Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 321/2025-T
Data da decisão: 2025-11-06   Outros 
Valor do pedido: € 6.591.653,15
Tema: CSR - operador de ISP registado - sujeito passivo de CSR; competência do Tribunal; Legitimidade da Requerente; Desconformidade da CSR com Diretiva n.º 2008/118 - TJUF; Reembolso do valor da CSR pago; Prova da Repercussão e enriquecimento sem causa.
Versão em PDF

 

 

 

SUMÁRIO: 

1. A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, é um imposto. Assim, os Tribunais Arbitrais têm competência para apreciar os correspondentes atos de liquidação, a Requerente tem interesse em agir.

2. A Administração Tributária apenas pode recusar o reembolso de um imposto contrário ao direito Da União Europeia se provar que este não foi suportado pelo sujeito passivo, que o repercutiu a pessoa diferente, e que o reembolso desse imposto configuraria um enriquecimento sem causa do sujeito passivo;

3. A prova da repercussão do imposto em pessoa diferente do sujeito passivo e do enriquecimento sem causa deste não pode ser efetuada através de presunções.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Dr. Alberto Amorim Pereira e Marcolino Pisão Pedreiro (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 17-06-2025, acordam no seguinte:

 

I – Relatório

1.A..., LDA. (anteriormente designada por B..., Lda.), pessoa coletiva N.º..., com sede na ..., rua ..., ..., ...-... ..., (doravante “Requerente”), requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”).

 

A Requerente peticiona que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente e consequentemente sobre os atos de liquidação n.ºs ..., ... e ..., relativos aos meses de agosto, setembro e outubro, com liquidação a 14-9-2020, 12-10-2020 e 16-11-2020, respetivamente e com vencimento a 30-09-2020, 30-10-2020 e 30-11-2020, no montante total de € 29.532.192,22, que engloba o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (“ISP”), a Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) e outros tributos que são objeto daquele pedido, referentes ao período decorrido entre agosto a outubro de 2020, na parte que respeita ao montante total de € 6.591.653,15 liquidado a título de CSR.

tendo em vista a declaração de ilegalidade do indeferimento (tácito) do pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente e consequentemente sobre os atos de liquidação n.ºs..., ... e ..., relativos aos meses de agosto, setembro e outubro, com liquidação a 14/9/2020, 12/10/2020 e 16/11/2020, respetivamente e com vencimento a 30/9/2020, 30/10/2020 e 30/11/2020, no montante total de € 29.532.192,22, que englobam o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (“ISP”), a Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) e outros tributos que são objeto daquele pedido, referentes ao período decorrido entre Agosto a Outubro de 2020, na parte que respeita ao montante total de € 6.591.653,15 

alegadamente liquidado a título de CSR.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, (AT).

 

1.1. Do Pedido

A Requerente formula o seu pedido nos seguintes termos:

“Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se a V. Ex.ª a procedência da pronúncia arbitral, com a consequente:

a) Anulação parcial das liquidações oficiosas N.ºs..., ... e ..., relativos aos meses de Agosto, Setembro e Outubro, com liquidação a 14/9/2020, 12/10/2020 e 16/11/2020, respetivamente e com vencimento a 30/9/2020, 30/10/2020 e 30/11/2020, respetivamente, no valor global de € 6 591 653,15 (seis milhões, quinhentos e noventa e um mil, seiscentos e cinquenta e três euros e quinze cêntimos).

b) Condenação da Requerida na restituição do valor pago relativo às liquidações identificadas na alínea a);

c) Condenação da Requerida no pagamento dos juros de mora, até integral pagamento.

d) Condenação da Requerida de todas as taxas devidas ao Centro de Arbitragem Administrativa”

 

1.2. Do valor do processo

A Requerida na Resposta relativamente ao valor da CSR liquidada em conjunto com o ISP, contesta o valor da CSR que a Requerente afirma ter liquidado, referindo o seguinte:

“De acordo com as liquidações juntas ao pedido de revisão oficiosa como documentos 1 a 4, junto da Alfândega de Peniche, os valores apurados como liquidados pela Requerente a título de CSR foram:

Documento 1 – liquidação n.º 2020/... no valor de €3.027.650,13.

Documento 2 – liquidação n.º 2020/... no valor de €2.051.211,75

Documento 3 – liquidação n.º 2020/... no valor de €762.703,67€, conforme rubricas 504 e 505 dos prints das liquidações que se juntam como documento 4.”

 

A Requerente nas alegações e resposta às exceções refere o seguinte:

 

“Sinteticamente, vem a AT indicar que o valor a reclamar a título de CSR, relativamente ao período em causa é de €5.841.565,55 e não €6.591.653,15, conforme reclamado pela Requerente.

Juntando para o efeito, o DOC. N.º 1 a 4, para fazer prova do alegado pela AT.

Ora, em primeiro lugar, a Requerente desconhece a veracidade dos documentos supra indicados, visto que, segundo pôde apurar, o teor dos mesmos não se encontram disponíveis para consulta na área reservada da Requerente no site da AT,

Pelo que, se impugna a genuinidade do teor destes documentos.

Os valores indicados pela Requerente, foram obtidos através da extração manual de todos os E-dic’s, no site da AT, que deram origem ao ficheiro excel, com o somatório dos valores da CSR em causa, tudo conforme DOC. N.º 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.”

 

Relativamente ao Documento n.º 4, junto pela Autoridade Tributária com a Resposta, cumpre referir que os prints nele constantes, para além de não indicarem a respetiva fonte, apresentam qualidade de impressão/digitalização que compromete a sua legibilidade.

Em contraste, a Requerente apresenta cópia das e-DUCs, acompanhada de resumos e quadros em formato Excel, os quais as têm por base e nos quais procede à contabilização da CSR de forma clara, estruturada e devidamente fundamentada.

 

Pelo exposto, decide este Tribunal Arbitral que assiste razão à Requerente, considerando como valor do processo aquele que foi indicado no Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA).

 

1.3. Sobre o documento n.º 1 junto pela Requerente com as Alegações

O Documento n.º 1, junto com as alegações apresentadas pela Requerente, consiste num ficheiro em formato Excel, o qual, segundo informação por esta prestada, foi elaborado mediante extração manual dos dados constantes dos e-DICs disponíveis no site da Autoridade Tributária, refletindo o somatório dos valores da CSR relativos ao período em análise.

Acresce que se trata de um ficheiro em que a Requerente se limita a reproduzir os valores constantes das DUCs emitidas pela Autoridade Tributária, com base nos e-DICs que a própria Requerente apresentou juntamente com o Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA).

Assim, decide-se que o ficheiro em formato Excel não constitui um documento passível de ser questionado pela Requerida, pelas razões supramencionadas, uma vez que todos os dados nele constantes já se encontram na posse da Autoridade Tributária, tendo servido de base à emissão das DUCs objeto do presente processo.

 

1.4. Tramitação processual

A Requerente apresentou o Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) em 02-04-2025, o qual foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 04-04-2025 e automaticamente notificado à AT.

Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD em 27-05-2025 designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. 

Na mesma data as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 17-06-2025, o qual foi nessa data comunicado às partes.

Por despacho do mesmo dia e notificado em 18-60-2025, a Requerida foi notificada para apresentar Resposta e juntar o Processo Administrativo, (PA).

Em 01-07-2025 a Requerida apresentou a Resposta e juntou o PA, junção que foi notificada em 02-07-2025.

Por despacho de 04-07-2025, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. Foi ainda decidido facultar às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, contados da notificação do despacho.

A Requerida apresentou as suas alegações em 09-07-2025.

Por requerimentos de 22-07-2025, a Requerente apresentou as suas alegações e respondeu à matéria de exceção suscitada pela AT.

 

2. Posição das partes

2.1. Posição da Requerente

A Requerente defende que deve julgar-se procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa supra indicado, e anular parcialmente as liquidações supra indicadas, na parte que respeita a título de CSR, devendo tais montantes ser restituídos à Requerente.

A Requerente alega que é uma sociedade cujo objeto social reside, entre outras atividades, no comercio a retalho de combustíveis, e com base nas declarações de introdução no consumo (DICs) por esta realizadas, a AT procedeu a atos de liquidação conjunta de ISP, CSR e outros tributos.

A Requerente sustenta que, de acordo com jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), os Estados-Membros estão obrigados a reembolsar os montantes de imposto indevidamente cobrados em violação do Direito da União. Tal reembolso apenas poderá ser recusado pela Autoridade Tributária caso esta demonstre que o mesmo conduziria a um enriquecimento sem causa por parte do contribuinte, não podendo, por conseguinte, ser invertido o ónus da prova quanto à repercussão do imposto ou ao eventual enriquecimento sem causa.

Acresce que, conforme resulta igualmente da jurisprudência do TJUE, a invocação da exceção de enriquecimento sem causa, com o objetivo de recusar o reembolso de um imposto cobrado em violação do Direito da União, exige a existência de norma de Direito interno que expressamente a preveja.

 

2.2. Posição da Requerida

A Requerida na Resposta invocou as seguintes exceções:

 - Da falta do interesse em agir 

- Da incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria 

- Da intempestividade do pedido de revisão oficiosa e da caducidade do direito de ação.

 

Por impugnação a AT defendeu em síntese:

“A Requerente, enquanto comercializador de produtos petrolíferos sujeitos ao correspondente imposto especial de consumo, incluiu no preço de venda dos combustíveis o seu encargo, não constituindo este um custo assumido por ela (que só transitoriamente assumiu), mas de quem adquiriu os combustíveis. 

O reembolso dos montantes pagos a título de CSR a quem paga o imposto ao Estado, mas não o suporta (configura uma situação de enriquecimento sem causa, fonte de obrigações, no âmbito do direito civil, nos termos do artigo 474.º do Código Civil.”

 

3. Das exceções

A Requerida, na Resposta, invoca diversas exceções que, caso alguma delas seja julgada procedente, impedirá o conhecimento do pedido, razão pela qual devem ser apreciadas previamente.

Nos termos do artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), impõe-se, antes de mais, a determinação da competência do presente Tribunal Arbitral, matéria que precede o conhecimento de qualquer outra.

