SUMÁRIO:
1. A Contribuição de Serviço Rodoviário consubstancia um tributo que deve ser qualificado como imposto, pelo que sob essa qualificação os tribunais arbitrais têm competência para apreciar os correspondentes atos de liquidação.
2. A Requerente não suportou o encargo da Contribuição de Serviço Rodoviário por repercussão legal. Deste modo, a legitimidade da Requerente deve ser aferida pela qualidade de mera repercutida de facto, circunstância em que tem de demonstrar um interesse legalmente protegido, como se extrai do cotejo dos artigos 9.º do CPPT, 18.º da LGT e 9.º do CPTA.
3. Esse interesse há de corresponder à circunstância de ter suportado, do ponto de vista económico, o imposto [CSR] ilegalmente liquidado ao sujeito passivo fornecedor dos combustíveis. O que implica duas condições: a primeira é que o fornecedor de combustíveis tenha repercutido, de facto, à Requerente, a CSR; e a segunda é que o fenómeno da repercussão “voluntária” tenha ficado por aí, sem que a Requerente tenha, de igual modo, repercutido aos seus clientes o “peso” económico da CSR.
4. Não tendo ficado provado o valor da CSR repercutido pelos fornecedores de combustíveis, nem que a Requerente tenha suportado o encargo económico do imposto em definitivo, falece àquela legitimidade para pedir a anulação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto.
DECISÃO ARBITRAL
A árbitra Maria Alexandra Mesquita, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide de acordo com a lei, o seguinte:
I. RELATÓRIO
1.A..., LDA., pessoa coletiva com o NIPC..., com sede na ..., ..., ...-... ..., Guarda, vem, nos termos previstos nos artigos 102.º n.º 1 alínea d) do CPPT e 10.º n.º 1 alínea a) do RJAT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar o seu pedido de Pronúncia Arbitral (PPA), para apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação respeitantes à Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), cujo encargo tributário foi repercutido na esfera jurídica da Requerente pelos fornecedores B..., S.A. e C... - UNIPESSOAL LDA., na sequência da aquisição de 192.618,56 (cento e noventa e dois mil seiscentos e dezoito vírgula cinquenta e seis) litros de gasóleo, em face da qual suportou 21.380,66Euros (vinte e um mil trezentos e oitenta euros e sessenta e seis cêntimos) de CSR àquela entidade, no período entre os anos de 2020 e dezembro de 2022, acrescidos de juros indemnizatórios.
A Requerente não se conforma com os atos tributários supra identificados, considerando, que os mesmos enfermarem de erro sobre os pressupostos de direito, razão pela qual pretende a respetiva anulação dos mesmos com as demais consequências legais.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular apresentado pela Requerente foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 10 de dezembro de 2024 e automaticamente notificado à Requerida.
Em 16 de dezembro de 2024, veio a Requerida AT informar o CAAD que analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário. Identificação que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária.
(…): Conforme dispõe expressamente a alínea b), do nº 2, do artigo 10º do RJAT, do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;
Sem a identificação, por parte dos interessados, do ato ou atos tributários, cuja ilegalidade é invocada, não pode o dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT. Pelo que,
Solicita que seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação, à Autoridade Tributária e Aduaneira, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.
Nos termos do disposto do n.º 1 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitra do Tribunal Arbitral Singular a aqui signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 29 de janeiro de 2025, foram as Partes devidamente notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 18 de janeiro de 2015.
2. DA REQUERENTE
Em síntese no seu Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA), refere:
1_Que nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, «[a] revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços» [sublinhados nossos], podendo, nos termos do n.º 7, do mesmo preceito legal, o prazo da revisão
oficiosa por iniciativa da Autoridade Tributária poder ser desencadeada a pedido do contribuinte.
2_ Que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto – diploma legislativo que criou a CSR – é contrário ao direito comunitário e viola a Diretiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008 (“Diretiva IEC”), circunstância que torna ilegais e, consequentemente, anuláveis as liquidações deste tributo.
3_ Que de acordo com o artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) «[a]s disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
4_ Que esta norma constitucional corresponde ao reconhecimento do princípio do primado do Direito europeu, reiteradamente afirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) desde os acórdãos Costa c. E.N.E.L. (Processo n.º 6/64) e Simmenthal (Processo n.º106/77).
5_ Que estando a Autoridade Tributária obrigada à não aplicação das normas internas violadoras do Direito Europeu, necessariamente se conclui que a omissão deste dever constitui erro imputável aos serviços, suscetível de justificar a aplicação do prazo alargado de quatro anos estabelecido no artigo 78.º, n.º 1, da LGT.
6_ Que de acordo com o artigo 266.º, n.º 2, da CRP, «[o]s órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé».
7_ Que, por seu turno, a jurisprudência dos tribunais nacionais refere expressamente o seguinte:
«A Administração estava obrigada não só a dar cumprimento às normas que identifica como ainda às normas comunitárias e, em caso de colisão entre umas e outras, às que à situação concreta devessem ser aplicadas» cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 26.405, de 28 de novembro de 2001.
8_Que em face do exposto, é inequívoca, por força do princípio do primado, expressamente acolhido no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, a prevalência do Direito europeu sobre o Direito interno de cada Estado-Membro, de tal forma que, em caso de conflito entre normas, deixará de se aplicar a norma de Direito interno ilegal, aplicando-se diretamente a norma europeia.
9_Que o Supremo Tribunal Administrativo quando discute a revisão de atos tributários com fundamento em violação do Direito europeu, tem vindo repetidamente a afirmar que «nada obsta a que a questão da ilegalidade por violação do direito comunitário seja apreciada em sede de pedido de revisão oficiosa. Tal como referido na sentença e na jurisprudência ali citada, a circunstância de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação do ato de liquidação, não impedia que a impugnante pedisse a respetiva revisão oficiosa e impugnasse contenciosamente o eventual ato de indeferimento desta, sendo que
também “não há que fazer qualquer tipo de distinção entre as razões que levaram a tal erro. Não há assim que curar de saber se estamos perante um erro em sentido estrito, resultante de uma deficiência técnica dos próprios serviços de liquidação, ou, pelo contrário, se estamos perante um erro em sentido lato, resultante de vício de violação de lei” (cfr. o ac.do STA, de 12/12/2001, proc. nº 026487) […].
10_ Que sendo indiscutível que no erro imputável aos serviços, é igualmente aplicável o prazo de quatro anos estabelecido no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, como bem concluiu o Centro de Arbitragem Administrativa na decisão arbitral de 12 de julho de 2021, no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020-T.
11_ Que dado que a ilegalidade será, como supra se apontou, imputável a erro dos serviços, impõe-se a confirmação da sentença também no que respeita à condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios.
12_ Que verificando-se, no presente caso, uma clara violação do direito comunitário no ato de liquidação objeto do presente pedido de revisão, tem a requerente a legitimidade e o direito de requerer a restituição da CSR que lhe foi indevidamente cobrada, por erro imputável aos serviços, no prazo alargado de quatro anos estabelecido no artigo 78.º, n.º 1, da LGT.
13_ Que caso assim não se entendesse e se considerasse não estar preenchido o conceito de erro imputável aos serviços, para efeitos de aplicação do prazo de quatro anos estabelecido no artigo 78.º, n.º 1, da LGT – o que apenas se admite por mero dever de patrocínio – sempre a revisão oficiosa poderia ser apresentada no prazo de três anos previsto no artigo 78.º, n.º 4, da LGT, em virtude da verificação de uma situação de injustiça grave e notória.
