Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 519/2019-T
Data da decisão: 2020-01-22  Selo  
Valor do pedido: € 10.156,30
Tema: Imposto do Selo – Notificação do ato de fixação do Valor Patrimonial Tributário.
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Decisão Arbitral

 

1. RELATÓRIO

 

1.1. A..., S.A., sociedade aberta, com sede na ..., Porto, matriculado na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e de identificação fiscal n.º ... (doravante designado por “Requerente”) apresentou em 29-07-2019, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

1.2. O Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a ilegalidade e anulação do ato de liquidação de imposto do selo (verba 28.1 da TGIS) n.º 2015..., referente ao ano de 2015, constante do documento n.º 2019..., no montante de € 10.156,30 (dez mil, cento e cinquenta e seis euros e trinta cêntimos), com a restituição do montante pago e acrescido dos juros indemnizatórios.

1.3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).

1.4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 30-07-2019.

1.5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

1.6. As partes foram notificados, em 17-09-2019, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

1.7. De acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 07-10-2019.

1.8. A Requerida, devidamente notificada através do despacho arbitral, de 08-10-2019, apresentou, em 05-11-2019, a sua Resposta e, na mesma data, juntou o Processo Administrativo.

1.9. O Tribunal Arbitral, em 07-11-2019, proferiu o despacho seguinte:

“ 1- Nos presentes autos arbitrais não foi invocada matéria de excepção, nem suscitadas questões que obstem ao conhecimento do mérito do pedido e não existe lugar à produção de prova testemunhal, pelo que é dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, de acordo com os princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (artigos 9.º e 29.º, n.º 2, do RJAT).

2- Notifiquem-se ambas as partes para, no prazo de 10 dias, a partir da notificação do presente despacho, produzirem, querendo, alegações escritas com caracter sucessivo.

3- Designa-se o dia 30 de janeiro de 2020 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral, devendo até essa data, o Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.”

1.10. Em 08-11-2019, o Requerente tendo sido notificado da apresentação de resposta pela AT na qual é pedida a dispensa de reunião referida no artigo 18.º do RJAT requereu que seja ordenada a realização da referida reunião com os fundamentos seguintes:

“5º

A reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT é essencial para o apuramento da verdade material dos factos tributários controvertidos e, nessa medida, para a prolação da decisão final;

De facto, a matéria em causa, sem prejuízo da inevitável discussão de direito que comporta e da prova documental que certamente também já foi feita, implica o prévio enquadramento factual de uma realidade que não é inteiramente perceptível pela mera junção da documentação já constante dos autos.

Sobretudo num caso em que, como o vertente, a AT contestou, impugnando-a quase toda a matéria factual que consta do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente, colocando em causa a sua veracidade.

Pelo que, em face do exposto, considera o Requerente que a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT não deverá ser dispensada.”

1.11. O Tribunal Arbitral, em 07-11-2019, proferiu o despacho com o seguinte teor:

“1. Atendendo ao disposto no n.º 2 do despacho arbitral proferido em 07/11/2019, ambas as partes podem apresentar alegações escritas, onde se pronunciem sobre os factos provados e não provados, face à prova documental constante dos autos, e sobre o direito aplicável. Assim, a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, nos termos previstos no citado despacho arbitral, de 07/11/2019, não implica a imediata prolação da decisão arbitral.

2.            Pelos fundamentos constantes do n.º 1 do despacho arbitral, de 07/11/2019, reitero a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e indefiro o requerimento do Requerente de 08/11/2019.

3.            O prazo de 10 dias para a produção de alegações escritas sucessivas, previsto no n.º 2 do despacho arbitral de 07/11/2019, inicia-se a partir da notificação do presente despacho.”

1.12. As alegações foram apresentadas pelo Requerente, em 22-11-2019, e pela Requerida, em 27-11-2019.

1.13. A posição do Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações, é, em síntese, a seguinte:

1.13.1. Ficou provado nos autos que a liquidação de IS da Verba 28.1 da TGIS em causa, teve origem numa avaliação do Valor Patrimonial Tributário (VPT) do Prédio efetuada em 8 de janeiro 2019, a qual, em sede de IMI, produziu efeitos retroativos a 31 de dezembro de 2012, nos termos do disposto na alínea a), do número 4, do artigo 15.º-D do Código do IMI.

1.13.2. Ora, esta disposição legal expressamente menciona que tais efeitos retroativos se reportam apenas a IMI, pelo que a liquidação em causa é, por este motivo, manifestamente ilegal na quantia controvertida.

