Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 290/2025-T
Data da decisão: 2025-11-05  IRS  
Valor do pedido: € 729.030,10
Tema: IRS - Alienação de frações autónomas em imóvel reconstruído. Qualificação dos rendimentos obtidos.
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Sumário:

i)      Os proveitos da venda de frações autónomas de um imóvel, que foi objeto de reconstrução/recuperação integral no âmbito do exercício de uma atividade empresarial, constituem "venda de mercadorias e produtos".  Sobre o respetivo montante incidirá o coeficiente de determinação do rendimento líquido da categoria B previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS.

ii)    A sua qualificação como "mais-valias", ainda que tributáveis como rendimentos empresariais, nos termos da al. c) do n.º 2 do artigo 3.º do CIRS, só procederia caso fosse inequivocamente comprovado que o imóvel tinha, à data da sua afetação, sido inscrito em conta de Investimentos, o que, em caso de tributação pelo regime simplificado consagrado no artigo 28.º do CIRS, conjugado com o disposto no artigo 116.º do mesmo Código, é manifestamente impossível.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

A..., contribuinte fiscal número n.º  ..., residente na Rua ..., n.º ..., ..., Lisboa, ...– ... Lisboa, apresentou, nos termos legais, requerimento pedindo de constituição de tribunal arbitral.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

I – RELATÓRIO

I.1. O pedido

No P.P.A. o Requerente pedia:

-      anulação do despacho de indeferimento proferido na Reclamação Graciosa (RG) que correu termos sob o n.º ...2024... na Direção de Finanças de Lisboa;

-      anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2024... e dos juros compensatórios;

-      que “a declaração de substituição apresentada fosse considerada certa e liquidada”

-      que fosse produzida prova testemunhal, arrolando, para o efeito, duas testemunhas.

 

I-2. O litígio

Está em causa uma liquidação de IRS incidindo sobre rendimentos obtidos em 2023 com a alienação de frações autónomas de prédio reconstruído pelo próprio e afeto à sua atividade empresarial. A Requerida qualificou-os como rendimentos da categoria B, mais-valias empresariais, enquanto o Requerente entende que devem ser qualificados como rendimentos empresariais de exploração (categoria B).

 

I-3. Tramitação processual

O pedido foi aceite em 26-03-2025.

Os árbitros foram nomeados pelo Conselho Deontológico do CAAD, aceitaram as nomeações, que não foram objeto de oposição.

O tribunal arbitral ficou constituído em 27/02/2024.

A prova testemunhal foi produzida em 10-09-2025, tendo ficado gravada em ata.

As partes foram notificadas para apresentar alegações, o que fizeram em 20-10-2025, a Requerida, e em 21-10-2025, o Requerente.

 

 

II - SANEAMENTO

O processo não enferma de nulidades ou irregularidades.

As partes são legítimas e encontram-se devidamente representadas.

O Tribunal não é materialmente competente para determinar que a declaração de rendimentos de substituição seja declarada correta ou incorreta, nem para determinar que seja liquidada ou não liquidada - o que tem respaldo legal no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. 

Não foram alegadas nem detetadas questões suscetíveis de impedir o conhecimento do mérito.

 

 

III – PROVA

 

III-1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos: 

A)   O Requerente encontra-se registado no cadastro fiscal de contribuintes residentes em território português pela atividade empresarial principal CAE 55201 – Alojamento Mobilado para Turistas de Alojamento Local (cf. Doc. 4) e, desde 15 de dezembro de 2020, pela atividade empresarial secundária CAE 41100 – Promoção Imobiliária (Desenvolvimento Projetos Edifícios) e Promoção Imobiliária (cf. Doc. 5);

B)   Para desenvolvimento da atividade de promoção imobiliária, o Requerente afetou à sua atividade empresarial, no ano fiscal de 2020, o imóvel inscrito na matriz sob o n.º ...-U-..., que tinha adquirido em 22 de dezembro de 2015 em propriedade total, para o reabilitar e posteriormente vender (Cf. Doc. 6);

C)   Em 2023, o Requerente encontrava-se enquadrado no regime simplificado de tributação previsto para a atividade empresarial exercida (facto consensual);

