Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 275/2025-T
Data da decisão: 2025-11-05  IRS  
Valor do pedido: € 27.353,52
Tema: IRS. Rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro. Inutilidade superveniente da lide.
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SUMÁRIO:

A inutilidade superveniente da lide ocorre sempre que o objetivo visado com a ação seja atingido por outro meio e constitui causa de extinção da instância, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

DECISÃO ARBITRAL

I.  RELATÓRIO

 

A..., com o NIF..., residente em Rua ..., n.º ...- ... ...- ... São Félix da Marinha (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), não tendo utilizado a faculdade de designar árbitro.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.o Senhor Presidente do CAAD em 24 de março de 2025, automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

A. Objeto do pedido:

A Requerente peticiona a declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2024..., referente aos rendimentos do ano de 2020, de que resultou o valor a pagar de € 27 150,33, com a sua consequente anulação.

 

Mais pede a Requerente a condenação da Requerida na restituição do valor do imposto e juros compensatórios indevidamente pagos, acrescidos dos correspondentes juros indemnizatórios, à taxa legal.

 

 

B. Fundamentação do pedido:

A Requerente fundamenta o pedido de pronúncia arbitral como, sucintamente, se enuncia:

1.   A liquidação de IRS de 2020 identificada no PPA padece de diversas ilegalidades, de natureza formal e substancial: falta de fundamentação e preterição de formalidades essenciais, bem como de erro sobre os pressupostos de facto, por assentar em rendimentos superiores aos efetivamente auferidos pela Requerente naquele ano;

2.   A AT notificou a Requerente, em 8.09.2024, no âmbito de um controlo do cumprimento da obrigação da entrega da declaração de rendimentos do ano de 2020, com indicação de que poderia proceder à entrega da declaração em falta no Portal das Finanças;

3.   A Requerente, alertada para a falta, apresentou, em 08.10.2024, a declaração modelo 3 de IRS, contendo um anexo E, no qual declarou rendimentos de capitais da quantia de € 3 997,54, sobre os quais foi retido imposto no valor de € 1 119,32;

4.   A AT voltou a notificar a Requerente da abertura de uma divergência, pois os rendimentos declarados, obtidos no estrangeiro, seriam inferiores à informação fornecida à AT pelas entidades competentes e que poderia proceder à entrega de uma declaração de substituição;

5.   Na sequência da informação disponibilizada pela AT, alegadamente obtida através da “troca automática internacional de rendimentos financeiros” a que se refere o Decreto-Lei n.º 64/2016, de 11.10, a Requerente apresentou, em 13.11.2024, uma declaração de substituição em que inscreveu os elementos constantes daquela informação da AT;

6.   A AT não notificou a Requerente, antes da liquidação, quer da decisão respeitante à alteração dos rendimentos declarados, quer para que apresentasse uma declaração de substituição, assim como não notificou a Requerente para o exercício do direito de audição antes da liquidação de IRS e juros compensatórios;

7.   Embora não se conformando com a liquidação efetuada em 16.11.2024, a Requerente pagou, já em cobrança coerciva, a respetiva dívida e acrescidos, pelo valor total de € 27 353,52; 

8.   A fim de organizar a sua defesa contra a liquidação ilegal, cujos fundamentos de facto e de direito lhe não foram comunicados, a Requerente solicitou certidão dos elementos em falta;

9.    A certidão, emitida em 12.02.2025,  constituída por fotocópia da declaração Modelo 3 apresentada em 13.11.2024, acrescida do esclarecimento de que “os fundamentos de facto e de direito do ato tributário previsto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), face à declaração Modelo 3 de IRS de 2020 (…) resultou a demonstração da liquidação n.º 2024... que, entretanto recebeu via CTT, de acordo com os rendimentos obtidos e declarados pela contribuinte (Rendimentos de capitais), estando em conformidade com a informação constante no sistema aplicacional da Autoridade Tributária (Modelo 39 e SITI-Sistema Integrado de Troca de Informações-Relações Internacionais.”, é um documento incompleto e obscuro quanto aos fundamentos de facto e de direito;