1.13.3. Acresce que também fica provado que a AT nunca chegou a notificar o Requerente da nova avaliação do Prédio, destacando que “foi notificado o proprietário que constava como titular em 2012-12-31, que correspondia à Sociedade B..., Lda.”. Ora, a referida sociedade nunca deu conhecimento ao Requerente da nova avaliação.

1.13.4. Assim, não teve o Requerente a oportunidade de contestar a referida avaliação, requerendo, para o efeito, uma segunda avaliação, nos termos do disposto no artigo 76.º do Código do IMI.

1.13.5. Tendo a AT pleno conhecimento de que, nos anos de 2013, 2014 e 2015, o sujeito passivo da Verba 28.1 da TGIS seria o Requerente, deveria tê-lo notificado e não o anterior proprietário.

1.13.6. Assim, não poderá ficar o Requerente prejudicado por conta de uma atuação negligente da AT, ao notificar o anterior proprietário de uma nova avaliação do Prédio,

1.13.7. A ausência da notificação da nova avaliação ao seu proprietário, o ora Requerente, impediu-o de contestar o valor patrimonial do seu imóvel, de que apenas agora, com a notificação da liquidação de imposto, teve conhecimento. Nestes termos, a completa ausência de notificação da avaliação inquina a liquidação de IS ora contestada.

1.13.8. Por conseguinte, o ato de liquidação de IS ora impugnado, que tem na sua génese o novo VPT do prédio (pois, anteriormente à avaliação, o VPT era inferior a € 1.000.000), na sequência da avaliação que não foi, em momento algum, notificado ao Requerente, deverá ser anulado.

1.13.9. Mais, tendo o Requerente procedido ao pagamento indevido de imposto deverá ser reconhecido o seu direito a juros indemnizatórios, até integral reembolso do montante peticionado.

 

1.14. A defesa da Requerida, expressa na resposta e nas alegações, pode ser sintetizada no seguinte:

1.14.1. A avaliação efetuada ao prédio supra identificado resultou da Avaliação Geral, promovida nos termos do artigo 6.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, com o aditamento dos artigos 15.º-A a 15.º-P ao Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, que aprovou o Código do IMI e que promoveu a Avaliação Geral da propriedade urbana. A iniciativa deste procedimento competiu aos Serviços Centrais da AT (antiga DGI), nos termos do n.º 1 do artigo 15.º C e para os seus efeitos os valores previstos e apurados nos artigos 39.º, 42.º e 44.º do Código do IMI, eram os vigentes e determináveis em 30 de novembro de 2011, tendo os valores patrimoniais determinados no âmbito da Avaliação Geral entrado m vigor em 30 de dezembro de 2012, para efeito de Imposto Municipal sobre Imoveis (IMI) nos termos do art.15.º A do Código do IMI.

1.14.2. A notificação do VPT apurado é efetuada ao seu proprietário à data em que o mesmo produz os seus efeitos (2012-12-31).

1.14.3. A avaliação do imóvel em causa, embora tenha sido atribuída em 2018-12-26 e efetuada em 2019-01-08, por motivos que obstaram a sua avaliação atempada, nomeadamente falta de elementos, tem os seus efeitos à data indicada (2012-12-31) tendo sido o proprietário, que constava como titular do imóvel nessa data, notificado em 2019-01-08 do VPT atribuído de € 1.015.630,00, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º E do Código do IMI do resultado da Avaliação.

1.14.4. Decorrido o prazo estabelecido no artigo 15.º-E do Código do IMI, a decisão do VPT produziu efeitos na respetiva matriz (artigo 15.º -H do Código do IMI).

1.14.5. Assim, conforme decorre do supra exposto, a notificação da avaliação geral foi feita pelos serviços da AT, realizada sob a forma legal, através do ofício n.º ... de 2019-01-15 (registo n.º ...-via CTT), recebida em 2019-01-20, conforme o disposto no artigo 15.º-E do DL 287/2003, de 12 de novembro, aplicável à data dos factos.

1.14.6. Refira-se que do resultado da Avaliação Geral foi notificado o proprietário que constava como titular em 2012-12-31, que correspondia á Sociedade B..., Lda.

1.14.7. Pelo que se conclui que a AT agiu de acordo com as disposições legais em vigor, não se encontrando a liquidação impugnada ferida de qualquer vício.

1.14.8. O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43º da LGT, derivado de anulação judicial de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, o que não é o caso.

1.14.9. Uma vez que, à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.

 

1.15. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

Não foram suscitadas exceções.

