Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 248/2013-T
Data da decisão: 2014-03-10  Selo  
Valor do pedido: € 16.454,85
Tema: Propriedade vertical; Verba 28.º da TGIS
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Decisão Arbitral

 

 (A presente decisão vai proferida de acordo com a ortografia antiga)

 

Relatório.

 

1. A…, contribuinte n.º …, representado por B..., pessoa colectiva com o número…, com sede social na …, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária tendo em vista a declaração da ilegalidade dos actos de liquidação de imposto do selo, no montante global de € 16.454,85, relativos ao prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de …, sob o artigo …. As referidas liquidações, efectuadas com base na norma do art. 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), conjugada com a Verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral e art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, reportam-se aos anos de 2012 e 2013 e foram oportunamente notificadas à requerente.

 

2. Como fundamento do pedido, alega a requerente, em síntese, que a tributação prevista nas citadas normas legais tem como objecto os prédios urbanos, com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI seja igual ou superior a € 1.000.000,00. No caso de prédios não constituídos em propriedade horizontal mas integrados por partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, o valor patrimonial utilizado para efeitos de IMI, e consequentemente, relevante para efeitos da incidência do imposto do selo é, de acordo com a norma supra citada, o determinado relativamente a cada uma dessas partes ou divisões.

Por seu lado, a requerida (Administração Tributária e Aduaneira – AT), em resposta ao alegado, pronuncia-se pela improcedência do pedido e, consequentemente, pela manutenção dos questionados actos de liquidação, com fundamento na circunstância de se estar perante um único prédio urbano, sendo relevante para efeitos de incidência do imposto do selo o somatório dos valores patrimoniais atribuídos às diversas partes que o integram.

 

3. O tribunal arbitral foi regularmente constituído em 03-01-2014 e é materialmente competente face ao preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT.

 

4. Não foram proferidas alegações orais por desnecessárias. O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

5. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

Matéria de facto.

 

6. Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, destacam-se os seguintes elementos factuais:

 

6.1. A requerente é proprietária do prédio urbano situado na ... freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ….

 

6.2. O referido prédio, em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, é composto de subcave, destinada a armazém, cave para atelier, sala de condomínio e arrecadação, rés-do-chão e 5 andares com lados direito, esquerdo e frente, e 6.º andar com dois ateliers, num total de 9 pisos e 25 divisões susceptíveis de utilização independente, das quais 20 se destinam a habitação.

 

6.3. De acordo com a respectiva inscrição matricial, o somatório dos valores patrimoniais tributários das diversas partes que integram o referido prédio é de € 1.282. 765,12, dos quais € 1.044.902,80 correspondem ao somatório dos valores atribuídos às divisões habitacionais, individualizados no seguinte quadro:

                                                                                                          (Valores em euros)

 

R/C

1.º andar

2.º andar

3.º andar

4.º andar

5.º andar

Direito

45 543,05

65 416,75

65 416,75

65 416,75

65 416,75

65 416,75

Esquerdo

86 711,45

45 137,05

45 137,05

45 137,05

45 137,05

45 137,05

Frente

65 843,05

45 979,50

45 979,50

45 979,50

45 979,50

45 979,50

6.º andar

Atelier 1 

27 070,05

Atelier 2

36 976,45

 

6.4. Em 03-12-2012, foi a requerente notificada das liquidações efectuadas relativamente ao prédio em causa com base no art. 1.º do Código do Imposto do Selo e Verba 28 da respectiva Tabela, em que se apuraram os seguintes montantes de imposto a pagar:

                                                                                                          (Valores em euros)

 

R/C

1.º andar

2.º andar

3.º andar

4.º andar

5.º andar

Direito

227,72

327,08

327,08

327,08

327,08

327,08

Esquerdo

433,56

225,69

225,69

225,69

225,69

225,69

Frente

329,22

229,90

229,90

229,90

229,90

229,90

6.º andar

Atelier 1 

135,35

Atelier 2

184,88

 

