Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 154/2013-T
Data da decisão: 2013-11-26  IRC  
Valor do pedido: € 217.862,10
Tema: Dedução por dupla tributação económica; Dedução da diferença entre o valor de mercado e valor contabilístico de elementos patrimoniais; Estabelecimento estável
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Decisão Arbitral

 

 

 

Processo arbitral n.º 154/2013-T

 

Acordam, nestes autos, os juízes-árbitros, Juiz Conselheiro Jorge Lino Alves de Sousa, na qualidade de presidente, Prof. Doutor Fernando Borges de Araújo e Prof. Doutora Luísa Anacoreta, na qualidade de adjuntos:

 

1. RELATÓRIO

 

1.1. A..., S.A., sociedade de direito brasileiro de estabelecimento estável em Portugal denominado A..., S.A. – Sucursal em Portugal, doravante “Requerente”, Pessoa Colectiva nº …, com actividade cessada em 31 de Dezembro de 2008, representada para efeitos tributários por …, residente em Av. …, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT), sendo a Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante “AT”.

 

A Requerente pretende a ilegalidade dos actos de liquidação de IRC de 2008 n.º …, liquidação de juros compensatórios nº … e liquidação de juros compensatórios por recebimento indevido nº … (nº da compensação …), tudo com o total de 217.862,10 €.

 

Em 2010, foi a Requerente objecto de uma acção inspectiva de carácter geral ao exercício de 2008, no âmbito da qual foi corrigido o resultado tributável no valor de 779.905,46 €. Em consequência foram liquidados juros compensatórios no montante de 11.187,16 €.

A correcção ao resultado tributável é decomposta em três diferentes causas. Expõe-se em seguida o que sustenta a Requerente sobre cada uma das três causas.

 

  1. Encargos não dedutíveis

 

Sustenta a Requerente que devem ser consideradas custo fiscalmente dedutível as despesas com assessoria suportadas por facturas que, apesar de no seu descritivo constar assessoria relacionada com uma nova sucursal, respeitam, em substância, a assessoria relacionada com o fecho de estabelecimento estável em Portugal.

 

  1. Dedução por dupla tributação económica na esfera de um estabelecimento estável

 

Quanto a esta segunda causa, sustenta a Requerente que, por força do disposto no artigo 24º da Convenção de Dupla Tributação Económica celebrada em Portugal e o Brasil, é aplicável a um estabelecimento estável em Portugal de uma sociedade brasileira a dedução por dupla tributação económica prevista na alínea a) do nº 8 do então artigo 46º do Código do IRC relativa a dividendos distribuídos a tal estabelecimento estável por sociedades residentes em Portugal.

 

  1. Dedução da diferença entre valor de mercado e valor contabilístico de elementos patrimoniais à data de cessação de actividade de estabelecimento estável

 

Nesta terceira causa, sustenta a Requerente que, existindo a cessação de actividade de estabelecimento estável em Portugal, é dedutível para efeitos fiscais a diferença entre o valor de mercado e o valor contabilístico dos elementos patrimoniais, em concreto créditos sobre colaboradores e sobre terceiros, por força da aplicação do então artigo 76ºA do Código do IRC, por remissão do então artigo 76º B do mesmo Código.

 

Invocando o nº 1 do artigo 35º no que aos juros compensatórios concerne, conclui a Requerente pelo pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IRC de 2008 nº …, liquidação de juros compensatórios nº … e liquidação de juros compensatórios por recebimento indevido nº … .


 

1.2. A Requerente optou por não designar árbitro. Nos termos da al. a) do n.º 2, do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o colectivo de árbitros composto por Juiz Conselheiro Jorge Lino Alves de Sousa, na qualidade de presidente, Prof. Doutor Fernando Borges de Araújo e Prof. Doutora Luísa Anacoreta, na qualidade de adjuntos.

 

O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 2 de Setembro de 2013.

 

 

1.3. A Requerida apresentou Resposta.

 

Na sua Resposta, a Requerida sustenta, quanto a cada uma das três causas, o que em seguida se descreve.

