DECISÃO ARBITRAL
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 491/2014 – T
Tema: IS – verba 28.1 da TGIS; propriedade vertical; juros indemnizatórios
1. Relatório
A - Geral
1.1. “A”, titular do número de identificação fiscal …, com residência fiscal na Avenida ...., n.º …, na Lousã (de ora em diante designado “Requerente”), apresentou, no dia 15.07.2014, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, a declaração de ilegalidade de vinte e quatro actos tributários de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2013, referentes à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (de ora em diante “TGIS”), relativos a prédio de que é proprietário, como adiante melhor se verá e, por outro, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido de prestações tributárias.
1.2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro Nuno Pombo, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.
1.3. Por despacho de 24.07.2014, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. Teresa Rebelo Ferreira e Dra. Helena Rito para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.
1.4. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído a 08.10.2014.
1.5. No dia 10.10.2014 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo que possa existir e, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.
1.6. No dia 07.11.2014 a Requerida apresentou a sua resposta.
B – Posição do Requerente
1.7. O Requerente é proprietário do prédio em propriedade total ou vertical sito na Rua …, n.os …- …, em Setúbal, com o artigo matricial …, da União de freguesias de Setúbal (…), com 8 (oito) pisos e 13 (treze) divisões com utilização independente, com um valor patrimonial total de € 1.179.090,00 (um milhão cento e setenta e nove mil e noventa euros), a que corresponde a caderneta que o Requerente anexa ao seu pedido como documento n.º 2, cujo teor se tem por reproduzido (de ora em diante, o “Prédio”).
1.8. O Requerente foi notificado das liquidações de Imposto do Selo (de ora em diante designado “IS”) que se encontram mencionadas no preâmbulo do requerimento de pronúncia arbitral (anexadas sob a designação conjunta de documento n.º 1 ao dito requerimento, cujos teores se têm por reproduzidos), as quais se basearam no art.º 1.º do Código do Imposto do Selo (de ora em diante o “CIS”), na verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, cujas datas limite de pagamento se reportam umas ao final do mês de Abril de 2014 e outras ao final do mês de Julho de 2014, respeitantes, respectivamente, às primeiras e segundas prestações do IS incidente sobre o Prédio.
1.9. A Requerida, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS ao Prédio, fixou em € 1.089.480,00 (um milhão e oitenta e nove mil quatrocentos e oitenta euros) o “Valor Patrimonial do Prédio – total sujeito a imposto”.
1.10. O Requerente, no dia 28.04.2014, procedeu ao pagamento da primeira prestação do tributo que lhe era exigido pelas liquidações a que acima se fez referência, como se comprova pelos documentos anexos ao requerimento de pronúncia arbitral com os n.os 1 e 3, pelo que igualmente pede lhe seja reconhecido o direito a perceber juros indemnizatórios, calculados desde a data em que essas liquidações foram pagas até ao reembolso efectivo desses montantes indevidamente exigidos.
1.11. As 13 (treze) divisões susceptíveis de utilização independente foram “individualmente avaliadas em Março de 2013 e tinha, cada uma, um valor patrimonial tributário (de ora em diante “VPT”) compreendido entre € 89.610,00 e € 90.790,00”, conforme se confirma pelas cópias das notificações juntas como doc. n.º 4 ao requerimento de pronúncia arbitral.
1.12. Muitas das divisões susceptíveis de utilização independente “encontram-se arrendadas com rendas que na sua grande maioria não ultrapassam os €200,00, sendo a renda mais alta de €660,00”, como se pode verificar por cópia dos contratos de arrendamento juntos como doc. N.º 7 ao requerimento de pronúncia arbitral.
1.13. Sustenta o Requerente que se impunha a autonomização dos andares ou fracções susceptíveis de utilização independente para efeitos de liquidação de IS, não resultando da lei a correspondência do VPT de um prédio composto por várias fracções independentes à soma do VPT dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, até porque, nos termos do n.º 3 do art.º 12.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”, sendo consequentemente objecto de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) separada.
