Sumário:
I. Verificando-se a existência de encargos a que o comprador fique legal ou contratualmente obrigado, nomeadamente pela assunção pessoal da dívida hipotecária que onerava o imóvel na parte que era da responsabilidade do alienante, considera-se valor do contrato a soma daqueles com o valor pago em numerário para efeitos de determinação do valor constante do contrato, nos termos do n.º 5 do artigo 12.º do CIMT e, por consequência, nos termos do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, é esse o valor da contraprestação que adquire a natureza de valor de realização.
II. O juízo de inconstitucionalidade com força obrigatória geral proferido pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 348/2025, de 6 de maio de 2025, Processo 650/2024, publicado no DR, I Série n.º 102, de 28 de maio de 2025, relativamente ao n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, visa exclusivamente a prevalência do valor patrimonial tributário quando superior ao valor declarado no ato ou contrato para efeitos de subsunção ao conceito de "valor de realização" e não é suscetível de aplicação aos factos tributários ocorridos após a entrada em vigor da redação dada ao preceito pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, nos termos da qual a presunção ali consagrada passou a poder ser elidida.
III. Um contrato de empreitada e as faturas respeitantes à execução da obra emitidas em conformidade com os autos de medição são documentos idóneos e bastantes para comprovar os encargos suportados com a valorização dos bens, quando este requisito se dá como verificado, não decorrendo da alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º do CIRS a exigência de recibos. Estes constituirão, no limite, um outro meio de prova, quando inexistam os anteriormente referidos.
IV. Se o valor da dívida hipotecária à instituição de crédito que concedeu o empréstimo integra, na quota-parte que lhe é imputável, o valor de realização do imóvel que havia sido adquirido para habitação própria e permanente, por a responsabilidade por ele ter sido assumida pessoalmente pelo adquirente do imóvel, aquele valor, em caso de declaração de intenção de reinvestimento, não pode deixar de ter a natureza de amortização de empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, tendo em vista a sua dedução ao montante que deve ser reinvestido nos termos da al. a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do CIRS.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro signatário Manuel Lopes da Silva Faustino, que também usa Manuel Faustino, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal, constituído em 14-05-2025, decide o seguinte:
I. RELATÓRIO
A... (doravante “Requerente”), contribuinte com o NIF..., residente na ... ..., ...-... Gulpilhares, vem, nos termos previstos nos artigos 102.º n.º 1 alínea b) do CPPT e 2.º e 10.º n.º 1 alínea a) do RJAT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar o seu PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL tendo como objeto imediato o indeferimento expresso, por despacho de 24-11-2025 da Chefe do Serviço de Finanças, da Reclamação Graciosa (RG) deduzida tempestivamente contra o ato tributário de liquidação, instaurada no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia com o n.º ...2024... e que lhe foi notificada em 29-11-2025 e, como objeto mediato, o ato tributário de liquidação adicional praticado oficiosamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, aqui Requerida, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante IRS) sob o n.º 2024..., referente ao período de tributação de 2022, onde foi apurado o valor a pagar de 28.014,61 € (vinte e oito mil e catorze euros e sessenta e um cêntimos) que inclui o montante de 853,32 (oitocentos e cinquenta e três euros e trinta e dois cêntimos) liquidados a título de juros compensatórios.
É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada por "AT" ou, "Requerida").
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 27-02-2025, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, e automaticamente notificado à Requerida.
Em 22-04-2025, as Partes foram, nos termos do artigo 11.º do RJAT notificadas da designação, pelo Conselho Deontológico, do signatário como árbitro singular sorteado para o efeito e a tal designação as Partes não se opuseram.
Em 14-05-2025, foi comunicada à Partes, pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, a constituição do presente tribunal arbitral singular, nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 11.º do RJAT.
No Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA), o Requerente pretende, em síntese, a declaração de anulação da liquidação de IRS, no valor de € 28.014,16, juros compensatórios incluídos, invocando, como fundamento de direito, a um vício de violação de lei consistente na errónea quantificação da matéria coletável decorrente de uma operação de divisão de coisa comum, em cuja propriedade detinha a quota de 50%, em virtude de, sem base legal, a Requerida ter corrigido o valor de realização do bem originariamente liquidado e que correspondia ao preço pago em numerário, acrescendo-lhe o montante equivalente a 50% do valor de hipotecas que oneravam à data o imóvel e que eram, também em 50%, da sua responsabilidade, uma vez que a outra parte assumiu, perante a entidade mutuária, a responsabilidade pessoal pela dívida e, ainda, não considerou integralmente o valor de encargos com a valorização dos bens que havia suportado.
Em 14-05-2025, foi proferido despacho arbitral tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da AT para (i) apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, e, bem assim, (ii) remeter ao Tribunal Arbitral cópia do Processo Administrativo (PA), em cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.º 2, do RJAT.
A Requerida apresentou Resposta, em 18-06-2025, defendendo-se por exceção e por impugnação, propugnando pela legalidade da liquidação impugnada e, consequentemente, defendendo a improcedência do pedido. Juntou, na mesma data, o PA.
Em 22-06-2025 foi proferido despacho a notificar o Requerente para responder, querendo, no exercício do contraditório, à matéria das exceções invocadas pela Requerente, o que ele fez em 10-07-2025.
Em 17-07-2025, foi proferido despacho arbitral dispensando a audição das testemunhas e a declaração de parte oferecidas, bem como a reunião prevista no artigo 18.º e determinando, ainda, a junção de um documento que, certamente por lapso, não estava junto com o PA, o que veio a ser feito em 17-09-2025.
Em 02-10-2025 o Tribunal proferiu o seguinte despacho:
O Tribunal, ao abrigo:
a) Do princípio da sua autonomia, consagrado na al. c) do artigo 16.º do RJAT e dos princípios da livre apreciação dos factos e da livre determinação das diligências de produção de prova, consagrados na al. e) do mesmo preceito;
b) Ao abrigo do princípio do inquisitório e da colaboração processual consagrados no artigo 99.º da LGT,
determina à Requerida que, tendo em conta a CONCLUSÃO da informação prestada no âmbito da Divergência e que acompanhou o ofício identificado como Saída 2024..., de 22-10-2024, no que diz respeito ao valor de realização, junte aos autos - o que até agora não foi feito por nenhuma das partes - cópia da declaração mod. 1 de IMT submetida pela compradora do imóvel e da respetiva liquidação e, ainda, cópia da caderneta predial do imóvel alienado, com o valor patrimonial à data em que a adquirente, em divisão de coisa comum, adquiriu 50% daquele ao Requerente, no prazo máximo de 5 dias, tendo em conta a data limite fixada para a prolação da decisão arbitral.
A Requerida não respondeu, nem justificou por que não respondeu, ao Despacho supra.
Posteriormente, o Tribunal, em 17-10-2025, proferiu despachos a que a Requerida e o Requerente também não responderam, nem justificaram a ausência de resposta.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação da liquidação contra a qual a havia deduzido (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 5.º do RJAT).
O PPA, apresentado em 27 de fevereiro de 2025, é tempestivo, porquanto não foi excedido o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e), do CPPT, a contar da data da notificação, em 29-11-2025, do indeferimento expresso da RG deduzida contra o ato tributários impugnado.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A Requerida defendeu-se por exceção, invocando a incompetência material do tribunal arbitral para apreciação do procedimento de prova do preço efetivo previsto no artigo 139º CIRC e do erro na forma de processo, exceção dilatória que, a dar-se por verificada, conduziria à absolvição da instância da Requerida.
Dela cumpre aqui conhecer e decidir nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 595.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ao processo arbitral por força do disposto no artigo 29.º do RJAT. Vejamos.
A Requerida fundamentou a exceção suscitada nos termos seguintes:
De acordo com a vontade expressa do legislador, no n.º 1 do art.º 2.º do RJAT «fixam-se, com rigor quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral» – conforme Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
E o rigor dessa fixação exprime-se através da enunciação taxativa da competência desta jurisdição, a saber:
Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamentos por conta, e
Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
A análise e conclusão do procedimento de prova do preço efetivo é um ato administrativo em matéria tributária que não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação.
Estando sim a montante desse ato de liquidação, pressupondo a prática do ato administrativo correspondente e que é, necessariamente, antecedente e independente do ato tributário de liquidação.
Sendo que, no caso concreto, este ato administrativo representa o culminar desse mesmo procedimento, que é desencadeado em momento próprio, e posteriormente desencadeia o ato de liquidação.
Como já anteriormente referido, o legislador consagrou um mecanismo para a elisão da presunção, prevista no n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS, através da apresentação de requerimento junto do Diretor de Finanças, regendo-se tal procedimento de acordo com os arts.º 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei.
Quer isto dizer que há um procedimento próprio para realizar a prova de que o valor de realização foi inferior ao valor pelo qual o bem foi considerado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, com tramitação e prazo para o efeito, que nada tem a haver [sic]com os requisitos da reclamação graciosa ou da revisão da liquidação.
Ora, admitir-se que o Tribunal Arbitral tem competência para aferir os pressupostos do mecanismo do artigo 139.º do Código do IRC, e, de alguma forma, quantificar a matéria tributável representaria, salvo o devido respeito, a substituição do Tribunal nas competências próprias da AT.
Inexiste no âmbito do RJAT, qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas pelos tribunais arbitrais condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no mesmo RJAT: poderes declaratórios com fundamento em ilegalidade.
Assim, também não pode ser proferida decisão que, na prática, reconheça o direito da requerente ver reconhecido o preço efetivo na transmissão dos imóveis, o que não pode ser obtido por esta via.
Por isso, o pedido de pronúncia arbitral não consubstancia o meio próprio, o que, no caso, redunda na própria incompetência do Tribunal Arbitral para, em alternativa, à ação administrativa que é o meio próprio, condenar a AT à prática de um ato devido.
Tal situação impõe-se quer por força da vinculação da AT à jurisdição arbitral, quer por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.
