Sumário:
i) A situação de contitularidade em compropriedade não é suscetível de se qualificar como sociedade irregular com objeto comercial se tiver exclusivamente por escopo a fruição de bens ou direitos.
ii) Já quando a compropriedade se qualifica como sociedade irregular, por ser comercial quanto ao objeto ainda que sem forma legal, embora não tenha personalidade civil, tem personalidade e capacidade tributária, não se confunde com as sociedades civis não constituídas sob forma comercial e fica sujeitas ao regime geral de tributação em IRC pelo lucro obtido com a atividade comercial exercida como "sociedade irregular".
DECISÃO ARBITRAL
A..., contribuinte fiscal n.º..., com domicílio na Rua ..., ..., ...-... Porto, requereu a constituição de Tribunal Arbitral e apresentou o seu pedido de pronúncia arbitral (PPA) tendo por objeto o ato tributário de liquidação adicional com o n.º 2024..., de em sede de IRS, referente ao período de tributação de 2021, no valor global de € 39.614,46,
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
I – RELATÓRIO
I.1. O pedido
No PPA. a Requerente pede:
- A anulação do ato de liquidação de IRS, referente ao período de tributação de 202 e que constitui objeto imediato do PPA, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais.
I-2. O litígio
Está em causa a liquidação de IRS efetuada tendo por base a quota-parte dos rendimentos imputados e obtidos em 2021 com a alienação de frações autónomas num prédio reconstruído por cinco comproprietários e, enquanto a Requerente entende que tais rendimentos devem ser qualificados mais-valias integráveis na categoria G, a Requerida entende que são qualificados como rendimentos empresariais de exploração normal (categoria C).
I-3. Tramitação processual
O pedido, apresentado em 21-03-2025, foi aceite em 24-03-2025.
O árbitro foi nomeado pelo Conselho Deontológico do CAAD, aceitou a nomeação e não foi objeto de oposição.
O tribunal arbitral ficou constituído em 03-06-2025.
A Requerida apresentou Resposta em 09-07-2025 e juntou o Processo Administrativo (PA) em 18-07-2025, nele se incluindo o Relatório da Inspeção Tributária (RIT).
A prova testemunhal oferecida foi dispensada por Despacho de 17-07-2025.
II - SANEAMENTO
O processo não enferma de nulidades ou irregularidades.
As partes são legítimas e encontram-se devidamente representadas.
Não foram alegadas nem detetadas questões suscetíveis de impedir o conhecimento do mérito.
III – PROVA
III-1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
A) O Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto levou a cabo uma ação inspetiva parcial queteve início em 2024/05/21, com a assinatura da ordem de serviço pelo sujeito passivo de IRS, A..., e por objeto o Controlo declarativo associado à alienação de imóveis declarada como rendimentos da categoria G (mais valias imobiliárias). relativa ao ano fiscal e 2021 (Cf. PA - RIT, n.ºs I. e II.).
B) Relativamente ao ano fiscal de 2021, a Requerente apresentou tempestivamente a declaração anual de rendimentos mod. 3, onde, no Anexo G (mais-valias), declarou a alienação das frações autónomas C e E do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de..., ..., ..., ..., ... e ... sob o artigo U-... (Cf. PA - RIT, n.º 4.1.).
C) O imóvel antes referido foi adquirido, em 10-02-2017, em propriedade total e inscrito na matriz predial da UF de ..., ..., ..., ..., ... e ..., então sob o artigo ..., tendo sido adquirentes as seguintes pessoas singulares (Cf. PA - RIT, n.º 4.2.1.):

D) Após a aquisição foram praticados, pelo conjunto dos comproprietários, os seguintes a (Cf. PA - RIT, n.º 4.2.1.)::
i) Com a aquisição do prédio foi formalizada a apresentação no Município do Porto do processo de licenciamento de obras de alteração/ampliação – Processo n.º P/.../2017 – operação urbanística sujeita a controlo prévio nos termos do art.º 4.º do RJUE
ii) Em 14-05-2029 foi iniciado o ciclo de pagamentos (sinal, reforços e pagamento do preço), conforme síntese cronológica demonstrada no quadro seguinte com referência à venda das frações A, C, D e E:


iii) Em 26-06-2020 foi celebrado contrato de empreitada no valor de €1.460.000 com o empreiteiro B... para execução da obra «Apartamento Rua..., ...- Porto».