14_ Que a Requerente é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à indústria de extração de pedra, rochas ornamentais, pedras para construção, ardósia, xistos, calcário, mármores e granitos e sua comercialização.
15_Que no período compreendido entre maio de 2020, 2021 e dezembro de 2022, a Requerente adquiriu, no âmbito da sua atividade comercial, 192.618,56 litros de gasóleo às sociedades B..., S.A. e C...- UNIPESSOAL LDA e que lhe foi repercutido, enquanto consumidora final, no período e nos montantes a seguir indicados o valor da CSR:
CSR – VALORES ANUAIS
GASÓLEO
ANO LITROS ABASTECIDOS CSR SUPORTADA
2020 35.546,37 3.942,65
2021 77.362, 19 8.587,20
2022 79.710,00 8.847,81
TOTAL 192.618,56 21.380,66
16_ Que o preço por si pago na compra do combustível compreendeu, por força da repercussão efetuada pelas referidas Gasolineiras, os montantes suportados por estas entidades a título de CSR aquando da introdução dos combustíveis no consumo, ascendendo o encargo tributário repercutido sobre a Requerente a 21.380,66 Euros.
17_Que decorre do exposto supra, a questão decidenda em sede da presente impugnação, assim como da revisão oficiosa ora indeferida tacitamente, e que consistia em aferir da legalidade dos atos de liquidação de CSR acima identificados.
18_ Que no entender da Requerente, tais atos tributários são ilegais e, consequentemente, anuláveis, em virtude:
i.) Da preterição do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva IEC e, por via disso, da violação do princípio do primado do Direito europeu ínsito no artigo 8.º, n.º 4, da CRP; e
ii.) Da violação do princípio da igualdade fiscal, decorrente da violação do subprincípio da capacidade contributiva, ínsitos no artigo 13.º da CRP.
19_Que nos termos da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, a CSR «visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E.P.E.» (cfr. artigo 1.º), constituindo «a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis» (cfr. artigo 3.º, n.º1).
20_ Que o artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, refere: «[a] contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua
liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações».
21_ Que em virtude da remissão legal operada pela norma supra transcrita, ao Código dos Impostos Especiais de Consumo (“CIEC”), imediatamente se conclui, por interpretação conjugada dos artigos 4.º e 7.º a 9.º.
que o sujeito passivo da CSR será, à semelhança do que sucede com o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (“ISP”), aquele que introduzir no consumo os combustíveis fósseis.
22_ Que de um ponto de vista objetivo o artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, estabelece que a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos a ISP e dele não isentos, pelo que se verifica assim uma total coincidência entre a CSR e o ISP em termos de incidência quer objetiva, quer subjetiva.
23_ Que à primeira vista, a CSR e o ISP distinguem-se (i) porque a primeira é qualificada como contribuição e o segundo como imposto e (ii) porque a primeira se destina a financiar a atividade de uma entidade específica enquanto o segundo visa financiar as funções gerais do Estado.
24_ Que, os impostos se caracterizam por serem tributos coativos e unilaterais, devidos ao Estado ou a outros entes públicos para a realização de fins públicos, que não têm como causa uma prestação pública dirigida ao respetivo sujeito passivo.
25_ Que as contribuições financeiras, de acordo com SÉRGIO VASQUES, «constituem prestações pecuniárias e coativas exigidas por uma entidade pública em contrapartida de uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo».
26_ Que neste contexto, conclui-se que, a menos que se identifique uma contraprestação administrativa que presumivelmente beneficie o conjunto dos sujeitos passivos da CSR – ou, em alternativa, que se verifique uma motivação extrafiscal que, visando modelar o comportamento desses mesmos sujeitos passivos, justifique a imposição deste tributo –, a mesma não poderá ser configurada como uma contribuição financeira, antes sendo um verdadeiro imposto, dado o seu caracter inequivocamente unilateral.
27_ Sendo a presente impugnação considerada procedente, deve o Requerente ser reembolsado do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 100.º n.º 1 da LGT.
28_ Pelo que em consequência devem ser anulados os atos tributários melhor identificados nesta petição com as demais consequências legais, designadamente a restituição do montante indevidamente suportado, no valor de 21.380,66 Euros (vinte e um mil trezentos e oitenta euros e sessenta e seis cêntimos), acrescido dos respetivos juros indemnizatórios calculados nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 100.º n.º 1 da LGT.
3. DA REQUERIDA
Na sua Resposta a Requerida AT, invoca que:
Em 18 de março de 2025, após despacho de notificação à Requerida para apresentação de Resposta ao abrigo do artigo 17º do RJAT, a mesma apresentou-a, nesta data, bem como juntou parte do respetivo processo administrativo, invocando em síntese:
29_ Que vem a Requerente na sua defesa requerer a anulação dos atos tributários de liquidações de CSR, com o fundamento de ter sido a própria na qualidade de consumidora de combustíveis, “suportado” na íntegra a CSR, tendo apurado o (alegado) valor de reembolso com base em faturas\ que junta ao processo.
30_Que são chamados à colação dois tipos de documentos distintos:
a) A liquidação de CSR, que é apurada através do Documento de Introdução ao Consumo (DIC) que contém todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável, ou seja, é o
b) documento que suporta as quantidades de produtos declaradas para consumo bem como a liquidação do imposto correspondente, o qual a Requerente pretende a sua anulação, leia-se, reembolso.
c) Que sendo a fatura, um documento fiscalmente relevante, que consubstancia um “documento em papel ou em formato eletrónico, deve conter:
i) Os elementos referidos nos artigos 36.º ou 40.º do Código do IVA, incluindo a fatura, a fatura simplificada e a fatura-recibo, e que
ii) Constitua um documento retificativo de fatura nos termos legais.
31 _Que da DIC resulta um ato tributário stricto sensu, e a liquidação de CSR da competência da AT é impugnável nos termos do artigo 51.º, “Atos impugnáveis” do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA.
32_ Que da fatura não resulta qualquer ato imputável à AT, quer tributário, quer administrativo em matéria tributária. Está em causa um documento que deve ser emitido pelo fornecedor ou prestador de serviços, sempre que esteja em causa a aquisição de um bem, como o são os produtos petrolíferos como o gasóleo e a gasolina, ou serviço, respetivamente, sujeito a IVA.
33_Que, e enfatiza, desconhece a Requerente, ou faz por desconhecer, que da DIC resultou um ato tributário stricto sensu, sendo a liquidação de CSR da competência da AT e do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa resultou um ato administrativo em matéria tributária.
34_Que compulsados os autos não se identifica qualquer ato tributário, porquanto não se vislumbra como pretende a Requerente a declaração de ilegalidade das liquidações de CSR e consequente anulação com base em faturas.
35_Que na DIC está em causa uma contribuição, devida pela introdução no consumo de produtos petrolíferos junto das alfândegas, e na fatura um imposto aplicado às vendas ou prestações de serviços, o Imposto sobre
Valor Acrescentado (IVA), não existindo qualquer coincidência ou sequência temporal na emissão de ambos, nem sequer são emitidas obrigatoriamente pelo mesmo sujeito passivo.
36_Que esta delimitação reveste fulcral importância, uma vez que a confusão entre eles tem vindo a conduzir à errada utilização das garantias dos contribuintes e dos seus mais variados meios de defesa.
37_ Que segundo a Requerente, terão sido as suas fornecedoras, os operadores económicos que procederam à introdução no consumo dos produtos petrolíferos e foi daquelas sociedades que vieram posteriormente a adquirir os produtos petrolíferos ora em questão ISP/CSR.
