SUMÁRIO:
A renúncia a tornas em processo de partilha não está prevista nas normas de incidência do Código do Imposto do Selo no que às transmissões gratuitas diz respeito, contrariamente ao que se encontrava previsto no art.º 4º. do revogado Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. Em 24 de dezembro de 2024, A..., casada no regime da comunhão de adquiridos com B..., natural da freguesia da ..., concelho de Coimbra, portadora do cartão de cidadão nº..., válido até 03/08/2031, com o contribuinte fiscal nº ... residente no ... nº..., ...-... Almeirim, não se conformando com o ato de liquidação nº ... de 16/07/2024 que deu origem ao documento de cobrança nº 2024 ... levada a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011 de 20 de Janeiro e 99º e seguintes do Código de Procedimento e Processo Tributário, pedido de constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista que seja declarado nulo o ato de liquidação oficiosa de imposto do selo acima referido e a Requerida (AT) condenada a devolver à Requerente a quantia de 8.332,36€ (oito mil, trezentos e trinta e dois euros e trinta e seis cêntimos) por esta pago a título de Imposto de Selo e ainda a quantia de 93,69€ (noventa e três euros e sessenta e nove cêntimos) a título de custas;
2. A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, o Senhor Drº ..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira é representada pelas juristas Senhora Drª. ... e Drª. ... .
3. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi o signatário designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e aceitou o cargo, no prazo legalmente estipulado, não se tendo as partes oposto a tal nomeação.
4. O presente Tribunal foi constituído no dia 5 de março de 2025, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular que se encontra junta aos presentes autos.
5. Nesse mesmo dia 5 de março de 2025, o Tribunal notificou, por despacho, o dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira para apresentar Resposta, juntar o processo administrativo, e caso o pretenda, solicitar produção de prova adicional, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT.
6. Em 9 de abril, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo igualmente procedido à junção do processo administrativo.
7. Notificada da Resposta apresentada pela Requerida veio a Requerente, em 29 de abril de 2025, apresentar requerimento em que pugna pela inexistência de uma questão de litispendência, questão levantadas naquela Resposta, e que se assim for requer a apensação dos processos pendentes no CAAD que a ela pudessem conduzir.
8. Em 14 de agosto de 2025 o Tribunal lavrou o seguinte Despacho:
“Designo o dia 4 de setembro de 2025, pelas 14,30 h, para a reunião prevista no artº. 18º. do RJAT, bem como para audição das testemunhas arroladas pela Requerente.
Mais se notificam as partes para indicarem ao CAAD se pretendem comparecer nas instalações do CAAD ou em alternativa participar na diligência via WEBEX, devendo as testemunhas ser apresentadas nas instalações do CAAD em Lisboa, salvo solicitação expressa em sentido contrário.”
9. Mais foi ainda decidido por intermedio do referido Despacho que:
“Por não ser possível proferir a decisão arbitral até ao dia 5 de setembro de 2025, determina-se a prorrogação do prazo de arbitragem por dois meses, contados a partir daquela data, nos termos e para os feitos do disposto no artº. 21º., nº. 2 do RJAT.”
10. Na data agendada, teve lugar, com a presença de todos os intervenientes e da Jurista da Autoridade Tributário via CISCO WEBEX MEETINGS, a reunião a que se refere o art.º 18º. do RJAT, com inquirição das duas testemunhas arroladas.
11. No final, o Tribunal notificou a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo apresentarem alegações escritas no prazo 15 dias
12. Em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, o Tribunal determinou a prolação da decisão arbitral até ao dia 5 de novembro de 2025, tendo advertido a Requerente de que deveria proceder até essa data ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD, tudo conforme ata que se encontra junta aos autos.
13. Em 17 de setembro a Requerente apresentou as suas alegações, tendo a Requerida feito o mesmo em 8 de outubro de 2025.
II - A POSIÇÃO DAS PARTES
I). A Posição da Requerente
1. A Requerente apresenta o seu PPA, e pretende:
- Que seja declarado nulo o ato de liquidação oficiosa de imposto do selo com o nº ... de 16/07/2024 que deu origem ao documento de cobrança nº 2024..., também este último devendo ser anulado;
- Que a Requerida (AT) seja condenada a devolver à Requerente a quantia de 8.332,36€ (oito mil, trezentos e trinta e dois euros e trinta e seis cêntimos) por esta pago a título de Imposto do Selo e ainda a quantia de 93,69€ (noventa e três euros e sessenta e nove cêntimos) a título de custas;
- Tudo com as demais consequências legais, onde poderá estar incluído o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
2. O ato tributário em apreço decorreu da liquidação nº ... de 16/07/2024 que deu origem ao documento de cobrança nº 2024 ... levada a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que conduziu à liquidação oficiosa de € 8.332,36€ (oito mil, trezentos e trinta e dois euros e trinta e seis cêntimos)
3. A liquidação em causa teve origem na seguinte situação:
4. A Requerente e três dos seus irmãos, na sequência da herança aberta por óbito dos seus pais e depois de um quarto irmão ter vendido a esses três o seu quinhão hereditário, não querendo manter-se na indivisão, procederam a partilha judicial dessas heranças.