Sendo constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP], como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, a interpretação, ainda que extensiva, que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente, por tal pressupor, necessariamente, a consequente dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa medida ao recurso jurisdicional pleno [cf. artigos 25.º e 27.º da RJAT, que impõem uma restrição dos recursos da decisão arbitral].”
O que a verificar-se, traduziria a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notificado para o exercício do contraditório, veio o Requerente dizer o seguinte:
O aqui Requerente foi notificado para responder às exceções invocadas pela Requerida e que aqui sumariamente se reproduzem:
Incompetência material do tribunal arbitral para apreciação do procedimento de prova do preço efetivo previsto no artigo 139º CIRC e do erro na forma de processo;
(In)impugnabilidade do ato – obrigatoriedade de apresentação prévia do procedimento previsto no artigo 139º CIRC – prova do preço efetivo da transmissão de imóveis;
Intempestividade do pedido de prova do preço efetivo.
Estas exceções não têm qualquer fundamento, como a seguir se demonstrará.
Vejamos,
Sem exceção, todas as exceções (passo o aparente pleonasmo) invocadas pela AT nascem de um raciocínio manifestamente equivocado – o de que estamos (ou pretenderíamos estar) em presença de um procedimento de prova de preço efetivo, tal como previsto no artigo 139.º do Código do IRC, e que o Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) se inscreveria (ou deveria inscrever) na sequência desse procedimento.
Ora o PPA apresentado é muito claro e preciso – visa mediatamente a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2022, naturalmente tendo por base determinados pressupostos (rectius, elementos do facto tributário) em que esta assentou, conforme devidamente alegado e sustentado, seja na Reclamação Graciosa, em primeiro lugar, seja na petição do PPA, já nesta sede.
A primeira nota, a este respeito, não pode deixar de ser a da surpresa (surpresa e estranheza, aliás). A AT inaugura agora a invocação do procedimento consagrado no artigo 139.º do Código do IRC, não o tendo invocado ou simplesmente sugerido a latere que fosse, quando chamada a pronunciar-se no procedimento de Reclamação Graciosa que visava já a legalidade da liquidação e que se fundara nos mesmos argumentos legais e factuais aqui em juízo.
Naquele momento – o da Reclamação Graciosa – não houve intempestividade, não houve procedimento do artigo 139.º, não houve surpresa. Nesse particular, terá havido razão …
A segunda nota – e por certo a que verdadeiramente releva – é a de que não tem (ou não teria tido) qualquer cabimento no presente caso o procedimento de prova de preço efetivo, o que é o mesmo que dizer que a questão não é nem nunca foi a demonstração do preço mas antes o que se deve considerar preço na economia do contrato (rectius, do facto tributário) em juízo.
Bem se percebe que a AT não tenha, até agora, suscitado a questão desse tal de procedimento de prova de preço efetivo, pois que não há prova que esteja por fazer, não há dúvida quanto aos factos a apreciar. Há, antes, um tema de interpretação da economia do contrato, com evidente repercussão no quantum do rendimento tributável e, consequentemente, na liquidação.
Vejamos melhor:
Em juízo está a questão de saber qual o valor de realização no quadro de uma transmissão onerosa de imóvel. A disposição a mobilizar é, pois, a constante do artigo 44.º do Código do IRS nos termos da qual o valor da realização é o valor da contraprestação, sendo que, se o valor considerado para efeitos de liquidação de IMT tivesse sido superior ao valor da contraprestação, então prevaleceria esse valor.
E seria para o caso em que o valor considerado para efeitos de liquidação de IMT é superior ao valor da contraprestação que o legislador abriu a opção ao sujeito passivo de IRS de, querendo, fazer-se prevalecer do valor da contraprestação (e não do valor superior que serviu de base à liquidação de IMT), para o que disporia do procedimento de prova de preço efectivo.
Todo este arrazoado seria certamente pertinente (e é com certeza), não fora em causa não estar um valor considerado para efeitos de liquidação de IMT superior ao valor da contraprestação (seja este o que o aqui Requerente invoca, à luz da interpretação que toma por certa e justa, seja aquele que a AT sustenta e que aqui se impugna).
Não faz, pois, qualquer sentido o argumento de base constante da Resposta da AT a este PPA, o que torna absolutamente imprestáveis todas as consequências jurídicas e processuais que, depois, erigiu a exceções ao PPA.
Sem prescindir:
Ainda que estivéssemos perante uma impugnação de liquidação fundada nessa tal questão de um valor de realização inferior àquele que servira ou serviria de base à liquidação de IMT (inferior, portanto, ao Valor Patrimonial Tributário), nem por isso haveria qualquer incompetência do Tribunal nos presentes autos.
Neste sentido, veja-se a decisão do CAAD proferida no processo n.º 823/2021-T, que julgou improcedente a exceção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral, por concluir que o pedido formulado pela Requerente (declaração da ilegalidade e a anulação parcial da liquidação de IRS) i tem perfeito cabimento na norma competencial prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT. Ademais, a Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, através da qual a Requerida se vinculou à arbitragem em matéria tributária, não contém qualquer exclusão que pudesse abarcar a situação dos presentes autos (Cfr. n.º 2 do art.º 2.º da referida Portaria).
Acresce que, «quanto à competência do CAAD para apreciação da (i)legalidade de actos de segundo e terceiro grau, que considera o tribunal que é actualmente entendimento pacífico tanto na Jurisprudência como na Doutrina que os actos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos – ou seja, actos de segundo ou terceiro grau - poderão ser arbitráveis junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), na condição de, eles próprios, terem apreciado a legalidade de um acto de liquidação de imposto - i.e., de um acto de primeiro grau.»
Deve, assim, a exceção invocada de incompetência material do tribunal arbitral ser julgada improcedente.
Ainda sem prescindir, e concretizando:
Sempre se dirá, reiterando, que as restantes exceções também não podem proceder, uma vez que não estão em causa os termos, os pressupostos e, portanto, um procedimento em concreto (desnecessário e impertinente) previsto no artigo 139.º do Código do IRC.
Não estamos em presença nem de um ato inimpugnável nem de um pedido intempestivo.
Resulta claro no PPA que o Requerente pretende a anulação do ato de liquidação (e imediatamente do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa) por considerar que o mesmo enferma de ilegalidade: a título principal, pretende-se a anulação do ato de liquidação de IRS e, acessoriamente, a decisão de condenação na restituição dos montantes pagos e respetivos juros.
Cumpre conhecer e decidir.
Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, as competências do tribunal arbitral compreendem a apreciação da declaração de ilegalidade de atos de determinação da matéria coletável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais (sublinhado nosso).
Por outro lado, o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, relativo ao "objeto da vinculação", exclui das competências do tribunal arbitral as pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão (sublinhado nosso).
Em questão está, como claramente resulta do enunciado da invocada exceção de incompetência e da argumentação subsequente da Requerida, uma pretensão que assenta no elemento objetivo da incidência, em matéria de IRS, Categoria G, Mais-Valias, e no seu aspeto quantitativo, isto é, a determinação do quantum sujeito a imposto. O qual, necessariamente, inclui a conformidade legal do valor de realização, do valor de aquisição e do valor dos encargos de valorização dos bens alienados.
Falece de adesão à realidade a afirmação, meramente conclusiva, segundo a qual o que o Requerente pretende é acionar, intempestivamente, o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC (CIRC), subordinado à epígrafe "Prova do preço efetivo na transmissão de imóveis", aplicável em IRS por força do disposto no n.º 6 do artigo 44.º do respetivo Código (CIRS), acrescendo que o tribunal arbitral é materialmente incompetente para apreciar tal pretensão. Vejamos.
Refere expressamente o n.º 1 do mencionado artigo 139.º do CIRC, subordinado à epígrafe "Prova do preço efetivo na transmissão de imóveis": "1 - O disposto no n.º 2 do artigo 64.º não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis". E, a propósito, é também de transcrever o disposto no n.º 2 do artigo 64.º do CIRC: "2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior[1], o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente para determinação do lucro tributável".
A lei consagra, pois, um único pressuposto para o procedimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis: a prevalência do valor patrimonial tributário (VPT), quando superior, sobre o valor declarado no contrato.
No caso sub judice, discute-se, nas peças processuais apresentadas pelas partes, o valor constante do contrato de divisão de coisa comum, sem qualquer evidência, ou referência, ao valor patrimonial tributário do imóvel que daquele foi objeto, o qual, num primeiro momento, é definido nos termos da al. f) do n.º 1 do artigo 44.º do CIRS como o "valor da contraprestação".
No Contrato de Divisão de Coisa Comum e de Acordo quanto à Situação Debitória, junto aos autos consta expressamente que o imóvel tem o valor patrimonial tributário de € 239.502,79 e que os outorgantes lhe atribuíam o valor de € 970.000.00.
A remissão, no n.º 2 do mesmo artigo 44.º, para os valores, quando superiores, que serviram ou serviriam de base à liquidação do IMT só por mera articulação normativa entre o CIRS e CIMT permite concluir que também compreende a hipótese de incidência sobre o VPT, quando superior ao valor declarado no contrato. De facto, o n.º 1 do artigo 12.º do CIM consagra genericamente a incidência do imposto nos seguintes termos: "1 - O IMT incidirá sobre o valor do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior".
O valor atribuído pelos outorgantes ao imóvel é significativamente superior ao VPT, pelo que não foi o VPT a prevalecer sobre o valor atribuído no contrato ao imóvel para efeitos de IMT devido pelo adjudicatário.
Ora, não se verificando o pressuposto para a instauração do procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, norma em que a Requerida sustenta juridicamente a exceção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral, julga-se improcedente a sua invocação e afirma-se a competência do tribunal arbitral para conhecer da pretensão relacionada com a determinação da matéria coletável, na sua modalidade de "rendimento líquido da categoria G".