1.14. Acresce que nem todas as divisões susceptíveis de utilização independente estão afectas à habitação, porquanto uma delas está afecta a actividades comerciais, pelo que o Prédio, não pode ser qualificado, na íntegra, como habitacional.
1.15. No entender do Requerente, o Prédio “era, à data das liquidações, materialmente idêntico a um prédio em regime de propriedade horizontal”, não havendo justificação legal para a discriminação entre prédios em propriedade horizontal e vertical no que se refere à sua identificação como “prédios urbanos habitacionais”, sendo pois a discriminação promovida pela Requerida uma violação ao princípio da legalidade fiscal, previsto no art.º 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e ainda aos da justiça, igualdade, proporcionalidade fiscal, boa-fé e capacidade contributiva, pelo que as liquidações ora postas em crise têm natureza confiscatória, violando o conteúdo essencial do direito à propriedade.
1.16. Pretendendo a lei tributar os imóveis de luxo, não se compreende a insistência por parte da Requerida em aplicar a verba 28.1 da TGIS a “simples fracções avaliadas em menos de 100.000,00 € (cem mil euros)”, em manifesta oposição com o princípio da prevalência da substância sobre a forma e em claro desrespeito do princípio da verdade material, a que apela o art.º 55.º da Lei Geral Tributária (de ora em diante, “LGT”).
C – Posição da Requerida
1.17. A Requerida, na sua resposta, entende que a sujeição ao IS da verba 28.1 da TGIS “resulta da conjugação de dois factos, a saber, a afectação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00”.
1.18. A Requerida expressa o entendimento de que a situação do Prédio se subsume literalmente na previsão da verba em causa, acrescentando que nos prédios em regime de propriedade total não existem fracções autónomas a que a lei fiscal possa atribuir a qualificação de prédio, sendo o Requerente, consequentemente, proprietário de um único prédio unitariamente considerado, e não de cada uma das partes ou fracções susceptíveis de utilização independente de que se componha.
1.19. O que pretende o Requerente é que o intérprete e aplicador da lei fiscal aplique, por analogia, ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal, pretensão que, na leitura da Requerida, se mostra abusiva e ilegal.
1.20. Sustenta ainda a Requerida estar impedida de interpretar a verba 28.1 da TGIS de forma diversa do que fez, já que qualquer outra interpretação violaria “a letra e o espírito” da referida verba e “o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa”, uma vez que “cabe à lei – Lei da Assembleia da República e Decreto-Lei autorizado – estabelecer os elementos essenciais da incidência dos impostos”.
D – Conclusão do Relatório
1.21. Por despacho de 23.12.2014, em linha com o sugerido pela Requerida, o tribunal arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (de ora em diante, “RJAT”), uma vez que as partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, que se previa pudesse ter lugar até ao dia 09.02.2015.
1.22. O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
1.23. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
1.24. A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que os actos de liquidação contestados assentam na mesma base factual e apelam à aplicação das mesmas regras de direito, sendo igualmente de aceitar, em tese, o pedido de indemnização formulado porquanto o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o tribunal arbitral sufrague quanto à validade das liquidações postas em crise.
1.25. O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
2.1.1. O Requerente é o único proprietário do Prédio (doc. n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.2. O Prédio encontra-se constituído em propriedade total ou vertical, tendo treze andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (docs. n.ºs 1 e 2, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.3. Nem todos os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente estão afectos a habitação, havendo um andar – a cave - afecto a “armazéns e actividade industrial” (doc. n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.4. Nenhum dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente tem um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) (doc. n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.5. O Prédio tem um VPT de € 1.179.090,00 (um milhão cento e setenta e nove mil e noventa euros), – (doc. n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.6. A Requerida, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS ao Prédio, procedeu à soma aritmética dos valores patrimoniais de cada um dos andares ou divisões com afectação habitacional, excepcionando, pois, o andar (a cave) que tem afectação não habitacional, fixando em € 1.089.480,00 (um milhão e oitenta e nove mil quatrocentos e oitenta euros) o “Valor Patrimonial do Prédio – total sujeito a imposto” (docs. n.os 1 e 2, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.7. O Requerente foi notificado das liquidações de IS a que se refere o preâmbulo do pedido de pronúncia arbitral (doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.8. No dia 28.04.2014, o Requerente procedeu ao pagamento de € 3.631,68 (três mil seiscentos e trinta e um euros e sessenta e oito cêntimos) respeitante à primeira prestação do tributo que lhe era exigido, e cujo prazo de pagamento terminava no final do mês de Abril de 2014.