O processo não enferma de nulidades.

Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Nestes termos, verificam-se todos os pressupostos processuais para o Tribunal Arbitral conhecer do pedido.

2. MATÉRIA DE FACTO

2.1. Factos dados como provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A)           O Requerente é uma instituição de crédito que exerce a atividade financeira, sendo, para efeitos fiscais, uma sociedade comercial com atividade nos termos do n.º 4 do artigo 3.º do Código do IRC e, de acordo com o disposto no artigo 68.º-B da LGT, considerado “contribuinte de elevada relevância económica e fiscal”, (vd., n.ºs 2.º e 3.º do pedido de pronúncia arbitral e fls. 4 do Processo Administrativo);

 

B)           O Requerente foi proprietário do prédio inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo U-..., sito na ... entre os n.ºs ... a ..., freguesia ..., concelho de Lisboa, terreno para construção descrito como lote de terreno com área de 953m2 (vd., Documento n.º 2 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

C)           O prédio identificado na alínea anterior foi inscrito na matriz em 1994 tendo, no ano de 2012, o valor patrimonial tributário de € 67.459,15 (vd., Documento n.º 2 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

D)           O prédio identificado na alínea B) foi adquirido pelo Requerente à Sociedade B..., Lda., através de escritura de dação em cumprimento outorgada, em 27 de dezembro de 2013 (vd., fls. 23 do Processo administrativo);

 

E)            O Requerente foi notificado, através do documento n.º 2019..., da demonstração de liquidação de Imposto do Selo (verba 28.1 da Tabela Geral) n.º 2015..., de 26-02-2019, relativa ao ano de 2015 (vd., Documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

F)            O Requerente, em 29-04-2019, procedeu ao pagamento da importância proveniente da liquidação do Imposto do Selo, identificada na alínea anterior, no montante de € 10.156,30 (vd., Documento n.º 4 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

G)           O prédio, identificado na alínea B), foi objeto da avaliação geral dos prédios urbanos por parte da AT, tendo o Serviço de Finanças de Lisboa ... (...) prestado os seguintes esclarecimentos:

 

“A avaliação efetuada ao prédio U-... (...) da freguesia de ..., Lote de terreno para construção, através da Modelo 1 de IMI registo n.º..., Ficha n.º..., resultou da Avaliação Geral (A.G.), promovida nos termos do artigo 6.º da Lei n. 60-A/2011, de 30 de Novembro, com o aditamento dos artigos 15.º-A a 15.º-P, ao Decreto Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro, com o aditamento dos artigos 15.º-A a 15.º-P , ao Decreto-Lei  n.º 267/2003, de 12 de Novembro (que aprovou o Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis – CIMI) e que promoveu a A.G. da propriedade urbana.

A iniciativa deste procedimento coube aos Serviços Centrais da então D.G.I., nos termos do n.º 1 do artigo 15.º-C e para os seus efeitos os valores previstos e apurados nos artigos 39.º, 42.º e 44.º do CIMI eram os vigentes e determináveis, em 30 de Novembro de 2011, tendo os valores patrimoniais determinados no âmbito da Avaliação Geral (A.G.), entrado em vigor em 30 de Dezembro de 2012, para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis – IMI (art.º 15.º-A do CIMI).

A notificação do Valor Patrimonial Tributário apurado e efetuada ao seu proprietário à data em que o mesmo produz os seus efeitos (31/12/2012).

A Avaliação do imóvel em causa, embora tenha sido atribuída em 2018/12/26 e efetuada em 2019/01/06, por motivos que obstaram a sua avaliação atempada, nomeadamente falta de elementos, tem os seus efeitos, à data indicada (31/12/2012) tendo sido o proprietário que constava como titular do imóvel em 31/12/2012, NIF..., notificado em 2019/01/08, do VPT atribuído de € 1.015.630,00 (pelos Serviços Centrais da AT) nos termos do n.º 1 do artigo 15.ºF do CIMI do resultado da Avaliação.

Decorrido o prazo estabelecido no artigo 15.ºF do CIMI, a decisão do VPT produziu efeitos na respetiva matriz (art. 15.º H do CIMI).”