38_ Que importa sublinhar desde já que a Requerente labora em equivoco, pois que daquelas sociedades, B..., S.A. e C...– UNIPESSOAL ,LDA não são (nem eram à data dos factos) titulares de estatuto fiscal no âmbito do ISP e como tal não poderão ter sido responsáveis pela introdução dos produtos no consumo nem pelo pagamento correspondente da CSR.
39_Que estes operadores económicos configuram, quanto muito, meros intermediários na cadeia de distribuição de combustíveis.
40_ Denotando-se aqui a inexistência de relação entre DIC e faturas.
41_ Que só os sujeitos passivos de imposto que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago.
42_ Que contrariamente ao pretendido pela Requerente, não existe no âmbito da CSR um ato tributário de repercussão legal, mas antes a possibilidade da repercussão económica ou de facto, total ou parcial, sendo que as faturas apresentadas não corporizam atos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente, enquanto consumidora final, como alegado.
43_Que é ainda forçoso notar que das faturas juntas aos autos, como “Anexos” ao pedido arbitral, apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspeto. Pelo,
44_Que a Requerente não é sujeito passivo de ISP/CSR e não integra a relação tributária subjacente à liquidação contestada, não sendo o devedor, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado, uma vez que está a jusante do sujeito passivo na cadeia económica, que em termos jurídicos não é um terceiro substituído (…) que não suporta a contribuição por repercussão legal, nem tão pouco corresponde ao consumidor final, pelo que não tem legitimidade nem para apresentar o pedido de revisão oficiosa nem,
consequentemente, o presente pedido arbitral, nos termos do n.º 2, do artigo 15.º do CIEC, do artigo 9.º n.º 1 do CPPT e dos n.º 3 e 4, al. a), do artigo 18.º da LGT.
45_ Que após a consequente liquidação das imposições segue-se a introdução no consumo e, nesta fase, podem ainda existir vários intervenientes na cadeia de abastecimento/comercial até à chegada do produto ao consumidor final tal como grossistas, distribuidores ou outros revendedores, designadamente, postos de abastecimento.
46_ Que nos termos do artigo 15.º do Código do Impostos Especiais sobre o Consumo, apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.
47_Que, no caso sub judice, a Requerente não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis que adquiriu às suas fornecedoras, tem incluído o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem que suportou, a final, o encargo de tal tributo.
48_ Que não se diga que é necessário discutir a natureza jurídica dos atos de repercussão de CSR, pois, como consta na decisão proferida no Processo arbitral nº 332/2023-T, “(…) face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT: "A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.".
49_ Que encontrando-se a CSR excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição, não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum. Pelo que,
50_ Que estamos perante uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e 577.º, al. a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa.
Mas caso assim não se entenda,
51_Deve o tribunal arbitral declarar-se (i) incompetente em razão da matéria e absolver a Requerida da instância, nos termos dos artigos 576.º n.º 1 e n.º2) do 577.º, al. a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, citando a seu favor, referimos nós, entre outros, a doutrina de Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I Almedina, 2017, p. 278, que se dão aqui por inteiramente reproduzidos nos termos legais.
52_ Que a Autoridade Tributária Aduaneira aduziu ainda as seguintes exceções, cuja fundamentação, nos termos legais se consideram parte integrante da presente Decisão.
ii) Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, ou
iii) Da Ineptidão da Petição Inicial, indicando duas ordens de razões, a saber:
Ineptidão da Petição inicial por falta de objeto; ou
Da ininteligibilidade do pedido e a contradição entre este e a causa de pedir, ou
iv) Caducidade do direito de ação.
v) Intempestividade do pedido.
53_ Que face a todo o exposto, deve o Tribunal arbitral decidir como aqui propugnado pela Requerida, no sentido da improcedência do pedido de anulação do indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa, pela Requerente, bem como da anulação da(s) liquidação(ões) de ISP/CSR, não havendo, consequentemente, lugar ao reembolso da CSR alegadamente repercutida, nem ao pagamento de juros indemnizatórios.
54_ Quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da divida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.
55_ Todavia, no caso sub judice, há que considerar que o pedido arbitral foi efetuado na sequência do pedido de revisão oficiosa apresentado em 09-05-2024 junto da Autoridade Tributária e Aduaneira.
56_ Que neste âmbito, a alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT, consagra um critério especial para os casos em que seja apresentado pedido de revisão oficiosa da liquidação, dispondo que,
“são também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: a) (…); b)(…); c), quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária. (…)”.
57_ No mesmo sentido se tem vindo a pronunciar o tribunal arbitral, nomeadamente nas decisões proferidas nos Processos n.º 296/2020-T, 18/2021-T, 785/2020-T e 271/2021-T.
58_ Nestes termos, dado que no caso concreto o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 09-05-2024, só haveria lugar, em sintonia com a jurisprudência citada, ao pagamento de juros indemnizatórios um ano após a apresentação daquele pedido, face ao estabelecido na alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT.
59_ Face a todo o exposto, deve o Tribunal arbitral decidir como aqui propugnado pela Requerida, no sentido da improcedência do pedido de anulação do indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa, bem como da anulação parcial da(s) liquidação(ões) de ISP/CSR, não havendo, consequentemente, lugar ao reembolso da CSR alegadamente repercutida, nem ao pagamento de juros indemnizatórios.
60 _ Em 4 de abril de 2025 foi exarado despacho ao abrigo do artigo 16.º do RJAT, por este Tribunal Arbitral Singular, para que a Requerente se pronunciasse, querendo, exercer o seu contraditório quanto à matéria de exceção invocada pela Requerida na sua Resposta pelo que esta exerceu o seu contraditório, em 9 de abril de 2025, e sustentou, em síntese, que as exceções invocadas pela Requerida devem ser todas julgadas improcedentes pelo,
a). Que, quanto à incompetência material do Tribunal Arbitral de acordo com a jurisprudência que cita, articulados 11, a 20, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, é de concluir no sentido da competência do Tribunal Arbitral para apreciar a causa sub júdice.
b). Que, quanto à alegada ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, já veio o CAAD, em diversas ocasiões, pronunciar-se no sentido de que os repercutidos, como é o caso da Requerente, têm total legitimidade no pedido, chamando à colação em especial as decisões proferidas no âmbito dos processos 1015/2023/-T, 298/2023-T, 410/2023-T, 465/2023-T, 486/2023-T, 534/2023-T. E acrescenta:
Pese embora o facto da Requerida se pronunciar no sentido de que a Requerente terá repassado, no preço dos seus serviços e produtos, o encargo suportado com a CSR para os seus clientes e que, por isso, poderão ser esses os lesados com o encargo.
Responde a Requerente que, tal como já afirmado, a CSR foi criada para ser suportada pelos consumidores finais de combustível, que é o caso da Requerente.
Houve efetivamente repercussão, tendo a Requerente suportado o encargo tributário, aquando da aquisição de combustível às fornecedoras, tendo por isso legitimidade substantiva e processual.
c). Quanto à alegada ineptidão da petição inicial por falta de objeto, sustenta a Requerente a inexistência da referida causa de ineptidão da petição inicial, com fundamento no decidido no âmbito do processo 486/2023-T e 676/2023-T.
«Nesta linha, não pode a Requerente ser penalizada com a exigência de uma prova documental especifica cujo acesso lhe é impossível, quando essa prova, com todos os dados facultados pela Requerente nas faturas apresentadas, teria sido de fácil acesso à Requerida, pois que foi a esta que as emitiu e com os seus poderes facilmente as pode solicitar aos sujeitos passivos.
Exigência dessa prova especifica que conflituaria com o direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, plasmado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP».
