Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 323/2025-T
Data da decisão: 2025-11-11  Selo  
Valor do pedido: € 179.331,02
Tema: Imposto do Selo sobre comissões de comercialização de unidades de participação.
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SUMÁRIO: 

O Imposto do Selo cobrado sobre “comissões de comercialização” de unidades de participação é ilegal, por incompatibilidade com o art.º 5.º, n.º 2 , al. a) da Diretiva 2008/7. 

 

 

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Alexandra Iglésias e Sónia Martins Reis, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte: 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

     I.         RELATÓRIO

A..., S.A., com o número único de pessoa coletiva..., sede no ..., Av. ..., ..., ..., ..., ...-... Porto Salvo, adiante designado por “A...” ou “Requerente”, no seguimento da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida contra os atos tributários de liquidação de Imposto do Selo realizados no período compreendido entre setembro de 2022 e dezembro de 2023, veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de   20 de janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária”, doravante RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requerer a Constituição de Tribunal Arbitral com vista à declaração da ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo respeitantes aos períodos compreendidos entre setembro de 2022 e dezembro de 2023, relativos às comissões de comercialização cobradas pelo B..., S.A. (“B...”), na qualidade de entidade sub-comercializadora, ao A..., na qualidade de entidade comercializadora (e cujos comprovativos se juntam como Documento n.º 1 e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais).

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 4 de abril de 2025. 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 27 de maio de 2025, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. 

O TAC encontra-se, desde 17 de junho de 2025, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 8 de setembro de 2025.

No dia 11 de setembro de 2025, este Tribunal proferiu o seguinte despacho:

“1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.

2. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, no prazo de 10 dias a contar desta notificação.

4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

 

 II.           DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1       Posição da Requerente

 

O Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

a)     O Requerente é uma plataforma digital que disponibiliza toda a gama de produtos e serviços de um Banco universal, distinguindo-se pelo forte cariz tecnológico e pela adoção de um modelo de negócio de arquitetura aberta, alicerçado em parcerias nacionais e internacionais, nas vertentes de Poupança, Asset Management e Trading.

b)    Em 22 de agosto de 2016, no âmbito da sua atividade, o Requerente celebrou com o B... um contrato de distribuição com vista a possibilitar a sub-comercialização, por parte do B..., de unidades de participação de Organismos de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários (“OICVMs”) comercializados pelo A... .

c)     Com efeito, no âmbito do referido contrato de distribuição, o B... tem a possibilidade de comercializar junto dos seus clientes as unidades de participação dos OICVMs cujas entidades gestoras celebraram com o A... contratos de distribuição global.

d)    Conforme estipulado no contrato de distribuição em apreço, a comercialização daquela tipologia de ativos realizada pelo B... compreende os serviços de intermediação nas operações de subscrição, resgate, aquisição ou alienação das unidades de participações dos OICVMs efetuados em nome dos seus clientes junto dos distribuidores globais.

e)     Deste modo, a atividade de comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento comercializados pelo A... encontra-se a ser desenvolvida pelo B... no que respeita aos clientes do último, nos termos do contrato entre ambos celebrado (mormente, instituição de crédito devidamente autorizada para o efeito) que atua enquanto intermediário financeiro, mais concretamente como sub-intermediário.

f)     Como contrapartida, o contrato de distribuição em apreço prevê a remuneração do B... pela atividade de distribuição/comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento.

g)    Efetivamente, nos termos do aduzido contrato, o B... tem direito a uma comissão de distribuição/comercialização pelo exercício das atividades de comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento, a qual é cobrada por aquele ao A... (cfr.  Documento n.º 1).

h)    Refira-se que, as comissões de distribuição/comercialização são cobradas diretamente pelo B... ao A..., através de faturas emitidas por aquele a este, nas quais é liquidado Imposto do Selo sobre as referidas comissões, à taxa de 4%, nos termos da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo (“TGIS”), o qual é suportado pelo Requerente.