 

(vd., Informação n.º ...-CIP1/2019, de 03-09-2019 da Divisão de Justiça Tributária da Unidade os Grandes Contribuintes da AT a fls. 4 a 7 do Processo Administrativo fls. 23 do Processo administrativo);

 

H)           O VPT do prédio, identificado na alínea B), que consta da Caderneta Predial obtida em 19-03-2019, é de €1.030.864,45 (vd., Documento n.º 3 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

I)             A notificação da avaliação geral foi realizada através do ofício n.º..., de 15-01-2019 à Sociedade B..., Lda enquanto proprietária do prédio em 31-12-2012 (vd., n.º 17 da Resposta da AT e Informação n.º ...-CIP1/2019, de 03-09-2019 da Divisão de Justiça Tributária da Unidade os Grandes Contribuintes da AT a fls. 4 a 7 do Processo Administrativo);

 

J)            A AT não notificou o Requerente do resultado da avaliação geral realizada ao prédio identificado na alínea B);

 

K)           O Requerente procedeu à venda do prédio, identificado na alínea B), em 23 de janeiro de 2019 (vd., fls. 24 do Processo administrativo);

2.2. Factos dados como não provados

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

2.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.

Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.

Quanto à matéria de facto dada como provada a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação da prova documental junta aos autos, cuja autenticidade não foi colocada em causa.

A matéria de facto, relevante para a questão discutida nos presentes autos arbitrais, consta totalmente de prova documental não tendo o Requerente ou a Requerida apresentado prova testemunhal.

Atendendo a essa circunstância, ou seja, à ausência de prova testemunhal o Tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste, nos termos do disposto nos artigos 19.º e 29.º, n.º 2, do RJAT (vd., n.ºs 1.9. e 1.11. supra).

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

3. MATÉRIA DE DIREITO

3.1. A questão em causa nos presentes autos arbitrais diz respeito à falta de notificação ao Requerente do ato de fixação do VPT do prédio supra identificado, que antecedeu a liquidação do Imposto do Selo objeto do pedido de pronuncia arbitral.

Depois, o Tribunal terá de analisar o pedido de juros indemnizatórios formulado pelo Requerente.

 

Cumpre apreciar.

 

3.2. Nos termos do disposto no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), “Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”

Em consequência, o artigo 36.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) determina que os atos em matéria tributária “(…) que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.

Acresce que, nos termos do artigo 77.º, n.º 6, da LGT, a eficácia da decisão do procedimento tributário depende da notificação.

Deste enquadramento legal geral resulta inequivocamente que o ato de fixação do VPT de um prédio urbano deve ser notificado ao seu destinatário, independentemente da natureza, oficiosa ou não, do procedimento em que se insere. 

3.3. Nos presentes autos arbitrais a alteração do VPT do prédio resultou da avaliação geral dos prédios urbanos promovida, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, com as alterações contidas no artigo 6.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro  (vd., alínea G), do n.º 2.1. supra).

Nos termos do artigo 15.º-E, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, o VPT do prédio urbano resultante da avaliação geral é notificado ao sujeito passivo por transmissão eletrónica de dados ou, não sendo tal possível, por via postal registada.

Quando o sujeito passivo não concorde com o resultado da avaliação geral do prédio urbano pode requerer a segunda avaliação, no prazo de 30 dias a contar da data em que foi notificado, de acordo com o disposto no artigo 15.º-F, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12 de novembro.

A decisão da segunda avaliação é suscetível de impugnação judicial, nos termos definidos no CPPT, com os fundamentos mencionados no artigo 77.º do Código do IMI, segundo estabelece o artigo 15.º-G, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12 de novembro.

Findo o prazo de 30 dias, previsto no n.º 1 do artigo 15.º-F, ou no momento em que a decisão da segunda avaliação produza efeitos, os serviços da AT procedem à atualização da matriz em resultado da avaliação geral do prédio urbano, nos termos previstos no artigo 15.º-H do Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12 de novembro.

Ora, quando a avaliação do prédio tem efeitos retroativos e ocorre a transmissão do referido prédio entre a data da realização da avaliação e a data a que reporta os seus efeitos, coloca-se a questão de saber quem deverá ser notificado do resultado da avaliação.

Atendendo a que a avaliação geral é um processo que se prolonga no tempo, devido à dimensão do universo de prédios abrangidos, deve existir especial cuidado na proteção de todos os sujeitos passivos que possam ver os seus direitos lesados por efeito da avaliação. Esses cuidados devem ser reforçados quando existem períodos longos de tempo a mediar entre a data da avaliação e a data da produção de efeitos da mesma, por motivos totalmente alheios ao contribuinte e da exclusiva responsabilidade da AT.