III. MATÉRIA DE FACTO
III.1. Factos provados
Com interesse para a decisão, julgam-se relevantes e provados os seguintes factos:
A) Em 17.05.2011, o Requerente adquiriu, conjuntamente com B..., pelo preço de 365.000,00 € (trezentos e sessenta e cinco mil euros) um imóvel sito na Rua ... nº ...-..., ...-... Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho do Porto (Cf. Doc. 4);
B) Com esta compra, o Requerente adquiriu, em contitularidade de direitos, uma quota parte de 50% do imóvel antes identificados (Cf. Doc. 4);
C) De acordo com a escritura da compra e venda do imóvel, juntamente com esta operação foi realizado um mútuo com hipoteca a favor dos compradores nos termos do qual a Caixa Geral de Depósitos S.A. concede a estes um empréstimo no montante de 365.000,00 € (trezentos e sessenta e cinco mil euros), destinado à aquisição do referido imóvel dos quais ambos se confessam solidariamente devedores (CF. Cláusula F1 do Doc. 4);
D) Em 28.02.2022, foi celebrada ESCRITURA DE DIVISÃO DE COISA COMUM E ACORDO QUANTO À SITUAÇÃO DEBITÓRIA, tendo o aqui Requerente vendido a sua quota-parte de 50% no imóvel à outra comproprietária, B... (Cf. Doc. 5);
E) Em conformidade com a referida ESCRITURA (transcrição):
i) Ambos os outorgantes são donos em comum e partes iguais do imóvel objeto da divisão, com o valor patrimonial de 239.502,79€ e a que atribuem o valor de 970.000,00€.
ii) Ambos os outorgantes são responsáveis por três dívidas à Caixa Geral de Depósitos, S.A., no valor global de quatrocentos e setenta mil euros, resultante de três empréstimos contraídos por ambos junto desse Banco, garantidos por três hipotecas voluntárias que incidem sobre aquele imóvel;
iii) Cabe a cada um deles, na qualidade de comproprietários em comum e partes iguais, cinquenta por cento do valor do prédio, no montante de quatrocentos e oitenta e cinco mil euros;
iv) Nos mesmos termos cabe a cada um deles na qualidade de devedores, cinquenta por cento do valor da dívida atrás mencionada, no montante de duzentos e trinta e cinco mil euros
v) À primeira outorgante, B..., é adjudicado o bem identificado na verba única do ativo, destinado exclusivamente à suahabitação própria e permanente, no valor de novecentos e setenta mil euros, ficando a seu cargo o pagamento das dívidas acima identificadas, no valor de quatrocentos e setenta mil euros.
vi) O segundo outorgante A..., em virtude de ter direito a metade do valor do bem do ativo, no montante dequatrocentos e oitenta e cinco mil euros, mas ser responsável por metade do valor das dívidas, no montante duzentos e trinta e cinco mil euros, recebe de tomas a quantia de duzentos e cinquenta mil euros, da qual dá quitação;
F) Por aditamentos, celebrados em 15 de março de 2022, aos contratos de mútuo com hipoteca ao abrigo dos quais a Caixa Geral de Depósito os havia efetuado, a primeira outorgante, B..., assumiu a responsabilidade pessoal pela totalidade do montante em dívida naquela data - 468.003,12 € - e o Requerente ficou expressamente desonerado de qualquer responsabilidade sobre o mesmo montante, na parte que lhe cabia suportar enquanto comproprietário do imóvel e que era de 50%, ou seja, € 234.001,56, não obstante a responsabilidade originariamente firmada entre os outorgantes e a instituição de crédito ser solidária (cf. PA - Divergências-Doc.5);
G) A declaração anual de IRS, mod. 3., apresentada pelo Requerente com referência ao ano de 2022 foi objeto de um procedimento de gestão e análise de divergências DAE, instaurado no Serviço de Finanças de Gaia ..., com o fundamento: "necessidade de comprovação dos valores de empréstimos ou de valores de reinvestimentos declarados” (Cf. PA - Divergência 27124456);
H) O procedimento de divergências terminou com a seguinte conclusão, sancionada por despacho do chefe do Serviço de Finanças competente e notificada ao Requerente pelo ofício n.º 2024..., de 22-10-2024 (Cf. Doc. 2):
3. CONCLUSÃO
Face ao exposto, não tendo apresentados os documentos que ainda se encontram em falta, irá este Serviço de Finanças proceder à correção dos elementos, através de Recolha de DCU, nos termos previstos no n°4 do art. 65° CIRS, corrigindo no Anexo G os seguintes campos:
Q.4 - Valor de realização - 485.000,00€ (da Consulta ao Detalhe de Declaração de Liquidação Modelo 1, uma vez que não foi apresentada a escritura de venda) - 50%;
- Valor de aquisição - 182.500,00€ - 50%, adquirido em compropriedade com o outro SP
- Despesas e encargos - 56.696,29 € (50% do total das despesas apresentadas com recibo + IS)
sendo consideradas as seguintes:
-Fatura 23/2012 - total: 45.659,46€ (Recibo n° 31/2012 - 10.000,00€, recibo n° 34/2012 - 20.000,00€ e recibo n° 36/2012 - 15.659,46€ ), associados à respetiva fatura; a considerar 50%do total dos recibos;
-Fatura n° 25/2012 - total: 32.294,43€ (Recibos n° 36/2012 - 7.289,43€, n° 55/2012 - 5.000,00€ e n° 56/2012 - 5.000,00 € totalizando um valor de 17.289,43€ associados à respetiva fatura. Do valor em falta não foi apresentado mais nenhum recibo; a considerar 50% do total dos recibos;
- Fatura n° 15/2012 e Recibo n° 18/2012 no total de 47.523,69€; a considerar 50% do total dos recibos;
- Imposto de Selo (IS) - 1.460,00€ - da consulta as aplicações informáticas do Património;
Das faturas ns° 6/2012, 76/2011 e n° 2/2012, não foram consideradas por falta do comprovativo dos recibos.
Q.5A - campo 5005 - Retirar o valor declarado por não ter sido comprovado. Da consulta ao documento apresentado da Caixa Geral de Depósitos onde consta a desvinculação do contribuinte A... quanto ao crédito para aquisição imóvel destinado a habitação própria e permanente, refere que o outro SP que adquiriu a metade assume individualmente a totalidade da divida à data da alienação (doc.Alt.ao contrato de empréstimo com hipoteca celebrado em 2011/05/14 da CGA);
I) Foi, consequentemente, elaborada pelo Serviço de Finanças competente a declaração de rendimentos oficiosa visando corrigir a declaração de rendimentos originariamente apresentada pelo Requerente, uma vez que este não apresentou voluntariamente declaração de rendimentos de substituição em conformidade com o entendimento da Requerida, vertido na CONCLUSÃO antes transcrita (Cf. Doc. 6);
J) Essa declaração deu origem à liquidação de IRS, relativa ao ano de 2002, com o n.º 2024 ... e com imposto a pagar no montante de 28.014,61 €, que inclui 853,32 € de juros compensatórios (Cf. Documento junto ao PPA como Liquidação de IRS);
K) O Requerente deduziu, tempestivamente, reclamação graciosa contra a liquidação (CF. PA - RG - Petição);
L) A mencionada reclamação graciosa foi indeferida com a seguinte fundamentação:
DOS FACTOS
(...)
5.Da análise á prova documental junta pelo reclamante á presente petição, a mesma não altera os factos apurados no processo de divergência atrás referido, pelo que, nesta conformidade, e em termos de legalidade, nada se poderá apontar á liquidação oficiosa agora em análise.
DO DIREITO
I.O procedimento é meio próprio, tempestivo e o reclamante tem legitimidade.
II. Dispõe a alínea a) do n.º 1 do art.º 10º:
Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis
III. O ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, nos termos da alínea a) do n.º 4 do art.º 10.
IV. Nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, poderão ser excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que, cumulativamente:
*O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
*O reinvestimento seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização; e
*O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;
V. Ora, referindo expressamente aquela norma que a amortização respeita a empréstimo contraído para efeitos de aquisição de imóvel, a faculdade prevista na mesma não é extensível a outras situações. Assim sendo, a “assunção por parte do comprador, da divida hipotecária que cabia ao reclamante e que pendia sobre o imóvel”, não pode ser deduzido ao respetivo valor de realização.
IV. Acresce ainda que, como despesa/encargo, deverão ainda verificar-se os seguintes requisitos:
• as obras estarem devidamente comprovadas com documentos emitidos sob a forma legal, nomeadamente que correspondam a faturas/recibos de quitação que de uma forma inequívoca se mostrem relacionadas com as ditas obras no imóvel e reúnam os requisitos legais estabelecidos para o efeito, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA;
V. Mais, quanto aos encargos de valorização, para efeitos do disposto no artigo 51.º do Código IRS, consideram-se como sendo as despesas realizadas nos últimos 12 anos, comprovadamente suportadas pelo titular do direito de propriedade do bem objeto de alienação onerosa que, pela sua natureza, se mostrem indissociáveis do mesmo e, efetivamente, contribuam para o valorizar, bem como as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação.
VI. Assim sendo, não podem tais encargos ser aceites para efeitos do disposto no artigo 51.º do Código do IRS, caso o sujeito passivo não disponha dos elementos que permitam identificar os serviços que foram efetuados e o material adquirido, de forma que permitam aferir da existência de uma ligação inequívoca com o imóvel alienado.
CONCLUSÃO
Nesta conformidade, em termos factuais e de legalidade, nada se poderá apontar á liquidação agora em crise, pelo que, de acordo com o exposto e salvo superior entendimento, deverá concluir-se pelo indeferimento do pedido, mantendo-se vigente a liquidação ora reclamada.
Deverá ser dispensado o direito de audição, uma vez que os factos em análise já foram submetidos, noutra fase do procedimento, a audiência do contribuinte.
M) Em 27-02-2025, o Requerente apresentou o presente PPA.