Todavia, atendendo à relevância da questão da natureza jurídica da CSR para a determinação da competência deste Tribunal Arbitral, inicia-se a análise precisamente por essa matéria.

 

a)– Nota prévia

Da natureza jurídica da CSR

A AT na Resposta salienta que na CSR existe repercussão económica e defende:

Pese embora nos encontremos no âmbito de uma peça processual, face ao teor do Pedido de Pronuncia Arbitral da Requerente não podemos deixar de nos pronunciar, com todo o respeito, que é muito, sobre os efeitos económicos dos tributos, em especial dos impostos especiais do consumo (IEC).

Primeiramente, 

No tocante à questão da ONERAÇÃO do consumidor final, designadamente através da repercussão, basilar no caso concreto. 

A repercussão, antes de mais, é um conceito económico e contabilístico e traduz, tal como advém da sua conceptualização, um efeito económico da tributação em geral, e não apenas da tributação sobre o consumo.

(...)

que se coaduna com o não tratamento fiscal da CSR, não sendo esta faturada separadamente nem reconhecida contabilisticamente numa conta de gastos ou rendimentos, específica, 

contabilisticamente é a CSR, em conjunto com o ISP, registada na conta “311915 - Despesas de compra – compras mercado nacional – ISP”, e subsequentemente incorporados na conta de Custos Mercadorias Vendidas Mercadorias Consumidas (CMVMC).

Atendendo à NCRF 18 – Inventários, o procedimento contabilístico, reconhece o contribuinte a CSR numa conta de compras (e não como gasto do período) incorporado no CMVMC.

Ora, a inclusão da CSR no CMVMC constitui o reconhecimento por parte do contribuinte que a CSR (tal como os restantes impostos ISP e taxa de carbono), incorpora o preço de custo dos combustíveis e consequentemente é incluída no respetivo preço de venda.

Indo-se assim ao encontro da natureza do tributo, onerar o consumidor final com o objetivo de “desincentivar o seu consumo excessivo reduzindo, desse modo, as externalidades negativas a eles associadas.”, como é o caso dos impostos especiais sobre o consumo,

Fica-se, então, perante a repercussão económica, o efeito pretendido pelo legislador, 

O que significa que a Requerente não fica desembolsada do valor pago a título de CSR. 

O que nos remete para a questão do critério do pedido através do qual se afere a competência de um tribunal e, paralelamente, interesse em agir da ora Requerente”.

 

A Requerente em síntese alega que:

“(...)não restam dúvidas, que neste quadro normativo, impõe-se a caracterização da CSR não como uma contribuição financeira, mas como um imposto, em razão da sua natureza indubitavelmente unilateral.

Independentemente da sua denominação jurídica, a CSR assume claramente as características de um imposto.”

Menciona ainda que não se encontra provado que as vendas de combustíveis por si realizadas tenham sido efetuadas a consumidores finais.

 

Defende o seu interesse em agir e a competência do Tribunal Arbitral.

 

Vejamos

 

A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e entrou em vigor em 01-01-2008. Teve alterações introduzidas pelas Lei n.ºs 67-A/2007, de 31 de dezembro, 64-A/2008, de 31 de dezembro, 64-B/2011, de 30 de dezembro, 66-B/2012, de 31 de dezembro, 83-C/2013, de 31 de dezembro, 82-B/2014, de 31 de dezembro, 7-A/2016, de 30 de março, sendo substituída pela “Consignação de serviço rodoviário”, pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro.

Considerando o disposto no artigo 1.º e no artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, a CSR visava financiar a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., constituindo a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis. 

Como determina o artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, em vigor à data dos factos, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), estando estes identificados no artigo 4.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).

O Código dos Impostos Especiais de Consumo, na redação aplicável ao caso em concreto, define como sujeito passivo: 

“Artigo 4.º - Incidência subjetiva

1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo: 

a) O depositário autorizado e o destinatário registado; 

(...). 

Na tributação dos produtos petrolíferos e energéticos era aplicada uma taxa de ISP, a que acrescia o montante legalmente estabelecido a título de Fator de Adicionamento de CO2 e de CSR.

O artigo 7.º da Lei 55/2007 determina que “As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário.”. 

Nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do CIEC o facto gerador do ISP consiste: “A produção em território nacional dos produtos a que se refere o artigo 5.º”; “A entrada em território nacional, quando provenientes de outro Estado -Membro, dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”; e a “A importação dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”.

Os IEC, como o ISP, são exigíveis, conforme decorre do artigo 8.º do CIEC no momento da introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto ou da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o referido Código.

São considerados como introdução no consumo os factos que se enquadrem no descrito no n.º 1 do artigo 9.º, designadamente a saída dos produtos do regime de suspensão, a detenção e armazenagem fora do regime de suspensão sem pagamento do imposto, a produção fora do regime de suspensão, a importação, a entrada dos produtos no território nacional, ainda que em situação irregular, a cessação ou violação dos pressupostos de um benefício fiscal. 

A introdução no consumo é formalizada através da Declaração de Introdução no Consumo (DIC), processada por transmissão eletrónica de dados (e-DIC), conforme o artigo 10.º do CIEC. 

De acordo artigo 10.º-A do CIEC, com as introduções no consumo efetuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos CIEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática.

Nos termos dos artigos 11.º, e 12.º do CIEC os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto, até ao dia 15 do mês da globalização, devendo aquele ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação.

Como é afirmado no preâmbulo, a CSR é atribuída pelo legislador a finalidade de financiar a Empresa Infraestruturas de Portugal, I.P.

Uma vez descrito o regime jurídico da CSR, importa analisar se é um imposto, uma taxa ou uma contribuição especial.

Por concordamos com o que se afirma no Acórdão do STA, 2.ª Sec. de 04-07-2018, proferido no Processo n.º 01102/17, transcrevemos:

“(...) Dando por adquiridas as inúmeras reflexões doutrinárias e jurisprudenciais produzidas sobre a matéria atinente à distinção entre imposto e taxa [ou seja, que ambos constituem receitas públicas coactivamente impostas, mas enquanto o imposto «... é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos» (Cfr. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, Coimbra, 1977, p. 262.) a taxa tem «carácter sinalagmático, não unilateral, o qual por seu turno deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares» (Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Vol. I, Lisboa, 1981, p. 42.) pressupondo, pois, uma contraprestação por parte do ente público que a exige, a verificar-se na respectiva génese, e que deve concretizar-se naquela prestação de serviço público, naquele acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção do obstáculo jurídico à actividade do particular] (Cfr. Casalta Nabais, Contratos Fiscais, Coimbra 1994, 236.) ressalta na definição legal e doutrinal da taxa a individualização de um aspecto estrutural da mesma (a supra apontada sinalagmaticidade ou bilateralidade) e, em consequência, os respectivos pressupostos da sua cobrança. (...)”

Mencionamos também, o decidido no Acórdão do TC n.º 232/2022 de 31-03-2022, Proc. 105/22, relator J. E. Figueiredo Dias:

“Esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos (...)”

De mencionar ainda a posição do Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, que afirma:

“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.

Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.”

 

Conclui este Tribunal Arbitral que a Contribuição de Serviço Rodoviário é um imposto indireto, um imposto monofásico, em que não estão legalmente previstos quaisquer atos de repercussão. O facto tributário ocorre apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez, com a apresentação da e-DIC, nos termos do CIEC.

 

3.1. Da incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria

Na Resposta a AT suscita a questão da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria por considerar, que a CSR é uma contribuição e não um imposto, pelo que as matérias sobre a CSR na sua perspetiva encontram-se, assim, excluídas da arbitragem tributaria, por ausência de enquadramento legal.

 

 

A Requerente alega que a CSR não é uma contribuição financeira, mas um imposto, em razão da sua natureza indubitavelmente unilateral.

Por outro lado, vem a Requerida alegar a incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, em virtude de no seu entendimento, vir a Requerente, com a presente ação, querer suspender a eficácia de atos legislativos.

“Nos presentes autos, a Requerente pediu a anulação parcial das liquidações oficiosas, e a restituição do valor pago a título de CSR.

Assim, é evidente que o pedido não se reconduz à apreciação direta e abstrata de atos de natureza legislativa, mas apenas o que foi expressamente peticionado, e que estava de acordo com o previsto no art. 2.º do RJAT, isto é, a ilegalidade concreta inserida nas liquidações postas em causa.”

 

Vejamos,

 

A competência dos Tribunais Arbitrais a constituir no âmbito do CAAD está estabelecida no artigo 2.º do RJAT, Portaria n.º 112-A/2011, e abrange nos temos do n.º 1 a) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;” porém o n.º 2 circunscreveu – ao menos literalmente – tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”.

A Portaria de Vinculação limita deste modo a competência dos Tribunais Arbitrais usando o termo impostos e não tributos. 

O Acórdão do TCAS de 24-10-2024 proferido no Processo n.º 128/23.9BCLSB, decidiu que: 

“Os tribunais tributários arbitrais são competentes, em razão da matéria, para conhecer de pedidos de anulação de liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário, bem como dos pedidos restitutórios e indemnizatórios que lhes são acessórios.”

 

Como acima concluído, sendo a CSR um imposto não procede a exceção alegada da Requerida que parte do pressuposto que a contribuição de serviço rodoviário deve ser qualificada como contribuição especial, e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.

 

Pelo exposto decide-se pela improcedência da exceção da incompetência material deste Tribunal Arbitral.

 

3.2. Da falta do interesse em agir 

A Autoridade Tributária, conforme já referido, defende que na CSR existe repercussão económica, sustentando que, sendo o consumidor final quem suporta o pagamento da contribuição, a Requerente, em virtude dessa repercussão, não teria interesse em agir.

Não obstante, importa sublinhar que, embora o sujeito passivo da CSR seja aquele que se encontra definido para efeitos do Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP), o encargo económico da referida contribuição é efetivamente suportado pelo consumidor final

Assim, considera a AT que o consumidor final é o contribuinte da CSR e, consequentemente, a parte legítima para peticionar a declaração de ilegalidade dos respetivos atos de liquidação, pelo que, segundo o seu entendimento, a Requerente não tem interesse em agir.