i)      Assim, nos termos do referido contrato de distribuição, nos períodos de setembro e novembro de 2022, foram cobrados pelo B... ao A... comissões de distribuição/comercialização, no montante total de € 1.921.723,63, sobre as quais incidiu Imposto do Selo no montante total de € 76.868,95 (cfr. Documento n.º 1).

j)      Posteriormente, nos períodos de junho, setembro e dezembro de 2023, foram cobradas pelo B... ao A... comissões de distribuição/comercialização, no montante total de € 2.561.551,84, sobre as quais incidiu Imposto do Selo no montante total de € 102.462,08 (cfr. Documento n.º 1).

k)    Deste modo, relativamente aos períodos compreendidos entre setembro de 2022 e dezembro de 2023, o Requerente suportou Imposto do Selo no montante total de € 179.331,02, incidente sobre as comissões de distribuição/comercialização que totalizaram o valor de € 4.483.275,47 (cfr. Documento n.º 1).

l)      Importa notar que, no âmbito da notificação da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) questiona a natureza das comissões em causa, referindo que “tão pouco se retira dos documentos juntos em anexo à PI que os encargos que ora lhe foram cobrados, digam respeito a comissões de comercialização ou distribuição das unidades de participação”.

m)   Prossegue a AT ao mencionar que “[a]s ditas comissões de comercialização, refletidas nas faturas juntas ao presente procedimento são tipificadas como “comissões retrocessão”, não se podendo retirar qualquer conclusão quanto à previsão das mesmas nos respetivos contratos”.

n)    Não obstante, entende o Requerente que dúvidas não subsistem quanto à natureza das comissões em causa e ao facto de as mesmas serem a contrapartida pela atividade de distribuição/comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento.

o)    De facto, a descrição das faturas que se juntam como Documento n.º 1 indicam de forma clara e inequívoca que estão relacionadas com o “Contrato de Distribuição entre C... e B...”.

p)    Tornando-se, assim, evidente que as comissões em causa visam remunerar os serviços efetuados pelo B... em resultado da comercialização/distribuição de unidades de participação dos fundos de investimento.

q)    Ademais, importa atender à definição de comissões de retrocessão, a qual clarifica que as mesmas dizem respeito ao pagamento de uma remuneração por um intermediário (i.e., A...) a outro intermediário (i.e., B...) pela atividade de distribuição das unidades de participação dos fundos de investimento.

r)     Dito de outro modo, as comissões de retrocessão consubstanciam comissões de comercialização que são cobradas entre intermediários financeiros (neste caso Bancos), os quais realizam a atividade de comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento.

s)     Adicionalmente, em 22 de dezembro de 2022, foi proferido Acórdão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), no âmbito do Processo n.º C-656/21 (que tem por objeto um pedido de reenvio prejudicial apresentado pelo Tribunal Arbitral no âmbito do Processo  n.º 88/2021-T), o qual concluiu que o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva  n.º 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais (“Diretiva") deve ser interpretado no sentido de que se opõe a “(…) uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização.”.

t)      Nesta senda, o referido Tribunal Arbitral, procedendo à aplicação da jurisprudência do TJUE (sem deixar de fazer referência ao seu caráter vinculativo para os Tribunais nacionais, estando em causa questões de Direito da União Europeia), concluiu pela anulação das liquidações de Imposto do Selo incidentes sobre comissões de comercialização, decorrente da incompatibilidade da verba 17.3.4. da TGIS com a alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva, quando interpretada no sentido de que a mesma inclui no seu âmbito de incidência as comissões de comercialização cobradas por bancos comercializadores.

u)    Deste modo, e por se tratar de uma situação similar à dos presentes autos, entende o Requerente que no âmbito dos fluxos comissionistas gerados entre o A... e o 
B...– que procede à comercialização das unidades de participação daqueles fundos de investimento – constata-se que, nos períodos de 2022 e 2023, ocorreu tributação indevida em sede de Imposto do Selo daquelas comissões.

v)    Neste contexto, nos períodos compreendidos entre setembro de 2022 e dezembro de 2023, foi indevidamente liquidado Imposto do Selo sobre as referidas comissões de comercialização, no montante total de € 179.331,02, conforme decorre da tabela infra:

   

Valores em Euro

Período

Comissão de Comercialização

Imposto do Selo (4%)

2022

1.921.723,63

76.868,95

2023

2.561.551,84

102.462,07

Total

4.483.275,47

179.331,02

 

 


 

w)   Cumpre referir que o montante de € 179.331,02 foi efetivamente entregue nos cofres do Estado, conforme se extrai da declaração relativa às liquidações de Imposto do Selo emitida pelo B..., que se junta como Documento n.º 4 que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

x)    Neste sentido, à luz da Diretiva, da jurisprudência do TJUE e, bem assim, da jurisprudência portuguesa alusiva à questão aqui controvertida, entende o Requerente que as comissões de distribuição/comercialização cobradas pela entidade sub-comercializadora não deveriam ter sido sujeitas a tributação em sede de Imposto do Selo, pelos motivos que passa a expor em seguida.

y)    Ora, o entendimento do Requerente, após entrega do pedido de Reclamação Graciosa, como dito anteriormente, foi alvo de indeferimento por parte da AT, solicitando-se assim a pronúncia do Tribunal Arbitral.

 

II.2. Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

a)     Deverão considerar-se impugnados os factos alegados pela Requerente que se encontrem em oposição com a presente defesa, considerada no seu conjunto, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 574.º do Código do Processo Civil - CPC, ex vi alíneas a ) e e) do n.º 1 do art.º 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - RJAT.

b)    A questão a decidir consiste em saber se os atos de autoliquidação de Imposto do Selo (IS) supra referidas, atos que incidiram sobre a comissão de comercialização cobrada pelas entidades comercializadoras a si e aos fundos de investimento por si geridos, devem, ou não, ser sujeitos a Imposto do Selo por aplicação da norma de incidência consagrada na verba 17.3.4 da TGIS, e se tal incidência viola o direito comunitário, na medida em que está desconforme com as disposições da Diretiva n.º 2008/7/CE, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, em particular com a alínea a) do n.º 2 do seu artigo 5.º, como demonstra a decisão do TJUE sobre esta questão no acórdão C-656/21.

c)     Ora, nem todas as liquidações de IS efetuadas nos termos da verba 17.3.4 da TGIS cabem no escopo da jurisprudência que emana do Acórdão CÓRDÃO C-656/21 DO TJUE.

d)    Assim, a tributação em sede de IS das comissões em apreço apenas será contrária ao disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, caso se verifiquem os seguintes pressupostos cumulativos:

i. As comissões cobradas respeitem exclusivamente à comercialização;

ii. A comercialização se destine à emissão de novas unidades de participação; e

iii. As unidades de participação em causa digam respeito a “fundos comuns de investimento abertos” abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65/CE.

e)     Pelo que, observando as diretrizes que emanam do citado Acórdão C-656/21, cumpre, em primeiro lugar, ao intérprete e aplicador nacional, averiguar se as comissões cobradas respeitam exclusivamente à (I) COMERCIALIZAÇÃO (II) CONEXA COM A EMISSÃO DE NOVAS UP (iii) de “FUNDOS COMUNS DE INVESTIMENTO” ABRANGIDOS PELO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA DIRETIVA 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Concelho, de 13 de julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM), como bem enfatiza e determina o TJUE no ponto 32 da sua decisão.

f)     Determina o n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva 2009/65/CE que para se ser “fundo comum de investimento” é necessário que o OICVM tenha por “objecto exclusivo o investimento coletivo dos capitais obtidos junto do público em valores mobiliários ou noutros activos financeiros líquidos referidos no n.º 1 do artigo 50.º e cujo funcionamento seja sujeito ao princípio da repartição de riscos”.

g)    Ora, relativamente às alegadas “comissões de comercialização”, pretende a Requerente obter do tribunal a anulação do respetivo Imposto do Selo e o consequente reembolso de € 179.331,02, referente ao imposto liquidado pelo B..., referentes aos períodos de setembro de 2022 e dezembro de 2023.