 

  1. Encargos não dedutíveis

Alega a Requerida quanto à primeira causa que:

  • por um lado, consta do descritivo das facturas de assessoria “serviços profissionais relacionados com o projecto de abertura em Portugal de uma nova filial do A...”;

  • por outro, que, por aplicação do artigo 23º do código do IRC, tais encargos não deverão ser imputados à Requerente, a qual não é sequer parte do acordo celebrado entre o A..., S.A., sociedade de direito brasileiro, e A... AG, sociedade de direito austríaco, relativo à abertura de uma nova sucursal em Portugal, o qual estabelece que cabe ao A..., S.A. e à nova sucursal assumir os custos inerentes à transferência de actividade entre sucursais.

A Requerida levanta ainda a questão da data dos relatórios apresentados pela Requerente como consubstanciando os serviços de assessoria prestados ser muito posterior à data das facturas em apreço.

Conclui a Requerida que os encargos suportados por tais facturas, por não se tratar de encargos decorrentes da cessação da sua actividade, não deverão ser aceites fiscalmente.

 

  1. Dedução por dupla tributação económica na esfera de um estabelecimento estável

 

Relativamente à aplicação da dedução por dupla tributação económica prevista no então artigo 46º do Código do IRC, considera a AT que a dedução de 50% dos dividendos recebidos não se aplica à Requerente uma vez que este artigo apenas abrange “sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direcção efectiva em território português”.

Alega ainda a Requerida quanto a esta questão que não poderá trazer-se à colação a Convenção de Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Brasil por não estarem em causa matérias de dupla tributação internacional mas sim de dupla tributação económica.

 

C. Dedução da diferença entre valor de mercado e valor contabilístico de elementos patrimoniais à data de cessação de actividade de estabelecimento estável

 

Relativamente à terceira causa, a Requerida apresenta diferentes argumentos que sustentam a sua posição.

Por um lado, alega a Requerida que o facto de os juros a receber de créditos a empregados terem sido a dado momento proveitos, ainda que decorrentes de taxas de juros mais baixas que as praticadas para o restante mercado, e nunca gastos, não poderão em momento posterior vir a ser revertidos. Quanto aos restantes créditos, alega ainda a AT que o Código do IRC impôs um limite de aceitação de provisões como gastos fiscais, limite esse que corresponde a regras do Plano de Contas para o Sector Bancário.

Em segundo lugar, vem dizer a Requerida que os então artigos 76º-A e 76º-B se aplicam apenas a entidades situadas no espaço comunitário dado terem sido inseridos no Código do IRC pela Lei do Orçamento do Estado de 2006 sob a epígrafe “Harmonização Fiscal Comunitária”.

Por fim, alega a AT quanto a esta terceira questão, que, apesar de em termos formais ter ocorrido uma cessação de actividade, para assegurar a mudança de pessoa colectiva a operar em Portugal, não ocorreu uma verdadeira cessação de actividade mas sim uma mera transferência de titularidade da sucursal de um mesmo grupo económico. Invoca a este propósito o nº 4 do artigo 36º da LGT, nos termos do qual “a qualificação do negócio jurídico efectuado pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária”.

 

Quanto à legalidade de cobrança de juros compensatórios, refere a AT que, de acordo com o nº 8 do artigo 35º da LGT, tais juros integram a própria dívida de imposto e que, por aplicação do nº 1 do artigo 94º do Código do IRC, tais juros são devidos.

 

 

1.4. Em 28 de Outubro de 2013 realizou-se a primeira reunião do Tribunal Arbitral, nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do RJAT. Não foram suscitadas excepções nem questões prévias.

 

Na mesma reunião, o Tribunal, despois de ouvidas as partes, e sem oposição destas, declarou a sua convicção (que agora mantém) de que, sem necessidade de inquirição da testemunha arrolada pela Requerente, existem no processo os elementos de facto necessários para a boa resolução da causa.

 

1.5. Foi concedido às partes a possibilidade de apresentarem alegações escritas, faculdades que estas exerceram.

 

2. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo.

 

 

3. OBJECTO DA PRONÚNCIA DO TRIBUNAL

 

Vêm colocadas ao Tribunal três questões, nos termos já atrás descritos:

 

Questão A: Os encargos no valor de 43.889,79 € relativos a despesas incorridas com serviços de assessoria são considerados custo fiscal na esfera da Requerente?

 

Questão B: É aplicável a dedução de 30.835,23 € relativa à eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos na esfera da Requerente?