 

A Requerente defende que: “De outro modo, a repercussão da CSR no consumidor final, por efeito do disposto no art.º2.º do CIEC, na redação dada pela Lei n.º 24-E/2022, de 30/12, não corresponde a uma forma de substituição tributária, uma vez que não só não é o consumidor final que responde pela prestação tributária, como também é a própria lei que exclui do conceito de sujeito passivo quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”.

Assim, não ocorre na situação em apreço uma deslocação da obrigação tributária do contribuinte direto para um terceiro, sendo este quem, por repercussão, suporta o peso do imposto.

Sem essa deslocação da obrigação, não pode ocorrer uma verdadeira substituição tributária, nos termos dos artigos 20.º e 28.º da LGT.

À luz dos artigos 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT e 18.º, n.º 3 da LGT, dúvidas não restam quanto à legitimidade processual e ao interesse em agir da Requerente, pois têm essa legitimidade os contribuintes, isto é, o “sujeito passivo” na relação tributária, a pessoa singular ou coletiva, património ou organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”

 

Vejamos

 

Na análise da natureza jurídica da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), concluiu-se tratar-se de um imposto indireto, de carácter monofásico, no qual não estão legalmente previstos quaisquer atos de repercussão.

O facto tributário ocorre exclusivamente na fase da declaração para introdução no consumo, a qual, em regra, se verifica uma única vez, mediante a apresentação da e-DIC, nos termos previstos no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).

 

Dada esta posição assumida por este Tribunal decide-se que a Requerente tem interesse em agir pelo que se julga improcedente a exceção invocada pela Requerida.

 

3.3. Da alegada caducidade do direito de ação

A Autoridade Tributária invoca a exceção de intempestividade do pedido arbitral, com fundamento na alegada intempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações efetuadas.

Sustenta que as datas-limite para pagamento das guias de liquidação ocorreram entre 30 de setembro de 2020 e 30 de novembro de 2020, e que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado apenas em 3 de setembro de 2024, sendo, por isso, intempestivo.

 

A Requerente defende a tempestividade do direito à ação por ter o prazo de 4 anos para requerer a revisão oficiosa por erro dos serviços, nos termos do artigo 78.º n.º 1 da LGT, citando jurisprudência nesse sentido à qual adere.

Também defende que cumpriu igualmente o prazo de 90 dias para impugnar o indeferimento tácito da revisão oficiosa,

Tudo nos termos da alínea a) do N.º 1 do artigo 10.º do RJAT, N.º 1 e 2 do artigo 102.º do

CPPT e ainda N.º 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.

Por fim, no que concerne ao alegado prazo de 3 anos, previsto no artigo 15.º e 16.º do CIEC,

cumpre esclarecer que este regime especial, não é aplicável à CSR.

 

Vejamos

 

De acordo com o estabelecido na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, o prazo para a apresentação de um pedido de revisão oficiosa é de quatro anos, desde que baseado em erro atribuível aos serviços. Conforme a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, um erro atribuível aos serviços é qualquer ilegalidade que não possa ser imputada ao contribuinte.

Ou seja, se a ilegalidade não decorrer de qualquer ação ou omissão do contribuinte que tenha influenciado a liquidação, esta é considerada um erro dos serviços.

No contexto desta questão, destaca-se o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-11-2022, proferido no processo n.º 087/22.5BEAVR, cujo sumário dispõe:

“I - Mesmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Administração Tributária tem o dever de revogar actos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no art. 78.º da L.G.T.

II - O dever de a Administração efectuar a revisão de actos tributários, quando detectar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei.

III - A revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efectuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, mas, como se conclui do n.º 7 do art. 78º da L.G.T., o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que Administração tributária o pode exercer.

E, da fundamentação citamos o seguinte fragmento: “Pontifica a respeito a jurisprudência firme deste tribunal segundo a qual, desde que o erro não seja imputável a conduta negligente do sujeito passivo, será imputável à Administração Tributária. De resto, tal intelecção encontrava guarida no disposto no nº2 do artigo 78º da LGT, entrementes revogado pela alínea h) do nº1 do artigo 215º da lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, que conciliava: “Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação». Jurisprudencialmente, esse ponto de vista foi adoptado no acórdão de 12/12/2001, proferido no recurso nº 26.233 em cujo discurso jurídico se verteu que «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços». Havendo ainda que atentar, como salienta o EPGA no seu douto parecer que, com a devida vénia, vimos e iremos acompanhar, no Acórdão de 28/11/2007, proferido no processo nº 0532/07, em que se plasmou jurídico se que «O alcance do nº 2 do artº 78º da LGT, ao estabelecer que, para efeitos de admissibilidade de revisão do acto tributário, se consideram imputáveis à administração tributária os erros na autoliquidação, foi o de alargar as possibilidades de revisão nestas situações de autoliquidação, em relação às que existiam no domínio do CPT, solução esta que está em sintonia com a directriz primordial da autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar a LGT, que era a de reforço das garantias dos contribuintes”.

Nos presentes autos, é evidente que os erros constantes dos atos de liquidação da CSR impugnados, decorrentes da ilegalidade das normas aplicadas, não podem ser imputados à Requerente, uma vez que esta não participou no procedimento de liquidação.

Tais erros são, por conseguinte, atribuíveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, entidade responsável pela emissão das e-DUCs.

A Requerente pediu a revisão oficiosa de atos de liquidação de CSR emitidos entre setembro de 2020 a outubro de 2020.

As liquidações realizadas pela AT têm as seguintes datas:

-14-09-2020 - relativas às e-DICs relativas a agosto de 2020);

- 12-10-2020 - relativas às e-DICs relativas a setembro de 2020;

- 16-11-2020 - relativas às e-DICs relativas a outubro de 2020).

 

Sobre esta questão do prazo da revisão oficiosa por iniciativa do contribuinte se pronunciaram, Diogo Leite Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 3.ª Edição, 2003 pág. 407, afirmando que: Mesmo nos casos em que neste art.º 78.º, em que se refere que a revisão é da iniciativa dos serviços, nada impede que os interessados requeiram à administração tributária a revisão dos actos tributários, uma vez que tudo o que pode ser feito oficiosamente pode ser feito a pedido dos interessados. Aliás, os termos utilizados no n.º 6 deste art.º 78.º, em que se refere que “Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização” atual n.º 7), na redação da Lei 55-B/2004 de 30 de dezembro.

E continuam afirmando, pág. 408 que: Na sequência de um pedido de revisão formulada por um interessado, num caso de revisão oficiosa, a administração tributária terá de se pronunciar sobre o pedido, por força do preceituado no art.º 55, n.º 1 da LGT. No caso de se verificarem os pressupostos da revisão, a administração tributária terá de proceder à mesma, por imposição dos princípios da justiça e do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, que devem nortear a sua actividade (arts. 266.º, n.º 2, e 55.º da L.G.T.). Na verdade, mesmo que se entenda que, em geral, aadministração não tem o dever de revogar actos anteriores ilegais, depois do decurso do prazo para a sua impugnação contenciosa com fundamento em vícios geradores de anulabilidade, essa revogação não pode deixar de ser obrigatória quando for imposta por um específico dever de eliminação de uma situação criada pelo acto ilegal. É isso sucede no caso de ter havido a cobrança de um tributo ilegal, pois a devolução da quantia indevidamente paga corresponde a um dever de justiça e a administração tem um genérico dever de actuar em conformidade com os princípios da justiça e do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.)”.

Acrescentam ainda que: “Por outro lado, as decisões da administração tributária proferidas na sequência de um pedido de revisão formulado por um interessado são contenciosamente controláveis [arts. 95.º, n.º 1, alínea d), da L.G.T. e 97.º, n.º 1, alínea d), do C.P.P.T.]. (229) 12 — No n.º 6 prevê-se que o pedido do contribuinte para revisão do acto tributário ou da matéria tributável interrompe o prazo para efectivação da revisão. Esta interrupção tem como efeito que se começa a contar um novo prazo, idêntico ao inicial, a partir do momento da efectivação do pedido”.

E afirmam ainda, na pág. 410, que: “(...) o contribuinte tem ainda a faculdade de pedir a denominada revisão oficiosa do acto, dentro dos prazos em que a administração tributária o pode efectuar, previstos no art. 78 da L.G.T. Porém nestes casos, o pedido de revisão não pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, como sucede no caso da reclamação efectuada no prazo da reclamação administrativa, mas apenas por erro imputável aos serviços (parte final do n.º 1 deste art.º 78), por injustiça grave ou notória (n.º 3) ou duplicação de colecta (n.º 5)”.

Estes autores, na mesma obra, na 4.ª edição de 2012, mencionam na página 704 que: “A revisão do acto tributário (…) constitui um meio administrativo de correcção de erros de actos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de administração administrativa e contenciosa desses actos, a deduzir nos prazos normais respectivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração”.

Daí que entendemos que o artigo 78.º da LGT, ao ser interpretado, de modo objetivo, contém todas as garantias concedidas aos sujeitos das relações jurídico-tributárias de defesa e reposição da legalidade.  Num Estado de Direito, só esta interpretação assegura o equilíbrio entre os poderes tributários do Estado e a defesa dos interesses dos contribuintes, pois o princípio da legalidade da ação administrativa significa exige conformidade com o Direito. 

O princípio da não arbitrariedade reforça essa exigência, impondo que a Administração atue em conformidade com todos os princípios jurídico-normativos aplicáveis. Como consequência, incumbe à Administração Tributária expurgar do ordenamento jurídico os atos tributários ilegais que lesem os direitos dos contribuintes, independentemente de o impulso processual provir da própria AT ou do sujeito passivo.

O procedimento tributário deve ser estruturado de forma a cumprir, de modo objetivo, o princípio da distribuição equitativa dos encargos fiscais, nos termos legalmente previstos. Tal estrutura deve assegurar simultaneamente a satisfação das necessidades financeiras do Estado e o respeito pelos direitos e interesses legítimos dos contribuintes.