h)    Para tal, suporta o valor peticionado juntando cópias das faturas emitidas durante aquele período pelo intermediário financeiro, no caso o B... (docs. 1), em nome da sociedade gestora, ora Requerente, com o seguinte descritivo singelo e genérico “Contrato de Distribuição entre o C... e o B...– Comissões de Retrocessão”.

i)      A Requerente alega que da referida descrição resulta clara e inequivocamente que as faturas estão relacionadas com o alegado contrato de distribuição que celebrou com o B...– clareza para a qual afirma, ainda, contribuir a definição de “comissões de retrocessão” enquanto “comissões de comercialização que são cobradas entre intermediários financeiros (neste caso Bancos), os quais realizam a atividade de comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento”.

Ora, à Requerente não assiste razão, senão vejamos:

j)      Como decorre do disposto no n. º 1 do artigo 74.º da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”.

k)    Incumbia, assim, à Requerente, nos termos das regras do ónus da prova, demonstrar a existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito à exclusão da sujeição a Imposto do Selo.

l)      Demonstração que, a nosso ver, neste caso concreto, não consegue fazer, porquanto não resulta inequivocamente claro que as comissões faturadas pelo B... (i) respeitem exclusivamente a serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de (novas) unidades de participação de fundos comuns de investimento abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65/CE, e não a quaisquer outras comissões ou mesmo outras comissões de comercialização que nada terão a ver as “comissões de comercialização” protegidas da tributação pelo Acórdão C-656/21 do TJUE.

m)   Pois só estes, numa interpretação conforme à alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, que proíbe a tributação indireta das reuniões de capital, ficam excluídos da tributação de Imposto do Selo prevista na verba 17.3.4 da TGIS, conforme se extrai do Acórdão C-656/21 do TJUE.

n)    Ademais, apesar de, no PPA, a Requerente fazer menção a um contrato de distribuição celebrado com o B..., em 22 de agosto de 2016, este documento não foi junto aos autos, não sendo, como tal, possível confirmar se a atividade do B...  no âmbito do mesmo se limita, ou não, à comercialização de novas unidades de participação e, consequentemente, se se encontram preenchidos os primeiros dois requisitos anteriormente referidos.

o)    Efetivamente, em momento algum o Requerente junta ao processo os contratos de distribuição que alega ter celebrado com as entidades gestoras dos fundos de investimento objeto do presente PPA nem identifica os mesmos, limitando-se a remeter para uma lista com 3312 fundos e a classificá-los como OICVM, mas sem apresentar qualquer prova para tal caraterização, não sendo, portanto, possível confirmar se se verifica o terceiro pressuposto já mencionado, a saber: que as unidades de participação em causa digam respeito a “fundos comuns de investimento abertos” abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65/CE.

p)    Em suma, repisa-se, das referidas faturas não se retira que os encargos espalhados nas mesmas, cobrados pelo B... ao Requerente, digam, de facto, respeito às comissões de comercialização ou distribuição de unidades de participação dos fundos de investimento aludidos no PPA e muito menos é possível concluir se se referem a comissões relativas à comercialização destinada à emissão de novas unidades de participação.

q)    Deste modo, não foi realizada prova de que as faturas anexadas ao PPA respeitavam a comissões de comercialização referentes a subscrições de novas unidades de participação de fundos mobiliários abertos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65/CE, cujas entidades gestoras celebraram contratos de distribuição global com a Requerente, desconhecendo-se a sua natureza, origem ou até previsão contratual.

r)     Por conseguinte, entendemos estar perante uma situação de dissonância entre a prova apresentada nos autos e os factos que sustentam a causa de pedir e o pedido, devendo, em consequência, e de acordo com as regras da repartição do ónus da prova, essa circunstância ser processualmente valorada pelo tribunal arbitral contra a Requerente que é quem legalmente tem essa obrigação.

s)     Ante o exposto, devem os atos tributários de liquidação de Imposto do Selo, realizados pelo  B... nos termos da verba 17.3.4 da TGIS, ser considerados compatíveis com a alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, não padecendo, por isso, de qualquer ilegalidade que os inquine.

t)      Igualmente impugna os juros indemnizatórios peticionados pelo Requerente.