 

Questão C: Aplica-se a dedução à correcção ao lucro tributável no valor de 705.180,44 € relativa a ajustamentos efectuados pela Requente em resultado de cessação de actividade?

 

 

4. FUNDAMENTAÇÃO

 

Para o Tribunal se poder pronunciar quanto ao mérito das questões formuladas impõe-se, antes de mais, julgar a factualidade juridicamente relevante para cada uma delas.

 

 

 

4.1. DE FACTO

 

Consideram-se como provados os seguintes factos com relevância para a decisão, com base na prova documental junta aos autos.

 

  1. O estabelecimento estável A... S.A. – Sucursal em Portugal cessou a sua actividade junto da administração fiscal portuguesa em 31 de Dezembro de 2008 (Conforme Resposta da AT, ponto 72).

  2. A actividade anteriormente exercida pelo estabelecimento estável A..., S.A. – sucursal em Portugal passou, em 1 de Janeiro de 2009, a ser desenvolvida pelo A... AG, através de sucursal (Resposta da AT, ponto 72).

  3. A B… (doravante B...) facturou a Requerente em 30 de Novembro de 2007 e 28 de Dezembro de 2007 em 19.255,33 € mais IVA e 19.363,06 € mais IVA, respectivamente, referindo no descritivo de cada uma das facturas “Débito por conta de serviços profissionais relacionados com o projecto de abertura em Portugal de uma nova filial do A...” (Relatório de Inspecção Tributária, Anexo 3).

  4. Refere ainda a segunda factura “Serviços no âmbito da proposta de 18 de Julho de 2006” (Relatório de Inspecção Tributária, Anexo 3).

  5. Tendo em conta a percentagem de dedução do IVA suportado, as facturas originaram na esfera da Requerente um gasto considerado fiscalmente dedutível no total de 43.889,79 € (Relatório de Inspecção Tributária, pag. 8).

  6. A Requerente sustenta que os serviços prestados relativos às facturas acima se relacionam com assessoria ao encerramento da Requerente e não à abertura de uma nova sucursal em Portugal, não obstante o descritivo de cada factura (Pedido de pronúncia arbitral, 13º).

  7. Em consequência, a Requerente consubstancia os serviços prestados em dois relatórios emitidos pela B... em 30 de Janeiro de 2009 e 5 de Fevereiro de 2009 (Pedido de Pronúncia Arbitral, Documento 5)

  8. O primeiro relatório emitido pela B... refere-se à revisão da IES da Requerente relativa ao exercício de 2008 e o segundo, ao pedido de reembolso de IVA referente a Dezembro de 2008 (Pedido de Pronúncia Arbitral, Documento 5).

  9. A Requerente deduziu ao resultado contabilístico para efeitos da determinação do resultado fiscal a importância de € 30.835,23 relativa a atenuação de dupla tributação económica de lucros distribuídos por sociedades residentes (Relatório de Inspecção Tributária, pag. 10).

  10. A Requerente apurou diferenças, e deduziu-as ao resultado contabilístico para efeitos da determinação do resultado fiscal, entre o valor de mercado e base fiscal de créditos à habitação a empregados e de outros créditos nos montantes de 44.725,04 € e 660.455,40 €, respectivamente (Relatório de Inspecção Tributária, pag. 12).

 

 

* * *

Não se prova a alegação da Requerente da “conexão clara e inequívoca do custo incorrido com o encerramento da actividade”.

Não há outra matéria não provada com interesse para a decisão da causa.

 

4.2. DE DIREITO

 

4.2.1. Dos encargos não dedutíveis

 

4.2.1.1 Quanto à natureza dos serviços prestados

 

A Requerente deduziu ao lucro tributável o valor de serviços prestados facturados pela B... em finais de 2007, serviços esses que, de acordo com o descritivo das facturas que os suportam, se referem à abertura de uma nova sucursal em Portugal (por lapso as facturas referem filial mas essa questão não merece relevância). Uma das facturas refere ainda uma eventual proposta de prestação de serviços apresentada pela B... em Julho desse ano. Tal proposta não foi apresentada pela Requerente ou pela Requerida, bastando ao Tribunal apenas saber que ela provavelmente existe e está datada de Julho de 2007.