Pelo exposto, não pode ser considerada procedente a exceção de ineptidão da petição por falta de objeto.
d). Quanto à ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e a causa de pedir, alega a AT que a Requerente não identifica as liquidações impugnadas e que não estabelece um nexo de conexão entre essas e a repercussão do encargo.
Por não ser possível, nem exigível, à Requerente a identificação dos atos de liquidação, também não o será a demonstração de um nexo de causalidade mais exigente do que aquele que ficou demonstrado no pedido de pronúncia, analisado com as faturas a ele juntas.
A este propósito, numa situação idêntica a esta, o Tribunal Arbitral afirmou, no âmbito do processo 486/2023-T, que “não sendo as Requerentes os sujeitos passivos do imposto, nem os diretos responsáveis pela sua liquidação, mas apenas as entidades que suportam o encargo por efeito da repercussão, não lhes compete o ónus de identificação e de comprovação dos atos de liquidação repercutidos, nem a prova da conexão entre os atos de liquidação e as faturas de compra que revelam a repercussão do imposto”.
e). Da alegada caducidade do direito de ação.
A Requerida invoca que a falta de identificação dos atos de liquidação obsta à apreciação da tempestividade do pedido de revisão oficiosa de que depende a tempestividade do pedido de pronúncia.
Porém, como já foi informado, a Requerente não tem como identificar os atos de liquidação e tal não obsta à apreciação do litígio.
A AT alega ainda que estando em causa atos praticados entre maio de 2020 a dezembro de 2022, o prazo de 120 dias previsto na primeira parte do artigo 78.º, n.º 1 da LGT já se teria verificado aquando da apresentação do pedido de revisão em maio de 2024.
No entanto, não é este o prazo aplicável à situação controvertida, mas sim o prazo de 4 anos
previsto na segunda parte do artigo 78.º n.º 1 da LGT.
Apresentado a 8 de maio de 2024, constata-se que o pedido foi apresentado tempestivamente.
No termo de quatro meses após a entrada do pedido de revisão oficiosa a 9 de maio de 2024,
pelo que o indeferimento tácito operou a 9 de setembro de 2024, cfr. n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.
f). Da tempestividade do Pedido.
A Requerente refere que tendo apresentado o PPA a 9 de dezembro de 2024, constata-se a tempestividade do pedido. E adianta, se os atos em causa remontam a maio de 2020 e o pedido
de revisão oficiosa foi apresentado a 8 de maio de 2024, constata-se que o pedido foi apresentado tempestivamente.
A Requerida alega que os pedidos de reembolso devem ser apreciados à luz dos artigos 15.º a 20.º do CIEC, mas não tem razão, porque a Requerente é a repercutida e não o sujeito passivo, pelo que se encontra fora do âmbito de incidência subjetiva daquele regime.
Por isso, o prazo aplicável à situação in casu é o de 4 anos previstos na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, concluindo-se assim a tempestividade do pedido de revisão oficiosa e, subsequentemente, do pedido de pronúncia arbitral, pelo que a exceção de caducidade do direito de ação deve ser julgada improcedente.
4 _ Em 3 de junho de 2025, e com data de 23 de maio de 2025, deu entrada na plataforma do CAAD um requerimento apresentado pela Requerente com pedido de junção ao processo, de uma Declaração enviada pelo seu fornecedor C... UNIPESSOAL, LDA, onde esta empresa declara para os devidos efeitos legais que o valor da Contribuição de Serviço Rodoviária (CSR), incidente sobre todo o gasóleo rodoviário sujeito ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), foi integralmente suportado pelo cliente e consumidor final A... LDA, pessoa coletiva n.º ..., no que concerne às faturas, fornecidas por esta empresa.
E mais declara que todo o gasóleo rodoviário fornecido no período compreendido entre agosto de 2019 e dezembro de 2022, as faturas se encontram todas liquidadas.
5 _ A 17 de junho de 2025 foi, exarado despacho por este tribunal arbitral a chamar ao processo as partes para, querendo, exercerem o contraditório, sucessivo, sobre a Declaração da C...– UNIPESSOAL, LDA, de 3 de junho de 2025.
6_ Em 1 de julho de 2025, em resposta, veio a Requerente, em suma, referir e transcrevemos:
A declaração emitida deve ser validamente considerada, pelo seu conteúdo, e foi processualmente junta de acordo com a lei vigente.
A declaração auxilia na comprovação de tudo o que a Requerente já expôs nos presentes autos.
A Requerente não cometeu qualquer tipo de contraordenação económica, nem tal pode vir a ser agora invocado. Termos em que se requer que seja a declaração analisada, e expurgada toda a argumentação sucessiva apresentada pela Requerida.
7. Em 4 de julho 2025 veio a Requerida AT apresentar a sua contestação sucessiva, referente ao despacho deste tribunal arbitral de 17 de junho de 2025 em que refere, e transcrevemos em parte: importa sublinhar desde já que a Requerente labora em equivoco, pois que daquelas, B..., S.A. (...) e C...- UNIPESSOAL, LDA, não são (nem eram à data dos factos) titulares
de estatuto fiscal no âmbito do ISP e como tal não poderão ter sido responsáveis pela introdução dos produtos no consumo nem pelo pagamento da CSR correspondente, estes operadores económicos configuram, quanto muito, meros intermediários na cadeia de distribuição de combustíveis. E ainda,
Contudo, face ao raciocínio subjacente à declaração junta pela Requerente, através do qual se admitiria a repercussão do valor da CSR por via da sua incorporação no preço das mercadorias vendidas/serviços prestados, impõe-se admitir a repercussão da repercussão da repercussão e assim sucessivamente até ao consumidor final da cadeia de produção/distribuição/ venda, atendendo à racionalidade económica inerente a qualquer sociedade comercial, como é a aqui Requerente, pelo que a declaração anexa ao requerimento
da Requerente, junto aos autos em 02 de junho de 2025, não identificando os atos tributários em causa, além de violar a alínea b), do n.º 2, do artigo 10.º do RJAT (…) não apresentando qualquer relevância, fiscal, para
a boa decisão da causa, não constituindo, como os demais documentos (faturas) já apresentados pela Requerente, prova adequada da pretensão formulada no seu pedido de pronúncia arbitral.
8_ Na mesma data, 4 de julho de 2025, junta ainda a Requerida AT, um documento n.º 2, retirado do seu Sistema Interno sobre o Estatuto do cliente C...- UNIPESSOAL, LDA, do qual se demonstra que este não é titular, de qualquer estatuto quer seja do estatuto de depositário autorizado, do estatuto de destinatário registado ou de destinatário certificado.
9. Em 9 de julho de 2025, por despacho do tribunal foram notificadas as partes para de alegações finais escritas, simultâneas, para querendo, as partes alegarem.
10.Há que sublinhar que em 11 de julho de 2025, já estava aberta a fase das alegações finais deu ainda entrada na plataforma do CAAD, da parte da Requerida AT a requerer a subida ao processo daqueles dois últimos documentos entrados na plataforma do CAAD:
(I) Da Requerente - a junção da Declaração da C..., Unipessoal, Lda, com data de 2 de junho de 2025 e ( II) em 4 de julho da Requerida AT o documento n.º 2 junto, onde esta demonstra através do Sistema Interno de controle da AT, que a cliente C...– Unipessoal, LDA, não era titular de qualquer estatuto fiscal estatuído pelo alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do CIEC.