iv) Em 20-07-2020 foi emitida pelo Município do Porto certidão favorável à constituição da PH (propriedade horizontal), conforme RJUE, art.º 66.º.
v) Em 23-10-2020 foi lavrada escritura de Constituição de Propriedade Horizontal (PH) com cinco frações, a qual foi retificada em 2022/12/27.
vi) Em 2020/10/26-10-2020 foi participado à matriz o prédio – PH – com proveniência no artigo U-..., ao qual foi atribuído o artigo ..., constituído por cinco frações autónomas, destinadas a habitação:

vii) No ano de 2021 foram alienadas por €2.109.984 (valor total) as frações C e E:

E) Em 05-06-2018, por óbito de C...(NIF...) ocorreu a abertura da respetiva sucessão hereditária, passando os respetivos herdeiros a figurar nos atos praticados em comum com os demais comproprietários.
F) Em 24-03-2025 foi apresentado o Pedido de Pronúncia Arbitral.
III-2. Factos não provados
Não foram considerados não provados quaisquer factos relevantes para a decisão da causa.
IV - O DIREITO
IV-1. Posição das partes
A Requerente defende, em síntese, que os rendimentos obtidos, na proporção da sua quota, com a venda das frações autónomas de um prédio adquirido por cinco comproprietários, em propriedade total, reabilitado e, depois, constituído em propriedade horizontal, devem ser qualificados como mais-valias, categoria G, por resultarem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS (CIRS), assim beneficiando dos benefícios fiscais consagrados nos n.ºs 4 e 5 do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Ficais (EBF), na redação que tinham à data dos factos.
Por sua vez, a Requerida defende que a exclusão do campo de incidência da categoria B (rendimentos empresarias e profissionais) os ganhos obtidos com a venda das duas frações autónomas (declaradas pelo SP no anexo G) e enquadrá-las – com propriedade – no conceito de mais-valias, tais rendimentos teriam – necessariamente – de ter tido um carácter meramente ocasional ou fortuito que fluíram para o seu titular sem qualquer esforço seu. Teriam de ser “ganhos trazidos pelo vento”, o que manifestamente não é o caso em análise.
Como tem entendido a jurisprudência, apenas podem configurar mais-valias os ganhos que, além de tipificados, não reúnam condições, características, que os tornem passíveis de integrarem a categoria de rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, pelo que a atuação dos sujeitos passivos correspondente à aquisição do imóvel, à eventual contratação de uma sociedade para liderar/executar o projeto de reabilitação e em seu nome praticar os atos necessários à concretização do projeto – como sejam a realização da empreitada de reabilitação do mesmo, a constituição da propriedade horizontal, e todos os outros atos até resultarem daí frações autónomas, dando origem a uma valorização dos bens a alienar – não pode considerar-se como ocasional nem fruto do acaso ou da sorte.
Em consonância com o exposto, os rendimentos visados deveriam ter sido declarados e apurados como rendimentos empresariais (categoria B do IRS)18, segundo as regras da contabilidade19 no anexo C da declaração de rendimentos de IRS, porque está – efetivamente – em causa o exercício pelos comproprietários de atividades económicas previstas no CIRS, artigo 4.º, com a epígrafe «atividades comerciais e industriais (...)», nomeadamente as previstas no n.º 1, al.ª a) «Compra e venda» de imóveis e al.ª g) «Urbanísticas (...)».
No caso em análise, por respeitarem a rendimentos provenientes de atividades comerciais e industriais (co)gerados na esfera da herança indivisa, incumbe ao cabeça de casal a obrigação de apresentar todos os elementos necessários para a determinação do rendimento líquido da categoria B.