10.              A certidão omite o facto juridicamente relevante e decisivo de que a apresentação da declaração de substituição, bem como os elementos nela inseridos estão em conformidade com a informação da AT, segundo a qual a Requerente, no ano de 2020, obteve rendimentos de capitais em Jersey, no montante de € 70.944,54, com indicação da respetiva conta e instituição financeira;

11.              Em face da referida certidão não é possível à Requerente confirmar ou validar os cálculos do apuramento do IRS, a que não teve acesso;

12.              A conta indicada pela AT é uma conta de investidor, cujos rendimentos, de valor diminuto, são creditados numa conta à ordem, de que eram cotitulares a Requerente e seu irmão, cabendo a cada um 50%;

13.              A AT não comunicou à Requerente nem a origem ou proveniência, nem a natureza dos alegados rendimentos de capitais ou quaisquer elementos referentes ao seu apuramento ou justificação para que os mesmos lhes tenham sido imputados;

14.              Termina a Requerente por peticionar (i) a declaração de ilegalidade e a consequente anulação da liquidação de IRS do ano de 2020 e de juros compensatórios, (ii) a condenação da AT na restituição das quantias pagas a título de imposto, juros compensatórios e acrescidos da execução fiscal, bem como no pagamento dos juros indemnizatórios devidos, nos termos dos artigos 43.º, da LGT e 61.º, do CPPT.  

 

         

        C. Resposta da Requerida: 

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT, a AT, em 7 de julho de 2025, apresentou a sua resposta e fez juntar o processo administrativo instrutor, bem como requerimento contendo em anexo cópia do Despacho da Senhora Subdiretora-Geral para a área da Gestão Tributária-IR, datado de 05.07.2025, que determinou a revogação parcial dos atos tributários objeto dos presentes autos.

 

O Despacho de revogação parcial tem subjacente Informação da Direção de Serviços de Relações Internacionais, da qual consta, designadamente, o seguinte:

“ (…)

2. Em primeiro lugar é de referir, que a presente situação foi desencadeada pelo facto de a autoridade fiscal de Jersey, no âmbito da troca automática de informação financeira (DAC2/CRS), ter comunicado à AT, com referência à Requerente e ao ano de 2020, que esta havia recebido pagamentos financeiros com a natureza “Outros CRS” no valor de 70.944,54€ (86.751,69 USD), provenientes da instituição financeira B (…), através da conta financeira n.º (…).

3. Desde logo, e porque a Requerente alegou a co-titularidade dos rendimentos com o seu irmão (…), considerando que, relativamente a este último, a informação comunicada pela autoridade fiscal de Jersey era em tudo igual à da Requerente, exceto no tocante ao número da conta financeira identificada.

4. Bem como, devido ao facto de se ter constatado, que a conta em causa havia sido encerrada pela Requerente no ano de 2021, situação que lhe dificultaria a obtenção de informação mais detalhada, foi desencadeado o mecanismo de troca de informação com a autoridade fiscal de Jersey, no sentido de:

a) Identificar os todos os titulares da conta financeira n.º (…), e, se possível, a quota-parte pertencente a cada titular, juntando cópia dos documentos comprovativos;

b) Identificar qual a natureza da operação subjacente ao pagamento do valor de 70.944,54€ (86.751,69 USD) ao contribuinte pela entidade B (…), mais concretamente, se foi uma distribuição de rendimentos pelo fundo ou alienação/resgate das unidades de participação no fundo, ou outro motivo (se for esse o caso), juntando cópia dos documentos comprovativos;

c) Na eventualidade de o pagamento efetuado ao contribuinte resultar da alienação/resgate das unidades de participação no fundo, informar qual(is) a(s) data(s) de aquisição e correspondente(s) valor(es) de aquisição, bem como a(s) data(s) de alienação/resgate e o(s) respetivo(s) valor(es) de alienação/resgate, juntando cópia dos documentos comprovativos.