III.2. Factos não provados
Não se deu como provado nem como não provado o valor sobre o qual foi pago IMT pela outorgante a quem foi adjudicado o imóvel.
III.3. Fundamentação da matéria de facto
Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos e nos documentos juntos ao PPA.
Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex viart. 29º, 1, e) do RJAT).
Além do que precede, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
IV. QUESTÕES A DECIDIR
São três as questões a decidir:
i) Qual o valor da contraprestação devida ao Requerente e que deve ser considerada como valor de realização nos termos do disposto na al. f) do n.º 1 do artigo 44.º do Código do IRS (CIRS) e a observância ou não no disposto no n.º 2 do artigo 44.º do mesmo Código em face da declaração da sua inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/2025, de 6 de maio de 2025, Proc. 650/2024, publicado no DR, I Série, n.º 102, de 28 de maio de 2025;
ii) Qual valor dos encargos com a valorização dos bens a ser considerado nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 51.º do CIRS;
iii) Se é ou não aplicação do regime do reinvestimento previsto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS e em que termos.
V. MATÉRIA DE DIREITO
V.1. Da lei aplicável
O artigo 44.º do CIRS, na parte aplicável, dispunha, à data da verificação do facto tributário, que:
Artigo 44.º
Valor de realização
1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:
(...);
(...);
(...);
(...);
(...)
f) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação.
2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.
3 - (...).
4 - (...)
5 - O disposto no n.º 2 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto[2].
6 - A prova referida no número anterior deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações.
7 - Nos casos em que são efetuados ajustamentos, positivos ou negativos, ao valor de realização, e se à data em que for conhecido o valor definitivo tiver decorrido o prazo para a entrega da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 57.º, deve o sujeito passivo proceder à entrega de declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte
O artigo 12.º do Código do Imposto sobre as Transações Onerosas de Imóveis (CIMT), dispõe o seguinte, nas disposições legislativas aqui relevantes:
Artigo 12º
Valor tributável
1 - O IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.
2 - (...).
3 - (...).
4 - (...).
5 - Para efeitos dos números anteriores, considera-se, designadamente, valor constante do ato ou do contrato, isolada ou cumulativamente:
a) A importância em dinheiro paga a título de preço pelo adquirente;
b) (...);
c) (...);
d) (...);
e) (...);
f) (...);
g) (...);
h) Em geral, quaisquer encargos a que o comprador ficar legal ou contratualmente obrigado.
6 - (...).
O artigo 139.º do Código do IRC (CIRC)[3], que regula o procedimento de elisão da presunção constante do artigo 64.º do mesmo Código, dispõe que:
Artigo 139.º
Prova do preço efetivo na transmissão de imóveis
1 — O disposto no n.º 2 do artigo 64.º não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
2 — (...).
3 — (...).
4 — (...).
5 — (...).
6 — (...).
7 — (...).
8 — (...).
No artigo 64.º do CIRC consagra-se, igualmente na parte relevante, que:
Artigo 64.º
Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis
1 — Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 — Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
3 — (...).
4 — (...).
5 — (...).
6 — (...).
No artigo 51.º, n.º 1, al. a) do CIRS consagra-se que:
Artigo 51.º
Despesas e encargos
1- Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:
a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º;
Por último, no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, dispõe-se:
Artigo 10.º
Mais-valias
(...)
4 - O ganho sujeito a IRS é constituído:
a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nas situações previstas nas alíneas a), b), c), i), j) e k) do n.º 1, sem prejuízo do disposto no n.º 19;
(...)
5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;
d) (Revogada.)
(...)
V.2. A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS e a aplicação da norma ao caso em julgamento
Num contrato de divisão amigável de coisa comum que tem por objeto um imóvel, observa-se a forma exigida para a alienação onerosa da coisa, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 1413.º do Código Civil (CC), ou seja, para a compra e venda, contrato que se define, nos termos do artigo 874.º do mesmo código, como «o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço». E que só é válido, nos termos do artigo 875 do CC, se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado. Como no caso em análise sucedeu (Documento particular autenticado)
Assim, o preço, enquanto elemento essencial do contrato, e com reflexos no apuramento do valor de realização, é um dos elementos essenciais à determinação das mais-valias ou menos-valias na transmissão onerosa, correspondendo ao que, conforme o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo supratranscrito, é constituído pelo valor da respetiva contraprestação.
O valor da contraprestação, numa alienação onerosa, a solver pelo devedor (adquirente), é a prestação ao credor (alienante) a que se encontra obrigado nos termos contratuais, denominando-se, geralmente e de modo muito amplo, como "preço".
Não obstante, o n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, vem impor que, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, como é o caso, sobre a contraprestação declarada no contrato a favor do vendedor, prevalece, quando superior, o valor que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis pelo direito de propriedade sobre bem imóvel alienado pelo vendedor. Ou seja, o legislador fiscal consagrou um conceito próprio, na alienação de imóveis, para o preço enquanto valor da contraprestação: no n.º 2 do artigo 44.º do CIRS.
Tendo, no entanto, esta norma sido declarada inconstitucional com força obrigatória geral pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/2025, de 6 de maio de 2025, Proc. 650/2024, publicado no DR, I Série, n.º 102, de 28 de maio de 2025, deve este tribunal, antes continuar a conhecer de mérito, decidir se ela pode, para o efeito, ser invocada, uma vez que o juízo de inconstitucionalidade com carácter geral de uma norma jurídica tem, entre outros, o efeito da eficácia erga omnes, que se traduz na necessidade de acatamento da decisão por todas as autoridades públicas (legislador, administração e tribunais) e por todos os cidadãos (In DR - Lexionário - Força Obrigatória Geral). É o que se faz de seguida.
Tal juízo de inconstitucionalidade foi prolatado pelo Tribunal Constitucional, em processo de fiscalização abstrata da constitucionalidade e da legalidade, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), isto é, com fundamento em que a norma do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS já tinha sido julgada inconstitucional em três casos concretos.
A Decisão tem o seguinte teor:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 44.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na interpretação segundo a qual, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível», por violação do princípio da capacidade contributiva ínsito nos artigos 103.º, n.º 1, e 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Não obstante, como se viu, não obstante o artigo 44.º do IRS ter sido alterado em 2014/15 e nele ter sido consagrada a suscetibilidade de ser ilidida a presunção nos mesmos termos em que o é no Código do IRC[4], o Acórdão do Tribunal Constitucional é omisso quanto a esse aspeto, não devendo, porém, concluir-se que deveria tê-lo abordado.
Cabe, pois, ao intérprete tentar determinar o sentido e alcance da decisão em causa e concluir pela sua aplicabilidade ou inaplicabilidade ao caso concreto.
Neste sentido, entende o Tribunal que o julgamento de inconstitucionalidade não teve por objeto a norma declarada inconstitucional tal como se encontra atualmente redigida e vigente, uma vez que a fiscalização abstrata foi motivada pela declaração de inconstitucionalidade em três casos concretos. Vejamos:
i) No Processo n.º 211/2017, verifica-se:
a) Que a norma em vigor à data do facto tributário que deu origem à liquidação de IRS impugnada era a seguinte (transcrição do n.º 8, na Capítulo da Fundamentação):
8. A questão de constitucionalidade colocada a este Tribunal no presente recurso respeita à recusa de aplicação, pelo Tribunal a quo, da norma constante do n.º 2 do artigo 44.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação dos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP (cfr. requerimento de interposição de recurso, a fls. 108, e sentença do TAF de Leiria de 4/12/2014, a fls. 102-verso).
Assim dispõe o artigo 44.º do CIRS (na redação resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro e anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, que aditou os números 5 a 7 e republicou o CIRS):
«Artigo 44.º
Valor de realização
1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:
a) No caso de troca, o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos, ou o valor de mercado, quando aquele não exista ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ou outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar;
b) No caso de expropriação, o valor da indemnização;
c) No caso de afectação de quaisquer bens do património particular do titular de rendimentos da categoria B a actividade empresarial e profissional, o valor de mercado à data da afectação;
d) No caso de valores mobiliários alienados pelo titular do direito de exercício de warrants autónomos de venda, e para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, o preço de mercado no momento do exercício;
e) Tratando-se de bens ou direitos referidos na alínea d) do n.º 4 do artigo 24.º, quando não exista um preço ou valor previamente fixado, o valor de mercado na data referida;
f) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação.
2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.
3 - No caso de troca por bens futuros, os valores referidos na alínea a) do n.º 1 reportam-se à data da celebração do contrato.
4 - No caso previsto na alínea c) prevalecerá, se o houver, o valor resultante da correcção a que se refere o n.º 4 do artigo 29.º».
Sublinhe-se que à data dos factos o n.º 2 do artigo 44.º tinha a redação resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, com o teor seguinte:
«2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de sisa ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.»