D)   Concluída a reabilitação do imóvel, o Requerente alienou, em 2023, quatro das cinco frações autónomas em que o imóvel reabilitado ficou dividido por via da constituição de propriedade horizontal, a saber (facto consensual):

-      Art.º ...-..., em 2023-06-23, pelo valor de € 180.000,00, com o VPT de € 46.580,00; 

-      Art.º ...-..., em 2023-06-14, pelo valor de € 1.900.000,00, com o VPT de € 405.740,00;

-      Art.º ...-..., em 2023-07-26, pelo valor de € 2.050.000,00, com o VPT de € 474.500,00;

-      Art.º ...-..., em 2023-05-24, pelo valor de € 2.100.000,00, com o VPT de € 416.150,00.

E)   Em 22-07-2024 apresentou a declaração anual de rendimentos de IRS, mod. 3, com os anexos B e G, tendo declarado, no Quadro 407 do campo 4.A do Anexo B da Modelo 3 de IRS, saldo positivo nas mais e menos-valias e restantes incrementos patrimoniais, no valor de €2.320.098,00 (dois milhões, trezentos e vinte mil e noventa e oito euros). (Cf. Doc. 3);

F)    Na sequência da entrega da declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao exercício de 2023, foi o Requerente notificado do ato de liquidação de IRS n.º 2024..., do qual resulta um valor de imposto a pagar de € 1.199.497,87 (um milhão, cento e noventa e nove mil, quatrocentos e noventa e sete euros e oitenta e sete cêntimos), a que acresce juros compensatórios no valor de € 2.891,94 (dois mil, oitocentos e noventa e um euros e noventa e quatro cêntimos), perfazendo assim um valor total a pagar de €1.202.389,81 (um milhão, duzentos e dois mil, trezentos e oitenta e nove euros e oitenta e um cêntimos) (Cf. Doc. 2);

G)   Considerando terem existido lapsos incorridos no momento do preenchimento do quadro 4.A e no campo C.2, do anexo B do Modelo 3 de IRS originariamente apresentada, o Requerente procedeu à apresentação de uma Declaração Modelo 3 de IRS de substituição, para o período tributário de 2023, no dia 18 de setembro de 2024. (Cf. Doc. 13);

H)   A antes referida declaração de substituição não foi liquidada pela AT, nem convolada em reclamação graciosa (facto consensual). No entanto,

I)     Em 25-09-2024 o Requerente apresentou, junto do Serviço de Finanças de Lisboa – ..., Reclamação Graciosa contra o erro no preenchimento da Declaração Modelo 3 de IRS n.º..., de 22 de Julho de 2024 e, bem assim, contra a liquidação de IRS n.º 2024... relativo ao período de tributário de 2023, em cumprimento do preceituado no artigo 140.º, n.º 2 CIRS. (Cf. Doc. 15).

J)    Posteriormente, pelo Ofício n.º ... de 13 de novembro de 2024, da Direção de Finanças de Lisboa, foi o Requerente notificado, para o exercício do direito de audição prévia, do projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa previamente apresentada (Cf. Doc. 16);

K)   O Requerente exerceu em 26-11-2024, o direito de audição prévia (Cf. Doc. 17);  

L)   Posteriormente, foi o Requerente notificado pelo Ofício n.º ..., de 30 -12-2024, da Direção de Finanças de Lisboa, do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2024..., com a seguinte conclusão, não alterada pelo exercício do direito de audição prévia (Cf. Doc.18):

V – CONCLUSÃO

a) Os rendimentos respeitantes a ganhos provenientes da construção / reconstrução e alienação (venda) das referidas frações autónomas com a letra A-B-C-E, do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o art.º..., não respeitam a rendimentos obtidos no exercício de atividade comercial prevista no art.º 3º n.º 1 al. a) e art.º 4º ambos do CIRS, motivo pelo qual, não podem constar no campo 401 do Anexo B (vendas de mercadorias e produtos).