5. Em 29/05/2025 foi rececionada resposta da autoridade fiscal de Jersey, a qual procedeu ao envio de documentos fornecidos pelo B (…), os quais constam do seguinte:

i) Ficha de informação do investidor (…), a seguir identificados:

- R (…) (falecida), a primeira titular, com referência de investidor n.º (…), residente fiscal em Portugal com o NIF (…), assinado em 18/01/2016 pela própria;

- C (…), co-titular, com referência de investidor n.º (…), tendo declarado como países de residência fiscal a Austrália (TIN (…)) e Portugal (NIF (…));

- A Requerente, M (…), co-titular, com a referência de investidor n.º (…), residente fiscal em Portugal com o NIF (…), assinado em 18/01/2016 pela própria.

ii) Nota de contrato de resgate (…) emitido em 03/12/2020, relativo à conta n.º (…), no qual consta como primeira titular R (…) (falecida), e como co-titulares C (…) e M (…).

O documento foi emitido em nome da primeira titular R (…) (falecida), e indica como seu número de referência de investidor (…).

Deste documento consta que foram resgatadas 125,903.5530 participações ao preço unitário de 50.25p, totalizando um valor total de GBP 63,266.54, com referência ao fundo Informação “B (…) com o ISIN (…).

iii) Documentos de informação fiscal (“Tax Voucher”), com a seguinte informação:

- “For the distribution period from 01 September 2019 to 30 November 2019 – Final”,

distribuição n.º 111, com data de pagamento em 31/01/2020, distribuição de rendimentos no valor de GBP 352,53 respeitantes a 125,903.5530 participações no fundo “B (…) com o ISIN (…);

- “For the distribution period from 01 December 2019 to 28 February 2020 - Interim”,

distribuição n.º 112, com data de pagamento em 31/10/2020, distribuição de rendimentos no valor de GBP 365,12 respeitantes a 125,903.5530 participações no fundo “B (…) com o ISIN (…).

- “For the distribution period from 29 February 2020 to 31 May 2020 - Interim”, distribuição n.º 113, com data de pagamento em 31/07/2020, distribuição de rendimentos no valor de GBP 352,53 respeitantes a 125,903.5530 participações no fundo “B (…) com o ISIN (…).

- “For the distribution period from 01 June 2020 to 31 August 2020 - Interim”, distribuição n.º 114, com data de pagamento em 31/10/2020, distribuição de rendimentos no valor de GBP 302,17 respeitantes a 125,903.5530 participações no fundo “B (…) com o ISIN (…).

6. Confirma-se assim, através da informação prestada pela autoridade fiscal de Jersey, que, de facto, a Requerente e o seu irmão C (…) (NIF (…)) são co-titulares da conta n.º (…), e que, a identificação de conta fornecida por aquela autoridade fiscal, corresponde na realidade aos seus números de investidor (sendo estes diferentes), facto que induziu a AT a considerar que se tratavam de diferentes contas e diferentes rendimentos.

7. Verificou-se ainda, por consulta aos dados cadastrais, que a primeira titular da conta, a Sra. R (…) (NIF (…)), faleceu em 16/09/2018, pelo que os rendimentos obtidos através da conta n.º (…), pertencem à Requerente e o seu irmão C (…) (NIF (…)), os restantes co-titulares da conta.

8. Uma vez que a autoridade fiscal de Jersey não prestou informação quanto à quota parte respeitante a cada co-titular, presume-se que as mesmas são iguais, e, portanto, é imputável a cada um dos co-titulares 50% dos rendimentos obtidos através da conta n.º (…), em conformidade com o que dispõe o artigo 19.º do Código do IRS.

9. Pelo cruzamento da informação constante dos documentos remetidos pela autoridade fiscal de Jersey e a informação constante do “Sistema Integrado de Trocas de Informação”, esta última relativa aos anos de 2017 a 2021, constataram-se duas circunstâncias:

- A conta n.º (…), de acordo com os documentos bancários fornecidos pelo B (…) encontra-se expressa em libras esterlinas (GBP), no entanto a informação financeira comunicada no âmbito do CRS foi reportada em dólares americanos (USD); e,

- Os rendimentos pagos através da conta n.º (…), respeitantes às participações no fundo “B (…)”, estão a estar a ser comunicados como pagamentos com a natureza “Outros CRS”. Assim sendo, o valor comunicado pela autoridade fiscal de Jersey relativo ao ano de 2020, engloba uma parte respeitante aos rendimentos pagos e a outra relativa ao valor de resgate das unidades de participação no fundo.