 6.5. Posteriormente, em 28-03-2013, foi a requerente notificada de novas liquidações, cujo valor total é de € 10. 448,11, assim discriminado:

                                                                                                          (Valores em euros)

 

R/C

1.º andar

2.º andar

3.º andar

4.º andar

5.º andar

Direito

455,43

654,17

654,17

654,17

654,17

654,17

Esquerdo

867,11

451,37

451,37

451,37

451,37

451,37

Frente

658,43

459,80

459,80

459,80

459,80

459,80

6.º andar

Atelier 1 

270,70

Atelier 2

369,76

 

6.6. Em 19-04-2013, a ora requerente apresentou reclamação graciosa contra os referidos actos de liquidação, tendo esta sido objecto de indeferimento expresso, por despacho de 30-07-2013.

 

6.7. Fundamenta-se o referido indeferimento na consideração de que, nos termos da lei civil, "apenas a escritura pública de constituição do imóvel em propriedade horizontal atribui às divisões / fracções relevância jurídica individualizada com efeitos em matéria tributária, designadamente para efeitos de incidência do imposto do selo."

 

6.8. Desse considerando se extrai que "... nas situações em que um prédio se encontra constituído em propriedade horizontal, o valor patrimonial tributário é atendido ou valorado fracção a fracção, nos termos previstos no artigo 2.º n.º 4 do CIMI ... Desta forma, uma vez que o prédio não se encontra constituído em propriedade horizontal, encontra-se abrangido, relativamente à parte destinada a afectação habitacional, pela norma de incidência do artigo 1.º do CIS e da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo."

 

 6.9. Concluindo-se que "... apenas para efeitos de pagamento, é discriminado o prédio e suas partes susceptíveis de utilização independente, assim como o respectivo valor patrimonial tributário e colecta imputada, de acordo com o estipulado no artigo 119.º do CIMI " pelo que " as liquidações contestadas foram emitidas de acordo com a informação constante da caderneta predial do prédio, portanto é válida e não enferma de qualquer ilegalidade..."

 

6.10. Na sequência da referida decisão de indeferimento, notificada por via postal com aviso de recepção através do ofício n.º …, de 31-07-2013, a requerente formulou o presente pedido de pronúncia arbitral, pugnando pela declaração de ilegalidade das questionadas liquidações de imposto do selo.

 

Matéria de direito.

 

7. No pedido de pronúncia arbitral sustenta a requerente, no essencial, que a norma da Verba 28 da Tabela Geral dos Imposto do Selo não é aplicável a prédios em propriedade total integrados por partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, sempre que o valor patrimonial tributário atribuído a cada uma das se destinem a habitação não exceda € 1.000.000,00 (um milhão de euros).

 

8. Para além de questionar directamente a norma de incidência tributária, na interpretação subjacente às questionadas liquidações e decisão de indeferimento da reclamação apresentada junto do entidade competente da Administração Fiscal, a requente invoca a violação do princípio constitucional da capacidade contributiva que tal interpretação encerra bem como a falta de fundamentação daquelas liquidações, a par de vício de duplicação de colecta.

 

9. Ao alegado pela requerente, respondeu a AT, em síntese, que a Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo incide sobre os prédios urbanos com afectação habitacional e que o valor patrimonial tributário de que depende a aplicação dessa norma legal é, como resulta expressamente da lei, o valor patrimonial de cada prédio e não das suas partes distintas, ainda que susceptíveis de utilização independente. Concluindo, assim, que o acto tributário em causa, não tendo violado qualquer norma legal, deve ser mantido.

 

10. Das posições expressas pela requerente e requerida, acima sintetizadas, decorre estar em causa a apreciação de matéria estritamente jurídica, sendo desnecessária a produção de prova, para além dos elementos documentais juntos ao processo.