Tanto assim é, que o sujeito passivo não apresentou as declarações de início ou de alterações do exercício de atividade, nomeadamente, da atividade de construção de edifícios CAE – 41200 e da atividade de compra e venda de edifícios CAE – 68100.

b) Os rendimentos gerados pela transmissão onerosa de propriedade dos referidos imóveis, art.º..., frações autónomas - A-B-C-E, também não são tributados no âmbito da categoria G em sede de IRS, prevista no art.º 9º n.º 1 al. a) e art.º 10º n.º 1 al. a) ambos do CIRS, não constituem incrementos patrimoniais, dado serem considerados rendimentos de outra categoria, (conforme acima exposto)

c) Em face de todos os elementos obtidos no cadastro da administração tributária (AT), bem como informação do próprio sujeito passivo, verifica-se que o mesmo procedeu à desafetação da sua atividade profissional de promoção Imobiliária, com a designação do CAE – 41100 – e posterior alienação dos referidos imóveis art.ºs ...--A, B, C, E, que havia afetado à mesma atividade em 2020.

Conclui-se assim que, os rendimentos gerados pela transmissão onerosa de propriedade dos referidos imóveis, art.º..., frações autónomas - A-B-C-E, que tenham estado afetos à atividade empresarial e profissional do sujeito passivo, deverão ser tributados pelas regras da categoria B, por força do disposto no art.º 10º n.º 16 do CIRS, resultando o rendimento total no valor de € 4.887.030,00 ao qual é aplicável o coeficiente de 0,95 previsto no art.º 31º n.º 1 al. d) do CIRS, resultando o valor total a englobar de € 4.642.678,50, nos termos do art.º 22º do CIRS.

d) Ora, nos termos do art.º 68º n.º 1 do CPT, o procedimento de reclamação graciosa visa imposto a anular.

Contudo, da análise efetuada no âmbito do presente procedimento resultará imposto a liquidar e não imposto a anular, pelo que deverá dar-se conhecimento da presente informação à unidade orgânica competente, a Divisão de Liquidação sobre o Imposto do Rendimento e Despesas (DLIRD).

 

(...) 

 

VI – PROPOSTA DE DECISÃO

Nestes termos, pelo exposto somos de parecer que, a presente reclamação deverá ser INDEFERIDA.

M)  Em 24-03-2025 foi apresentado o Pedido de Pronúncia Arbitral

 

 

III-2.  Factos não provados

Não foram considerados não provados quaisquer factos relevantes para a decisão da causa.

 

IV - O DIREITO

IV-1. Do thema decidendum

A questão a decidir prende-se, exclusivamente, com a qualificação dos rendimentos obtidos com a alienação de quatro frações autónomas de um prédio reabilitado/reconstruído, originariamente adquirido para a esfera patrimonial pessoal do proprietário e posteriormente por este afetado à sua esfera patrimonial empresarial, tendo em vista a reabilitação/reconstrução e posterior alienação do prédio ou de frações autónomas.

Antecipa-se que a "afetação" do imóvel a uma atividade empresarial, à data em que o foi, observou o disposto no n.º 2 do artigo 29.º do CIRS, que, na redação então vigente, dispunha o seguinte: 2 - No caso de afetação de quaisquer bens do património particular do sujeito passivo à sua atividade empresarial e profissional, o valor de aquisição pelo qual esses bens são considerados corresponde ao valor de mercado à data da afetação

Tinha esta norma por objetivo subordinar ao princípio da separação patrimonial as esferas patrimoniais pessoais e as esferas pessoais empresariais, consagrado no n.º 1 da mencionada norma, nos termos seguintes: 1 - Na determinação do rendimento só são considerados proveitos e custos os relativos a bens ou valores que façam parte do ativo da empresa individual do sujeito passivo ou que estejam afetos às atividades empresariais e profissionais por ele desenvolvidas.

 

IV-2. Da classificação da(s) atividades(s) exercida(s) pelo Requerente

Posto isto, consideram-se rendimentos empresariais, entre outros, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, al. a) do CIRS, os decorrentes de qualquer atividade comercial ou industrial. E são atividades comerciais ou industriais, entre outras, a "construção civil", conforme o disposto na al. f) do n.º 1 do artigo 4.º do CIRS.