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.
3. Matéria de direito
3.1. Questões a decidir
Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar são, no fundo, duas:
a) A de saber se um prédio constituído em propriedade total ou vertical, mas com andares ou divisões com utilizações independentes, é um “prédio com afectação habitacional” para efeitos da aplicação do art.º 1.º do CIS e da verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro; e
b) A de esclarecer se, caso se julgue procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações contestadas, o Requerente, no âmbito do presente processo arbitral poderá obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente às quantias por si entregues para satisfação do imposto por esta ilegalmente exigido.
3.2. A verba 28.1 da TGIS
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, entre várias alterações que promoveu ao CIS, aditou, pelo seu art.º 4.º, a verba 28 à TGIS, que conta com a seguinte redacção:
«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1%;
28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.»
Como se constata, a verba 28.1 refere-se a “prédios com afectação habitacional”. Ora, não só este conceito não surge definido em qualquer disposição do CIS, como tão-pouco é usado no CIMI, diploma para que expressamente remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS quando estejam em causa matérias não reguladas no CIS relativamente à verba 28.
3.3. A “propriedade vertical” e a aplicação da verba 28.1 da TGIS
Sem prejuízo do interesse, não apenas dogmático, da fixação do sentido e do alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional”, forçoso é, antes do mais, dar resposta à questão de saber se, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, podem ser somados os VPT de cada um dos andares ou divisões com utilização independente de um determinado edifício e dados como estando afectos a habitação, como fez a Requerida relativamente ao Prédio (excepcionando a cave, que está afecta a fim diverso, que não habitacional).
a) A matriz predial de imóveis em propriedade total ou vertical e a cobrança do Imposto Municipal sobre Imóveis
Importa desde já esclarecer que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição predial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”, conforme se pode ler no n.º 2 do art.º 12.º do CIMI. Também o IMI, nos prédios sujeitos ao regime da propriedade total, dá relevo típico a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente (art.º 119.º, n.º 1 do CIMI).
Ou seja, resulta claro que o legislador, no CIMI, não pretendeu ater-se ao rigor da forma jurídica dos direitos reais incidentes sobre os prédios, mas antes à utilização que lhes é dada, nomeadamente nos casos em que um prédio, juridicamente falando, é composto por diferentes andares ou partes susceptíveis de utilização independente.
Dir-se-á, não sem razoabilidade, que o legislador, para efeitos de tributação em sede de IMI, optou por conferir autonomia, independência, a cada uma das partes ou a cada um dos andares de um único prédio, desde que umas e outros se mostrem de utilização independente, ao ponto de prever a inscrição individualizada na matriz de cada uma dessas partes independentes e de impor à tributação em sede de IMI uma cobrança também ela autónoma. Mau grado a existência jurídica de um único prédio, é o próprio legislador que não apenas recomenda como impõe a consideração autónoma de cada uma das partes independentes, para efeitos de tributação do património.
b) A aplicação da verba 28.1 da TGIS a cada uma das partes independentes
Se é assim para o IMI, como se procurou demonstrar, não pode deixar de ser assim também para o IS, nomeadamente para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS.
Aliás, este problema, caso o imposto, IMI ou IS, fosse puramente proporcional, não existiria ou seria inócuo, porquanto o somatório das partes haveria de corresponder necessariamente ao todo. Não é esse, porém, o caso dos autos.
Como se viu, o IS a que faz apelo a verba 28.1 da TGIS só se mostra devido relativamente aos prédios com afectação habitacional e, nestes, apenas aos que apresentem um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).