A Requerente afirma que o descritivo da factura não descreve correctamente os serviços prestados, declarando que estes se relacionaram com o encerramento da sua actividade, e não com a abertura de uma nova sucursal. Não obstante, a Requerente apresenta dois relatórios emitidos muito posteriormente à data das facturas, em Janeiro e Fevereiro de 2009, relatórios esses que embora se refiram efectivamente a procedimentos inerentes ao encerramento da actividade, os seus conteúdos muito dificilmente terão sido negociados e facturados em 2007. Com efeito, não é prática corrente nem minimamente razoável facturar no final de um ano serviços que só poderão ser conhecidos e realizados mais de um ano depois. Nem se entende porquê a B... faria tal coisa. E essa questão não foi explicada pela Requerente na sua petição.

O que daqui razoavelmente se depreende é que os serviços a que se referem as facturas não se consubstanciam nos relatórios apresentados, e que por essa razão o seu descritivo deve ser encarado como adequado aos serviços efectivamente prestados.

Julga, então, o Tribunal que a alegação da Requerente da “conexão clara e inequívoca do custo incorrido com o encerramento da actividade” não se prova, e que os serviços prestados se referirão à abertura de uma nova sucursal em Portugal, e não ao encerramento da existente.

 

4.2.1.2 Quanto à aceitação fiscal do custo

 

De acordo com o nº 1 do artigo 23º do Código do IRC, consideram-se custos dedutíveis fiscalmente aqueles que “comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. Se bem que possam encaixar-se aqui os custos decorrentes do encerramento de uma actividade que gerou rendimentos sujeitos a imposto, o mesmo não se pode dizer quanto a custos suportados por uma entidade relativos à abertura de uma outra entidade cujos benefícios futuros se repercutirão na esfera desta ou da entidade que a detém.

 

Assim, o Tribunal dá razão à AT no que se refere à Questão A, ao considerar não dedutíveis na esfera da Requerente custos com serviços de assessoria no montante de 43.889,79 €.

 

4.2.2. Da atenuação da dupla tributação económica de lucros distribuídos

 

4.2.2.1 Quanto à aplicação directa do Código do IRC

 

Por aplicação da então alínea a) do nº 8 do artigo 46º do Código do IRC, a Requerente deduziu ao resultado contabilístico para efeitos da determinação do resultado fiscal 50% de dividendos distribuídos por entidades residentes em Portugal.

Referia então a primeira parte do artigo 1º do referido artigo 46º:

“Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direcção efectiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos (...)”.

 

E dizia seguidamente a alínea a) do nº 8 do mesmo artigo:

“A dedução a que se refere o n.º 1 é apenas de 50% dos rendimentos incluídos no lucro tributável correspondentes a:

a) Lucros distribuídos, quando não esteja preenchido qualquer dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do mesmo número (...).”

 

Sendo a Requerente um estabelecimento estável sem personalidade jurídica, ainda que com personalidade tributária por força da alínea c) do artigo 2º do Código do IRC, considera o Tribunal inaplicável à Requerente de forma directa o disposto no referido artigo 46º do Código do IRC.

De referir que de acordo com o nº 1 do então artigo 50º do Código do IRC o “lucro tributável imputável a estabelecimento estável de sociedades e outras entidades não residentes é determinado aplicando, com as necessárias adaptações, o disposto na secção II” do mesmo código, da qual consta o já citado artigo 46º. Não obstante, tais adaptações não permitem ler para além da letra da norma, a qual refere expressamente sociedades com sede ou direcção efectiva no território nacional. E assim se sublinha que o Código do IRC per se não permite a dedução por dupla tributação económica de lucros distribuídos a estabelecimentos estáveis instalados em Portugal.

 

4.2.2.1 Quanto ao disposto na Convenção tributária Portugal - Brasil

 

Em Maio de 2000, foi assinada a Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento. A Convenção, ratificada pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/2001, foi publicada em Diário da República em 27 de Abril de 2001. Por força do disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas vigoram na ordem interna após a sua publicação.

O artigo 24º da Convenção citada dedica-se à aplicação do princípio da não discriminação. Relevante para o caso em concreto, prevê o nº 2 do referido artigo: “A tributação de um estabelecimento estável que uma empresa de um Estado Contratante tenha no outro Estado Contratante não será nesse outro Estado menos favorável do que a das empresas desse outro Estado”.