O princípio da igualdade constitui um dos pilares fundamentais do princípio mais amplo da justiça tributária, apresentando fronteiras subtis com o princípio da capacidade contributiva, ambos consagrados no texto constitucional.

Na sua formulação tradicional, o princípio da igualdade comporta uma dupla vertente: a vertente material, que se traduz na igualdade na lei, e a vertente formal, correspondente à igualdade perante a lei.

A igualdade na lei implica que todos os cidadãos têm o direito de ver os órgãos competentes aplicar o Direito com base em critérios hermenêuticos e valorativos uniformes, assegurando uma interpretação e aplicação coerente das normas jurídicas.

Por sua vez, a igualdade perante a lei significa que todos os cidadãos devem estar sujeitos a normas idênticas, sendo esta dimensão dirigida aos órgãos com competência legislativa, no sentido de garantir que a produção normativa respeite padrões universais e não discriminatórios.

No domínio tributário, o princípio da igualdade traduz-se na exigência de que todos os cidadãos sejam tributados de forma equitativa, em função da sua capacidade económica, devendo ser entendido como expressão da generalidade e universalidade da tributação.

 

Em resumo, podemos concluir que: 

(i)             o pedido de revisão oficiosa pode ser feito por iniciativa do sujeito passivo, seja dentro do prazo de reclamação administrativa, com qualquer fundamento, ou dentro do prazo de quatro anos, com base em erro atribuível aos serviços; 

(ii)           o erro atribuível aos serviços inclui tanto erros de facto quanto erros de direito; e 

(iii)          o erro de direito compreende violações de qualquer norma de direito comunitário, independentemente de estas obrigarem diretamente os poderes públicos ou os particulares.

 

Considerando que o prazo para a revisão oficiosa é de quatro anos, contado da data da liquidação, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), e tendo o pedido de revisão sido apresentado em 30 de junho de 2023, deve o mesmo ser considerado tempestivo.

 

Consequentemente, a exceção invocada pela Requerida é julgada improcedente.

 

4. Saneamento

O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, que foi tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT.

O processo não enferma de nulidades, nem existem exceções que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

5. Matéria de facto

5.1. Factos provados

a)             A Requerente anteriormente com a designação por B..., Lda., com o NIF:...; (facto não controvertido). 

b)             A Requerente tem como objeto social entre outras atividades, o comercio a retalho de combustíveis, com o CAE 47300 - Comércio a retalho de combustível para veículos a motor; (Cfr. Declaração de IES – doc. 2 junto com a Resposta).

c)             No período de agosto a outubro de 2020, a Requerente efetuou introduções no consumo de produtos petrolíferos, tendo sido processadas as respetivas Declarações de Introdução no Consumo (e-DIC) e emitidos os Documentos Únicos de Cobrança (DUCs) pela Alfândega de Peniche; (cfr. cópia das juntas como docs. 1 a 3 juntos com o PPA e PA).

d)             O valor da CSR liquidada pela AT (Alfândega de Peniche), e constante das DUCs resultante da introdução no consumo de combustíveis em Portugal pela Requerente no período de agosto, setembro e outubro de 2020, ascendeu a € 6.591.653,15; (cfr. PPA e docs. 1 a 3 juntos com o PPA).

e)             Com base nessas declarações de introdução no consumo (e-DICs) comunicadas pela Requerente, a AT procedeu a atos de liquidação conjunta de ISP, CSR e outros tributos, relativos aos meses entre Maio e Julho de 2020, conforme quadro que se reproduz:

 

 

 

Cfr. PPA e docs. 1 a 3 juntos com o PPA).

f)              A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa (RO) junto da Alfândega de Peniche, rececionado em 03-09-2024 e a que foi atribuído o n.º ...2024...; (cfr. PA).

g)             A Requerente pagou os valores da CSR liquidados; (facto não controvertido).

h)             O pedido de RO remetido à Unidade de Grandes Contribuintes, que elaborou a informação com o n.º 7-B_IE/2025, junta com a Resposta como doc. 1), da qual consta nomeadamente o seguinte:

“1. Motivo da ação

A presente informação tem origem no pedido de apoio e análise da contabilização da Contribuição de Serviço Rodoviário, enviado pela Divisão do Imposto sobre Produtos Petrolíferos e Energéticos (DIPPE), pertencente à Direção de Serviços dos Impostos Especiais de Consumo e do Imposto sobre Veículos (DSIECIV), à Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) via e-mail (n.º entrada: 3917 de 2025/04/21), constante do Anexo 1.

Como consta do email suprarreferido, o pedido de apoio e análise pela UGC foi formulado nos seguintes termos:

“Na sequência da comunicação, pela DSCJC, da apresentação no CAAD de pedido de pronúncia arbitral (processo n.º 321/2025-T), pelo operador A..., LDA, NIF ..., relativo a liquidações de CSR efetuadas no período de agosto a outubro de 2020, e tendo-se constatado não ter sido solicitada a esses serviços a “Análise do tratamento contabilístico e enquadramento fiscal” para o referido período, remete-se em anexo a documentação recebida da Alfândega de Peniche (pedido de revisão oficiosa apresentado pelo operador e informação da Alfândega), solicitando-se o indispensável apoio da UGC com vista à obtenção de prova da repercussão dos montantes da CSR liquidados e cobrados, uma vez que tal análise é absolutamente essencial para a fundamentação da posição da AT de que a CSR é uma componente do custo das mercadorias vendidas, incorporada no preço de venda do combustível pelo Sujeito Passivo, argumento esse que tem vindo a lograr acolhimento junto dos árbitros do CAAD em processos que envolvem Sujeitos Passivos de ISP.”.

(...)

2. Das diligências efetuadas para obtenção de elementos

Como consta de informações anteriores, e que passamos a transcrever nesta informação, o sujeito passivo informou que na sequência de buscas à empresa, no âmbito do processo crime que corre termos sob o n.º .../18...T9LSB na 1.ª Secção do Departamento de Investigação e Ação Penal Regional de Lisboa, tendo o mesmo sido delegado na DSAFA - DOS - Divisão Operacional do Sul, a contabilidade dos anos de 2019 e 2020 encontra-se apreendida, à guarda daquela divisão operacional.

No sentido de se apurar se a situação se mantém, foi enviado e-mail em 2025/03/24, à DSAFA - DOS - Divisão Operacional do Sul a questionar sobre o ponto de situação deste processo de inquérito, ao que foi respondido por e-mail, na mesma data, o seguinte (anexo 2):

“O processo de inquérito com o NUIPC .../18...T9LSB, ainda se encontra a decorrer. No que se refere à documentação apreendida nas diligências de buscas, designadamente as pastas da contabilidade de 2019 e 2020, ainda se encontram apreendidos à ordem do processo de inquérito, em que é arguida a empresa A..., LDA.”.

 

Face à indisponibilidade de obter elementos junto do sujeito passivo relativos à contabilidade, designadamente do ano de 2020, recorremos à análise de elementos obtidos em pedidos de reembolso da CSR anteriores efetuados pelo sujeito passivo, designadamente o pedido referente aos períodos de dezembro de 2019 a março de 2020.

(...)

Tendo em conta a insuficiência da resposta enviada, a UGC utilizou neste processo a informação obtida

na análise ao pedido de reembolso de CSR efetuado pelo sujeito passivo em causa dos períodos de junho

a novembro de 2019, tendo sido para esse efeito o sujeito passivo notificado, por email de 2024/03/22,

relativamente aos elementos contabilísticos que dispunha, que não foram apreendidos, para apresentação

dos seguintes esclarecimentos/elementos:

“Descrição das situações em que a A... se qualifica como sujeito passivo de ISP. 

Identificação do procedimento contabilístico seguido pela empresa (contas SNC movimentadas) para reconhecimento do ISP (e posteriores registos até CMVMC) e na venda do combustível.

Identificação do procedimento contabilístico seguido pela empresa (contas SNC movimentadas) para as operações de (inclusive reconhecimento no CMVMC e apuramento de resultados):

• Compra de combustível;

• Venda de combustível.”

O sujeito passivo respondeu por email de 2024/03/25, apresentando os esclarecimentos e registos contabilísticos solicitados, que constam desta exposição - anexo 4.

 

Assim, devido ao facto da UGC não dispor de todos os documentos solicitados (como faturas de compra e venda de combustível), a análise será feita apenas com base nos elementos disponibilizados, nomeadamente os registos contabilísticos apresentados pelo sujeito passivo.

(...)

4. Dos procedimentos adotados pela A...

A  A... é uma sociedade que tem como atividade principal o comércio a retalho de combustível para veículos a motor em estabelecimentos especializados (CAE 47300), e como atividades secundárias, designadamente, o comércio por grosso de produtos petrolíferos (CAE 46711) e comércio de eletricidade (CAE 035140).

No âmbito da atividade desenvolvida, procede à introdução de produtos petrolíferos no mercado, estando sujeita a ISP e a CSR. Sobre esta tema, o sujeito passivo informou, em resposta à notificação, que: “A A..., à data do período em análise, bem como dos seguintes períodos, qualifica-se como sujeito passivo do ISP em todas as operações que realizou de importação de combustível em Portugal.”.

De acordo com os elementos disponíveis, a empresa regista os impostos/contribuições a que os produtos petrolíferos estão sujeitos, na conta “311915 - Despesas de compra – compras mercado nacional – ISP”, uma sub-conta da rubrica de compras de mercadorias. Não segrega na conta referida o valor da CSR e do ISP, sendo esta distinção apenas evidenciada nas guias de pagamento de imposto, como se pode verificar, a título de exemplo, nas guias de agosto a outubro de 2020, liquidadas pela Alfândega de Peniche (Anexo 5).

O ISP/CSR é parte integrante do custo das mercadorias vendidas, como não pode deixar de ser, de acordo com a sua definição teórica e o seu enquadramento normativo (NCRF 18), como analisaremos no ponto seguinte.

É sobre o custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (CMVMC), o qual integra o ISP e a CSR que a empresa aplica uma percentagem de forma a chegar a uma margem bruta que lhe permita

conferir viabilidade e continuidade do negócio (a esta margem bruta serão ainda posteriormente deduzidos outros gastos, nomeadamente, impostos sobre lucros, gastos com financiamentos, salários, eletricidade, gastos administrativos, etc.).