Não se vê razão para a desconsideração da autonomia de cada uma das partes susceptíveis de utilização independente do Prédio, nem se pode concluir que, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, se impõe uma unidade que sendo indiscutível em termos de direitos reais o não é em sede de tributação sobre o património imobiliário.
Atentos a letra e o espírito da lei, não se vislumbra que seja intenção do legislador fazer aplicar a verba 28.1 da TGIS a cada uma das partes de um prédio quando apenas do somatório de todas elas resulta um VPT igual ou superior ao da bitola legal.
c) A ratio legis da verba 28.1 da TGIS
O que se deixa dito acima não ignora o confessado propósito do proponente da alteração legislativa já referida. A interpretação que aqui se acolhe está de harmonia com o que parece ter sido a inequívoca intenção do Governo, autor da proposta que resultou nesta intervenção legislativa.
Aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente[1]:
“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”
Ora, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresenta esta proposta de lei referindo, sem tibiezas, a expressão “casas”. “Casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, note-se.
Assim, mau grado a infelicidade da técnica legislativa adoptada, resulta com meridiana clareza que a verba 28.1 da TGIS não pode ser interpretada no sentido de nela estarem abrangidos cada um dos andares, divisões ou partes susceptíveis de utilização independente quando apenas do respectivo somatório resulta um VPT igual ou superior ao que prevê a mesma verba. Na verdade, nenhuma das “casas” do Prédio a que vimos fazendo referência, apresenta, de per se, “valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, nem um décimo disso, aliás.
d) Conclusão
Pelo exposto, é entendimento do tribunal arbitral que está ferida de ilegalidade a liquidação de IS com base na verba 28.1 da TGIS relativamente a cada um dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente do Prédio, por não poder a mencionada verba ser interpretada no sentido de poder ela ser aplicada a andares ou partes susceptíveis de utilização independente de um prédio em propriedade total ou vertical, quando apenas do somatório de cada um desses andares ou partes se logra obter um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros), não ultrapassando o VPT de cada um dos ditos andares ou partes essa fasquia legal.
O entendimento do tribunal arbitral rejeita o juízo de inconstitucionalidade invocado pela Requerida. É sabido que cabe à lei – lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei autorizado – a fixação dos elementos essenciais da incidência dos impostos. Contudo, o entendimento acolhido pelo tribunal arbitral não descura o princípio da legalidade previsto no n.º 2 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa, porque, como se procurou demonstrar pelos argumentos apresentados supra, a solução que se advoga resulta de disposições normativas que não enfermam de qualquer inconstitucionalidade orgânica.
3.4. Dos juros indemnizatórios
A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.
Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.
Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Manifestações desse princípio encontramo-las no n.º 1 do art.º 43.º da Lei Geral Tributária e no art.º 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Assim, tendo o Requerente pago o tributo que pelas liquidações reclamadas lhe era exigido, pelo menos a primeira prestação, tem ela direito a juros indemnizatórios contados desde a data do(s) pagamento(s) até ao seu integral reembolso.
3.5. Questão prejudicada: inconstitucionalidade invocada pelo Requerente
O Requerente suscitou a questão da inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, com a redacção que lhe foi dada pelo mesmo diploma, caso ela fosse interpretada no sentido de que o IS ali previsto poderia incidir sobre cada um dos andares ou partes independentes do Prédio.
Uma vez que o tribunal arbitral não acolheu o entendimento da aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS ao caso vertente, surge prejudicada e processualmente inútil a apreciação dessa questão e a de quaisquer outros vícios de que possam enfermar as contestadas liquidações.
4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação das liquidações impugnadas, com todas as consequências legais;
b) Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, sendo eles contados desde a data do(s) pagamento(s) dos tributos ora declarado indevidos até ao seu integral reembolso.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 10.894,80 (dez mil oitocentos e noventa e quatro euros e oitenta cêntimos).
6. Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.
Registe-se e Notifique-se.
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2015
O Árbitro
(Nuno Pombo)
***
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
[1] V. DAR I Série n.º 9/XII -2, de 11 de Outubro, pág. 32.