IV.2. Da incidência do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), em rendimentos obtidos em situação de contitularidade em compropriedade
Como é público e notório, vigora em território português desde 1 de janeiro de 1989, a tributação dos rendimentos obtidos por pessoas singulares e por pessoas coletivas em dois impostos distintos, respetivamente o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC). O elemento subjetivo da incidência é, pois, um elemento estruturante da tributação do rendimento, devendo, no entanto, adiantar-se que o IRC é o imposto residual: tributam-se em IRC os rendimentos não tributados em IRS, como decorre do disposto no artigo 2.º do Código do IRC (CIRC).
Tal como as Partes expuseram, o artigo 19.º do CIRS, sob a epígrafe "Contitularidade de rendimentos", dispõe que "Os rendimentos que pertençam em comum a várias pessoas são imputados a estas na proporção das respetivas quotas, que se presumem iguais quando indeterminadas".
Porém, esta não é uma norma de qualificação objetiva ou subjetiva. É uma norma de natureza instrumental. Limita-se a estabelecer o critério de atribuição de rendimentos obtidos em comum, independentemente da forma que a contitularidade apresente, por mais do que um titular, pressupondo que a atribuição pode ser feita diretamente a pessoas singulares ou físicas.
A norma qualificante, relativamente ao elemento subjetivo do facto tributário encontra-se consagrada no n.º 1 do artigo 13.º do CIRS que dispõe: Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos. Como RUI MORAIS sublinha, "como o seu próprio nome indica, os sujeitos passivos deste imposto são as pessoas físicas"[1]. Apenas acrescentaríamos, na esteira do disposto no artigo 1.º do mesmo Código, que obtenham rendimentos.
E entramos aqui no fulcro da questão determinante para a decisão a proferir: foi uma pessoa singular ou uma pessoa coletiva quem obteve os rendimentos que deram origem à liquidação impugnada?
A dúvida é pertinente face à noção de "Sociedade" consagrada no artigo 980.º do Código Civil: Contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa atividade.
Com efeito, certo é, face à factualidade dada como provada, que os cinco comproprietários, um dos quais uma herança indivisa que sucedeu ao originário comproprietário individual por morte deste, não se limitaram a adquirir um imóvel para mera fruição: adquiriram, prepararam e viabilizaram mediante a obtenção das licenças necessárias e a aprovação dos projetos apresentados, a sua reconstrução, reconstruiram-no, reabilitaram-no ou recuperaram-no, constituíram-no em propriedade horizontal e, finalmente, procederam à alienação das frações autónomas, antecedida esta da celebração de contrato de compra e venda e do recebimento de sinal e princípio de pagamento com os potenciais compradores (terceiros) e, por fim, celebraram as escrituras públicas de compra e venda.
Esta atividade económica apresenta objetivamente a natureza de atividade comercial (compra e venda), foi desenvolvida por uma entidade de natureza distinta de cada um dos comproprietários e que, não tendo personalidade jurídica, tem personalidade e capacidade tributária. Não tem, pois, suporte legal a liquidação efetuada à Requerente em sede de IRS, porque a entidade que exerceu a atividade é sujeito passivo de IRC e, como tal, era neste imposto que o lucro cuja obtenção foi determinada devia ser tributado.
Por a considerarmos aqui plenamente aplicável, e aderindo a ela, transcreve-se a fundamentação jurídica desenvolvida no Acórdão proferido no Tribunal Central Administrativo Sul, no Processo n.º 73/12.3BECTB, de 30-06-2022 e relatado pelo Exm.º Desembargador Vital Lopes, numa situação abstratamente similar:
(...)
Não sendo discutível que as sociedades irregulares são também elas entidades sujeitas a tributação em IRC (cf. art.º 2.º, n.º 1 alínea b) e n.º 2 do CIRC), a verdade é que, como a sentença deixa bem vincado, com apoio de jurisprudência pertinente deste tribunal (cf. ac. de 02/25/2021, tirado no proc.º 441/08.5BEALM), para uma realidade de facto poder ser juridicamente caracterizada como sociedade irregular é fulcral que exista uma actividade comum exercida pelos sócios e que estes tenham em vista a criação de uma utilidade nova, norteada para a obtenção de lucro.