Estes dois requerimentos entrados no CAAD, respetivamente, em 1 e 4 de julho de 2025, foram aceites por este tribunal arbitral ao abrigo dos seus poderes conferidos pelos artigos 6.º n.º 1 e n.º 2 do artigo 7.º, ambos do CPC, assim como do n.º 2 do artigo 29.º do RJAT, aplicáveis ao processo tributário ex vi do artigo 29.º do RJAT, autorizando a sua subida ao processo do seguinte:
1) A Declaração da C..., Unipessoal, Lda e,
2) A informação em sede de Contestação da Requerida AT em 11 de julho, onde menciona que não consta do seu Sistema de Gestão de Informação dos Impostos Especiais de Consumo (SGIIEC), de que aquela sociedade unipessoal fosse detentora de qualquer dos regimes autorizados pela previsão da n.º 1, alínea a) do artigo 4.º do CIEC: Depositário Autorizado, Destinatário Autorizado, ou Destinatário Certificado.
11_ Em 17 de julho e em 6 de agosto de 2025, respetivamente, Requerida e Requerente, apresentaram as suas alegações, no âmbito do qual mantiveram as respetivas posições já expressas, respetivamente, na Resposta da AT, e no PPA da Requerente, tendo nesta ocasião esta confirmado o pagamento da taxa arbitral subsequente.
12_ Em 15 de setembro de 2025, por seu turno, este tribunal arbitral singular, nos termos das alínea e) e f) do artigo 16.º do RJAT, solicita à Requerida AT, informação sobre se a Sociedade B..., SA, consta do Sistema de Gestão de Informação dos Impostos Especiais de Consumo (SGIIEC) como fornecedora de gasóleo uma vez que a Requerente A..., LDA, vinha referindo nas suas peças processuais a junção ao processo de uma Declaração desta empresa, que nunca se veio a verificar até à data deste pedido.
Em resposta a Requerida AT, em 19 de setembro 2025, junta cópia Sistema GIIEC, no que diz respeito à B..., SA, onde refere que esta empresa é detentora do estatuto de destinatário registado apenas para os óleos minerais. o que por exclusão de partes se demonstra que também esta empresa não estava habilitada como sujeito de ISP/CRS, tal como sempre desde o início, na sua Resposta, a Requerida AT vinha afirmando.
II. SANEAMENTO
20_ Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar as exceções, de:
(i) Incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria;
(ii) Ilegitimidade processual e substantiva da Requerente;
(iii) Ineptidão da petição inicial (por falta de objeto e contradição entre o pedido arbitral e a causa de pedir);
(iv) Caducidade do direito de ação.
21._A apreciação das exceções será efetuada pela ordem supra identificada, a título prévio, logo após a fixação da matéria de facto provada e não provada.
III. DA MATÉRIA DE FACTO
A. FACTOS PROVADOS
22. Analisada a profícua prova produzida nos presentes autos, com relevo para a Decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
A. Que a Requerente é uma sociedade de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal.
B. Que esta sociedade, A..., LDA e ora Requerente, foi a consumidora final de gasóleo no período compreendido entre maio de 2020 a dezembro de 2022, e que se destinou à sua atividade comercial no valor de.
C. Que no PPA aquela sociedade, ora Requerente, e consumidora final de gasóleo, nunca referiu qualquer irregularidade quanto ao estatuto fiscal das duas fornecedoras aqui em causa, B..., SA., e C..., Unipessoal, Lda.
D. Que ficou provado através do Sistema de Gestão de Informação dos Impostos Especiais de Consumo (SGIIEC) junto pela Requerida AT, respetivamente, em 11 de julho de 2025 e 19 de setembro de 2025 que a sociedade C...-UNIPESSOAL, LDA, e a Sociedade B..., S.A. (...) não possuíam estatuto fiscal para poderem ser sujeitos passivos de ISP/CRS, por não serem detentoras do qualquer dos estatutos fiscais para a venda de gasóleo previstos no de 4.º do CIEC e acrescenta, mais uma vez a Requerida AT que estes operadores económicos configuram, quanto muito, meros intermediários na cadeia de distribuição de combustíveis.
E. No entanto, acrescenta a Requerida AT que a sociedade B..., SA, possuía o estatuto fiscal de destinatário certificado apenas para a venda de óleos minerais e óleos lubrificantes,
o que a impossibilitava, à data, esta sociedade poder vender gasóleo à ora Requerente de acordo com o que constava da plataforma (SGIIEC), durante os anos em sindicância, de maio de 2020 a dezembro de 2022.
F. Pelo que fica provado que as sociedades aqui referidas em D e E tratavam-se possivelmente de revendedoras, ou revendedoras de revendedoras, por não possuírem a necessária inscrição num dos estatutos fiscais ao abrigo do artigo 4.º do CIEC para legitimamente poderem ser sujeitos passivos no âmbito do ISP/CRS.
G. Durante o período compreendido entre maio de 2020 e dezembro de 2022, a Requerente adquiriu o correspondente a 192.618,56 litros de gasóleo, no montante 21.380,66 €.
H. Em 9 de maio de 2024 a Requerente deduziu pedido de promoção de revisão oficiosa, tendo em vista o reembolso da CSR que alega lhe teria sido liquidada pelas fornecedoras de combustível (gasóleo) identificadas em D e E, relativo ao combustível àquelas adquirido no período compreendido entre maio de 2020 e dezembro de 2022, alegando que suportou o valor de € 21.380,66 (vinte e um mil trezentos e oitenta euros e sessenta e seis cêntimos).
I. Do que se deixou referido ficou demonstrado que as duas empresas revendedoras, ou revendedoras de revendedoras, não detinham, à data, maio de 2020 e 31 de dezembro de 2022, o estatuto fiscal previsto no n.º 1 do artigo 4.º do CIEC e não estavam registadas no SGIIEC, como ficou demonstrado nos pontos acima D e E.
J. A Revisão oficiosa foi tacitamente indeferida a 9 de setembro de 2024, pelo que não há decisão da Autoridade Tributária.
K. Nesse mesmo dia 9 de dezembro de 2024, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD, no último dia do prazo, pelo que é tempestivo.
B. FACTOS NÃO PROVADOS
23. Não fica provado que, durante o período compreendido que entre maio de 2020 a 31 de dezembro de 2024, a quantidade de combustíveis adquiridos às comercializadoras de gasóleo, identificadas nos pontos D. e E. da matéria de facto dada como provada tenha gerado o valor global de CSR de € 21.380,66 € vinte e um mil trezentos e oitenta euros e sessenta e seis cêntimos.
Com efeito, tendo sido apresentadas unicamente faturas de aquisição de gasóleo pelas identificadas fornecedoras, em nenhuma delas se especifica o valor de CSR em causa, nem existe qualquer correlação feita com os atos de liquidação correspondentes.
24. Não foi feita prova que tenha sido a Requerente a suportar economicamente o imposto em causa, a final, dado que, para fazer tal prova, seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:
(i) Que a CSR foi repercutida à Requerente, quais os montantes e em que períodos;
(ii) Que foi a Requerente, consumidora final, que suportou em definitivo o encargo da CSR, ou seja, que no preço dos serviços que presta aos seus clientes não estava contemplada a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou, de forma efetiva, o encargo do imposto.
C. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA E NÃO PROVADA
25. Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importa, para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do 607.º n.º 3, aplicáveis ex vi do n.º 1, alíneas a) e e) do artigo 29.º RJAT.
26.Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito, cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
27. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, bem como o processo administrativo e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados, bem como não provados os factos acima referenciados.
28. Acresce que a Requerente não cumpriu o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido em 7 de fevereiro de 2022, no processo n.º C-460/21. Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte:
“(…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e
378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).
. Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar
o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26).
O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de
elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42).
