Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 499/2014-T
Data da decisão: 2015-02-06  Selo  
Valor do pedido: € 1.014.482,61
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Terrenos para construção
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Processo n.º 499/2014-T

 

            I – Relatório

 

            1.1. Fundo de Investimento Imobiliário Fechado A…, com o n.º de identificação fiscal …, e com sede na Avenida …, em Lisboa (doravante designado por «requerente»), representado e gerido pela B… – … Fundos Imobiliários, S.A., com o n.º de identificação fiscal …, e sede na mesma morada, tendo sido notificado das liquidações de Imposto do Selo referentes ao ano de 2013 (liquidações com os n.os …, … e …), no valor global de €1.014.482,61, apresentou, em 18/7/2014, pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 2.º, e da al. a) do n.º 1 do art. 10.º, ambas do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, daqui em diante designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista, em síntese, a “declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo referentes ao ano de 2013 e à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo”.

 

            1.2. Em 1/10/2014 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Colectivo.

 

            1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos do referido artigo, em 1/10/2014. A AT apresentou a sua resposta em 3/11/2014, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido do requerente. Juntou, ainda, requerimento solicitando a dispensa da realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT.

 

            1.4. Em 12/11/2014, o requerente veio requerer a junção aos autos da garantia bancária que protestara juntar tendo em vista a suspensão dos processos de execução instaurados, nos termos dos artigos 169.º e 199.º do CPPT, aplicáveis ex vi art. 13.º, n.º 5, do RJAT.

 

            1.5. Entre 3/11/2014 e 3/12/2014, o presente Tribunal foi presidido a título temporário pelo Sr. Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, e a título definitivo a partir de 4/2/2015, em observância dos (e pelas razões expostas nos) Despachos, dessas datas, do Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

1.6. Em requerimento de 9/12/2014, o requerente veio, em resposta ao requerimento da AT apresentado em 3/11/2014, declarar que nada tinha a opor relativamente à dispensa da reunião prevista no art. 18.º do RJAT.

 

            1.7. Por despacho de 05/02/2015, o Tribunal considerou, nos termos do art. 16.º, als. c) e e), do RJAT, ser dispensável a reunião do art. 18.º do RJAT e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 13/02/2015 para a prolação da decisão arbitral.

           

1.8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

           

            II – Fundamentação: A Matéria de Facto

 