A referida Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, substituiu, no n.º 2 do preceito em causa, a referência à liquidação de sisa pela referência à liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis – na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, que aprovou o Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) – cfr. artigo 2.º, n.º 2, e Anexo II – e cujo artigo 31.º, n.º 2, revogou, a partir da sua entrada em vigor, além do mais, o Código do Imposto Municipal de Sisa (e do Imposto sobre Sucessões e Doações). Assim, não obstante o teor literal do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS à data dos factos, já se encontrava então em vigor o CIMT.
b) Que foi o valor patrimonial tributário (VPT) que prevaleceu por ser superior, para efeitos de liquidação do IMT, ao valor declarado pelas partes no contrato (transcrição do n.º 14.4 do mesmo Capítulo):
14.4 Por força do dispositivo legal citado no parágrafo anterior, no caso dos autos sub judicie, o valor da realização do imóvel objeto de alienação onerosa foi fixado pela Administração fiscal em € 350.790,00 por ser este o valor que veio a ser posteriormente considerado para efeitos de liquidação do IMT (calculado nos termos do Código do IMI) e não o valor de € 150.000,00, correspondente ao valor da contraprestação devida pela compra [recebida pela venda] do mesmo imóvel, constante da escritura de compra e venda (cfr. sentença recorrida, III- Fundamentação, 3.1 Dos Factos, fls. 96-verso a 99).
ii) Do Processo n.º 488/202 retira-se que:
a) O facto tributário ocorreu em 2009, consequentemente sob a vigência da norma com a redação antes citada, como se colhe do segundo parágrafo do n.º 1 do respetivo Relatório que se transcreve:
Trata-se, no processo a quo, de pedido de pronúncia arbitral, apresentado pela ora recorrida, depois do indeferimento da reclamação graciosa interposta, requerendo a anulação do ato de liquidação adicional de IRS relativo ao ano de 2009, num total de 28.518,21 Euros, incluídos juros compensatórios. Na decisão aqui atacada, o tribunal arbitral julgou procedente o pedido e determinou a anulação do referido ato tributário.
b) O fundamento do juízo de inconstitucionalidade da norma resulta de ter sido utilizado, como valor de realização, o VPT do imóvel alienado, por ser superior ao valo declarado no contrato, como decorre do seguinte segmento do n.º 2 do Relatório:
Face ao conteúdo das normas citadas, importa recordar que pela Lei n.º 82.º-E/2014, de 31/12, com entrada em vigor em 01/01/2015, foram aditados ao artigo 44.º do CIRS os n.ºs 5, 6 e 7, que criam um procedimento próprio para efeitos de prova de que o valor de venda efetivamente praticado, foi inferior ao VPT, ilidindo deste modo a presunção prevista na norma do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, que refere que os valores a considerar, como valores de realização para efeitos de apuramento das mais-valias, devem ser os que houverem sido considerados para efeitos de liquidação do IMT, quando da alienação onerosa dos bens.
A presunção em causa, face ao disposto no n.º 2 do artigo 45.º, só poderá deixar de se aplicar se, como dispõem os n.º 5 e 6 do mesmo artigo, for feita prova, de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC, cumprindo-se o que se mostra previsto no n.º 3 deste normativo, ou seja, "mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos ".
Sucede, porém, que à data da alienação onerosa dos bens em causa, na referida data de 09/03/2009, ainda não vigoravam na ordem jurídica as referidas disposições legais, pelo que não poderão ser chamadas à colação.
iii) Por último, nos termos do Acórdão n.º 110/2024:
a) O facto tributário de que resultou a liquidação de IRS impugnada verificou-se em 2012, antes, portanto, de o artigo 44.º ter sido alterado, como se comprova pela transcrição do seguinte extrato do n.º 2, C) De Direito:
A questão a decidir nos presentes autos consiste[m] em saber se a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2016..., de 18/11/2016, relativa ao ano de 2012, a qual apurou o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares a pagar e juros compensatórios no montante global de 25.817,90€, padece das apontadas ilegalidades
b) O fundamento volta a ser, uma vez mais, a prevalência do VPT sobre o preço declarado no contrato, por ser superior, de conformidade com a transcrição do seguinte extrato da decisão recorrida:
A Autoridade Tributária apenas não aceita que seja possível aos Impugnantes fazer prova do preço efetivamente recebido por considerar que o n.º 2 do artigo 44.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares manda aplicar ou o valor da escritura ou o valor patrimonial tributário, consoante o que seja superior, não estabelecendo qualquer presunção que possa ser ilidida
É, pois, dado como assente que a presunção cuja elisão o n.º 2 do artigo 44.º não permitia à data da verificação dos factos tributários que estão na origem das liquidações de IRS que foram impugnadas, tinha como "facto conhecido" o valor do VPT quando superior ao valor declarado pelas partes.
O que se corrobora pela seguinte transcrição do teor do Acórdão n.º 348/2025, aqui em análise:
B) Mérito
6 — A norma que integra o pedido consta do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, republicado pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, e tem o seguinte teor:
Artigo 44.º
Valor de realização
1 — Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:
a) No caso de troca, o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos, ou o valor de mercado, quando aquele não exista ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ou outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar;
b) No caso de expropriação, o valor da indemnização;
(...)
f) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação.
2 — Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.
7 — A Lei n.º 82-E/2014, acima mencionada, aditou a este preceito legal os n.os 5 a 7, com relevância para a apreciação dos autos, cujo teor é o seguinte:
“5 — O disposto no n.º 2 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto.
6 — A prova referida no número anterior deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações.
7 — Nos casos em que são efetuados ajustamentos, positivos ou negativos, ao valor de realização, e se à data em que for conhecido o valor definitivo tiver decorrido o prazo para a entrega da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 57.º, deve o sujeito passivo proceder à entrega de declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte”.
Tendo em conta esta alteração, e em face do teor destes novos preceitos, que a interpretação normativa ora em crise parece ser, hoje, inadmissível, à luz do mais elementar processo de hermenêutica jurídica, uma vez que fica definitiva e indubitavelmente vedada a possibilidade de o n.º 2 do artigo em causa ser lido como consagrando uma presunção inilidível. Todavia, a realidade é que chegaram a este Tribunal, em data recente, casos concretos em que a interpretação normativa impugnada continua a ser recusada com fundamento em inconstitucionalidade (sublinhado nosso).
Termos em que se conclui que o juízo de inconstitucionalidade com força obrigatória geral que recaiu sobre o n.º 2 do artigo 44.º do CIRS não é aplicável aos factos tributários que ocorreram após a modificação introduzida na norma pela Lei n.º 82/E-2014 e que vedou a possibilidade de aquele preceito ser interpretado, na parte em que o VPT prevalece sobre o valor declarado, como consagrando uma presunção inilidível. Pelo que nada obsta a que aqui se aplique o disposto no preceito em causa, in totto, pois a "presunção" ali consagrada é, desde 1 de janeiro de 2015, ilidível.
§ 3.º Do valor da contraprestação devida ao Requerente e que deve ser considerada como valor de realização
O Requerente entende que apenas a importância em numerário recebida é suscetível de ser considerada como "valor de realização", sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva enquanto fundamento e limite da tributação.
A alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do CIRS determina que o valor de realização seja, neste caso, o valor da contraprestação, ou seja, o valor constante do contrato.
O n.º 2 do mesmo artigo 44.º, dispõe que, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.
Ora, incidindo o IMT sobre o valor constante do ato ou do contrato nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do CIMT - neste caso não foi utilizado o critério do VPT e, se o tivesse sido, deveria o Requerente ter ilidido a presunção nos termos previsto no artigo 44.º do CIRS - deve também observar-se o que dispõe o n.º 5 daquele preceito, nas suas alíneas a) e f). Ou seja, que o valor constante do contrato, sobre o qual incide o IMT, é o valor recebido em dinheiro, acrescido dos encargos a que o comprador ficar legal ou contratualmente obrigado. E não se diga que também aqui se está perante a violação do princípio da capacidade contributiva, a tese do Requerente. o Tribunal Constitucional limitou o seu juízo de inconstitucionalidade, com fundamento em violação da capacidade contributiva, à presunção à data insuscetível de ilisão, ou sej, à prevalência do VPT sobre o valor constante do contrato.
No Acórdão do STA de 22-04-2009, proferido no Processo n.º 01124/08, que, embora a propósito do IVA, densificou o conceito de valor constante do contrato, nos termos seguintes:
2.3 No caso sub judicio, não se vê que tenha sido apurado o valor patrimonial do imóvel. Pelo que não se sabe se «o valor constante do acto ou do contrato» é “maior” do que o valor patrimonial do imóvel em foco. O que é facto é que o valor considerado para efeitos da liquidação de IMT em causa não foi «o valor patrimonial tributário» do imóvel transmitido, mas «o valor constante do acto ou do contrato».
A sentença recorrida parte do princípio de que «O IMT incidirá sobre o valor (e não sobre o preço) constante do acto ou do contrato (...)», no entendimento de que «a redacção do artigo 12.º do CIMT pressupõe uma abrangência total no sentido englobar tudo aquilo a que o comprador esteja legal ou contratualmente obrigado».
Julgamos, todavia, que a razão está da banda da ora recorrente.
Na realidade, certos encargos encontram-se excluídos da base tributável em IMT, não obstante o comprador a eles ficar contratual ou legalmente obrigado. (negrito nosso)
É consabido que os encargos notariais, muito embora o comprador a estes esteja contratual ou legalmente obrigado (cf. artigo 878.º do Código Civil), não concorrem para o valor tributável em IMT.
E é pacífico que o imposto do selo, apesar de constituir encargo legal do comprador [cf. a alínea a) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo), também não concorre para o valor tributável em IMT.
Ora, se todos esses encargos, não obstante o comprador a eles estar contratualmente ou legalmente obrigado, não concorrem para o valor tributável em IMT, não pode proceder o argumento central da sentença recorrida, de que «a redacção do artigo 12.º do CIMT pressupõe uma abrangência total no sentido englobar tudo aquilo a que o comprador esteja legal ou contratualmente obrigado».
Pelo contrário. Do ponto de vista que adoptamos, é forçoso concluir que o n.º 5 do artigo 12.º do Código do IMT não engloba tudo aquilo a que o comprador esteja legal ou contratualmente obrigado.