 

11. Com efeito, a questão a decidir centra-se, tão-somente, em saber se no âmbito da incidência do imposto do selo a que se refere a Verba 28 da TGIS se contêm, ou não, os prédios urbanos habitacionais que, embora não constituídos em propriedade horizontal, sejam integrados por andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sempre que o valor patrimonial tributário atribuído a cada uma dessas partes distintas não excede o valor de € 1.000.000,00.

 

12, Por outras palavras, trata-se de saber se o elemento quantitativo relevante previsto na referida norma deve ser considerado em função do valor patrimonial tributário atribuído a cada uma das partes, como pretende a requerida, ou se esse elemento é o que resulta do somatório dos valores patrimoniais a elas atribuído, conforme defende a Administração Tributária. 

 

13. Importa, assim, antes de mais, uma análise, ainda que sucinta, dos pressupostos da incidência do imposto do selo sobre prédios urbanos com afectação habitacional, com recurso às normas fiscais relevantes para a definição dos respectivos conceitos legais.

 

Da incidência tributária.

 

14. Através da Lei n.º 55-A/2912, de 29/10, foi aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo a Verba 28, sujeitando a este tributo os prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

 

15. A base tributável é constituída pelo valor patrimonial tributário considerado para efeitos do IMI, sendo aquele tributo anualmente liquidado pela AT relativamente a cada prédio urbano (CIS, art.23.º, n.º7), à taxa de:

- 1%, por prédio urbano com afectação habitacional;

- 7,5%, por prédio, quando os sujeitos passivos, não sendo pessoas singulares, sejam residentes em país, território ou região sujeitos a regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças (Verba 28).

 

16. Relativamente ao ano de 2012, é aplicável o regime transitório previsto no art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, com as seguintes especificidades:

a) O facto tributário considera-se verificado no dia 31-10-2012;

b) O valor patrimonial a considerar na liquidação corresponde ao que resulta das regras previstas no CIMI, por referência ao ano de 2011;

c) A taxa aplicável é de 0,5%, 0,8% ou 7,5%, consoante se trate, respectivamente, de prédios urbanos com afectação habitacional avaliados nos termos do CIMI, de prédios urbanos com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do referido Código ou de prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

 

17. São sujeitos passivos e devedores do imposto os proprietários, usufrutuários ou superficiários dos prédios em 31 de Dezembro do ano a que o tributo respeita - relativamente a 2012, de acordo com o regime transitório referido no ponto anterior, esta data é antecipada para 31 de Outubro - conforme decorre do art. 8.º do CIMI, por remissão expressa dos arts. 3.º, n.º 3, alínea u), e 2.º, n.º4, do CIS.

 

18. No tocante à data da constituição da obrigação tributária, conexão fiscal, determinação da base tributável, liquidação e pagamento do imposto do selo em causa, são aplicáveis as correspondentes regras do CIMI, por remissão expressa dos arts. 5.º, n.º1, alínea u), 4.º, n.º 6, 23.º, n.º 7, 44.º, n.º 5, 46.º, n.º 5 e 49.º, n.º 3, do CIS. Em geral, por remissão do art. 67.º, n.º2, do mesmo Código, são de aplicação supletiva às matérias não especialmente reguladas, as disposições do CIMI.

 

19. Não se questionando, no presente caso, a espécie do prédio em causa, classificado como de urbano e de afectação habitacional, de acordo com os critérios estabelecidos nos arts. 2.º, 4.º e 6.º do Código do IMI, está apenas em causa saber-se qual o exacto sentido de "valor patrimonial considerado para efeitos de IMI" constante da norma de incidência do imposto do selo.

 

20. Há assim que recorrer às regras do Código do IMI relativas ao tratamento que, em sede deste imposto, é conferido às partes de prédios urbanos susceptíveis de utilização independente, em especial no tocante à determinação dos respectivo valor patrimonial tributário e regras aplicáveis à liquidação e pagamento do respectivo tributo.

 

21. De acordo com o n.º 3 do art. 12.º do citado Código, que estabelece o conceito de matriz predial, "cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina o respectivo valor patrimonial tributário."