Como se colhe do sumário ac. citado, «o elemento essencial e específico de uma sociedade [“Contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade” – art.º 980.º do C.C.], ainda que irregular, é a chamada affectio societatis, ou seja, a intenção de cada um se associar com outro ou outros, para formação de uma pessoa coletiva distinta da de cada um deles. A aludida affectio societatis, caracteriza-se por dois requisitos: um, subjectivo, consubstanciado na intenção de constituir uma certa realidade económico-jurídica; outro, objectivo, expressado na constituição de um fundo social sem a existência do qual aquela intenção seria meramente programática».
Em reforço, acompanhando agora Higina Castelo, “Sociedade irregular. Contrato de sociedade. O acordo a que se reporta o artigo 36.º, 2, do Código das Sociedades Comerciais – Natureza e validade”, verbo jurídico, págs. 9/10, disponível in www.verbojuridico.net., no seu estudo sobre o tema das sociedades irregulares, refere a autora que «…a jurisprudência tem decidido, de forma constante, que a sociedade prevista no artigo 36.º, n.º 2 do CSC [“Se for acordada a constituição de uma sociedade comercial mas, antes da celebração do contrato de sociedade, os sócios iniciarem a sua actividade, são aplicáveis às relações entre eles e com terceiros as disposições sobre sociedades civis.”] só existe se se verificarem, entre outros, os elementos do contrato de sociedade civil, que, resumidamente, passamos a citar:
- Pessoas-duas ou mais pessoas (que se obrigam);
- Objecto-bens ou serviços (com que contribuem),
- Função eficiente-obrigação (de contribuição);
- Função económico-social-cooperação-contribuição para o exercício em comum de certa actividade;
- Circunstância (no caso, a finalidade da função económico-social) – finalidade de repartição de lucros».
Acrescenta a referida autora que, não obstante estes elementos não se encontrarem previstos na mencionada norma legal, tem sido entendido como sendo os necessários para que se aplique a sujeição do contrato ao regime das sociedades civis.
Finalmente, para que seja aplicado esse regime, Higina Castelo concorda com o entendimento expressado no Acórdão a Relação de Guimarães de 06/05/2008, proc.º 1091/08-1, no sentido de que é necessário que o negócio jurídico de constituição de sociedade comercial, sem escritura pública, tenha efectiva actividade.
Como se consigna neste último aresto, «No artigo 36º, nº 2, do C.S.C., não se reconhece a existência de uma sociedade comercial, mas equipara-se a situação à de uma sociedade civil, cujo contrato se caracteriza pela não sujeição a forma especial, nos termos do artigo 981º, nº 1, do C.C. Apenas se poderá reclamar a aplicação da disciplina jurídica das sociedades irregulares, em primeiro lugar, se for celebrado um negócio jurídico de constituição de uma sociedade comercial, sem escritura pública e, em segundo lugar, que esse negócio jurídico sofra começo de execução ou, como se diz no nº 2, do citado artigo 36º, do C.S.C., se “os sócios iniciarem a sua actividade”. Antes deste momento, isto é, do início da actividade social, não se porá qualquer problema de aplicação da disciplina jurídica das sociedades irregulares».
Ora, no caso sub judice e contrariamente ao que foi entendido na sentença recorrida, todos os elementos descritos pela jurisprudência e doutrina para a caracterização de uma realidade de facto como sociedade irregular, estão presentes nos factos dados como provados, como advogam os recorrentes.
Sendo assim, temos de recorrer ao Código do IRC para confirmar que as "sociedades irregulares" estão sujeitas àquele imposto. Dispõe a mencionada norma, na parte que aqui releva:
Artigo 2.º
Sujeitos passivos
1 - São sujeitos passivos de IRC:
a) (...);
b) As entidades desprovidas de personalidade jurídica, com sede ou direção efetiva em território português, cujos rendimentos não sejam tributáveis em imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou em IRC diretamente na titularidade de pessoas singulares ou coletivas;
c) (...).