(…)
Nestas condições, há que responder à segunda e terceira questões que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.”. (destaques nossos)
29. Da aplicação da jurisprudência do TJUE ao presente caso resulta que a repercussão da CSR sobre terceiros – que não decorre de qualquer imposição legal prevista na Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR, sendo tão só “expectável” perante o regime e funcionamento deste tributo –, não pode ser em qualquer caso presumida.
30. O que é compreensível, se se tiver em consideração que a repercussão opera aqui como um fenómeno económico, com uma configuração e amplitude variáveis. Como explica SÉRGIO VASQUES:
“A repercussão (…) pod[e] operar por mais que uma forma sobre os preços. A forma mais comum é a da repercussão descendente, que se verifica quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem, fazendo com que o comprador o suporte: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes sobem o preço na mesma medida, fazendo com que os consumidores o suportem. A repercussão transversal verifica-se quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem diferente daquele que é onerado pelo tributo: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes diluem esse aumento através
do agravamento do preço da generalidade das bebidas alcoólicas. Enfim, a repercussão ascendente verifica-se quando o vendedor subtrai o tributo ao preço de um bem de que é comprador, obrigando os fornecedores a suportar-lhe o peso económico: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes obrigam as empresas cervejeiras a baixar o preço nessa mesma medida.
A repercussão constitui um fenómeno que depende em larga medida das condições económicas que rodeiem uma transacção”. [Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 399].
31. Consequentemente, a ocorrência do fenómeno de repercussão descendente não pode simplesmente ser presumida por mais que tenha sido querida na lógica de funcionamento do tributo. Ao invés, impõe-se uma análise do contexto e dos vários fatores que conformam cada transação comercial para daí extrair a conclusão de que o encargo da CSR foi total ou parcialmente “repassado” ao longo dos vários intervenientes do circuito económico até atingir o consumidor final. É que, conforme se referiu, a Requerente não demonstrou que suportou em definitivo o encargo da CSR, ou seja, que no preço dos serviços que prestou aos seus clientes não estava contemplada a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou, de forma efetiva, o encargo do imposto.
32. Ora, este exercício de prova não foi realizado pela Requerente, que se limitou a estabelecer meros juízos presuntivos de que suportou a CSR em virtude de uma suposta – embora inexistente – obrigação legal de repercussão do encargo daquele tributo.
33. Na realidade, a Requerente procurou provar a repercussão através das faturas de aquisição do combustível às suas duas fornecedoras, aqui bastas vezes nomeadas, que juntou aos autos com o pedido de pronúncia arbitral. Ora, tais faturas não fazem a correspondência entre as operações praticadas e as declarações de introdução no consumo dos combustíveis transacionados e não estabelece a relação entre as transações e as DIC com as correspondentes liquidações emitidas pela AT e, finalmente, não demonstra no caso concreto da Requerente a incorporação do encargo da CSR nas faturas de venda de gasóleo, nem tão pouco em que grau e/ou medida em que tal incorporação se processou.
34. Acresce que mesmo que a Requerente tivesse demonstrado, por mera hipótese que a liquidação e repercussão da CSR, sempre inexistiriam elementos nos autos que permitam certificar que o encargo da CSR se cristalizou na sua esfera jurídica, isto é, que foi a Requerente a entidade que em última instância foi onerada com o tributo em causa, porquanto não incorporou o seu custo no preço dos serviços prestados e vendidos aos seus clientes, que podem situar-se no circuito ou cadeia económico-comercial, estes sim, tidos como os verdadeiros consumidores finais.
35. Por fim, regista-se que não se dão como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
A. QUESTÃO PRÉVIA: INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL EM RAZÃO DA MATÉRIA
36. Quanto à competência deste Tribunal, impõe-se em primeiro lugar aferir se, em termos gerais, o pedido formulado pela Requerente é arbitrável, isto é, se a apreciação de pretensões referentes à CSR se encontra ou não inserida no âmbito de competência material da arbitragem tributária.
37. A competência dos Tribunais Arbitrais é delimitada pelo RJAT nos seguintes termos:
“Artigo 2.º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.
38. Este âmbito material é, por sua vez, circunscrito na Portaria de Vinculação, nos seguintes termos:
“Artigo 2.º
Objeto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.”
39. Ainda que a conjugação das referidas normas jurídicas não apresente uma resposta incontestável quanto à arbitrabilidade de atos de liquidação de contribuições, que parecem ter sido em parte excluídos do âmbito material da arbitragem tributária pela Portaria de Vinculação, o que tem reflexo na jurisprudência arbitral que não é uniforme nesta matéria, o certo é que resulta incontroversa a inclusão no âmbito da competência material dos Tribunais Arbitrais a apreciação da legalidade de atos de liquidação de impostos.
40. Para o efeito de se responder a esta questão, torna-se necessário qualificar a CSR enquanto “contribuição” ou “imposto”, para daí extrair as necessárias consequências quanto à competência material deste Tribunal Arbitral. Esta análise tem sido amplamente discutida e desenvolvida pela jurisprudência, que importa aqui considerar em cumprimento do desiderato de interpretação e aplicação uniforme do direito que emana do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.
41. Nas decisões arbitrais proferidas, entre outras, nos processos n.ºs 508/2023-T e 520/2023-T, a CSR foi qualificada como uma contribuição, o que levou aqueles Tribunais Arbitrais a julgar procedente a exceção de incompetência material. No acórdão proferido em 16 de novembro de 2023, no processo n.º 520/2023-T, referiu-se a este respeito o seguinte:
“(…) nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.
Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112- A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o
IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considera «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.
No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no 0n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.”.Sublinhado nosso.
42. Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos 02/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T, 410/2023-T e 861/2023-T que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável. Para o efeito, o acórdão proferido no âmbito do processo n.º 644/2022-T, de 24 de outubro de 2023, decidiu no seguinte sentido:
“Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coativo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afetação à realização de fins públicos – que definem um imposto. Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspetividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT. Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito ativo respetivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspetividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).
Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da atividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua concepção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.
Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…)
Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respetiva natureza.
Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a excepção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.”.
43. Assim sendo, cabendo tomar posição sobre a querela jurídica, este Tribunal Arbitral subscreve e acompanha a jurisprudência maioritária que qualifica a CSR como um imposto, uma vez que este corresponde a um tributo que efetivamente não reúne as características de bilateralidade difusa e de responsabilidade de grupo inerente às contribuições. Consequentemente, nem se revela necessário indagar se as contribuições se inserem ou não no âmbito material da arbitragem, uma vez que resulta incontroverso do RJAT e da Portaria de Vinculação que tal âmbito abrange a apreciação da legalidade de questões referentes a impostos.
44. Apesar de, em termos gerais, as matérias referentes à CSR serem arbitráveis, para se concluir pela competência material do Tribunal Arbitral é ainda necessário analisar e confrontar os concretos pedidos formulados pela Requerente com a delimitação que resulta do RJAT e da Portaria de Vinculação.
45_ No pedido de pronúncia arbitral a Requerente peticionou, em particular, a apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação respeitantes à Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), cujo encargo tributário foi repercutido na sua esfera jurídica pelas suas duas fornecedores, considerando, que os mesmos enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, razão pela qual pretende a respetiva anulação com as demais consequências legais.
46_ Pelo que necessariamente se terá de se inferir que no seu pedido a Requerente não formula o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de repercussão da CSR, consubstanciados nas faturas de combustível, mas antes, e tão só, a declaração de ilegalidade das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustível.