Ou seja, mesmo que, por absurdo, todos os restantes gastos não existissem, a totalidade do CMVMC terá sempre que ser refletida no preço praticado ao cliente, sob pena, não só de o negócio não ser viável, como inclusive incorrer em ilegalidade (preço de venda abaixo do respetivo preço de custo).

 

5. Do conceito do CMVMC e respetivo tratamento contabilístico

No que respeita à questão da valorização dos inventários, no anexo às demonstrações financeiras da A... é referido que:

• As mercadorias, matérias primas subsidiárias e de consumo encontram-se valorizadas ao custo de aquisição, o qual é inferior ao valor de realização, pelo que não se encontra registada qualquer perda por imparidade por depreciação de inventários;

• Os produtos e trabalhos em curso encontram-se valorizados ao custo de produção, que inclui o custo dos materiais incorporados, mão-de-obra direta e gastos de produção considerados como normais. Não incluem gastos de financiamento, nem gastos administrativos.

Para a contabilização dos inventários, a empresa utiliza o sistema de inventário permanente, que conceptualmente, pressupõe que a entidade a qualquer momento consegue determinar o valor dos inventários existentes, em quantidade e valor, através do abatimento ao mesmo em cada operação de

venda e acréscimo em cada operação de compra, permitindo saber o valor das compras, quantidades em stock e custo das mercadorias vendidas.

A definição de inventário é apresentada pela Norma Contabilística e de Relato Financeiro 18 (NCRF 18), que estabelece orientações na contabilização dos inventários (sobretudo na determinação do custo e no seu subsequente reconhecimento como gasto) e nas fórmulas de custeio usadas para atribuição de custos aos inventários.

Genericamente, o custo da mercadoria vendida, deve compreender todos os gastos incorridos com a

compra (armazenamento, transporte, impostos, seguros e outros) das mercadorias até que estejam no

ponto de venda, prontas a serem comercializadas.

(...)

Face ao tratamento contabilístico dos inventários preconizado na NCRF 18, e adotado pelo sujeito passivo,

conclui-se o seguinte:

• A CSR consubstancia uma verba que não é subsequentemente recuperável do estado pela

 entidade que procede à sua liquidação, como é o caso de outros impostos, como por exemplo o IVA, uma vez que o mesmo é passível de dedução ao imposto a liquidar, nos termos do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado. Desta forma, a CSR constitui uma componente do custo de compra dos inventários, como definido no § 11, que deve ser escriturada numa rubrica de compras, tal como adequadamente fez a  A... (registou a CSR na conta “311915 – Despesas de compra – compras mercado nacional – ISP”);

• Os custos incluídos na escrituração mensurada do inventário, conforme § 10, registados na rubrica

de compras/inventários são reconhecidos como gastos do período, na rubrica custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (CMVMC - conta 61), no mesmo período de relato em que o respetivo inventário é vendido (§ 34), sendo este o procedimento adotado, em conformidade com a norma;

• Sendo a CSR um gasto do período em que os inventários (combustíveis) são vendidos, esta é

repercutida no custo dos inventários, e naturalmente no preço de venda, pelo que será a entidade/consumidor final que adquire os combustíveis à A... que suporta o encargo com a

CSR;

• Consequentemente a CSR não diminui o resultado do período apurado pela A... na medida em que faz parte do CMVMC, antes pelo contrário, pois ao estar incluída na base sobre a qual irá ser aplicada a margem de lucro, poderá eventualmente contribuir para um acréscimo dos resultados apurados pela empresa.

Resumindo, do tratamento contabilístico adotado pelo sujeito passivo, o qual tem acolhimento na NCRF18, constata-se, inequivocamente, que o resultado apurado pela A... não é inferior pelo facto de existir a CSR, dado que esta é incorporada no CMVMC dos combustíveis vendidos, sobre o qual é aplicada a margem de lucro, e concomitantemente repercutida no valor de venda, constituindo assim um encargo do consumidor final, adquirente dos combustíveis, e não da A... (que apenas assume o papel de sujeito passivo do imposto), indo de encontro ao objeto de criação da CSR, de repercutir nos utilizadores da rodovia o encargo da CSR, ou seja, nos adquirentes dos combustíveis rodoviários.

6. Da contabilização das operações

6.1. Exemplo teórico de operação de compra e venda de combustível

De seguida é apresentado um esquema teórico e genérico do processo de contabilização de ISP/CSR numa operação de compra e respetiva venda ao cliente final de combustível (100 litros), onde a A... se constitui como sujeito passivo de ISP, bem como do apuramento do resultado da operação3:

− (1) Compra de 55,00 € combustível (valor unitário por litro 0,55 €) (aquisição intracomunitária);

− (2) Venda do combustível por 110,25 € (+ 25,36 € IVA) (valor unitário por litro 1,1025 €);

− (3) Registo de ISP/CSR no montante de 50,00 € (valor unitário por litro € 0,50);

− (4) Reconhecimento do CMVMC no valor de 55,00 €;

− (5) Apuramento do resultado da operação 5,25 € [110,25 € (valor venda) - 105,00 € (CMCMV)].

Na referida informação consta a seguinte nota de rodapé:

Nota 3 : Apenas para efeitos exemplificativos, e de simplificação, se considera o reconhecimento do ISP e respetiva transferência para CMVMC, bem como o apuramento do resultado da operação de forma individualizada.

De destacar, neste exemplo teórico, efetuado com base nos registos efetivos de operações de compra e venda de combustível da empresa, como apresentado de seguida, que ISP/CSR é reconhecido numa conta de compras e posteriormente incorporado no CMVMC.

(...)

7. Do peso dos impostos no CMVMC e preço de venda

Recorrendo a um estudo publicado pela Entidade Nacional para o Sector Energético (ENSE), em 2021/07/12, sob a epígrafe “Análise da evolução dos preços de combustíveis em Portugal”4, que envolve os anos de 2019 a 2021, vejamos o peso dos impostos sobre produtos petrolíferos e energéticos que contribui para o preço final dos combustíveis, e o preço médio de venda ao público, relativamente a alguns itens.

Como se pode verificar pelos indicadores apresentados, o valor médio do ISP, onde se inclui a CSR, no preço final de venda, comparativamente com os preços médios de venda ao público, assume valores muito significativos, que demonstra claramente que o ISP tem obrigatoriamente de estar incluído no CMVMC e no preço de venda, e como tal de ser repercutido nos consumidores finais dos combustíveis, não sendo de todo plausível considerar que o ISP está, à semelhança de outros impostos (como IRC, IMT, IMI, Imposto do Selo, etc.), incluído nas margens diminutas praticadas em média neste mercado, como daremos nota mais à frente.

(...)

Com base nos elementos apresentados pelo sujeito passivo e na informação recolhida no sistema

informático da Autoridade Tributária (exercício de 2020), determinou-se o peso dos impostos (ISP + CSR+ Taxa de carbono) no CMVMC - quadro seguinte:

 

De salientar que os valores indicados correspondem a:

• O CMVMC é o saldo da conta 61 - custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas a 2020/12/31, retirado do quadro 03-A do Anexo A da IES (Informação Empresarial Simplificada).

• O valor dos impostos indicados, respeitam às guias de pagamento do imposto apurado de janeiro a dezembro de 2020 (retirado do sistema informático da AT), nas situações em que a A... se enquadra como sujeito passivo de imposto.

(...)

8. Conclusão

Concluindo, será curial acrescentar que apesar de não ser possível obter e validar os dados da contabilidade referentes aos períodos objeto de análise nesta informação, pelo facto de a contabilidade se encontrar aprendida no âmbito do processo crime, como suprarreferido, a análise desenvolvida tem como pressuposto que os princípios contabilísticos geralmente aceites não foram significativamente alterados ao longo dos anos, de acordo com as normas contabilísticas vigentes a que a empresa se encontra obrigada a cumprir.

Ao longo da presente informação foram apresentados os factos e os argumentos que permitem concluir que a CSR foi incluída no preço de venda dos combustíveis alienados pela A... .

(...)

Face ao exposto, conclui-se que a CSR está a ser incluída no CMVMC e subsequentemente no preço de venda dos combustíveis, constituindo um encargo dos adquirentes dos combustíveis (e do consumidor final dos combustíveis na cadeia de revenda) e nunca da A..., premissa validada pelos procedimentos contabilísticos adotados pelo sujeito passivo, em conformidade com a norma contabilística.

Acresce que, atendendo ao peso dos impostos no CMVMC não é concebível argumentar-se que esta contribuição não foi incluída no preço de venda dos combustíveis, pois tal como referido, conduziria à prática ilegal de preços de venda inferiores ao respetivo custo, e que seria, para além disso, económica e financeiramente inviável.”

Do Anexo 1 junto a esta informação consta nomeadamente o seguinte:

• A “A..., LDA.” era à data das introduções no consumo, detentora do estatuto de Destinatário Registado nos termos do disposto no Código dos Impostos Especiais do Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto–Lei n.º 73/2010 de 21 de Junho, desde 8 de julho de 2021, sendo detentora de autorização para as subcategorias E420- gasolina sem chumbo e E430 – gasóleo rodoviário. E930 – Aditivos e EN30- Óleos lubrificantes.

• O Estatuto Destinatário Registado, FOI REVOGADO no dia 9 de outubro de 2020.

• A “A..., LDA.” tendo sido detentor do estatuto de Destinatário Registado – PT..., foi à data sujeito passivo de ISPPE.

• O teor da petição apresentada versa quase na sua totalidade sobre matéria de direito;

• O CIEC determina nos seus artigos 15.º a 20.º as condições e requisitos inerentes ao pedido e concessão de reembolso em sede de IEC.

i)              Até ao momento a Autoridade Tributária e Aduaneira não se pronunciou sobre o pedido de revisão oficiosa; (cfr. informação 7-B_IE/2025).

j)              A Requerente apresentou o PPA em 02-04-2025; (cfr. SGP do CAAD).