2 - Consideram-se incluídas na alínea b) do n.º 1, designadamente, as heranças jacentes, as pessoas coletivas em relação às quais seja declarada a invalidade, às associações e sociedades civis sem personalidade jurídica e as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, anteriormente ao registo definitivo.
3 - (...).
Segundo HELENA PEGADO MARTINS, "Cabem, assim, no âmbito da incidência pessoal do imposto os chamados "entes de facto", aquelas entidades dotadas de capacidade contributiva própria e, portanto, suscetíveis de tributação individualizada. Obsta-se, assim, a que a tributação em IRC fique dependente da regularidade do ente coletivo"[2]. E, para RUI MARQUES, "Por exemplo uma sociedade comercial em que, antes da sua constituição por escritura pública, os respectivos sócios iniciam a actividade da empresa, criando uma falsa aparência de que já existe entre eles um contrato de sociedade, é uma sociedade irregular, isto é, desprovida de personalidade jurídica, mas com personalidade e capacidade tributárias (artigos 15.º e 16.º, n,º 3, da LGT e 3.º n.ºs 1 e 2 do CPPT). Não se trata em tal situação, de uma sociedade civil não constituída sob forma comercial, estando na mesma sujeita ao regime geral de IRC, pelo lucro obtido com a actividade comercial exercida"[3]. A perspetiva da doutrina jus tributária, finaliza-se com a citação de RUI MORAIS: Existem entes que não são pessoas jurídicas mais aos quais a lei fiscal atribui personalidade e capacidade tributárias, sujeitando-os a imposto (art. 2.º, n.º 1, al. b) e C. É o caso das heranças jacentes, das pessoas coletivas em relação às quais seja declarada a invalidade da sua constituição, das associações e sociedades civis sem personalidade jurídica, das sociedades comerciais ou civis anteriormente ao registo definitivo, etc. - art. 2.´, n.º 2. Neste contexto, assumem relevo as sociedades irregulares. Em muitos casos, tal corresponderá a uma situação meramente transitória: uma sociedade que, apesar de não estar ainda concluído o seu processo de constituição, pretende registar-se como sujeito passivo para, p. ex., ver processada em seu nome a documentação relativa a aquisições que vai efetuar, de modo a poder considerar os respectivos custos fiscais; para poder, ela própria, emitir os documentos relativos a vendas que, desde já, efectue. A iniciativa do registo como sujeito passivo caberá, então, à própria sociedade irregular. Noutros casos, a iniciativa de considerar uma sociedade irregular como sujeito passivo pertencerá à própria administração fiscal. Esta possibilidade foi objecto de grande controvérsia, doutrinal e jurisprudencial, a qual ficou ultrapassada a partir do momento em que a noção legal de sujeito passivo passou a abranger, expressamente, as sociedades irregulares. O que se nos afigura correcto, em nome da igualdade na tributação. Situações economicamente equivalentes deverão, por princípio, ser tributadas de igual forma, independentemente do preenchimento de requisitos de ordem formal. De outro modo, poderíamos term um "prémio" à "irregularidade"[4].
No campo da doutrina jus comercial, apenas citamos MENEZES CORDEIRO: A remissão do 36.º/2, in fine, para as sociedades civis puras, não implica uma invalidade de forma, com uma conversão legal de uma sociedade comercial de facto em sociedade civil: trata-se apenas de remeter para as regras que, no regime das sociedades civis puras, se adequem ao caso. Outro aspecto: está em causa uma questão globalmente comercial; a remissão - por uma norma comercial, aliás - para o regime das sociedades civis puras não afasta aquela caracterização global. Noutra perspectiva: a sociedade resultante da remissão final do n.º 2, em face do 1.º/2; mas a situação é globalmente comercial, suscitada no curso de constituição de uma sociedade comercial"[5].