            2.1. Vem o ora requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “os prédios urbanos qualificados como «terrenos para construção» para efeitos de IMI não estão sujeitos ao Imposto do Selo previsto na verba 28 da TGIS”; b) “o CIS não contém uma definição do conceito de «prédio com afectação habitacional» utilizado na verba 28 da TGIS, limitando-se a remeter para o conceito de «prédio» previsto no CIMI”; c) “resulta [...] da definição de prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços prevista no CIMI que os mesmos têm, necessariamente, que corresponder a uma edificação ou construção. O mesmo será dizer que, para efeitos de IMI, apenas os edifícios e outras construções poderão ser considerados como prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços”; d) “acresce que a lei fiscal não fornece o conceito de cada um dos tipos de prédios urbanos enunciados no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, limitando-se a remeter, em primeiro lugar, para a utilização atribuída pelo licenciamento e, na falta de licença, para o critério da afectação normal”; e) “o conceito de «prédios com afectação habitacional» previsto na referida verba 28.1 da TGIS não se encontra definido na Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, que a introduziu, nem no CIMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do CIS, igualmente introduzido por aquele diploma, remete subsidiariamente”; f) “para efeitos de tributação ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, a afectação habitacional dos prédios urbanos remete para a utilização concreta e actual de um edifício construído, e não para uma afectação abstracta, futura e meramente potencial ou projectada, sob pena de violação das normas legais e constitucionais aplicáveis”; g) “do entendimento exposto [na Proposta de Lei n.º 96/XII, que esteve na origem da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10,] resulta que [...] a tributação especial prevista na verba 28.1 deverá incidir apenas sobre propriedades destinadas à habitação, especificamente «casas», cujo valor patrimonial exceda o limite previsto naquela verba”; h) “da [...] definição [constante do n.º 3 do art. 6.º do CIMI] decorre que os prédios classificados como «terrenos para construção» não incluem (ainda) qualquer «construção» que possa conferir aos mesmos uma real «afectação habitacional»”; i) “face à redacção da verba 28.1 da TGIS vigente à data dos factos ora em causa, e considerando a sucessão legal supra exposta [de decisões judiciais e arbitrais], entende o Requerente que, relativamente às liquidações de Imposto do Selo objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, não existe uma norma de incidência que habilite a Administração Tributária a tributar em sede de Imposto e Selo os terrenos para construção ao abrigo da verba 28.1 da TGIS [, pelo que] as liquidações ora em causa violam o disposto na verba 28.1 da TGIS e no artigo 6.º do CIMI”; j) “na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não há lugar à consideração do coeficiente de afectação porquanto o mesmo, não só não se encontra previsto no artigo 45.º do CIMI, como apenas é aplicável a prédios já edificados”; l) “à luz da jurisprudência [...] exposta, ter-se-á de concluir que o coeficiente de afectação não se aplica, indistintamente, a todos os prédios urbanos, estando excluído, por força da redacção dos artigos 45.º e 41.º do CIMI, da metodologia de cálculo do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção [, pelo que] as liquidações ora em causa violam também o disposto nos artigos 41.º e 45.º do CIMI”; m) “no âmbito da avaliação do prédio inscrito na matriz sob o artigo 3593 (i) foram tidas em conta diferentes afectações e não apenas a afectação habitacional (ii) foram utilizados diferentes coeficientes de afectação para habitação (iii) a parte afecta a habitação não é preponderante nem principal”; n) “referindo-se a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS a prédio com «afectação habitacional», não pode considerar-se nela abrangido um prédio com diferentes afectações, incluíndo comércio e serviços, afectações essas que o legislador expressamente pretendeu afastar do âmbito de incidência da norma [e, caso] assim não se entenda [...], então o Imposto do Selo deveria incidir apenas sobre a parte do prédio com afectação habitacional [€46.548.299,03]”; o) “[apesar do] acto de liquidação de Imposto do Selo n.º 2011 … [ter sido] parcialmente revogado pela Administração Tributária, na parte em que incidiu sobre o VPT correspondente a «afectação de comércio e serviços», [...] dando assim razão, em parte, ao alegado pelo ora Requerente [...], continuaram as liquidações de Imposto do Selo ao abrigo da verba 28.1 relativas aos anos subsequentes, incluindo a relativa ao ano de 2013, a incidir sobre a totalidade do valor patrimonial do referido prédio”; p) “[em síntese,] há que concluir também que, relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 3593, a afectação habitacional não resulta sequer da respectiva avaliação, pelo que, nessa medida, também a respectiva liquidação de Imposto do Selo é manifestamente ilegal”; q) “[caso não proceda] qualquer das ilegalidades supra invocadas, [...] entende o Requerente que a verba 28.1 da TGIS é manifestamente inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade”; r) “ao tratar de forma idêntica situações que são material e manifestamente distintas, as liquidações em apreço manifestamente violam o princípio da igualdade, vício susceptível de determinar a sua anulação”; s) “a verba 28.1 é também inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 266.º, n.º 2, da CRP, no artigo 5.º, n.º 2, do CPA e, no âmbito do direito tributário, no artigo 55.º da LGT”; t) “nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 53.º da LGT, em caso de vencimento no presente pedido de pronúncia arbitral, desde já se requer a indemnização pelos prejuízos resultantes das garantias que venham a ser prestadas”.    

 

            2.2. Conclui o ora requerente que “deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado procedente por provado, declarando-se a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2013, efectuadas ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, com todas as consequências legais”. Requer, ainda, “indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação indevida de garantia, nos termos do artigo 53.º da LGT.”  