Desconsiderar para efeitos de apuramento do IRC de um estabelecimento estável em Portugal de uma sociedade de direito brasileiro a dedução prevista no referido artigo 46º do Código do IRC para as sociedades residentes relativo à atenuação da dupla tributação económica resulta, efectivamente, numa discriminação tributária na esfera desse estabelecimento estável.

De acordo com o disposto no artigo em apreço, tal dedução não se aplica à generalidade de estabelecimentos estáveis localizados em território nacional. Não obstante, havendo uma convenção que valide a aplicação do princípio da não discriminação nos termos acima expostos, então tal dedução, como restantes medidas do Código que originem menor imposto em sociedades residentes em relação a estabelecimentos estáveis ao abrigo da Convenção, terão que ser levantadas, sendo esta uma das razões que justifica a assinatura da Convenção.

De referir que o facto de se tratar de uma dedução para efeitos de atenuação de dupla tributação económica não invalida a aplicação do princípio da não discriminação.

O facto de a Convenção assentar numa filosofia de eliminação de dupla tributação internacional, o que significa a tributação em mais de um país do mesmo rendimento, a verdade é que prevê igualmente a aplicação do princípio da não discriminação em relação a estabelecimentos estáveis de uma sociedade residente num país localizado no outro país.

Considera assim o Tribunal no que se refere à Questão B que, por aplicação do nº 2 do artigo 24º da Convenção celebrada entre Portugal e o Brasil, em conjugação com o previsto na alínea a) do nº 8 do artigo 46º do Código do IRC, são dedutíveis na esfera da Requerente 50% de dividendos recebidos de entidades residentes nos termos por si efectuados.

 

4.2.3. Da cessação de actividade de estabelecimento estável

 

4.2.3.1. Da “verdadeira cessação de actividade”

 

A Requerente, estabelecimento estável localizado em território nacional, cessou a sua actividade no território nacional em 31 de Dezembro de 2008. Em 1 de Janeiro de 2009, uma sociedade filial da sociedade detentora da Requerente, abriu nova sucursal em Portugal para continuar a actividade então seguida pela Requerente. Quer a cessação de actividade da Requerente, quer o início de actividade da nova sucursal constituem operações jurídicas válidas que originaram alteração da entidade jurídica que opera em Portugal. Ainda que em substância, i.e., economicamente, a actividade continue a ser exercida em Portugal nos mesmos moldes, a verdade é que a entidade jurídica é diferente e que tal não pode ser ignorado fiscalmente.

Afirmar que não houve uma “verdadeira cessação de actividade”, como alega a Requerida no ponto 77 da Resposta ao Pedido de Pronúncia, não é defensável uma vez que para todos os efeitos tributários, desde logo uma eventual futura aplicação de Convenção de dupla tributação, a alteração de entidade jurídica tem obrigatoriamente que ser válida. Com efeito, desde 1 de Janeiro de 2009 que a Convenção a aplicar à nova Sucursal é a assinada entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos, publicada em diário da República de 12 de Julho de 2000.

A AT ao vir alegar que o facto da transmissão de actividade para outra entidade jurídica não ser uma verdadeira “cessação de actividade” é inconsistente com o que alega no primeiro ponto em discussão neste Acórdão. Recorde-se que conforme analisado em 4.2.1 acima, considerou quer o Tribunal, quer a AT, que os serviços prestados não são dedutíveis por se tratar de serviços relacionados com a abertura de uma nova sucursal em Portugal. Vir agora dizer que afinal não houve uma verdadeira cessação de actividade, nem consequentemente, uma abertura de nova sucursal é, não só inconsistente, como irrazoável. Assim, considera o Tribunal que as operações jurídicas realizadas são válidas para quaisquer efeitos tributários, não sendo defensável a aplicação ao caso concreto do disposto no número 4 do artigo 36º da LGT.

 

4.2.3.2. Da aplicação dos então artigos 76º-A e 76º-B do Código do IRC

 

Assente que está a cessação de actividade de um estabelecimento estável localizado em Portugal, analisa-se agora o enquadramento da cessação em sede de IRC. Sob a epígrafe “Cessação da actividade de estabelecimento estável” previa, à data, o então artigo 76º-B do Código do IRC:

“O disposto no n.º 1 do artigo anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, na determinação do lucro tributável imputável a um estabelecimento estável de entidade não residente situado em território português, quando ocorra:

a) A cessação da actividade em território português;

b) A transferência, por qualquer título material ou jurídico, para fora do território português de elementos patrimoniais que se encontrem afectos ao estabelecimento estável.”