 

5.2. Factos não provados

Não se provou que a Requerente tenha repercutido nos adquirentes das mercadorias vendidas os valores da CSR paga. Também não se provou que a Requerente vendeu os combustíveis, que introduziu no consumo, a consumidores finais a outros revendedores de combustíveis.

 

5.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, a) e), do RJAT). 

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência. 

Assim, o presente Tribunal Arbitral formou a sua convicção quanto à factualidade provada tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, como prevê o artigo 110.º do CPPT, e com base na prova documental produzida. 

De mencionar que a AT na Informação junta com a Resposta faz uma apreciação relativa às questões em causa nestes autos, sem apoio em quaisquer dados concretos, fazendo apelo a exemplos teóricos, e alude a informações constantes de um estudo publicado na internet. E retira conclusões de presunções e não de factos concretos.

Por outro lado, e concordamos com a Requerente, quando afirma nas alegações, que a AT não prova que as vendas dos combustíveis realizadas pela Requerente foram feitas a consumidores finais ou a outros revendedores de combustíveis.

 

6. Thema Dicidendum

Considerando as posições das partes, as questões de direito a decidir consistem no seguinte:

Determinar se a CSR viola a Diretiva 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008 e se assiste à Requerente o direito ao reembolso.

Conforme resulta da matéria de facto não provada, não resultou demonstrado que a Requerente tenha repercutido o imposto nos adquirentes das mercadorias vendidas, nem que estes eram consumidores finais.

Não tendo resultado demonstrado tal facto, sempre careceria de fundamento o enriquecimento sem causa defendido pela Requerida.

 

A Diretiva n.º 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro, estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem, direta ou indiretamente, sobre o consumo de produtos energéticos, entre outros. No n.º 2 do seu artigo 1.º, está definido que:“os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções”. 

No âmbito do processo arbitral 564/2020-T caso Vapo Atlantic, o Tribunal Arbitral desencadeou o mecanismo de reenvio prejudicial.

A supremacia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional é afirmada pelo n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Este artigo estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo Direito da União, em respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático”.

Conforme tem sido consistentemente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anteriormente artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem caráter vinculativo para os Tribunais Nacionais quando trata de questões de Direito da União Europeia. Neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593.

Assim, deve-se acatar a decisão proferida pelo TJUE em 07-02-2022, no caso Vapo Atlantic (Processo C-460/21), que representa a mais recente interpretação dos requisitos do “motivo específico” mencionado no artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro.

 

O órgão jurisdicional de reenvio formulou as seguintes questões ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE):

“1. O artigo 1.º, n.º 2, da Directiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, e designadamente a exigência de “motivos específicos”, deve ser interpretado no sentido de que a finalidade de um imposto é meramente orçamental quando a sua criação é feita com o objectivo de financiar empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, por ocasião da renovação da sua concessão, e à qual a receita do imposto fica genericamente afectada, e a sua estrutura não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo?

2. O Direito da União e os princípios da legalidade e segurança jurídica permitem que o reembolso de impostos indirectos contrários à Directiva n.º 2008/118/CE, de 16 de Dezembro de 2008, seja recusado pelas autoridades nacionais com fundamento no enriquecimento sem causa do sujeito passivo quando não haja disposições legais específicas de Direito interno que o prevejam?

3. O Direito da União permite que, ao fundamentar a recusa do reembolso de impostos indirectos contrários à Directiva n.º 2008/118/CE, de 16 de Dezembro de 2008, as autoridades nacionais presumam a repercussão do imposto e o enriquecimento sem causa do sujeito passivo, obrigando-o a demonstrar que estes não se verificam?”

 

O TJUE pronunciou-se por decisão de 07 de fevereiro de 2022 (processo nº C-460/21). 

Relativamente à primeira questão, a decisão do TJUE menciona nos pontos 29 a 34:

 

29. No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.º 26 do presente despacho, que, embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.

 

30. Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar‑se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa.

 

31. Em terceiro lugar, como resulta do n.º 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto‑lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.

 

32. No entanto, como foi salientado no n.º 15 do presente despacho, resulta da decisão de reenvio que o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam‑se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.

 

33. Em quarto lugar, os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel.

 

34. Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes.

 

35 Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar atendendo às indicações que figuram nos n.ºs 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (v., por analogia, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C-82/12, EU:C:2014:108, n.ºs 31 a 35).

 

Em relação à primeira questão formulada, o TJUE declarou o seguinte:

“O artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.”

 

No que diz respeito à segunda e terceira questões formuladas, a decisão do TJUE refere nos pontos 38, 39 e 42 a 47:

 

“38. Como resulta de jurisprudência constante, o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares por estas disposições, conforme foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Assim, um Estado‑Membro está, em princípio, obrigado a reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União, ao abrigo das regras processuais nacionais aplicáveis e no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade.

 

39. A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas.

 

42. Por conseguinte, um Estado‑Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido.

 

43. Constituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá‑la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo.

 

44. Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos.

 

45. Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção.

 

46. O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão.

 

47. Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas.”

 

Relativamente à segunda e terceira questões formuladas, o TJUE declarou o seguinte:

“O direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.”

Com base na posição do TJUE, este Tribunal Arbitral deve concluir que a criação da CSR é ilegal por violar a Diretiva 2008/118/CE do Conselho, já que não há motivos específicos para a sua criação. A Diretiva estabelece duas condições para a criação de impostos não harmonizados sobre IEC harmonizados: respeitar a estrutura essencial dos IEC e do IVA, e estar fundamentada por um motivo específico.

A ilegalidade da lei que criou a CSR, por violação da Diretiva 2008/118, determina a ilegalidade abstrata das liquidações impugnadas, que será declarada ao final, bem como a ilegalidade do ato de rejeição do pedido de revisão oficiosa apresentado. Apesar da ilegalidade das liquidações, a Requerida poderia recusar o reembolso da CSR paga, com base no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.

Relativamente a esta questão, o TJUE pronunciou-se nos termos expostos, e concluiu que o Estado não pode recusar o reembolso de um imposto contrário à Diretiva 2008/118/CE do Conselho, com base na presunção de que houve repercussão a terceiros e o consequente enriquecimento sem causa do sujeito passivo.

Para poder recusar o reembolso da CSR paga, incumbia à Requerida o ónus de demonstrar — prova essa que não pode ser presumida — que a Requerente, embora tenha suportado o encargo da CSR, o repercutiu a terceiros, designadamente aos adquirentes das mercadorias por si comercializadas, e que, por conseguinte, o reembolso da quantia paga redundaria num enriquecimento sem causa em seu favor.

No caso dos autos, não se encontra demonstrada a repercussão da CSR paga pela Requerente, nem é admissível presumir tal facto.

Consequentemente, este Tribunal não poderá acolher a tese sustentada pela Requerida, fundada na alegação de enriquecimento sem causa, porquanto não se encontram preenchidos os respetivos pressupostos - prova que incumbia à Autoridade Tributária e que esta não logrou produzir.

Nestas circunstâncias, a recusa do reembolso violaria o princípio da justiça tributária. Tal violação apenas não se verificaria se estivesse demonstrado que a CSR não foi efetivamente suportada pela Requerente, tendo sido repercutida a terceiros, nomeadamente aos adquirentes das mercadorias por ela comercializadas.

 

Pelo exposto, este Tribunal Arbitral decide pela procedência do pedido de pronúncia arbitral, declarando a ilegalidade - por erro nos pressupostos de facto e de direito - das liquidações impugnadas, o que determina a sua consequente anulação, com as demais consequências legais.

 

7. Reembolso e Juros indemnizatórios

7.1. Reembolso

Na sequência da anulação da liquidação da CSR, a Requerente tem direito ao reembolso das quantias pagas, como consequência direta dessa anulação.

 

7.2. Juros indemnizatórios

Na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, apresentado junto da Alfândega do Jardim do Tabaco em 30-06-2023, a Requerente peticionou a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT. Assim, torna-se necessário determinar se a Requerente tem direito aos juros indemnizatórios pela quantia paga.

 

O TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, e referimos o acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11:

(...)

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).

Como é referido no n.º 23, cabe a cada Estado-Membro determinar as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.

O artigo 24.º, n.º 5 do RJAT determina que: “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que permite concluir pelo reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no âmbito de um processo arbitral.

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que:

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Esta norma deriva do dever da Autoridade Tributária (AT) de reconstituir, de forma imediata e completa, a situação que existiria se a ilegalidade não tivesse sido cometida, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante. O que significa que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.

Deste modo, ainda que a ilegalidade decorra da violação do Direito da União Europeia, a circunstância não impede que se considere estarmos perante um erro que confira direito a juros indemnizatórios, sendo somente necessário que o erro seja imputável aos serviços.

De mencionar a nossa concordância com o decidido no Acórdão do STA de 14-10-2020, proferido no Proc. 01273/08.6BELRS 01364/17:

“De todo o modo, sempre se deixa expresso que, como a Recorrente bem sabe, nos termos dos artigos 61.º do CPPT e 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando, anulados os actos por vício de violação de lei, se apure que a culpa do erro subjacente à anulação do acto é imputável aos serviços da Administração Tributária. Ou, em bom rigor, não é imputável ao contribuinte.

Ora, no caso concretoverificado o erro e ordenada judicialmente a sua anulação, é manifesto que, para além da devolução dos montantes ilegalmente retidos, a Recorrida tem direito a que lhe sejam pagos os juros vencidos sobre esses valores (ilegalmente retidos) até integral restituição, sendo indiferente, ao reconhecimento desse direito, que o erro decorra especialmente da violação de normas comunitárias e não apenas de normas nacionais. Ou seja, não é o facto do erro de violação de lei resultar da desconformidade do ordenamento nacional com o Direito da União que sustenta o afastamento do direito a juros indemnizatórios uma vez que o que releva é a imputabilidade do seu cometimento à Administração Fiscal, como é o caso. As normas de direito comunitário porque vigoram directamente na ordem jurídica interna, prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo ser afastadas pelos Estados Membros através de imposição de normas de direito interno, que, como se viu, foram aplicadas pela Administração Fiscal.”