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação, que: a) “é entendimento da AT que o prédio sobre o qual recai cada uma das liquidações impugnadas, tem natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que os actos de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral devem ser mantidos, por consubstanciarem correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12”; b) “na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, em sede de IS, há que recorrer ao CIMI, na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no art. 67.º, n.º 2, do CIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10”; c) “nos termos da referida disposição legal [art. 67.º, n.º 2, do CIS], às matérias não reguladas no Código, respeitantes à verba n.º 28 da TGIS, aplica-se subsidiariamente o disposto no CIMI”; d) “para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada, valendo, neste sentido, esta ordem de considerações: [i)] na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exacto sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, de acordo com o disposto no art. 9.º do CC, ex vi art. 11.º da LGT; [ii)] o art. 67.º, n.º 2, do CIS manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI; [iii)] a afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção; [iv)] a própria verba 28 TGIS remete para a expressão «prédios com afectação habitacional», apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art. 6.º do CIMI”; e) “ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de «prédios com afectação habitacional», para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”; f) “a mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art. 45.º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno”; g) “[atendendo ao regime jurídico da urbanização e edificação e, em particular, ao seu art. 77.º, conclui-se que,] muito antes da edificação do prédio é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção”; h) “relativamente à pretensa violação de princípios constitucionais, não pode a AT deixar de salientar que a Constituição da República obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante [pelo que se entende que] a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia violação de qualquer comando constitucional”; i) “a diferente aptidão dos imóveis (habitação/serviços/comércio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do IS os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais”; j) “[a opção legal de aplicação não é manifestamente indefensável] porquanto tal medida será de aplicar de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a €1.000.000,00”; l) “por todo o exposto, as liquidações em crise consubstanciam uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido.”

 

            Conclui a AT que “o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações controvertidas [deve] ser julgado improcedente, absolvendo-se a AT do pedido.”

 

            2.4. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) O ora requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado, proprietário de três prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Campolide, concelho e distrito de Lisboa, sob os artigos matriciais n.os …, … e … (cujas cadernetas prediais constam, respectivamente, dos docs. 1, 2 e 3, apensos à petição de pronúncia arbitral).

 

            ii) Os prédios referidos estão inscritos nas respectivas matrizes prediais como terrenos para construção e o VPT actual dos mesmos, para efeitos do CIMI, é de, respectivamente, €6.844.261,62, €1.205.199,23 e €93.398.800,00 (v. doc. 1 a 3, apensos à petição de pronúncia arbitral).

 

            iii) A 24/3/2014, o ora requerente foi notificado das liquidações de Imposto do Selo de 2013, efectuadas em 17/3/2014, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS e referentes aos citados três prédios, tendo sido apurado um montante global de colecta de €1.014.482,61, aqui em causa. O requerente foi, ainda, notificado para o pagamento da 1.ª prestação, como se pode observar pelos documentos de cobrança n.º 2014 .., 2014 … e 2014 … (v. doc. 4 a 6, apensos à petição de pronúncia arbitral).

 

            iv) A 19/6/2014, o ora requerente foi notificado para proceder ao pagamento da 2.ª prestação das referidas liquidações de Imposto do Selo, como se observa pelos Documentos de cobrança n.º 2014 …, 2014 … e 2014 … (v. doc. 7 a 9, apensos à petição de pronúncia arbitral).

 

            v) Em 26/08/2014, o Requerente apresentou uma garantia bancária para suspender os processos de execução fiscal n.ºs …2014…, …2014… e …2014…, instaurados para cobre coerciva das quantias a que se referem os documentos de cobrança acima indicados (documento apresentado pela Requerente em 06/11/2014, que não foi impugnado);

 

vi) Não conformado com as liquidações ora em causa, o requerente deduziu o presente pedido de pronúncia arbitral em 18/7/2014.

 

            2.5. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

           

            III – Fundamentação: A Matéria de Direito

 

            A questão essencial no presente processo traduz-se na definição do âmbito de incidência da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012 de 29/10, nomeadamente saber se nessa norma se devem incluir os terrenos para construção e, em concreto, se os terrenos para construção com valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000 se subsumem, ou não, na espécie dos prédios urbanos “com afectação habitacional”.

 

Ora, esta é uma questão que, independentemente das questões de constitucionalidade que coloca, nomeadamente ao nível do princípio da igualdade e da possibilidade de existência de uma tributação em Imposto do Selo sobre imóveis numa óptica pura de tributação sobre o Património sem qualquer ligação com o princípio da equivalência ou do benefício (o princípio fundamental do IMI), é sobejamente tratada, quer na jurisprudência do CAAD quer na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

 

Efectivamente, é hoje interpretação unânime das entidades julgadoras que é de afastar do âmbito de incidência do Imposto do Selo os terrenos para construção que ainda não têm definido qualquer tipo de utilização, pois ainda não estão aplicados nem destinados a fins habitacionais.