 

22. A autonomização na matriz das partes funcional e economicamente independentes de um prédio em propriedade total prende-se razões de índole fiscal e extrafiscal. No plano fiscal, essa autonomização tem a ver com a própria determinação do valor patrimonial tributário, que constitui a base tributável do IMI, dado que a fórmula de determinação desse valor, prevista no art. 38.º do mesmo Código, comporta índices que variam em função da utilização atribuída a cada uma dessas partes. No plano extrafiscal, essa autonomização continua a encontrar justificação na relevância atribuída ao valor patrimonial tributário de prédios e suas partes autónomas na legislação do arrendamento urbano.[1]

 

23. Porém, na economia do IMI, a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente não se limita à sua separação na inscrição matricial e discriminação do respectivo valor patrimonial tributário. Essa autonomia estende-se à própria liquidação.

 

24. Com efeito, determina o art. 119.º, n.º 1, do mencionado Código, que o documento de cobrança do imposto deverá conter a discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente e respectivo valor patrimonial tributário. Para cumprimento a este preceito, a liquidação do IMI, no estrito sentido de aplicação da taxa à base tributável, não toma como referência o somatório dos valores patrimoniais atribuídos às partes autónomas de um mesmo prédio, mas o valor atribuído a cada uma delas individualmente considerado.

 

25. No mesmo sentido da individualização, para efeitos tributários, das partes autónomas de prédios urbanos, releva ainda a norma do n.º 1 do art. 15.º- O, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, aditado pela Lei n.º 60-A/2011, de 30/11.

 

26. De acordo com o preceituado na referida norma, a cláusula de salvaguarda relativa ao agravamento da tributação em IMI decorrente da avaliação geral dos prédios urbanos, é aplicável por prédio ou parte de prédio urbano que seja objecto da referida avaliação.

 

27. Resulta, assim, das normas relevantes do CIMI, por remissão aplicáveis ao imposto do selo, que as partes autónomas de prédios urbanos assumem plena autonomia, em termos de avaliação e descrição na matriz e liquidação do imposto.

 

28. Ao referir-se ao valor patrimonial considerado para efeitos do IMI, a norma de incidência e quantificação do imposto do selo a que se refere a Verba 28 da respectiva Tabela não pode senão apelar para a realidade acima descrita, ou seja, para o valor patrimonial tributário considerado em sede de IMI relativamente a cada parte de prédio urbano susceptível de utilização independente.

 

29. Como, de resto, se encontra espelhado nas liquidações que se questionam no presente pedido de pronúncia arbitral: a Administração Tributária depois de, sem apoio legal, operar o somatório dos valores patrimoniais tributários das diversas partes autónomas do prédio para daí extrair o pressuposto quantitativo a incidência do imposto do selo, opera a liquidação com referência a cada uma dessas partes ainda que, individualmente, nenhuma delas atinja aquele valor.

 

30. Salienta-se, por fim, que a questão colocada neste processo é em tudo idêntica às que foram colocadas e decididas nos processos 50/2013-T e 132/2013-T, CAAD, a cuja  conclusão no sentido da ilegalidade da decisão da Administração Tributária de sujeitar a tributação as partes habitacionais de um prédio em propriedade total, em função do VPT global do prédio e não do que é efectivamente atribuído a cada parte, se adere inteiramente.

 

Decisão.

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação das liquidações questionadas e consequente restituição das importâncias pagas, acrescidas dos respectivos juros indemnizatórios, devidos e quantificados nos termos legais.

 

Valor do processo: € 16. 454,85.

Custas: Ao abrigo do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1.530,00, a cargo da requerida (AT).

 

Lisboa, 10 de Março de 2014,

O árbitro,

Álvaro Caneira.

 

 



[1]  Vd. Silvério Mateus e Leonel Corvelo de Freitas, "Os Impostos sobre o Património Imobiliário e o Imposto do Selo, Comentados e Anotados", Engifisco, Lisboa 2005, pags.159 e 160.