3.4. A proteção dos sujeitos passivos no âmbito dos procedimentos de avaliação de prédios urbanos foi objeto de particular atenção por parte do legislador no Código do IMI que inclusivamente no n.º 8 do artigo 76.º  estabelece o seguinte: “Quando uma avaliação de prédio urbano seja efetuada por omissão à matriz ou na sequência de transmissão onerosa de imóveis e o alienante seja interessado para efeitos tributários deverá o mesmo ser notificado do seu resultado para, querendo, requerer segunda avaliação, no prazo e termos dos números anteriores, caso em que poderá integrar a comissão referida no n.º 2 ou nomear o seu representante.”

A este propósito JOSÉ MARIA PIRES afirma:

“O legislador do IMI conhecedor do impacto que o seu sistema de avaliações de prédios urbanos possui, mesmo para além do próprio IMI, tratou de regular a proteção dos alienantes (que não são sequer já sujeitos passivos do IMI) contra erros ou irregularidades da avaliação, conferindo-lhe o direito a requerer segunda avaliação. A amplitude do âmbito de abrangência desse direito aos alienantes, tanto nos casos de transmissão como de inscrição de prédios omissos alienados antes da declaração, é muito sintomática da preocupação do legislador em proteger sempre todos os sujeitos passivos, que sendo embora de outros impostos, possam ver os seus direitos lesados por efeito da avaliação.”  .

3.5. Da factualidade provada nos presentes autos arbitrais (vd., alíneas D), G), H), I), J) e K) do 2.1. supra) destaca-se que: (i) a avaliação geral ao prédio identificado nos autos só foi efetuada em 06-01-2019; (ii) o resultado da avaliação apenas foi notificado ao proprietário do prédio à data de 31-12-2012; (iii) o prédio já tinha sido vendido ao Requerente em 27-12-2013; (iv) o Requerente, proprietário do prédio de 27-12-2013 a 23-01-2019, não foi notificado pela AT do resultado da avaliação geral.

3.6. A AT afirma, nos autos, que o resultado da avaliação geral deve ser notificado apenas ao proprietário do prédio na data em que esta reporta os seus efeitos.

O artigo 15.º-E do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, manda notificar o sujeito passivo do resultado da avaliação. Numa situação em que ocorre a transmissão do prédio a norma não define qual dos sujeitos (alienante, adquirente ou ambos) deve ser notificado, mas também não exclui qualquer deles.

O entendimento da AT acima exposto impediu que o Requerente tivesse a oportunidade de contestar a avaliação, requerendo uma segunda avaliação, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 15.º-F do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro.

Assim, afigura-se manifesto que a ausência da notificação ao Requerente do resultado da nova avaliação do prédio constituiu uma restrição muita significativa no acesso às suas garantias de defesa enquanto contribuinte e viola o enquadramento legal vigente que determina a notificação ao contribuinte de todos os atos tributários que afetem os seus direitos e interesses legítimos.

Atendendo ao exposto, a AT deveria ter notificado da avaliação geral, para além do proprietário do prédio na data a que a avaliação reporta os seus efeitos (31-12-2012), o Requerente dos presentes autos, proprietário do prédio desde 27-12-2013 até 23-01-2019. Consequentemente, o ato de liquidação de Imposto do Selo ora impugnado, que tem na sua génese o novo VPT do prédio resultante da avaliação geral realizada ao prédio supra identificado, que não foi notificado ao Requerente, deverá ser anulado.

3.7. Pelo exposto, julgamos procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto do Selo (verba 28.1 da Tabela Geral) n.º 2015..., de 26-02-2019, relativa ao ano de 2015, constante do documento n.º 2019..., por enfermar de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a sua anulação.

3.8. Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Conforme decorre do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o direito aos mencionados juros pode também ser reconhecido no processo arbitral.

A existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável aos serviços da Administração Fiscal constitui a condição necessária para a atribuição dos juros indemnizatórios.

Verifica-se que o Requerente comprovou o pagamento integral do ato de liquidação (vd., alínea F) do n.º 2.1. supra).

No caso em apreço, a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que efetuou a liquidação.

Nestes termos, o Requerente tem direito a ser reembolsado da quantia que pagou, nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT, por força do ato anulado e, ainda, a ser indemnizado do pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

4. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o ato de liquidação de Imposto do Selo (verba 28.1 da Tabela Geral) n.º 2015..., de 26-02-2019, relativa ao ano de 2015, constante do documento n.º 2019..., com as devidas consequências legais;

 

b)           Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima determinados;

 

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

5. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 10.156,30 (dez mil, cento e cinquenta e seis euros e trinta cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

6. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido considerado procedente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 22 de janeiro de 2020.

 

O Árbitro

 

Olívio Mota Amador