O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no acórdão de 29-06-2022, processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos:

Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs.1 e 3, da L.G.T.” 

Tratando-se de jurisprudência uniformizada, ela deve ser acatada, considerando que nestes autos está em causa liquidações de CSR realizadas pela AT, com base nas e-DICs submetidas pela Requerente.

Constitui jurisprudência uniforme do STA, consolidada no Acórdão do Pleno da Secção do CT de 21.03.2024, proferido no processo n.º 0138/23.6BALSB, o seguinte:

“Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do ato de liquidação que não foi oportunamente reclamado nem impugnado e vindo o ato a ser anulado em decisão arbitral, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT».

(...)

A questão suscitada no presente recurso tem sido colocada por diversas vezes no Supremo Tribunal Administrativo e tem merecido resposta uniforme, quer na Secção de Contencioso Tributário, quer no Pleno da mesma Secção (por todos, o recente acórdão do Pleno da Secção, de 24 de janeiro de 2024, tirado no processo n.º 0108/23.4BALSB).

Porque concordamos com essa orientação jurisprudencial, atualmente consolidada, limitamo-nos a remeter para a fundamentação expendida neste acórdão, dispensando a junção deste aresto por se encontrar disponível em redação integral in www.dgsi.pt.

Nesse acórdão ficou decidido, por remissão para jurisprudência anterior, que, nos casos em que é pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do ato de liquidação e o ato venha a ser anulado em impugnação judicial dessa liquidação (ou em decisão arbitral equivalente) e na sequência do indeferimento daquele pedido de revisão oficiosa, os juros indemnizatórios são devidos apenas a partir de um ano após o pedido de revisão formulado. 

No caso dos autos, verificamos que as liquidações de ISV remontam a 2017, 2018 e 2019 e que o pedido de revisão das liquidações só foi apresentado em 17 de fevereiro de 2020 (cfr. facto provado sob a alínea “f”) tendo o pedido arbitral sido apresentado na sequência do indeferimento tácito da revisão e decisão arbitral que veio anular as liquidações sido proferida em 11 de abril de 2021.

Nesta circunstância, concluímos que os juros indemnizatórios apenas são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão.

 

A Requerente apresentou o pedido de Revisão Oficiosa em 02-09-2024, através de carta registada e a AT dirigida ao Diretor da Alfândega de Peniche, rececionada em 03-09-2024, com registo de entrada n.º ...-... -...-...) que até à data, não decidiu. Como já passou mais de um ano, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios a partir de 04-09- 2025, nos termos do artigo 43.º, n.º 3 da LGT. (Neste sentido, o Acórdão do STA de 24-04-2024, proferido no Processo 0120/23.3BALSB e o Acórdão do STA de 03-07-24, proferido no Processo 18.6BELRS).

 

Pelo exposto, os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º n.º 3, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, à taxa legal supletiva, e ser calculados com base na quantia indevidamente paga com termo inicial em 04-09-2025 e até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

8. Decisão

Termos em que se decide:

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido e em consequência:

a)             Declarar a ilegalidade dos atos de liquidação em causa nestes autos, que englobam o Imposto sobre Produtos Petrolíferos, Contribuição de Serviço Rodoviário e anular parcialmente as liquidações oficiosas n.ºs ..., ... e ..., relativos aos meses de agosto, setembro e outubro, com liquidação a 14-09-2020, 12-10-2020 e 16-11-2020, respetivamente e com vencimento a 30-09-2020, 30-10-2020 e 30-11-2020, na parte em que foi liquidada Contribuição de Serviço Rodoviário no montante total de € 6.591.653,15.

b)             Condenar a Requerida a reembolsar a Requerente do montante das prestações tributárias indevidamente pagas, resultantes das liquidações impugnadas e declaradas ilegais;

c)             Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios nos termos suprarreferidos;

d)             Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

9. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 6.591.653,15.

 

10. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 82.314,00. nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida. 

Notifique-se.

 

Lisboa, 06 de novembro de 2025

 

Os Árbitros

 

(Regina de Almeida Monteiro - Presidente e Relatora por vencimento)

 

 

 

 

(Marcolino Pisão Pedreiro – Adjunto e com declaração de voto)

 

(Alberto Amorim Pereira – Adjunto)

 

 

 

                 Declaração de voto do árbitro Marcolino Pisão Pedreiro

 

Voto vencido a presente decisão pela razões que passo a enunciar.

 

Na qualidade de relator indigitado apresentei projeto de decisão, da qual constava, além do mais,  a seguinte matéria provada:

—“No contexto da atividade exercida pela Requerente, e com base nas declarações de introdução no consumo por esta realizadas, a AT procedeu a atos de liquidação conjunta de ISP, CSR e outros tributos, relativos aos meses entre agosto, Setembro  e outubro  de 2020, datada de 14.09.2020, 12.10.2020 e 16.11.2020 dos quais resultaram, pelo menos, os seguintes montantes para efeitos de CRS:

-liquidação n.º 2020/... no valor de €3.027.650,13.

-liquidação n.º 2020/... no valor de €2038.797,28.

-liquidação n.º 2020/... no valor de €762.703,67€ “

—"A CSR a que se reportam as liquidações objeto do processo, relativamente às introduções no consumo efetuadas nos meses de agosto a outubro de 2020, foi incluída no preço dos combustíveis nas vendas  que a Requerente efetuou aos seus clientes.”

— “No ano de 2019 a Requerente realizou vendas de mercadorias no valor global de 134.238.504,27 € (cfr. pag. 46 do doc. nº 2 junto pela Requerida na Resposta).”

—"No ano de 2020 a Requerente realizou vendas de mercadorias  no valor global de 173.084.966,77 € (cfr. pag. 46 do doc. nº 3 junto pela Requerida na Resposta).”

 

E como facto não provado, o seguinte:

“Com interesse para a decisão da causa, relativamente a factos alegados pelas partes, relativamente às liquidações nºs 2020/...  e 2020/... não  se provou  ao diferencial entre o valor dado como provado e o valor alegado pela Requerente. (39822,69 € relativamente à liquidação nº 2020/... e 722679,38 € relativamente à liquidação nº 2020/...).”

 

Com o devido respeito, entendo ser  a correta a  decisão sobre a matéria em questão pelas razões que passo a explicitar.

No que respeita à prova do montante das liquidações objeto do  processo  na parte referente à CSR verificou-se haver divergência entre as partes quanto ao respetivo valor.

A Requerente, que não juntou os respetivos documentos de introdução no consumo na petição inicial indicou valores que, na resposta, foram contestados pela Requerida, que   indicou montantes diferentes para todas as liquidações, juntando o que alegou serem os “prints” das liquidações  com os valores que indicou.

A impugnante na resposta declarou  que “desconhece a veracidade dos documentos supra indicados, visto que, segundo pôde apurar, o teor dos mesmos não se encontram disponíveis para consulta na área reservada da Requerente no site da AT.49.º Pelo que, se impugna a genuinidade do teor destes documentos.” continuando sem juntar documentos de suporte aos valores que alegou, juntando apenas uma folha “excel” por si elaborada com tais  valores. Porém, tal documento não é, no meu entender, idóneo à prova dos factos em causa, uma vez que, sendo apenas uma lista elaborada pela impugnante  com elementos contrários aos “prints” juntos pela Requerida ,  não constitui  prova das liquidações e do seu montante.

Nestas circunstâncias, considero que  o tribunal deveria ter considerado provado, relativamente a cada liquidação, apenas as parcelas dos montantes alegados  referentes a  cada liquidação, em relação ao quais as partes estão de acordo. Por outras palavras: os montantes relativamente aos quais, quer na versão da impugnante, quer na versão da Requerida, foram liquidados. Relativamente às parcelas relativamente às quais existe divergência entre as partes o tribunal não deveria ter dado como provada nem a versão da Requerente por falta de prova, nem a versão da Requerida porquanto os documentos que apresentou foram assumidamente simples  “prints” impugnados pela Requerente.

 

 A prova dos demais factos que considero que deveriam ter sido julgados  provados e não foram  resulta, a meu ver, dos documentos constantes do processo analisados criticamente  em conjugação com as posições das partes e à luz das regras da experiência.

No que respeita à  prova da repercussão, a Requerida juntou o doc. nº 1 Informação 7-B_IE/2025. Deste documento consta, além do mais, o seguinte:

 

De acordo com os elementos disponíveis, a empresa regista os impostos/contribuições a que os produtos petrolíferos estão sujeitos, na conta “311915 - Despesas de compra – compras mercado nacional – ISP”, uma sub-conta da rubrica de compras de mercadorias. Não segrega na conta referida o valor da CSR e do ISP, sendo esta distinção apenas evidenciada nas guias de pagamento de imposto, como se pode verificar, a título de exemplo, nas guias de agosto a outubro de 2020, liquidadas pela Alfândega de Peniche (Anexo 5).

O ISP/CSR é parte integrante do custo das mercadorias vendidas, como não pode deixar de ser, de acordo com a sua definição teórica e o seu enquadramento normativo (NCRF 18), como analisaremos no ponto seguinte.

É sobre o custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (CMVMC), o qual integra o ISP e a CSR que a empresa aplica uma percentagem de forma a chegar a uma margem bruta que lhe permita conferir viabilidade e continuidade do negócio (a esta margem bruta serão ainda posteriormente deduzidos outros gastos, nomeadamente, impostos sobre lucros, gastos com financiamentos, salários, eletricidade, gastos administrativos, etc.).