Nos termos expostos, temos de concluir que a compropriedade de que nos autos se trata caracteriza-se como um contrato de colaboração em que existe animus contrahendi societatis, ou affectio societatis, plurilateral, que cria uma "organização" - fundo comum ou empresa - que tem como finalidade obter ganhos ou lucros repartíveis entre os sócios, tendo, pois, por objeto a prática de atos comerciais e a obtenção de rendimentos com natureza comercial. Em síntese, estamos perante uma sociedade irregular, sujeita a IRC, nos termos do artigo 2.º, n.ºs 1, al. b) e 2. E, não se tratando de uma sociedade civil pura, não é suscetível de ser abrangida pelo regime de transparência fiscal, que o artigo 6.º do CIRC consagra - cf. art.º 6, n.º 1, al. a).
Recorrendo, uma vez mais, à jurisprudência, transcreve-se o Sumário comum aos Acórdãos do STA, de 05-02-2014, Processo 0216/12 e de 15-04-2015, Processo 0733/14:
As "sociedades irregulares" - comerciais quanto ao objecto, ainda que sem forma legal, e portanto destituída de personalidade jurídica em face do direito comum, mas com personalidade e capacidade tributárias (artigos 15.º e 16.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária e 3.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT) - não se confundem com sociedades civis não constituídas sob forma comercial, estando, pois, sujeittas ao regime geral de IRC pelo lucro obtido com a actividade comercial exercida (artigos 2.º, n.º 1, alínea b) e n.º e e 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 4 do Código do IRC) e não em regime ao regime de transparência fiscal.
Assim, a liquidação de IRS impugnada está inquinada do vício de violação de lei por erro nos pressupostos conducente à sua anulação, uma vez que os proveitos gerados pela atividade da compropriedade, por não serem de mera fruição, ao invés de serem tributados unicamente na titularidade da Requerente como rendimentos da categoria B (rendimentos empresariais e profissionais, cf. art.º 3.º do CIRS), deveriam sê-lo em sede de IRC (cf. art.º 2.º, n.º1 alínea b) do CIRC) e recair sobre a sociedade irregular formada pelos cinco comproprietários.
Termos em que se julga procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral.
IV-4. Juros indemnizatórios
A requerente pede juros indemnizatórios a seu favor.
Procede o PPA tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão expressa de indeferimento de reclamação graciosa apresentada pelos Requerentes e do ato tributário impugnado.
Consequentemente, conclui-se que o ato tributário impugnado padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, e bem assim ao processo arbitral por via do disposto no artigo 29.º do RJAT.
Existe, pois, erro imputável aos serviços quando é indeferida a reclamação graciosa dos atos tributários acima identificados.
Julga, no entanto, este Tribunal não ser ao caso aplicável a restrição interpretativa efetuada ao disposto no artigo 61.º do CPPT, efetuada pelo Acórdão do Pleno do STA proferido em 29-06-2022, no processo 093/21.7BALSB, pois este refere-se a situações em que a questão das ilegalidades que afetam os atos praticados só chegam ao conhecimento da AT por meios acionados pelos contribuintes, obrigatórios ou facultativos, como no caso das reclamações sobre quantias retidas na fonte ou pedidos de revisão oficiosa. Ora, neste caso, os atos praticados chegaram ao conhecimento da Requerida pelo RIT, o qual, por sua vez, deu origem à liquidação impugnada.
Em conclusão, a procedência do PPA, tem como consequência a anulação e devolução do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios desde a data do seu pagamento, nos termos do disposto no artigo 61.º do CPPT.
V - DECISÃO
a) Anula-se a liquidação impugnada;
b) Determina-se o pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do imposto indevidamente liquidado até à emissão da respetiva nota de crédito;
Valor: € 39.614,46, indicado pelo Requerente e que a Requerida não contestou.
Custas, no montante de euros € 1.836,00, a cargo da Requerida por ter sido total o seu decaimento.
10 de novembro de 2025
O Tribunal Singular,
Manuel Faustino
[1] Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 2014, 3.ª ed., pp. 11.
[2] FISCALIDADE, Teoria Fiscal e Tributação interna, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2025, in O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, pp. 285.
[3] In Código do IRC, Anotado e Comentado, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2020, em anotação ao artigo 2.º, pp. 42.
[4] In Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, Reimpressão da edição de 2007, pp. 13 e 14.
[5] Código das Sociedades Comerciais, Anotado, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2012, pp. 179/180.