 

Enquadrando-se a operação em crise na alínea a) do artigo acima transcrito, importa analisar o que prescreve o nº 1 do artigo anterior, i.e. do então artigo 76º-A:

“1 - Para a determinação do lucro tributável do exercício da cessação de actividade de entidade com sede ou direcção efectiva em território português, incluindo a Sociedade Europeia e a Sociedade Cooperativa Europeia, por virtude de a sede e a direcção efectiva deixarem de se situar nesse território, constituem componentes positivas ou negativas as diferenças entre os valores de mercado e os valores contabilísticos fiscalmente relevantes dos elementos patrimoniais à data da cessação.”

 

Os dois artigos acima citados foram acrescentados ao Código do IRC a propósito da transposição de uma Directiva Europeia. Não obstante, e dada a formalização acolhida, o seu âmbito de actuação não se restringe a residentes na União Europeia, aplicando-se genericamente a qualquer entidade não residente em território nacional.

Assim, no caso em apreço, aquando da cessação de actividade deveria a Requerente, para efeitos da determinação do resultado fiscal, apurar todas as diferenças entre o valor de mercado e o valor contabilístico dos seus elementos patrimoniais e acrescê-las, ou deduzi-las, conforme o seu sinal ao resultado contabilístico. E assim o fez. Apurou o valor de mercado de crédito à habitação que tinha concedido a empregados, o qual, pelo facto de estar negociado a uma taxa de juro inferior à taxa de mercado, resultou obviamente num valor mais baixo do que o valor inscrito na sua contabilidade. E apurou também o valor de mercado de crédito concedido que, em face das expectativas quanto ao seu recebimento, resultou também num valor abaixo do registado na contabilidade.

Refira-se que o apuramento do valor de mercado de elementos patrimoniais não está condicionado, pelo nº 1 do referido artigo 76º-A do Código do IRC, a qualquer tipo de condicionamento, seja imposto pelo Banco de Portugal, seja por outra entidade. Trata-se pura e simplesmente de apurar o valor de mercado, de acordo com as boas práticas na teoria das finanças, no caso em apreço por se tratar de créditos, e contrapô-lo com o valor contabilístico.

Assim, e no que se refere à Questão C, considera o Tribunal que as deduções efectuadas pela Requerente em relação a diferenças entre os valores de mercado e os valores contabilísticos de elementos patrimoniais foram adequadas e concordantes com o disposto da legislação fiscal aplicável.

 

4.2.4. Dos juros compensatórios

 

No tocante aos juros compensatórios, tem razão a Requerente quando afirma no artigo 152.º da sua petição inicial que, «não havendo imposto devido pela Requerente, naturalmente também não serão devidos os juros compensatórios liquidados pela AT».

Nesta conformidade e de acordo com os termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, são devidos juros compensatórios sempre que tenha sido imputável ao contribuinte o retardamento de parte que seja da liquidação de imposto que for devida.

Como assim, e visto que no caso a Requerente nem sequer alegou a falta daquela imputabilidade, serão devidos juros compensatórios respeitantes à parte da liquidação impugnada que aqui não for anulada.

 

5. DECISÃO

 

 

Em face do exposto, acorda o colectivo de árbitros:

  • julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à correcção do lucro tributável nos montantes de 30.835,23€ e de 705.180,44€, anulando-se a liquidação correspondente a estes montantes (juros compensatórios incluídos);

  • e julgar improcedente o pedido quanto à correcção ao lucro tributável no montante de 43.889,79€.

Custas pelas partes, na proporção do vencido, fixando-se a responsabilidade da Requerente em um quinze avos.

Valor da causa: 217.862,10€

Notifique.

Lisboa, 26 de Novembro de 2013.

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo Colectivo de Árbitros.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990. * * *

 

Os Árbitros,

 

Jorge Lino Alves de Sousa

 

 

Fernando Borges de Araújo

 

 

Luísa Anacoreta