Com efeito, as diversas alíneas do n.º 5 do artigo 12.º do Código do IMT contêm algumas hipóteses de concretização da expressão “valor constante do acto ou do contrato”, utilizada no n.º 1 do mesmo artigo (enquanto grandeza subsidiária do valor patrimonial a considerar como valor tributável em IMT). Começando por esclarecer, na alínea a), que o valor tributável inclui “a importância em dinheiro paga a título de preço”, acrescenta imediatamente, na alínea b), que nele também se inclui o “valor dos móveis dados em troca”, isto é o pagamento em espécie. Trata-se de uma definição abrangente de contraprestação, que faz concorrer para o valor tributável toda a contraprestação actual, seja feita em dinheiro ou em espécie com bens móveis. [A contraprestação em bens imóveis – a permuta – é tratada separadamente na regra 4.ª do n.º 4 do mesmo artigo]. As alíneas seguintes do n.º 5 do artigo 12.º do Código do IMT distinguem-se das primeiras duas por acrescentarem à definição de valor tributável os encargos a que o adquirente se obriga perante o transmitente, e que se traduzem, normalmente, em prestações futuras. Assim, as alíneas c) e d) tratam da contraprestação constituída por pensão ou renda vitalícia ou perpétua, nos termos dos artigos 1238.º e 1231.º do Código Civil, ou por pensão ou renda temporária, designadamente nas doações de imóveis oneradas com encargo, nos termos do artigo 963.º do Código Civil, cuja incidência o Código do IMT acautela no respectivo artigo 3.º. E as alíneas e), f) e g) tratam de rendas devidas ao vendedor pelo superficiário, bem como as que lhe são devidas pelo arrendatário-comprador, cuja incidência o Código do IMT acautela no n.º 2, b) e c), do seu artigo 2.º. Assim, as alíneas c) a g) do n.º 5 do artigo 12.º do Código do IMT elencam várias situações em que o comprador assume perante o vendedor o encargo de pagar rendas ou pensões cujo valor deve integrar a base tributável. Compreende-se que assim seja. Na falta de normas semelhantes, o comprador seria tentado a explorar a dúvida sobre se esses encargos integrariam o valor tributável, maximizando esses encargos futuros à custa da contraprestação actual – o preço. As diversas alíneas do n.º 5 do artigo 12.º do Código do IMT destinam-se a preservar a neutralidade entre prestação actual e encargos futuros, estabelecendo que uns e outros concorrem igualmente para a base tributável, assim retirando qualquer incentivo ao contribuinte para manipular os termos da contraprestação.[Como “encargos a que o comprador fica legalmente obrigado” podemos pensar, v. g., nos direitos transmitidos ao comprador ob rem ou propter rem e que acompanham, ope legis, a transmissão do direito principal sobre os imóveis sujeitos a IMT] (negrito nosso).
Apesar das suas diferenças, os encargos do comprador previstos nas alíneas a) a g) do n.º 5 do artigo 12.º do Código do IMT tem uma característica em comum: todos se traduzem em prestações que ingressam ou são susceptíveis de ingressar no património do vendedor, como contraprestação de valor correspondente ao valor patrimonial do imóvel por ele transmitido.
De modo a assegurar a aplicação do mesmo regime a outras formas atípicas de encargos, o n.º 5 do artigo 12.º do Código do IMT acrescenta, numa última alínea h), uma cláusula de formulação genérica, destinada a incluir na previsão normativa “quaisquer [outros] encargos a que o comprador ficar legal ou contratualmente obrigado”.
A referida alínea h) formula em termos puramente genéricos o que as cláusulas anteriores formulam exemplificativamente em particular.
Por isso, não pode atribuir-se a uma cláusula, como a da alínea h), um sentido de todo excepcional ao das cláusulas particulares das quais ela brota como cláusula geral e residual – e que é o de apenas incluir na base tributável em IMT os valores prestados como contraprestação do valor que ao adquirente lhe é transmitido pelo contrato: o valor patrimonial do imóvel.
Estamos deste modo a concluir – e em resposta ao thema decidendum – que o IVA não constitui encargo para os efeitos do disposto na alínea h) do n.º 5 do artigo 12.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).
Pelo que deve ser revogada a sentença recorrida que assim o não entendeu.
E, então, havemos de convir, em súmula, que, nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IMT, «O IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior».
De acordo com o disposto na alínea h) do n.º 5 do mesmo artigo 12.º do Código do IMT, considera-se “valor constante do acto ou do contrato” «Em geral, quaisquer encargos a que o comprador ficar legal ou contratualmente obrigado».
Os encargos mencionados, da mesma natureza daqueles referidos nas várias alíneas do mesmo n.º 5 do mesmo artigo 12.º – de fonte contratual ou legal –, hão-de ser encargos de contraprestação do valor patrimonial do objecto contratado.
E o IVA não constitui contraprestação do valor patrimonial do objecto contratado e transmitido – pelo que não pode integrar a base do valor tributável em IMT.
Sobre obrigações ob rem ou propter rem escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-09-2020, Processo 25384/18.0T8PRT-A.P1:
Bem a propósito, escreveu-se no Acórdão do STJ de 08/07/2003[13] que nas denominadas obrigações propter rem, obrigações que decorrem do estatuto dos iura in re, o sujeito passivo é o titular do direito real, in casu do domínio, e por ele e à custa dele devem ser satisfeitas.
E continua o douto aresto:
«De notar que não se trata de uma obrigação de indemnizar, mas da obrigação de fazer coincidir a situação material da coisa com o estatuto do direito real que lhe molda o objecto.
Daí que se possa mesmo dizer que a violação do estatuto dos iura in re acabe por reflectir a "violação de um direito real alheio", tendo a respectiva obrigação propter rem "sempre como devedor o titular do direito real, mesmo que os actos que a originam sejam praticados por terceiro igualmente vinculado ao cumprimento" (HENRIQUE MESQUITA, "Obrigações Reais e ónus Reais" 309/311).
Obrigação propter rem, como a que agora se aprecia, resulta, pois, "directa e imediatamente, da aplicação do estatuto do direito à situação em que a coisa objectivamente se encontra". Nasce com a violação e subsiste, ligada à coisa, enquanto não se verificar uma causa de extinção.
Consequentemente, em caso de transmissão, o novo titular do direito real fica colocado, relativamente a esse estatuto, na mesma situação em que se encontrava o anterior, ou seja, as obrigações transmitem-se com o direito real de que elas decorrem.
E quando tal sucede, escreve o Prof. Henrique Mesquita (ob. cit., 333), «o alienante do ius in re, em virtude de ter cessado a soberania sobre a coisa, fica impossibilitado de realizar a prestação debitória. Mesmo que ele, não obstante a alienação, se dispusesse a fazê-lo, só lograria efectuar o cumprimento caso o novo titular do direito real o autorizasse a interferir na res».
Por isso, ou seja, porque a obrigação está ligada ao domínio e com o detentor desta posição jurídica coincide a legitimidade para nela interferir, é também este sujeito que deve realizar a prestação. Portanto, impõe-se também a conclusão de que o credor da obrigação propter rem pode exigir o cumprimento ao subadquirente, porque a obrigação acompanha a coisa, vinculando quem se encontre, a cada momento, na titularidade do respectivo estatuto.
Transcrevendo novamente H. Mesquita (loc. cit., 336), dir-se-á que, como obrigações ambulatórias que são, «trata-se sempre, em síntese, de obrigações que só podem ser cumpridas por quem seja titular do direito real de cujo estatuto promanam (...)» - os negritos são nossos.
Na decisão arbitral de 18-11-2024, proferida no processo 599/2024-T, teceram-se as seguintes considerações, às quais este Tribunal adere:
O Requerente para sustentar a sus interpretação invoca o Ac. do STA de 22.04.2009, proc. n.º 01124/08. O Acórdão conclui que o IVA não é um encargo que deve integrar o valor tributável, para efeitos do art. 12º, n.º5, al. h) do CIMT.
Sucede que, o Ac. não analisa se o valor das hipotecas e das penhoras que estejam registadas sobre o imóvel devem, ou não, integrar o valor tributável para efeitos de IMT.
Não obstante, o Acórdão é deveras relevante para o apuramento da melhor interpretação, passando a citá-lo:
“[Como “encargos a que o comprador fica legalmente obrigado” podemos pensar, v. g., nos direitos transmitidos ao comprador ob rem ou propter rem e que acompanham, ope legis, a transmissão do direito principal sobre os imóveis sujeitos a IMT].” Assim, temos de apurar se as hipotecas e as penhoras são, ou não, direitos propter rem.
A obrigação propter rem é aquela cujo sujeito passivo – o devedor – é determinado não pessoalmente (“intuitu personae”), mas realmente, isto é, determinado por ser titular de um determinado direito real sobre a coisa (1).
Consubstancia uma verdadeira relação creditória incrustada no estatuto do direito real, figurando como elemento do seu conteúdo (2).
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1 Cf. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Lex, 1979, pag. 367, Oliveira Ascensão, Direto Civil-Reais, Coimbra Editora, 5º Ed., pág. 52 e Luís Menezes Leitão, Direitos Reais, Almedina, 10º Ed., pág. 81
2 Cf. Henrique Mesquita, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXII, 1976, pág. 151, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3º Ed., Almeida, pág. 75
Consequentemente, em caso de transmissão da coisa, e porque o alienante do ius in re, em virtude de ter cessado a soberania sobre a coisa, fica impossibilitado de realizar a prestação debitória, o novo titular do direito real (porque a obrigação acompanha a coisa, vinculando quem se encontre, a cada momento, na titularidade do respetivo estatuto) fica colocado, relativamente a esse estatuto, na mesma situação em que se encontrava o anterior, ou seja, as obrigações de garantia transmitem-se com o direito real de que elas decorrem, cabendo-lhe, como tal, a obrigação de realizar a prestação.
Sendo assim, essa obrigação transmite-se ao adquirente da coisa com o direito real de que ela decorre: o novo titular do direito real fica colocado, relativamente ao cumprimento dessa obrigação (no caso sub judice, a obrigação decorrente das hipotecas e das penhoras) na mesma situação em que se encontrava o anterior (quem transmitiu o imóvel).