 

De facto, os terrenos para construção, quer na perspectiva do direito urbanístico quer na perspectiva do direito fiscal, têm uma natureza distinta dos prédios com fins habitacionais, já que, no momento anterior à realização da benfeitoria (a construção em si) não têm utilização definida constituindo-se como simples activo fundiário, não podendo, por isso, ser considerados prédios com afectação habitacional.

 

Note-se que a intenção do legislador foi claramente restritiva. Quando utiliza a expressão “fins habitacionais” expressa claramente uma vontade de só incluir os prédios habitacionais no âmbito de incidência da norma, excluindo claramente aqueles com vocação comercial e industrial (mesmo se integrados em zonas urbanas que, numa situação limite de concretização que se traduz na existência de um Plano de Urbanização ou Plano de Pormenor aprovado), dado que a sua afectação concreta depende da sua edificação definitiva.

 

Neste contexto, a diversa jurisprudência concluiu que as liquidações sindicadas padecem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois os prédios relativamente ao qual foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 constituem-se como terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais».

 

A Fazenda Pública vem alegando que o conceito de “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, já que, o legislador não refere “prédios destinados a habitação” antes tendo optado pela noção “afectação habitacional”, expressão que considera diferente e mais ampla, integrando outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º 1, al. a), do CIMI.

 

Concluindo que a afectação habitacional, para efeitos de aplicação da verba 28, não implica necessariamente a existência de edifícios ou construções, aplicando-se, portanto, a terrenos para construção com essa afectação.

 

Tal não se afigura como correcto pelas razões já avançadas.

 

Com efeito a questão em apreciação é, até nos pressupostos de facto, em tudo idêntica à questão foi apreciada e decidida no Supremo Tribunal Administrativo em data recente, por acórdãos de 9/4/2014, proferidos nos processos 1870/13 e 48/14, e de 23/4/2014, proferidos nos processos 270/14, 271/14 e 272/14, nos quais se decidiu que os “terrenos para construção” não podem ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo prevista na Verba 28.1 da respectiva Tabela Geral (na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.

 

Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com a respectiva fundamentação concordarmos integralmente, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no referido Acórdão 1870/13:

 

«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é um função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

 

Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.

 

Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação do recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.

 

E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.
 

O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – art. 6.º do CIMI).

 

Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).
 

Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

 

Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro». (fim de citação).

 

É esta a jurisprudência que aqui se acolhe e se reitera, tendo em conta a regra constante n.º 3 do art. 8.º do Cód. Civil – que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, sendo que a requerida não aduz nova fundamentação que infirme tal orientação jurisprudencial.

 

***

 

            IV – Indemnização por garantia indevida

 

            O Requerente formulou pedido de indemnização por garantia indevida, juntando posteriormente documento comprovativo.

O processo arbitral é meio adequado para o reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada, pois é aplicável subsidiariamente o artigo 171.º do CPPT, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

 

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

O Requerente prestou garantia bancária para suspender execuções fiscais instauradas para cobrança das quantias liquidadas pelos actos que são objecto do presente processo.

No caso em apreço, os erros das liquidações são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois efectuou-as por sua iniciativa e o Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (artigo 609.º no Código de Processo Civil de 2013 e artigo 565.º do Código Civil).

 

V – Decisão

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            – Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

– Anular as liquidações de Imposto do Selo a que se reportam os documentos de cobrança n.ºs 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 … e 2014 …;

– Julgar procedente o pedido de condenação em indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar ao Requerente a quantia que vier a ser liquidada em execução deste acórdão.

           

            Fixa-se o valor do processo em €1.014.482,61 (um milhão catorze mil quatrocentos e oitenta e dois euros e sessenta e um cêntimos), nos termos do artigo 32.º do CPTA e do artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do que se dispõe no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e no art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da requerida, no montante de € 14 076,00 €, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 06 de Fevereiro de 2015.

 

Os Árbitros,

 

 

 

 

 

Jorge Lopes de Sousa (Presidente)

 

 

 

 

 

 

Carlos Baptista Lobo

 

 

 

 

 

     

Miguel Patrício

 

 

 

 

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 138.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.