 

 III.         SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 IV.         FUNDAMENTAÇÃO

IV.1.     Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

a)     O Requerente é uma plataforma digital que disponibiliza toda a gama de produtos e serviços de um Banco universal, distinguindo-se pelo forte cariz tecnológico e pela adoção de um modelo de negócio de arquitetura aberta, alicerçado em parcerias nacionais e internacionais, nas vertentes de Poupança, Asset Management e Trading.

b)    Em 22 de agosto de 2016, no âmbito da sua atividade, o Requerente celebrou com o B... um contrato de distribuição com vista a possibilitar a sub-comercialização, por parte do B..., de unidades de participação de Organismos de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários (“OICVMs”) comercializados pelo A... .

c)     Com efeito, no âmbito do referido contrato de distribuição, o B... tem a possibilidade de comercializar junto dos seus clientes as unidades de participação dos OICVMs cujas entidades gestoras celebraram com o A... contratos de distribuição global.

d)    Conforme estipulado no contrato de distribuição em apreço, a comercialização daquela tipologia de ativos realizada pelo B... compreende os serviços de intermediação nas operações de subscrição, resgate, aquisição ou alienação das unidades de participações dos OICVMs efetuados em nome dos seus clientes junto dos distribuidores globais.

e)     Deste modo, a atividade de comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento comercializados pelo A... encontra-se a ser desenvolvida pelo B... no que respeita aos clientes do último, nos termos do contrato entre ambos celebrado (mormente, instituição de crédito devidamente autorizada para o efeito) que atua enquanto intermediário financeiro, mais concretamente como sub-intermediário.

f)     Como contrapartida, o contrato de distribuição em apreço prevê a remuneração do B... pela atividade de distribuição/comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento.

g)    Efetivamente, nos termos do aduzido contrato, o B... tem direito a uma comissão de distribuição/comercialização pelo exercício das atividades de comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento, a qual é cobrada por aquele ao A... (cfr.  Documento n.º 1).

h)    Refira-se que, as comissões de distribuição/comercialização são cobradas diretamente pelo B... ao A..., através de faturas emitidas por aquele a este, nas quais é liquidado Imposto do Selo sobre as referidas comissões, à taxa de 4%, nos termos da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo (“TGIS”), o qual é suportado pelo Requerente.

i)      Assim, nos termos do referido contrato de distribuição, nos períodos de setembro e novembro de 2022, foram cobrados pelo B... ao A... comissões de distribuição/comercialização, no montante total de € 1.921.723,63, sobre as quais incidiu Imposto do Selo no montante total de € 76.868,95 (cfr. Documento n.º 1).

j)      Posteriormente, nos períodos de junho, setembro e dezembro de 2023, foram cobradas pelo B... ao A... comissões de distribuição/comercialização, no montante total de € 2.561.551,84, sobre as quais incidiu Imposto do Selo no montante total de € 102.462,08 (cfr. Documento n.º 1).

k)    Deste modo, relativamente aos períodos compreendidos entre setembro de 2022 e dezembro de 2023, o Requerente suportou Imposto do Selo no montante total de € 179.331,02, incidente sobre as comissões de distribuição/comercialização que totalizaram o valor de € 4.483.275,47 (cfr. Documento n.º 1).

l)      Neste contexto, nos períodos compreendidos entre setembro de 2022 e dezembro de 2023, foi indevidamente liquidado Imposto do Selo sobre as referidas comissões de comercialização, no montante total de € 179.331,02, conforme decorre da tabela infra:

   

Valores em Euro

Período

Comissão de Comercialização

Imposto do Selo (4%)

2022

1.921.723,63

76.868,95

2023

2.561.551,84

102.462,07

Total

4.483.275,47

179.331,02

 

 


 

 

m)   O montante de € 179.331,02 foi efetivamente entregue nos cofres do Estado, conforme se extrai da declaração relativa às liquidações de Imposto do Selo emitida pelo B..., que se junta como Documento n.º 4 que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

n)    Ora, o entendimento do Requerente, após entrega do pedido de Reclamação Graciosa, como dito anteriormente, foi alvo de indeferimento por parte da AT.