Como se comprovou, o Requerente cumpriu todas as formalidades relativas ao seu registo cadastral - afetação, declaração de afetação, declaração de alteração de atividades - inerentes à afetação do imóvel próprio à sua atividade empresarial, tendo igualmente cumprido, face ao que a Requerida escreve no n.º 16 da sua Resposta, tudo quanto a lei prescreve relativamente às alterações conexas com o imóvel afetado à atividade empresarial, devendo realçar-se, aliás, que:

b) - Em 2022-05-20, entregou a declaração modelo 1 do IMI n.º ..., a proceder à alteração da matriz do referido art.º..., com o motivo de prédio melhorado/modificado/ reconstruído, dando origem em 2019-01-30, ao prédio urbano, art.º..., com a designação de lote de terreno para construção, a que foi atribuído o valor patrimonial tributário de € 479.830,00;

c) - Em 2022-10-19, procedeu a nova entrega de declaração modelo 1 do IMI n.º..., a proceder à alteração da matriz do referido art.º..., com o motivo de prédio melhorado/modificado/reconstruído, cuja licença de utilização se reporta à data de 2022-10-10, data do facto tributário, que deu origem aos artigos seguintes e tendo sido atribuído o respetivo valor patrimonial tributário (VPT):

-  Art.º …-…, VPTT de € 46.580,00;

-  Art.º …-…, VPT de € 405.740,00;

-  Art.º …-…, VPT de € 474.500,00;

-  Art.º …-…, VPT de € 413.080,00;

-  Art.º ...-..., VPT de € 416.150,00.

A apresentação de declaração de alteração de atividades prova que o prédio não se destinava à atividade, já exercida, de alojamento local. Se o fosse, tal declaração seria desnecessária. 

No entanto, a Requerente aditou à atividade principal uma atividade secundária - o que não é relevante nem tem qualquer interferência com a qualificação dos resultados obtidos - , a que atribuiu a classificação CAE 41100 - Promoção Imobiliária, do Código de Atividades Económicas Rev. 3 (CAE Rev.3).

O CAE Rev. 3 foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de Novembro, que invocou expressamente como objeto, no seu artigo 1.º, que O presente decreto-lei estabelece a Classificação Portuguesa de Actividades Económicas, Revisão 3, adiante designada por CAE - Rev. 3, que constitui o quadro comum de classificação de actividades económicas a adoptar a nível nacional. E, como justificação para esta atualização do CAE Rev.2, invoca no preâmbulo:

O Regulamento (CE) n.º 1893/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Dezembro, aprovou a Nomenclatura das Actividades Económicas da Comunidade Europeia, Revisão 2, abreviadamente designada por NACE - Rev. 2.

Esta revisão pretende reflectir a evolução tecnológica, as mudanças estruturais na economia e visa assegurar a comparabilidade com a Classificação Internacional Tipo de Actividades, Revisão 4 (CITA - Rev. 4) das Nações Unidas.

A fiabilidade e comparabilidade dos dados estatísticos, nacionais e comunitários, exige a interpretação uniforme das várias categorias da nomenclatura das actividades na Comunidade, impondo-se, por isso, a harmonização da Classificação Portuguesa das Actividades Económicas (CAE - Rev. 2.1), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 197/2003, de 27 de Agosto, com a NACE - Rev. 2.

O presente decreto-lei procede à revisão da Classificação Portuguesa de Actividades Económicas, harmonizada com as classificações de actividades da União Europeia e das Nações Unidas, a qual constitui uma estrutura indispensável ao desenvolvimento e à consolidação do sistema estatístico nacional, quer pelo papel que desempenha na recolha, tratamento, publicação e análise da informação, quer pelo sentido de coerência e de unidade que confere ao sistema.

O presente decreto-lei regula ainda a transição para a nova classificação de actividades económicas, assegurando à diversidade de utilizadores as condições para uma aplicação mais correcta, integrada e harmonizada dos seus princípios metodológicos e conceptuais.

O CAE-Rev3 não tem, pois, qualquer finalidade fiscal direta, mas a "fiabilidade e a comparabilidade dos dados estatísticos e comunitários" levou o legislador fiscal a consagrar, no artigo 151.º do CIRS, que "as atividades exercidas pelos sujeitos passivos de IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística...".