47_ Em face da conclusão que a Requerente não formula um pedido de declaração de ilegalidade dos atos de repercussão da CSR, consubstanciados nas faturas de combustível, mas antes, e tão só, a declaração de ilegalidade das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustível, o que se apresenta como a delimitação adequada à competência material deste Tribunal Arbitral, visto que uma eventual apreciação da legalidade de
atos de repercussão de CSR consubstanciados nas faturas de combustível, extravasaria o âmbito material da arbitragem tributária, tal como se decidiu no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 375/2023-T, de 15 de janeiro de 2024, em que se entendeu que:
“Em relação aos “atos de repercussão” impugnados, o Tribunal não pode conhecer dos mesmos, pois não são actos tributários, não estando prevista a sua sindicabilidade (vd. Art. 2.º do RJAT). No entanto, como foram, em simultâneo, contestados pela Requerente os actos de liquidação de CSR, é sobre estes que recai a pronúncia do Tribunal”.
48 _ Os atos de repercussão materializam “um fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”, tal como evidencia SÉRGIO VASQUES, ob. cit., p. 399.
Este fenómeno não se subsume a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT, anteriormente transcrito, que determina que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação (alínea a) do n.º 1) e de atos de fixação da matéria tributável/matéria coletável/valores patrimoniais na eventualidade de não terem originado qualquer ato de liquidação, alínea b) do n.º 1 do artigo citado.
49 _ Os atos de repercussão materializam “um fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”, tal como evidencia SÉRGIO VASQUES, ob. cit., p. 399. Este fenómeno não se subsume a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT anteriormente transcrito, que determina que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação
(alínea a) do n.º 1) e de atos de fixação da matéria tributável/matéria coletável/valores patrimoniais na eventualidade de não terem originado qualquer ato de liquidação, cfr. alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo.
50_ Este é o entendimento que vem sendo seguido de forma uniforme pela jurisprudência, que se pronunciou sobre esta questão nos processos arbitrais n.º 296/2023-T, 375/2023 T, 332/2023-T, 408/2023-T e 633/2023-T e 890/2024-T. A título de exemplo, no acórdão proferido em 6 de março de 2025, no processo n.º 890/2024-T decidiu-se que:
51_ Este é o entendimento que vem sendo seguido de forma uniforme pela jurisprudência, que se pronunciou sobre esta questão nos processos arbitrais n.º 296/2023-T, 375/2023 T, 332/2023-T, 408/2023-T e 633/2023-T e 890/2024-T.
A título de exemplo, no acórdão proferido em 16 de março de 2025, no processo n.º 890/2024-T, decidiu-se que: Portanto, mesmo que fosse intenção da Requerente, o que não parece ter sido o caso, sempre haveria que declarar o presente Tribunal Arbitral incompetente, em razão da matéria, para conhecer o pedido de apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR, o que implicaria a absolvição parcial da Requerida
da instância, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) todos do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
52_ Porém, o que está em causa é questão diversa, que sem necessidade de mais valorações, implica reconhecer o presente Tribunal Arbitral como competente para apreciar o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de CSR dirigidas, agora, às sociedade fornecedoras de combustíveis, porque subsumível ao âmbito material previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. Saber se tal impugnação pode ser feita pela Requerente, na qualidade de (alegada) repercutida, ou apenas às fornecedoras de combustíveis, que se assumam como sujeitos passivos primários a quem foi (alegadamente) liquidada e por quem foi (alegadamente) paga a CSR, é uma questão que não releva para efeitos de determinação de competência, mas tão só para efeitos de apuramento de legitimidade, pelo que será nessa sede apreciada.
A. QUESTÃO PRÉVIA: ILEGITIMIDADE PROCESSUAL
53_ Não consta do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, por via da aplicação do artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, que remete para as disposições legais de natureza processual do Código de Processo e de Procedimento Tributário (“CPPT”), do CPTA e do CPC.
54_Da regra geral do direito processual, constante do artigo 30.º do CPC, resulta que é parte legítima quem tem “interesse direto” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade ativa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” cfr. artigo 9.º, n.º 1 do CPTA.
55_ A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um ato tributário, cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária (“LGT”), como “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”.
56_ No domínio tributário, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas, cfr. artigo 1. °, n.º 2, da LGT.
57_ Do CPPT resulta a existência de uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” cfr. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT.
No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que“têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”. E o artigo 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.
58. Em relação aos responsáveis, sujeitos passivos não originários, tal como os substitutos, o legislador teve a preocupação de justificar a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual.
59_ Quanto aos responsáveis solidários, deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” cfr. artigo 9.º, n.º 2 do CPPT, enquanto no que respeita aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” cfr. artigo 9.º, n.º 3 do CPPT.
Em ambas as situações, apesar de não corresponderem à figura do sujeito passivo originário, constitui-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais de pagamento da obrigação tributária - e acessórias, o que sucede igualmente com o substituto.
60_ In casu, a Requerente invoca a qualidade de repercutida legal para deduzir a ação arbitral. Nesse contexto, SÉRGIO VASQUES, afirma que “Se o repercutido estará à margem da relação tributária, não estará por isso à margem do direito.”, vide Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., p. 401, referindo que a LGT lhe reconhece o direito “à reclamação, recurso, impugnação ou pronúncia arbitral”.
61_.Contudo, importa começar por referir que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade, neste caso, só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
62_ Apesar de o repercutido não ser sujeito passivo, nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, pressupõe que assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”, estendendo a posição jurídica adjetiva ao repercutido, apesar de não o considerar sujeito passivo, na condição de estarmos perante um caso de “repercussão legal”. A lei implica desta forma que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
63_Neste âmbito, o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa refere que:
“nos casos de repercussão legal do imposto, apesar de aquele que suporta o encargo do imposto não ser sujeito passivo, é-lhe assegurado o direito de reclamação, recurso e impugnação [artigo 18. °, n.º 4, da LGT]. São casos de repercussão legal os do IVA e dos impostos especiais de consumo, pois, em
face do (…) respetivo regime legal, a lei exige o pagamento dos tributos aos intervenientes no processo de comercialização dos bens ou serviços, visando fazer com que eles venham a ser pagos pelos consumidores finais, que são os titulares da capacidade contributiva que se pretende tributar.” (vide Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 115).“é de considerar ser titular de um interesse suscetível de justificar a intervenção no procedimento tributário quem possa ser diretamente afetado pelo que nele possa vir a ser decidido, inclusivamente quando esteja em causa uma mera situação de vantagem derivada do ordenamento jurídico, o que será a interpretação que melhor se compagina com o direito constitucionalmente garantido de participação dos cidadãos nas decisões que lhes disserem respeito (art . 267.°, n.° 5, da CRP), como tal se tendo de considerar, necessariamente, todas as que tenham repercussão direta na sua esfera jurídica.” (vide Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 120)
64_Ora, conforme sustentou no acórdão do CAAD, de 6 de março de 2025, proferido no âmbito do processo 890/2024-T,“qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º _ epigrafado “Regras gerais do reembolso”.
65_ A referida disposição legal - artigo 15.º, n.º 2, do CIEC - estabelece que “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.”.
66_ Por sua vez, as disposições relevantes desse artigo 4.º - “Incidência subjetiva” - para as quais tal norma remete, têm a seguinte redação:
“1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:
a) O depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado; (…)
(...)
2 - São também sujeitos passivos, sem prejuízo de outros especialmente determinados no presente Código:
a) A pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação;”
67_ Efetivamente, desde a redação inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, também a única alteração substancial registada foi o aditamento, pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro, do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjetiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos”para lá do “destinatário certificado”.