 

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e em factos não questionados pelas partes.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos, tendo admitido, ao abrigo da livre condução do processo, todos os documentos pertinentes ao apuramento da verdade material, garantindo o pleno contraditório às partes.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental, testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1]“o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

IV. 2. A. Thema decidendum – Questão da compatibilidade das liquidações de imposto do selo impugnadas com a Diretiva 2008/7/CE[2]

  

No acórdão proferido pelo TJUE, em 22.12.2022, no caso C-656/21, invocado pelo Requerente, em conexão com o qual foi suspensa a instância do processo n.º 680/2021-T, estava em causa uma situação muito semelhante à que se encontra em apreciação nos presentes autos.

A Requerente pedia, tal como no presente caso, a anulação de liquidações de Imposto do Selo cobrado por vários bancos a si própria, sobre comissões pagas por si aos referidos bancos, como contrapartida pela comercialização de unidades dos fundos de investimento geridos, no momento da respetiva emissão.

Além disso, a anulação de liquidações de Imposto do Selo cobrado por si própria aos fundos por si administrados, sobre comissões cobradas aos mesmos, mas apenas na parcela dessas comissões referentes à repercussão, sobre os fundos, das comissões pagas aos bancos.

Sobre a primeira questão, disse o TJUE:

“(21) Com as suas duas questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização.

(22) A título preliminar, importa recordar que, segundo o seu artigo 1.°, alínea a), a Diretiva 2008/7 regulamenta a aplicação de impostos indiretos sobre as entradas de capital nas sociedades de capitais. Entre esses impostos indiretos figuram o imposto do selo sobre os títulos e os outros impostos indiretos com características idênticas às do imposto do selo sobre os títulos.

(23) O artigo 2.°, n.º 2, da referida diretiva prevê, por outro lado, que qualquer sociedade, associação ou pessoa coletiva com fins lucrativos que não pertença às categorias de sociedades de capitais mencionadas no n.º 1 do mesmo artigo é equiparada a uma sociedade de capitais.

(24) No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que o imposto em causa no processo principal constitui um imposto do selo cobrado sobre a remuneração dos bancos a título dos serviços de comercialização de novas subscrições de participações de fundos comuns de investimento. Daqui resulta igualmente que, em direito português, o conceito de «fundo de investimento» visa uma massa de património, sem personalidade jurídica, que pertence aos participantes segundo o regime geral de comunhão.

(25) Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que um agrupamento de pessoas sem personalidade jurídica, cujos membros entram com capitais para um património separado para atingir um fim lucrativo, deve ser considerado uma «associação com fins lucrativos» na aceção do artigo 2.°, n.° 2, da Diretiva 2008/7, pelo que, em aplicação desta última disposição, é equiparado a uma sociedade de capitais para efeitos desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 1987, Amro Aandelen Fonds, 112/86, EU:C:1987:488, n.° 13).

(26) Decorre destas considerações que fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, devem ser equiparados a sociedades de capitais e, por conseguinte, são abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7.

(27) Feitas estas observações preliminares, há que recordar que o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 proíbe os Estados‑Membros de sujeitarem a qualquer forma de imposto indireto a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu.

(28) Todavia, tendo em conta o objetivo prosseguido por esta diretiva, o artigo 5.° da mesma deve ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições que prevê sejam privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica‑se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C‑573/16, EU:C:2017:772, n.os 31 e 32 e jurisprudência referida).

(29) Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que uma emissão de títulos só tem sentido a partir do momento em que esses mesmos títulos são adquiridos, uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão tributaria, na realidade, a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. O objetivo de preservar o efeito útil do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição dos títulos efetuada no quadro da sua emissão (v., por analogia, Acórdão de 15 de julho de 2004, Comissão/Bélgica, C‑415/02, EU:C:2004:450, n.os 32 e 33).