Face ao tratamento contabilístico dos inventários preconizado na NCRF 18, e adotado pelo sujeito passivo, conclui-se o seguinte:

• A CSR consubstancia uma verba que não é subsequentemente recuperável do estado pela entidade que procede à sua liquidação, como é o caso de outros impostos, como por exemplo o IVA, uma vez que o mesmo é passível de dedução ao imposto a liquidar, nos termos do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado. Desta forma, a CSR constitui uma componente do custo de compra dos inventários, como definido no § 11, que deve ser escriturada numa rubrica de compras, tal como adequadamente fez a A... (registou a CSR na conta “311915 - Despesas de compra – compras mercado nacional – ISP”);

• Os custos incluídos na escrituração mensurada do inventário, conforme § 10, registados na rubrica de compras/inventários são reconhecidos como gastos do período, na rubrica custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (CMVMC - conta 61), no mesmo período de relato em que o respetivo inventário é vendido (§ 34), sendo este o procedimento adotado, em conformidade com a norma;

• Sendo a CSR um gasto do período em que os inventários (combustíveis) são vendidos, esta é repercutida no custo dos inventários, e naturalmente no preço de venda, pelo que será a entidade/consumidor final que adquire os combustíveis à A... que suporta o encargo com a CSR;”

 

Este documento não foi nesta parte impugnando pela Requerente. Na verdade,  de acordo com os artigos 46º a 49º da resposta à contestação a Requerente declarou  impugnar a “a genuinidade do teor” dos documentos nºs 1 a 4 juntos na resposta, mas apenas na perspetiva de a Requerida os ter juntado para fazer prova “que o valor a reclamar a título de CSR, relativamente ao período em causa é de €5.841.565,55 e não €6.591.653,15, conforme reclamado pela Requerente.”

Ora o documento nº 1 não se refere de todo  a esta questão, apenas se reportando à discordância referente ao valor,  supra referida, o documento 1a-anexos  (mais concretamente pag. 4 do anexo 1)  e o documento 4. 

 

A ausência de  impugnação do documento junto pela Requerida como doc. nº 1, de que decorre apenas força probatória formal, não implica, evidentemente,  a força probatória plena prevista no art. 376º, nº1 do Código Civil pois que nos termos do nº 2 deste artigo “Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (…)”. Porém, tal não impede, a meu ver,  a consideração do documento à luz do princípio da livre apreciação.

No meu entender, o documento, cujas asserções de facto não foram contrariadas pela Requerente,  demonstra de forma bastante  que o  imposto em causa integrou o custos das mercadorias na contabilidade da impugnante, do que resulta, à luz do normal acontecer, que foi considerado para a fixação do preço de venda do combustível, o que se traduz na repercussão aos compradores.

 

Por outro lado, a própria impugnante em momento algum contesta que tenha ocorrido repercussão do imposto ou invoca qualquer prejuízo associado  a hipotética  diminuição do volume das suas vendas. E, em sentido contrário, resulta da sua contabilidade que tal não ocorreu verificando-se, ao invés, um aumento significativo das vendas  no exercício de 2020 relativamente ao exercício de 2019 (docs 2  e  e 3 juntos pela Requerida).

 

Feita  prova bastante pela Requerida, competia à impugnante opor contraprova a respeito dos mesmos factos destinada, pelo menos, a torna-los duvidosos. Se o conseguisse era a questão decidida contra a parte onerada com a prova (art. 346º do Código Civil).Porém, a Requerente não só não produziu qualquer contraprova como  em nenhuma peça processual (petição inicial, resposta às exceções ou alegações), afirma a ausência de repercussão (total ou parcial) ou contesta a ocorrência da mesma.

Assim, na minha opinião  a decisão sobre o ponto de facto, no sentido que sustento,   para além de resultar da prova produzida,  é também a  mais coerente com o comportamento processual da impugnante uma vez que, à luz das regras da experiência,  seria normal que, caso a Requerente não tivesse repercutido o imposto nas suas vendas o tivesse afirmado, desde logo na petição inicial. E, ainda mais vincadamente, sendo tal repercussão afirmada pela Requerida na resposta à contestação e no documento  supra identificado, caso a mesma a repercussão  não se tivesse verificado, face às mesmas regras da experiência,  certamente a Requerente o teria afirmado quer no articulado de  resposta às exceções e aos documentos apresentados pela Requerida, quer ainda nas alegações. As mesmas regras da experiência apontam, ainda, para “ a existência de repercussão do tributo no consumidor final numa situação em que a lei pretende que ela exista, como sucede com a CSR” (cfr. decisões arbitrais processos294/2023-T e 410/2023-T[1]).

 

É pertinente referir  que, no entender deste tribunal  é plenamente   aplicável  o  art. 607, nº 4 do Código de processo civil, ao dispor que:

Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção;(…) extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência(…), bem como o nº 5 do mesmo artigo que determina que “
O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.

 

Neste sentido, pode ler-se no acórdão do  STA de 10-07-2025, proc. 0622/18.3BECBR[2]

“O princípio da livre apreciação das provas – princípio transversal de prova (…)significa que o tribunal detém liberdade para apreciar as provas, dando como provado ou não provado determinado facto segundo a sua prudente convicção e considerado todo o acervo probatório carreado para o processo, daí extraindo as respetivas ilações”

 

A este respeito, no meu entender,  o princípio da livre apreciação da prova e a utilização das regras da experiência, em nada é afetada pela com a decisão do TJUE proferida no processo Vapo Atlantis, processo C-460/21, mormente no ponto 45 donde consta:

“Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção”.

 

Daqui decorre, a meu ver, apenas a incompatibilidade com o direito comunitário da existência de presunção legal que implique que o sujeito passivo tem que provar a inexistência de repercussão. Pelo que, ao invés, é à Requerida que incumbe a prova da existência da repercussão.

Porém, tal  prova está sujeita ao princípio da livre apreciação não sendo vedado que o tribunal utilize regras da experiência para firmar a sua convicção acerca dos factos, como decorre  da lei.

 

É o que, também, o que se me afigura  resultar do ponto 44 da decisão proferida no processo Vapo Atlantis, onde se pode ler:

 

“(…) a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos”.

 

Assim, considero que se provou a repercussão do imposto às Requerente com base no documento junto pela Requerida na resposta  como documento número 1, em conjugação com a regras da experiência, nos termos acima referidos.

 

No que respeita ao volume de vendas da impugnante referentes aos anos de 2019 e 2020, a prova resulta dos documentos 2 e 3 junto pela Requerida na resposta, que não mereceram impugnação por parte da Requerente.

 

No que respeita à matéria de facto que entendo que deveria ter sido considerada  não provada, a fundamentação da minha posição  resulta do supra exposto relativamente à matéria  que entendo que deveria ter sido considerada provada no que se refere  ao montante das liquidações.

 

Relativamente ao direito aplicável à matéria de facto que entendo que deveria ter sido considerada provada, o meu entendimento é o que passo a expor.

 

O Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que os Estados-membros estão, em princípio, obrigados a restituir os impostos cobrados por um Estado-membro em violação do Direito da União. Esta obrigação conhece apenas uma exceção, reiterada no Despacho Vapo Atlantic: um Estado-membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da UE quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por pessoa diferente do sujeito passivo e que o reembolso do imposto implicaria um enriquecimento sem causa deste último (Despacho Vapo Atlantic, §39-42; acórdão Weber’s Wine, processo C-147/01, §93-94). 

 

Trata-se duma exceção material  cuja procedência neutraliza  a pretensão do sujeito passivo.

 

A repercussão de um imposto não se presume, mesmo quando seja legalmente exigida a incorporação do imposto no preço de venda dos bens (repercussão legal obrigatória), ou mesmo que, habitualmente, no domínio do comércio, o imposto seja parcial ou totalmente repercutido. Neste sentido, para o Tribunal de Justiça, a repercussão tributária – obrigatória, ou não – é uma questão de facto, que depende de fatores inerentes a cada transação comercial e será mais ou menos provável consoante as caraterísticas do mercado, mormente a sua elasticidade ou inelasticidade (Despacho Vapo Atlantic, processo C-460/21, §44; Weber’s Wine, processo C-147/01, §96). 

 

 

Como referem Marcelo Rebelo De Sousa-André Salgado de  Matos:

“Os pressupostos  (…) do enriquecimento se causa são três: o enriquecimento, a aquisição do enriquecimento à custa de outrem e a inexistência de causa justificativa do enriquecimento (no direito civil, o art. 473º, 1, CC faz implicitamente referência a estes três aspectos”.[3]

 

Tendo sido provada  a repercussão pela Requerente do imposto  aos seus clientes, compradores do combustível, como entendo que deveria ter sido considerado,  o recebimento do imposto pela Requerente implica, a meu ver uma situação de enriquecimento sem causa, por verificação dos seus pressupostos, mencionados pelos autores citados.

Porém, a pretensão da Requerida  poderia ainda improceder se a integração do imposto nos preços praticados tivesse dado origem a prejuízos associados à diminuição do volume de vendas.

É o que resulta do ponto 47 do Despacho Vapo Atlantic:

 

“mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C‑192/95 a C‑218/95EU:C:1997:12, n.os 29 a 32, e de 6 de setembro de 2011, Lady & Kid e o., C‑398/09EU:C:2011:540, n.o 21).”

 

Trata-se duma contra-exceção de natureza material.

Sobre este ponto não existe qualquer norma que estabeleça presunção da ocorrência de prejuízos ou de inexistência dos mesmos, estando tal matéria sujeira às regras respeitantes à distribuição do  ónus da prova.

À luz do art. 74º da Lei Geral tributária, como facto que aproveita ao contribuinte a este incumbia a sua invocação e prova.

Porém, a Requerente não só não produziu  qualquer prova como nem sequer alegou qualquer prejuízo associado à diminuição do volume das suas vendas (no caso não se verificou sequer diminuição, mas antes aumento).

 

Assim, entendo que deveria proceder a exceção de  enriquecimento sem causa e, em consequência, improceder o pedido de anulação das liquidações referentes à CSR  e à  restituição dos respetivos montantes do que decorreria, necessariamente, a improcedência da pretensão referente a juros indemnizatórios.

 

Caso assim se não entendesse, face à matéria de facto que, no meu entender,  deveria  ter  sido julgada provada, afigura-se-me que a pretensão arbitral deveria proceder apenas parcialmente, na medida dos montantes das liquidações que, nos termos supra expostos,  considero terem ficado provados.

 

Marcolino Pisão Pedreiro

 

 



[1] Em que também foi árbitro-Presidente e relator o Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa. 

[2] https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/38757fe5beb1cc7680258ccb00340fff?

OpenDocument

[3] DIREITO ADMINISTRATIVO GERAL, Dom Quixote, 2007, Tomo III, p.  484.