Ora, como “o alienante do ius in re, em virtude de ter cessado a soberania sobre a coisa, fica impossibilitado de realizar a prestação debitória” (3) e, por isso, ou seja, “porque a obrigação está ligada ao domínio e com o detentor desta posição jurídica coincide a legitimidade para nela interferir, é também este sujeito que deve realizar a prestação. Portanto, impõe-se também a conclusão de que o credor da obrigação propter rem pode exigir o cumprimento ao subadquirente, porque a obrigação acompanha a coisa, vinculando quem se encontre, a cada momento, na titularidade do respectivo estatuto.” (4)
Citando o Henrique Mesquita: “Sendo inaceitável, no entanto, que a simples alienação do direito real prive o credor da obrigação propter rem do direito à prestação – prestação esta, de resto, que, na maior parte dos casos, se destina a efectivar o regime imperativo dos direitos reais – forçoso é entender que ele poderá exigir o cumprimento ao subadquirente, precisamente com fundamento em que a dívida acompanha o direito real de cujo estatuto emerge, vinculando todo aquele a quem a respectiva titularidade sucessivamente for pertencendo.” (5)
Deste modo, “(…) é mais consentâneo com os princípios que disciplinam as relações creditórias o entendimento de que estamos perante um caso verdadeiro e próprio de transmissão de uma dívida propter rem.” (6)
No que diz respeito às hipotecas o art. 686º, n.º1 do CC, prevê o seguinte: “A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.”
Assim os credores a favor dos quais foram constituídas as hipotecas têm o direito de ser pagos pelo valor do imóvel que agora é propriedade do Requerente implicasse a extinção
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3 In Obrigações Reais e Ónus Reais, Henrique Mesquita, pág. 333
4 In Ac. do STJ de 08/07/2003, proc. n.º 03A531
5 In Obrigações Reais e Ónus Reais, Henrique Mesquita, pág. 334
6 In Obrigações Reais e Ónus Reais, Henrique Mesquita, pág. 335
da obrigação, o credor perderia o benefício da garantia hipotecária, dada a relação de acessoriedade ou instrumentalidade que sempre existe entre uma garantia e a obrigação garantida.” (7)
A hipoteca é direito real de garantia. (8)
Quanto à penhora, trata-se igualmente de um direito real de garantia (9). Tendo as penhoras sido efetuadas e registadas na Conservatória do Registo Predial, a alienação a favor do Requerente é inoponível ao exequente (art. 819º do CC). Com a penhora o exequente adquire o direito de ser pago com o produto da venda do bem, que agora, é propriedade do Requerente (art. 822. n.º1 do CC e arts. 5º, n.º1 e 6º, n.º1 do Código do Registo Predial).
A hipoteca e a penhoras são obrigações propter rem porque seguem a coisa que nela encontra o seu fundamento de existência, independentemente do titular da mesma.
Assim, o Requerente enquanto proprietário do imóvel está legalmente obrigado a esses encargos. Precise-se que o Requerente (terceiro proprietário do bem hipotecado e penhorado) não é o devedor dos mútuos nem das dívidas, nem é necessária qualquer assunção ou transmissão contratual da dívida, mas enquanto proprietário do imóvel, tais valores são encargos a que está legalmente obrigado. Aliás o legislador prevê o art. 721º do CC a forma de um terceiro proprietário de um bem hipotecado, que não é pessoalmente responsável pelas obrigações garantidas, poder expurgar a hipoteca (art. 721º do CC), o que significa que se trata de um encargo que o Requerente assumiu com a anterior aquisição.
Sendo assim, é evidente que o valor das hipotecas e das penhoras registadas sobre o imóvel são encargos a que o Requerente fica legalmente obrigado, por ser proprietário do imóvel, e por isso devem se incluídos no valor tributável nos termos do art. 12º, n.º 5, al. h) do CIMT.
Neste mesmo sentido veja-se Silvério Mateus e Corvelo Freitas na anotação ao art. 12, n.º 5, al. h) do CIMT: “Da mesma forma, integram o referido conceito eventuais encargos hipotecários que incidem sobre os prédios transmitidos e que, conjuntamente com estes se transmitam ao adquirente.” In Os Impostos sobre o Património Imobiliário, o Imposto de Selo, Engifisco, 2005, pág. 428
No mesmo sentido veja-se igualmente a decisão do CAAD, de 04.12.2020, no processo n.º 175/2020-T.
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7 In Obrigações Reais e Ónus Reais, Henrique Mesquita, pág. 336
8 Cf. Luís Menezes Leitão, Direito Reais, Almedina, 10ª Ed., pág.496
9 Cf. Luís Menezes Leitão, Direito Reais, Almedina, 10ª Ed., pág.522
Termos em que se decide pela procedência do entendimento da Requerida, fundamentado em termos que permitem a um destinatário normal ficar, nesta parte, a conhecer o percurso cognitivo da administração fiscal que levou àquela decisão e não a outra, no Procedimento de Divergência, que melhor se designaria por procedimento de comprovação nos termos do artigo 128.º do CIRS[5], no sentido em que o valor proporcionalmente imputável à sua quota parte do imóvel alienado pelo Requerente, relativo ao valor em dívida à data da alienação, que o próprio Requerente determinou em € 235.000,00, não obstante o que ficou provado na al. F) do probatório, relativo às hipotecas que garantiam empréstimos efetuados por uma instituição financeira a ambos os comproprietários desse imóvel, deve acrescer, nos termos da al. h) do n.º 5 do artigo 12.º do CIMT, ao valor recebido em dinheiro tendo em vista "valor determinado no contrato" e, por essa via, se alcançar o "valor da contraprestação" referido na al. h) do n.º 1 do artigo 44.º do CIRS.
Valor esse que, no caso dos autos, é o que estaria, enquanto valor declarado, sujeito, pela parte adquirente, do IMT e, não consistindo em qualquer presunção, mas na mera soma aritmética das parcelas constantes do contrato, e deve ser o considerado como valor de realização, nos termos do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS.
Note-se, também, que a parte compradora assumiu perante a instituição de crédito mutuante a responsabilidade pessoal pela dívida, como ficou provado, e, consequentemente, o alienante dela ficou desonerado, ocorrendo a este propósito, na sua esfera patrimonial, uma variação positiva, pois diminuiu o passivo pelo qual era responsável e, por isso mesmo, corrobora a convicção do Tribunal segundo a qual o acréscimo dos encargos elegíveis à importância recebida em dinheiro, nada viola o princípio da capacidade contributiva. E, como se sabe, um empréstimo, também em IRS, em nenhuma categoria de rendimentos é um custo ou um encargo dedutível na determinação do respetivo rendimento líquido. A dedutibilidade permitida indiretamente resulta exclusivamente do regime do reinvestimento do valor de realização e nos precisos termos aí consagrada.
V.3. Do valor a considerar como despesas e encargos com a valorização dos bens nos termos do artigo 51.º do CIRS
Tal como decorre do probatório, o Requerente outorgou, em 4 de outubro de 2011, após a aquisição do imóvel em compropriedade, um contrato de empreitada que tinha por objeto, de harmonia com o n.º 2 do seu artigo 1.º :
2. A empreitada tem por objecto "a reabilitação/recuperação do edifício", cujos trabalhos a realizar se encontram definidos, quanto a sua espécie, quantidade e execução, no Caderno de Encargos no Projecto e Orçamento que se anexa ao presente contrato como DOCUMENTO 1 e que dele faz parte integrante e para que se remete e aqui se dá por reproduzido.
Não pode, pois, deixar de se considerar como verificado o pressuposto da "valorização dos bens" de que o artigo 51.º, n.º 1, al. a) do CIRS faz depender o acréscimo ao valor de aquisição de tais despesas ou encargos.
O valor da empreitada, a que acrescia o IVA de 6%, foi estabelecido no artigo 7.º do Contrato, em € 192.238,72.
O Requerente, em sede de Procedimento de Divergências - Comprovação, apresentou, em conformidade com a Informação prestada no processo de Divergências e ao qual se encontram anexas, as faturas, emitidas no termos legais pelo empreiteiro da obra e justificadas com autos de medição, n.ºs 76/2011, de 31/10, no valor de € 11.839,67, 2/2012, de 03/01, no valor de € 16.208,14, 6/2012, de 01/02, no valor de € 16.201,63, 15/12, de 21/03, no valor de € 47.523,69, 23/2012, de 04/05, no valor de € 45.659,46 e 25/2012, de € 32.294,43, somando um total de € 169.691,02 (IVA incluído), sendo imputável à quota parte do Requerente o valor correspondente a € 84.845,51. A Requerida considerou ainda o valor de imposto de selo no montante de € 1.460,00, comprovado nas aplicações informáticas dos Impostos sobre o Património e relativo a impostos suportados na aquisição ou na alienação.
Deveria, pois, ter sido considerado ao Requerente, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 51.º do CIRS, o valor de € 86.305,51 de encargos com a valorização dos bens nos últimos 12 anos - pressuposto verificado - e de outras despesas efetivamente realizadas com a aquisição ou alienação.
No entanto, e como consta do Anexo G, Quado 4, linha 4001, coluna Despesas e Encargos, da Declaração Oficiosa preenchida pelos Serviços da Requerida, apenas foi inscrito o valor de € 56.696,29.
Resulta da fundamentação da decisão proferida na informação prestada no procedimento de divergências que a não aceitação como encargo da totalidade do valor comprovado por faturas decorre do facto de o Requerente não ter apresentado todos os recibos correspondentes, o que expressa ter a desconsideração dos encargos ficado a dever-se a uma presunção de não pagamento do valor das faturas na parte em que o mesmo não estava justificado por recibos.
Por seu turno, na Informação prestada e sancionada na Reclamação Graciosa, e ainda que a posteriori, fundamenta-se o não acréscimo dos encargos com a valorização dos bens nos seguintes termos: V. Mais, quanto aos encargos de valorização, para efeitos do disposto no artigo 51.º do Código IRS, consideram-se como sendo as despesas realizadas nos últimos 12 anos, comprovadamente suportadas pelo titular do direito de propriedade do bem objeto de alienação onerosa que, pela sua natureza, se mostrem indissociáveis do mesmo e, efetivamente, contribuam para o valorizar, bem como as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação.
De harmonia com o disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 51.º do CIRS, para determinação das mais-valias sujeitas a imposto acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos doze anos. Nos termos da lei, o acréscimo dos encargos com a valorização dos bens tem como único requisito legal a sua comprovada realização.