A atividade de "Construção" que o artigo 4.º do CIRS isola numa única alínea, tem, no CAE-Rev.3 dedicada a Secção F, Divisão 41 (uma das três em que se desdobra) e que integra a Promoção imobiliária (desenvolvimento de projectos de edifícios) e, também, aconstrução de edifícios. Sobre a Promoção Imobiliária aclaram as "Notas Explicativas":

411 PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA (DESENVOLVIMENTO DE PROJECTOS DE EDIFÍCIOS)

4110

41100

As actividades de promoção imobiliária consistem em desenvolver, com carácter permanente, programas imobiliários, assumindo os promotores quer o risco financeiro, quer a responsabilidade de condução das operações necessárias à sua execução. A promoção imobiliária consubstancia a reunião dos meios jurídicos, financeiros e técnicos a fim de construir os edifícios ou de implementar nos terrenos as infra-estruturas com vista à venda. Os promotores podem intervir quer como donos das obras quer como prestadores de serviços.

Não inclui:

· Construção de edifícios (41200);

· Promoção imobiliária por entidades construtoras (41200);

· Compra e venda de edifícios (68100);

. Actividades de arquitectura e engenharia (711);

Posto isto, pode concluir-se com segurança que o Requerente exerceu uma atividade empresarial com assento no CAE-Rev.3, admitindo-se que poderia ainda estar mais completa, o que, no entanto, em nada buliria com a qualificação dos rendimentos derivados do seu exercício.

E, enquanto tais, isto é, enquanto rendimentos derivados do exercício em nome individual de uma atividade comercial ou industrial, apenas são abrangidos pela previsão de incidência constante da al. a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS.

 

IV-3. A natureza dos rendimentos obtidos: rendimentos de exploração ou ganhos de um ativo fixo tangível?  

A categoria B, enquanto categoria preponderante, integra uma tipologia muito vasta de rendimentos que, no exercício das atividades que a integram, podem ser obtidos. Deixando todos os outros de lado, fixemo-nos nos rendimentos de exploração (proveitos) e nos rendimentos derivados de ativos fixos tangíveis (mais-valias).

Na verdade, é esta a questão latente que claramente confundiu a Requerida e conduziu à produção de uma fundamentação, no quadro da Informação prestada no Procedimento de Reclamação Graciosa, sancionada por Despacho superior, que se não mostra aceitável face aos contornos concretos do caso e aos factos dados, ou que teriam de o ser, como provados.

Terá para isso contribuído o facto de o Requerente, por estar, no ano fiscal de 2023, abrangido pelo regime simplificado de tributação previsto no artigo 28.º do CIRS e desenvolvido no artigo 31.º do mesmo Código, não dispor nesse ano de contabilidade organizada, não existindo, portanto, elementos contabilísticos que contribuíssem para a clarificação do enquadramento apropriado. Desde logo, para dilucidar, com algum grau de certeza, se o imóvel que foi afetado pelo Requerente à sua atividade empresarial, não à atividade já exercida, mas à que ia exercer, haveria que saber se foi inscrito numa conta da Classe 3 - Inventários e ativos biológicos, v. g., 36 - Produtos e Trabalhos em curso, ou se, pelo contrário, foi inscrito numa conta de Investimentos, v.g. 43-Ativos fixos tangíveis. 

Na ausência de contabilidade organizada e na insuficiência dos registos a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 116.º do CIRS para o efeito, a sequência cronológica da aquisição, afetação, desenvolvimento do projeto imobiliário, eliminação de um artigo matricial relativo a um edifício, alteração  para um artigo matricial de terreno para construção, inscrição de um novo imóvel, indicia com segurança que o imóvel em causa, no momento da afetação a uma atividade empresarial de promoção imobiliária não foi, na aceção contabilística, considerado um bem de investimento, antes foi tido como um inventário, tendo em vista a sua completa reconstrução e posterior alienação. Reconstrução que originou gastos, alienação que gerou proveitos.

É, pois, convicção do tribunal que os proveitos resultantes da alienação das frações autónomas, no ano fiscal de 2023, foram rendimentos de exploração da atividade imobiliária, independentemente de o CAE estar totalmente correto ou, no limite, totalmente incorreto: não é o CAE que qualifica os rendimentos; o que qualifica é a sua natureza. E, neste caso, a natureza aponta para proveitos resultantes de exploração da atividade, pelo que devem ser considerados o resultado da exploração comercial, através da reconstrução integral e posterior alienação, de um imóvel.

