ou parte do prédio que está afecto à prestação de serviços, não tem qualquer apoio na letra da lei nem nos elementos racional e sistemático de interpetação.

 

Uma tal leitura pressuporia que o legislador, ao invés de ter delimitado o âmbito de incidência através de tipos caracterizados, tivesse optado por uma avaliação casuística em função da utilização do imóvel, em termos práticos, a uma das actividades económicas que são referenciadas na lei.

 

Por outro lado, não é transponível para a situação do caso entendimento sufragado na decisão arbitral proferida no Processo n.º 108/2017-T. Aí discutia-se se o valor patrimonial tributário, para efeitos de liquidação de imposto de selo, devia ser apurado por referência ao valor total do prédio ou individualmente a cada uma das suas fracções, quando o que está em causa na delimitação negativa do âmbito de incidência do adicional ao IMI é o próprio conceito de prédio segundo as espécies que estão definidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código.

 

E como é claro não pode ser tido como um prédio “para serviços” aquele que não se encontra classificado como tal mas apenas numa das suas fracções é utilizado para essa finalidade.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 83.678,97, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, que fica a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 23 de Janeiro de 2020

  

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

André Festas da Silva

 

O Árbitro vogal

António Pragal Colaço