No caso em análise, foi documentalmente provada a celebração de um contrato de empreitada de reabilitação/recuperação do imóvel, do qual resulta que a realização da obra contratada contribuiria para a valorização económica do imóvel. Foi igualmente comprovado documentalmente que o empreiteiro emitiu ao dono da obra as faturas já identificadas, relativas a autos de medição da obra que foi sendo executada e que, no seu total, nem sequer atingem o valor atribuído contratualmente à empreitada.
Conclui, pois, o Tribunal que, tendo sido comprovadamente realizadas as obras com a realização do imóvel, devem ser integralmente acrescidas ao valor de aquisição, na exata medida da prova feita pelas faturas emitidas pelo empreiteiro e pelos autos de medição (Doc. 8 e 9 juntos ao PPA), que ascendem a € 86.305,51, improcedendo, por falta de fundamentação, uma vez que nem a alegada falta de recibos no procedimento de divergências, nem exigência de os encargos com a valorização dos bens deverem ser "comprovadamente suportadas" constante da Informação prestada na Reclamação são idóneas, por total ausência de suporte legal, desde logo literal, para fundamentar a desconsideração efetuada pela Requerida.
V.4. Do valor suscetível de ser abrangido pelo n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS - Reinvestimento do valor de realização
Do procedimento de divergências/comprovação que correu termos no Serviço de Finanças de Gaia 2 resulta também que se inclui nas correções efetuadas a eliminação do valor declarado pelo Requerente no Anexo G, Quadro 5A, campo 505, e que tem legal influência na liquidação impugnada, com a seguinte fundamentação:
Q.5A - campo 5005 - Retirar o valor declarado por não ter sido comprovado. Da consulta ao documento apresentado da Caixa Geral de Depósitos onde consta a desvinculação do contribuinte A... quanto ao crédito para aquisição imóveldestinado a habitação própria e permanente, refere que o outro SP que adquiriu a metade assume individualmente a totalidade da divida à data da alienação (doc.Alt.ao contrato de empréstimo com hipoteca celebrado em 2011/05/14 da CGA).
Já na reclamação, e sem poder deixar de referir-se que se trata de fundamentação a posteriori, vem a Requerida escrever a este propósito, tendo aparentemente como finalidade suportar a inócua fundamentação expressa no procedimento de divergências/comprovação, que:
V. Nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, poderão ser excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que, cumulativamente:
*O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
*O reinvestimento seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização; e
*O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;
V. Ora, referindo expressamente aquela norma que a amortização respeita a empréstimo contraído para efeitos de aquisição de imóvel, a faculdade prevista na mesma não é extensível a outras situações. Assim sendo, a “assunção por parte do comprador, da divida hipotecária que cabia ao reclamante e que pendia sobre o imóvel”, não pode ser deduzido ao respetivo valor de realização.
O Quadro 5-A do Anexo G da Declaração mod. 3 de IRS, epigrafado de REINVESTIMENTO DO VALOR DE REALIZAÇÃO EM IMÓVEL DESTINADO A HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE traduz-se, em valores, na interpretação e aplicação do regime do reinvestimento consagrado no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS. Uma das componentes desse regime é a declaração da "intenção de reinvestimento", a efetuar de acordo com as instruções oficiais de preenchimento, aprovadas para vigorar em 2023, tendo como objetivo a declaração de rendimentos a efetuar com referência ao ano de 2022, pela Portaria n.º 47/2023, de 15 de fevereiro e relativamente à qual a AT emitiu o Ofício Circulado n.º 20253, de 27.03.2023, nos termos seguintes:
Intenção de reinvestimento:
- No campo 5005 - o valor do capital em dívida do empréstimo contraído para a aquisição do bem alienado (excluem-se os juros e outros encargos, bem como os empréstimos para obras) à data da alienação do imóvel;
- No campo 5006 - o valor de realização que o sujeito passivo pretende reinvestir na aquisição de habitação própria e permanente sem recurso ao crédito, na compra de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino;
- No campo 5012 – o valor de realização que o sujeito passivo pretende reinvestir na aquisição de um contrato de seguro, ou de uma adesão individual a um fundo de pensões aberto, para contribuição para o regime público de capitalização ou ainda para produto individual de poupança pan-europeu.
O facto de o Tribunal desconhecer qual foi o valor declarado pelo Requerente no campo 5005 do Anexo G, não obsta a que se conheça de mérito sobre a decisão de desconsiderar o valor que dele constava, com a concomitante decisão sobre se aquele campo pode/deve ou não ser preenchido e, em caso afirmativo, qual o valor fiscalmente relevante.
Tendo em conta a já transcrita norma do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, importa chamar aqui à colação o primeiro segmento da norma transcrita, que confere ao Requerente o direito de reinvestir, com o correspondente benefício, o valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel (sublinhado nosso)
Afirmar-se, pois, o que, em sede de fundamentação, se escreveu sobre o não direito à "dedução de eventual empréstimo contraído para a aquisição ao imóvel", não tem qualquer suporte na lei e em qualquer dos elementos de interpretação que o artigo 9.º do Código Civil consagra. Tem este Tribunal, pois, uma interpretação diversa da feita pela Requerida nas Informações referidas.
O Requerente comprovou, conforme PA-Div.271244456.Doc.5, que contraiu, em regime de solidariedade com outra outorgante, 3 empréstimos junto da mesma instituição de crédito, com finalidades diversas, como, de resto antes se viu. No entanto, e porque o tema em análise é diverso, analise-se aqui o conteúdo relevante de tais contratos:
a) O contrato de mútuo com hipoteca, celebrado 17-05-2011, no montante de € 365.000,00, destinou-se ao financiamento da aquisição de imóvel para habitação própria e permanente e, à data do contrato da divisão de coisa comum, sendo o capital em dívida de € 283.873,35, pelo que a quota-parte imputável ao Requerente (50%) era de € 141.936.67;
b) O contrato de mútuo com hipoteca, também celebrado em 17-05-2011, no montante de € 150.000,00, destinou-se ao financiamento de obras de beneficiação do imóvel;
c) O contrato de mútuo com hipoteca, celebrado em 08-05-2012, no montante de € 80.000,00, destinou ao financiamento de investimentos múltiplos.
Como antes se concluiu, o montante dos mútuos em que o Requerente interveio como mutuário, solidariamente com outra outorgante, e na parte em que, o valor em dívida à data do contrato lhe era imputável, integra, como defendeu a Requerida, o "valor de realização".
Ora, se essa importância integrou o valor de realização, somando-se ao montante recebido em numerário, e o valor de realização é que deve ser reinvestido para se obter a delimitação negativa de incidência que o n.º 5 do artigo 10.º do CIRS consagrada, não pode deixar de concluir-se que a parte em dívida do empréstimo destinado à aquisição de habitação, e só esse porque os outros dois não são legalmente elegíveis, no valor de € 141.936,67, deve ser declarado no campo 5005 do anexo G, para produzir os efeitos legais.
Concluindo-se que a posição da Requerida, nesta parte, não pode proceder.
VI. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
No pedido arbitral, o Requerente solicitou a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
Quanto aos juros indemnizatórios, de acordo com o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Ora “nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Entende também este Tribunal Arbitral que a liquidação impugnada padece de vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito que a inquinam de ilegalidade, sendo o erro objetivamente imputável aos serviços.
O Requerente suportou assim um imposto indevido, pelo que são devidos juros indemnizatórios, à taxa legal, sobre o montante de € 8.332,36, desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos, nos termos do disposto no n.º 5 do CPPT.
DECISÃO
Nos termos expostos, decide este Tribunal:
a) Julgar parcialmente procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral, e anular o ato tributário impugnado nos exatos termos antes referidos;
b) Condenar a AT a restituir à Requerente o valor de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do título VI desta Decisão;
c) Condenar o Requerente e a Requerida, em proporção do decaimento, em custas.
VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixar ao processo o valor de € 28.014,61 (vinte e oito mil e catorze euros e sessenta e um cêntimos), indicado pelo Requerente e não contestado pela Requerida.
CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em € 1.530,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo a cargo do Requerente 57,8% e a cargo da Requerida 42,2%.
Notifique-se.
Lisboa, 5 de novembro de 2025
O Tribunal Singular,
(Manuel Faustino)
[1] Que dispõe: "1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos de determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto".
[2] Os n.ºs 3 a 7 do artigo 44.º do CIRS foram aditados pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de janeiro, com entrada em vigor em 1 de janeiro de 2015. Para o efeito, encontra-se no Relatório da Comissão de Revisão do IRS a seguinte fundamentação:
"5.1.11.11 Possibilidade de afastamento do critério do VPT mediante prova do preço de transmissão efetivo
Ao nível das mais-valias imobiliárias – e diferentemente do que sucede em sede de IRC e, também, de IRS, neste caso quando tais mais-valias são tributadas no âmbito da categoria B –, a tributação em sede da categoria G não prevê a possibilidade de afastamento da regra que determina que o valor de realização corresponde ao valor a considerar para efeitos de liquidação de IMT sempre que este seja superior ao declarado.
Não se vislumbrando motivos que impeçam a ilisão da referida presunção no âmbito da categoria G e podendo esse impedimento ter consequências gravosas e injustificadas para os contribuintes, propõe-se a consagração expressa de que, também neste caso, existe tal possibilidade".
[3][3][3] A norma em vigor tem origem no aditado artigo 129.º ao Código do IRC pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, entrado em vigor em 1 de janeiro de 2004.
[4] Não deixando de causar alguma perplexidade o facto de, no âmbito do CIMT, onde tem as suas raízes, ela continuar a ser inilidível.
[5] MANUEL FAUSTINO, A comprovação dos elementos declarados em IRS - um procedimento tributário em lista de espera, in Jurisdição Administrativa e Fiscal, n.º 1, 2025, pp. 83/97.