De fora fica, pois, a hipótese de qualificação dos rendimentos obtidos com a alienação onerosa do imóvel, em frações autónomas, como "mais-valias", ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º. É pressuposto desta qualificação que as mais-valias sejam as definidas nos termos do artigo 46.º do Código do IRC (CIRC). E, em conformidade com o disposto na referida norma, logo no seu n.º 1, al. a), só se consideram mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere (...) respeitantes a ativos fixos tangíveis (...).

Nos termos expostos, não tem qualquer fundamento legal - a não ser de natureza estatística, todavia irrelevante para a qualificação à luz do princípio da prevalência da substância económica dos factos tributários, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 11.º da LGT - a fundamentação expressa na informação prestada na RG que apenas se socorre dos códigos CAE que constam do cadastro do contribuinte - e não das normas do CIRS - para adjudicar a qualificação de "mais-valias" aos rendimentos obtidos com a alienação onerosa das frações autónomas. Afasta-se, pois, essa qualificação, prevalecendo a qualificação de proveitos obtidos com vendas efetuadas no âmbito de uma atividade empresarial.

O Requerente, em 2023, estava enquadrado, para apuramento do rendimento coletável, no regime simplificado de tributação. Nos termos do n.º 6 do artigo 28.º do CIRS, a aplicação do regime simplificado cessa apenas quanto o montante do volume de negócios que parametriza aquele regime for ultrapassado, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte. Isto é, em 2022 o Requerente deve ser tributado pelo regime simplificado. Neste caso, o rendimento líquido da categoria B é apurado pelos coeficientes referidos no artigo 31.º do CIRS que, para as "vendas de mercadorias e produtos" é de 0,15, conforme alínea a) do n.º 1 do mencionado preceito.

A alienação onerosa de frações autónomas de um imóvel totalmente reconstruído no âmbito de uma atividade empresarial é descrita como "vendas" para efeitos declarativos. E é como "vendas de mercadorias e produtos" que deve constar no Campo 401 do Quadro 4-A do anexo B da declaração.

 

Termos em que, sem necessidade de outras considerações, O Tribunal declara procedente totalmente o pedido de pronúncia arbitral deduzido pelo Requerente.

 

IV-4. Juros indemnizatórios

A requerente pede juros indemnizatórios a seu favor.

Procede o PPA tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão expressa de indeferimento de reclamação graciosa apresentada pelos Requerentes e do ato tributário impugnado. 

Consequentemente, conclui-se que o ato tributário impugnado padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, e bem assim ao processo arbitral por via do disposto no artigo 29.º do RJAT. 

Existe, pois, erro imputável aos serviços quando é indeferida a reclamação graciosa dos atos tributários acima identificados. 

Julga, no entanto, este Tribunal ser ao caso aplicável a restrição interpretativa efetuada ao disposto no artigo 61.º do CPPT, efetuada  pelo Acórdão do Pleno do STA proferido em 29-06-2022, no processo 093/21.7BALSB, pois este refere-se a situações em que a questão das ilegalidades que afetam os atos praticados chegam ao conhecimento da AT por meios acionados pelos contribuintes, obrigatórios ou facultativos, como no caso das reclamações sobre quantias retidas na fonte ou pedidos de revisão oficiosa.

Em conclusão, a procedência do PPA, tem como consequência a anulação e devolução do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

V - DECISÃO

a)     Anula-se o indeferimento expresso da reclamação graciosa, enquanto objeto imediato do pedido;

b)    Anula-se a liquidação impugnada, enquanto objeto mediato do pedido;

c)     Determina-se o pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data da decisão de indeferimento da reclamação graciosa até à emissão da respetiva nota de crédito;

 

Valor: € 729.030,10, indicado pelo Requerente e que a Requerida não contestou.

 

Custas, no montante de euros €10.710,00, a cargo da Requerida por ter sido total o seu decaimento.

 

05 de novembro de 2025

 

 

 

Os árbitros

 

 

 

Rui Duarte Morais

 

 

João Marques Pinto

 

Manuel Faustino