10. Uma vez que da informação prestada pela autoridade fiscal de Jersey, não constava a informação relativa à data de aquisição e valor de aquisição das unidades de participação no fundo “B”, foi efetuada uma insistência junto daquela autoridade no sentido de obter essa informação.

11. Em 27/06/2025 foi rececionada resposta ao pedido adicional de informação, contudo aquela autoridade não prestou a informação que foi solicitada, limitando-se a informar, mais uma vez, qual a data e o valor do resgate do fundo, tal como na resposta obtida anteriormente.

12. Deste modo, perante a informação obtida da autoridade fiscal de Jersey, conclui-se que a Requerente é co-titular da conta, e, portanto, titular de 50% dos rendimentos obtidos do fundo de investimento, conforme ficou descrito nos pontos 5 a 8 que antecedem.

13. Consequentemente, verifica-se que a Requerente obteve em Jersey rendimentos de

unidades de participação no valor de £686,18 [(£352,53 + £365,12 + £352,53 + £302,17) +50%], que corresponde a €763,24, de acordo com as taxas de câmbio disponibilizadas pelo Banco de Portugal para 31/12/2020 (cfr. anexo “Conversor de moeda _ Banco de Portugal.pdf “).

14. Assim sendo, deverá ser retificado o valor de rendimentos de capitais constante do anexo J da declaração Modelo 3 registada sob o n.º ... - 2020 - ...–..., para o montante de €763,24.

15. No que respeita ao direito a juros indemnizatórios, estipula o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

17. Atendendo a que, na presente situação, se verificou que:

i) A Requerente efetuou o pagamento da dívida;

e,

ii) Existe erro imputável aos serviços, na medida em que efetuou uma errónea interpretação da informação comunicada pela autoridade fiscal de Jersey no âmbito da troca automática de informação internacional;

Será de conceder o direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte.

Conclusão

Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que liquidação de IRS n.º 2024...., e correspondente liquidação de Juros Compensatórios n.º 2024-..., relativas ao ano de 2020, que originaram a Nota de Cobrança n.º 2024... de valor a pagar no montante de 27.150,33€, deve ser revogada parcialmente.

Proposta

A ser sancionada superiormente, deve remeter-se esta informação à DSCJC.

Propõe-ainda a notificação do sujeito passivo nos termos do n.º 2 do artigo 13.º do RTJAT e a remessa da informação também à DF respetiva para execução da decisão.

É o que me cumpre informar.

À consideração superior”

 

Mais requereu a AT que fosse julgada verificada a inutilidade superveniente da lide, com todas as consequências legais, relativamente à parte das liquidações revogadas.

 

 

D – Tramitação processual 

Por Despacho Arbitral de 09.07.2025, foi a Requerente notificada para, no prazo de dez dias, se pronunciar sobre o teor do Despacho da Senhora Subdiretora Geral da AT para a área de Gestão Tributária-IR que determinou a revogação parcial da liquidação de IRS n.º 2024 ..., referente aos rendimentos do ano de 2020, com o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios sobre o montante do imposto pago em excesso, bem como sobre a proposta de arquivamento dos autos, por inutilidade superveniente da lide.

 

Em 14.07.2025, deu entrada nos autos o requerimento em que a Requerente declarou aceitar a revogação parcial do ato impugnado, nos termos do aludido Despacho da Senhora Subdiretora Geral da AT para a área de Gestão Tributária-IR.

 

Em 15.07.2025 foi proferido Despacho Arbitral, nos termos do qual se dispensou a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, bem como a produção de alegações escritas, por falta de objeto, com indicação de que a decisão final seria proferida dentro do prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 21.º, do RJAT.