68_ Quer dizer que só os sujeitos passivos aí identificados, e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre, tal como resulta do n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”. Ora, esta solução apresenta total cabimento face à impraticabilidade que seria fazer a gestão de um sistema demasiadamente aberto a todo o género e tipo de reembolsos, com uma duvidosa forma de controlo. A esta mesma conclusão chegaram, entre outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 296/2023 T, 408/2023-T, 375/2023-T, 633/2023-T, 861/2023-T e 890/2024-T.
69_ Por outro lado, acresce que se afigura claro que a CSR não constitui um caso de repercussão legal.
70_ A Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza e, portanto, incluindo os gastos tributários, por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção, cfr. artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil.
71_ Infere-se do articulado da Requerente que esta legitima a sua intervenção processual do facto singelo de lhe ter sido repercutida a CSR pelas empresas fornecedoras de combustíveis, caracterizando-se como um consumidor de combustíveis, sobre o qual recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo.
72_ Contudo, a repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, pois o artigo 9.º do CPPT requer a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Além de que a Requerente não tem a qualidade de consumidor de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”). Na verdade, o combustível adquirido é um fator de produção no circuito económico, pelo que se a CSR, conforme alega a Requerente, se destina a
ser suportada pelo consumidor, à partida esta não faz parte das entidades potencialmente lesadas, que são os consumidores e não os operadores económicos.
73_ Nos termos da lei que prevê a CSR, não existe qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo do ponto de vista económico, pelo que é errónea a afirmação da Requerente de que é sobre si que recai tal encargo. Basta atentar, para esta conclusão, no artigo 5.º, n.º 1 da citada lei: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”. Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, pelo que o artigo 5.º, n.º 1, da lei CSR, não remete para o artigo 2.º do CIEC, que prevê a repercussão legal nos impostos especiais sobre o consumo, mas para as normas desse código que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo, apenas.
74_ Como salienta o acórdão do CAAD, de 8 de janeiro de 2024, proferido no âmbito do processo 408/2023-T, com o qual se concorda:
“1. A Lei n.º 55/2007 define o sujeito passivo e devedor da CSR, mas não contém qualquer regra de repercussão legal, nem se pronuncia sobre a sua repercussão económica;
2. A Requerente não é consumidor final, o que significa que os gastos em que incorre são presumivelmente, de acordo com as regras da experiência comum, repercutidos no elo subsequente do circuito económico até atingirem os consumidores finais, esses sim, onerados com o encargo económico do imposto e demais gastos incorridos na produção dos bens e serviços;
3. Se a CSR foi economicamente repercutida pelos distribuidores de combustíveis à Requerente, não há razões para crer que esta, no exercício de uma atividade económica que visa o lucro e dentro dessa racionalidade, não tenha também repassado de alguma forma o encargo da CSR, no todo ou em parte, para os seus clientes, que nem sequer são os consumidores finais (os próprios clientes.”.
75_ Ora, não sendo a Requerente o sujeito passivo da CSR, nem repercutido legal desta contribuição, não lhe assiste legitimidade processual, a menos que, como interessada, alegue e demonstre factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, i.e., que evidencie um interesse direto e legalmente protegido na sua esfera, passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo, ónus que sobre si impende.
76_. Contudo, o único facto que a Requerente alega para este efeito é o de lhe ter sido repercutida a CSR. Qualifica esta repercussão, erradamente, como legal, que, a ser “legal”, sempre teria de constar de uma norma com essa natureza, a qual, porém, não existe.
77_ Acresce que, sem prejuízo de a CSR ter sido consagrada como “contrapartida” da utilização da rede rodoviária nacional, a lei não indica ou sequer sugere sobre quem é que deve constituir encargo,
contrariamente ao que a Requerente afirma. Na realidade, a Requerente é tão-só um cliente comercial dos sujeitos passivos que efetivamente liquidaram a CSR.
78_ Portanto, tal como foi afirmado no acórdão do CAAD, de 8 de janeiro de 2024, proferido no âmbito do processo 408/2023-T:
“Não integra, nem é parte da relação tributária, nem é repercutido legal. Também não se descortina, nem disso foi feita prova, que tenha sido a Requerente a suportar economicamente o imposto, para o que seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:
− Que a CSR foi repercutida à Requerente, qual o montante e em que períodos;
− Que, por sua vez, o preço dos produtos transformados para venda aos seus clientes não comportam a repercussão de CSR, e a repercutir, em que medida, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo do imposto”.
79_Conforme anteriormente referido, a Requerente limitou-se a juntar as faturas dos seus fornecedores de combustível, que estão longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto. Posto isto, a Requerente não logrou, por isso, atestar que suportou o tributo contra o qual reage. E esta seria a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente ação arbitral, tendo em conta que não é sujeito passivo, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutido legal da CSR.
80. Isto é, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade. Esta circunstância é especialmente relevante no caso, em que ficou provado que as duas fornecedoras de combustível são meros revendedores de combustível, que não detinham à data nenhum dos estatutos fiscais previstos no artigo 4.º do CIEC para a venda de gasóleo à Requerente e que, não sendo sujeitos passivos de IEC, em sede de gasóleo, à data, não poderiam promover a sua introdução no consumo.
81_ Por fim, em cumprimento do desiderato do direito nacional e da União Europeia, não se diga que a Requerente ficou desprovida de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma ação civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunir os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S.
Nesta perspetiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva, cfr. artigo 20.º da CRP.
82_ A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel - correspondente ao atual Imposto sobre Veículos - que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal cfr. Acórdão de 1 de outubro de 2003, processo n.º 0956/03.
83 _ Em suma, à face do exposto deve julgar-se verificada a exceção de ilegitimidade da Requerente, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.
84_ Em síntese, não tendo ficado provado o valor da CSR repercutido pelos fornecedores de combustíveis à Requerente, nem que esta tenha suportado o encargo económico do imposto em definitivo, falece à Requerente legitimidade para pedir a anulação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto, solução que se enquadra numa interpretação conforme à Constituição, cfr. artigo 268.º, n.º 4, porquanto o direito à impugnação dos atos lesivos não pode deixar de reportar-se aos sujeitos cuja esfera jurídico-patrimonial sofreu a lesão e não a outros.
85_ A título conclusivo, em resultado da apreciação das questões prévias referentes à incompetência em razão da matéria e à ilegitimidade processual, resulta que o presente Tribunal arbitral é competente para se pronunciar sobre a ilegalidade e anulação das liquidações de CSR, praticadas pela AT com base em DIC,s submetidas pelas legitimas fornecedoras de combustíveis, e resultando ainda da lei que a Requerente é parte ilegítima para suscitar o pedido de ilegalidade das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Requerida, conclui-se que a Requerida terá de ser absolvida da instância, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado.
86_ Não se opinando sobre o mérito, fica igualmente prejudicado o conhecimento do pedido de reembolso e de juros indemnizatórios.
V. DECISÃO
Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito que supra ficaram expostos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:
a) Considerar o Tribunal Arbitral competente para apreciar a ilegalidade e anulação das liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustível.
b) Considerar a Requerente parte ilegítima para suscitar a ilegalidade das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela requerida com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustível.
c) Em consequência, absolver a Requerida da instância, condenando a Requerente nas custas, nos termos abaixo fixados.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se ao processo o valor de 21.380.66 €, vinte e um mil, trezentos e oitenta euros e sessenta e seis cêntimos, de acordo com o disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º- A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicáveis por força do que se dispõe no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT.
VII. CUSTAS
Custas no montante de 1.224.00€, mil duzentos e vinte e quatro euros, de acordo com o disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º- A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicáveis por força do que se dispõe no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 3 de novembro de 2025
A Árbitra
Maria Alexandra Mesquita