(30) Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça considerou que a transmissão de titularidade, apenas para efeitos de uma operação de admissão dessas ações na Bolsa e sem consequências sobre a sua propriedade efetiva, deve ser vista apenas como uma operação acessória, integrada nessa operação de admissão, a qual, em conformidade com o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, não pode ser sujeita a qualquer imposição, seja de que forma for (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C‑573/16, EU:C:2017:772, n.os 35 e 36).

(31) Ora, uma vez que serviços de comercialização de participações em fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, apresentam uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais.

(32) Com efeito, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, esses fundos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65, por força do seu artigo 1.°, n.os 1 a 3. A este respeito, o pagamento do preço correspondente às participações adquiridas, único objetivo de uma operação de comercialização, está ligado à substância da reunião de capitais e é, como resulta do artigo 87.° da Diretiva 2009/65, uma condição que deve ser preenchida para que as participações de fundos em causa sejam emitidas.

(33) Daqui resulta que o facto de dar a conhecer junto do público a existência de instrumentos de investimento de modo a promover a subscrição de participações de fundos comuns de investimento constitui uma diligência comercial necessária e que, a esse título, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação de participações nos referidos fundos.

(34) Além disso, uma vez que a aplicação do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de comercialização com essas operações de emissão e de colocação em circulação, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de comercialização a terceiros em vez de as efetuar diretamente.

(35) A este respeito, há que recordar que, por um lado, esta disposição não faz depender a obrigação de os Estados‑Membros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C‑573/16, EU:C:2017:772, n.° 37).

(36) Daqui resulta que serviços de comercialização como os que estão em causa no processo principal fazem parte integrante de uma operação de reunião de capitais, pelo que o facto de os onerar com um imposto do selo está abrangido pela proibição prevista no artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7.

Em resumo, o Tribunal considera que o Imposto do Selo sobre os títulos (verba 17.3.4 da TGIS) é um imposto indireto enquadrável na al. a) do art.º 1.º da Diretiva 7/2008; que os fundos de investimento são equiparáveis a uma sociedade de capitais para efeitos da mesma; e que os serviços de comercialização das unidades de participação, prestados pelos bancos, apresentam uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, devendo ser considerados parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais.

Em consonância com estas assunções, o Tribunal julga, a final, que o artigo 5.°, n.º 2, alínea a), da Diretiva 7/2008 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo sobre as comissões pagas pela entidade gestora dos fundos de investimento a bancos, pela colocação no mercado das respetivas unidades de participação.

Sendo o caso dos presentes autos totalmente idêntico ao decidido pelo TJUE no caso C-656/21, e não vendo o Tribunal Arbitral qualquer razão para divergir do entendimento do tribunal europeu, também nestes autos se conclui que o Imposto do Selo cobrado pelo banco à Requerente sobre as “comissões de comercialização” é ilegal, por incompatibilidade com o art.º 5.º, n.º 2, al. a) da Diretiva 2008/7.

 

IV. 2. B. Quanto ao reembolso do imposto liquidado e juros indemnizatórios

 

O Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT. Nos termos do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” Decorre, ainda, do n.º 5 do art. 24.º do RJAT que o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral.

O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT. Ora, no caso dos autos, é manifesto que, atendendo à ilegalidade dos atos impugnados, pelas razões apontadas, a Requerente efetuou o pagamento de importância indevida.

Assim sendo, reconhece-se ao Requerente o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante indevidamente cobrado, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso (vd. artigo 43.º, n.º 1, da LGT, e artigo 61.º do CPPT).

 

   V.         DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

a)    Julgar totalmente procedente o presente pedido arbitral, com as legais consequências;

b)    Condenar a Requerida ao pagamento das custas.

 

 VI.         VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 179.331,02, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VII.         CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 3.672,00 a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 11 de novembro de 2025

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 


(Alexandra Iglésias)

 

 

 

(Sónia Martins Reis)
 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.