 

 

 

 

II. SANEAMENTO

1.   O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 3 de junho de 2025, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;

2.   As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

3.   O pedido de constituição do Tribunal Arbitral é tempestivo, tendo sido apresentado dentro do prazo a que se refere o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT;

4.   O processo não padece de vícios que o invalidem. 

5.   Não foram invocadas exceções que cumpra apreciar e decidir, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

III.         FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa fixa-se como segue:

 

A.   Factos Provados:

1.   Em 08.10.2024, na sequência de notificação da AT, a Requerente apresentou a declaração modelo 3 de IRS identificada com o n.º ...-2020-..., referente aos rendimentos do ano de 2020, integrando um anexo E e um anexo H (Doc.s n.ºs 3, 5 e 6 juntos ao PPA, que se dão como reproduzidos);

2.   No anexo E da declaração modelo 3 antes referida, a Requerente inscreveu no quadro 4-B, campo 451, rendimentos com o código E20 no valor de € 3 997,00 e retenções na fonte da quantia de € 1 119,32 (Doc. n.º 6 junto ao PPA, que se dá como reproduzido);

3.   De acordo com o “Detalhe da Declaração de IRS” extraído do Portal das Finanças com data de 11.10.2024, a declaração com o n.º ...-2020-..., a que corresponde a liquidação n.º 2024..., produziria um reembolso da quantia de € 909,88 (Doc. n.º 8 junto ao PPA, que se dá por reproduzido);

4.   Posteriormente, foi a Requerente notificada pela AT de que a declaração com o n.º ...-2020-... havia sido selecionada para análise e da abertura de uma divergência quanto aos rendimentos obtidos no estrangeiro, declarados por valor inferior à informação transmitida por Jersey (Docs. n.ºs 10, 11 e 12 juntos ao PPA, que se dão como reproduzidos);

5.   Tendo por base os valores disponibilizados pela AT, a Requerente procedeu à entrega, em 13.11.2024, da declaração de substituição n.º ...-..., que integrou os anexos E, H e J (Docs. n.ºs 13 e 15 juntos ao PPA, que se dão como reproduzidos);

6.   Em 16.11.2024, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2024..., referente ao ano de 2020, que apurou o valor de € 27 150,33, sendo imposto de € 23 920,71 e juros compensatórios de € 3 229,62, a pagar até 25.12.2024 (Docs. n.ºs 1 e 2 juntos ao PPA, que se dão como reproduzidos);

7.   A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IRS n.º 2024..., em 03.02.2025, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2025..., pela quantia total de € 27 353,52 (Doc. n.º 14 junto ao PPA, que se dá por reproduzido).

 

 

B. Factos não provados: 

Não existe factos com interesse para a decisão da causa que devam julgar-se como não provados. 

 

 

C. Fundamentação da matéria de facto provada: 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada. 

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorreram da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral, à resposta da Requerida e ao processo administrativo instrutor.

 

 

 

III.2 DO DIREITO

Da inutilidade superveniente da lide

A inutilidade superveniente da lide constitui causa de extinção da instância, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, e ocorre sempre que o objetivo visado com a ação seja atingido por outro meio.

 

No caso concreto dos autos, embora o Despacho da Senhora Subdiretora-Geral para a área da Gestão Tributária-IR, de 05.07.2025, tenha determinado a anulação parcial da liquidação de IRS do ano de 2020, o certo é que, confirmando que os rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro, a declarar no ano em causa pela Requerente, têm o valor de € 763,24, conclui-se que, da aplicação da taxa de tributação autónoma a que se referia o artigo 72.º, n.º 1, alínea e), do Código do IRS, na redação à data dos factos (atual alínea d)),  resulta coleta de valor inferior ao do reembolso produzido pela declaração modelo 3 apresentada em 08.10.2024.

Concluindo-se pela satisfação da pretensão formulada pela Requerente, que expressamente aceitou a anulação administrativa determinada pelo mencionado Despacho da Senhora Subdiretora-Geral para a área da Gestão Tributária-IR, de 05.07.2025, ficam os autos destituídos de objeto.

 

 

IV. DECISÃO 

Satisfeita a pretensão da Requerente, decide este Tribunal Arbitral declarar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC.

 

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 27 353,52, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida.

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 530,00 (mil, quinhentos e trinta euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 5 de novembro de 2025.

O Árbitro,

 

Mariana Vargas

 

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.