5. Assim, o acervo da herança, num valor global de € 1.598.846,25 (um milhão, quinhentos e noventa e oito mil, oitocentos e quarenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos), foi partilhado entre a Requerente e os seus três irmãos, tendo os mesmos acordado em sede judicial na composição dos respetivos quinhões, pondo assim fim ao processo.
6. Essa partilha foi concretizada da seguinte forma:
i). À interessada A..., ora Requerente, € 337.534,21€ trezentos e trinta e sete mil, quinhentos e trinta e quatro euros e vinte e um cêntimos);
ii). Ao Interessado, C..., € 337.534,21 trezentos e trinta e sete mil, quinhentos e trinta e quatro euros e vinte e um cêntimos);
iii). Ao Interessado, D..., € 253.150,66 (duzentos e cinquenta e três mil e cento e cinquenta euros e sessenta e seis cêntimos);
iv). À Interessada E..., € 670.627,18 (seiscentos e setenta mil e seiscentos e vinte e sete euros e dezoito cêntimos).
7. Sobre esta situação a Requente no seu PPA afirma o seguinte:
“Foram adjudicados à ora Requerente bens no montante de 420.857,76€ (quatrocentos e vinte mil e oitocentos e cinquenta e sete euros e setenta e seis cêntimos), logo, esta haveria de pagar tornas (se as houvesse e não há, como se verá a seguir), à Interessada E... no montante de 83.323,55€ (420.857,76€ - 337.534,21€), tudo de acordo com o referido mapa de partilha já junto.”
8. Mais se refere que no acordo que celebraram entre si para pôr fim à partilha hereditário, ficou consagrado na Cláusula Nona o seguinte:
“…para efeitos desta partilha e considerando os seus termos, consideram que não há tornas a pagar, ficando feitas e saldadas entre todos quaisquer tornas que sejam devidas …”
9. Conclui a Requerente que no final deste processo judicial não houve lugar tornas.
10. Ou seja, nos termos do acordo “… quiseram atribuir e atribuíram ao conjunto de bens da herança adjudicados a cada interessado valor igual ao valor do quinhão hereditário que lhes cabia, não havendo, portanto, excesso da quota ideal a que cada um cabia, e, portanto, não havendo quaisquer tornas a pagar”, situação refletida no mapa de Partilhas, no entender da Requerente, donde consta expressamente o seguinte:
“haveria torna a pagar”. (Vd. Doc. nº. 2 junto ao PPA)
11. E só não as há, prossegue a Requerente, porque apenas as haveria se os valores atribuídos para efeitos da partilha fossem os Valores Patrimoniais Tributários dos bens imóveis que compõem as heranças, o que não aconteceu, porque, como já se referiu, os interessados atribuíram a esses bens igual valor ao do quinhão hereditário que a cada um deles cabia.
12. Não houve, por isso, excesso de quota parte de qualquer dos interessados e consequentemente não houve lugar ao pagamento de tornas entre eles.
13. Logo, não haverá lugar ao pagamento do imposto do selo sobre essas mesmas tornas, porquanto elas não existem.
14. A Requerente refere que esta situação apenas poderia levar ao pagamento de IMT e IS (do contrato), o que ela fez.
15. Quanto ao enquadramento jurídico desta situação que resultou na cobrança de um imposto do selo de 10% sobre o valor das tornas, a Requerente refere que:
“A Autoridade Tributária e Aduaneira tem vindo a entender que a renúncia às tornas constitui um facto tributário sujeito a tributação nos termos do artigo 1º do Código do Imposto de Selo e aplicação da verba 2.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, por se tratar de uma renúncia abdicativa e de uma verdadeira transmissão gratuita, cabendo ao beneficiário de tal transmissão o pagamento do referido imposto.”
16. Contudo, a Requerente entende que não foi nem é beneficiária do que quer que seja, porque não existiram nem existem tornas a pagar, nem a Requerente ou qualquer dos outros interessados renunciou e/ou prescindiu do pagamento de quaisquer tornas que houvesse – e não houve, refere novamente.
17. Conclui, assim, a Requerente que o presente pedido de pronúncia Arbitral deve ser julgado totalmente procedente com as seguintes consequências;
a). Ser declarado nulo o ato de liquidação oficiosa de imposto do selo com o nº ... de 16/07/2024 que deu origem ao documento de cobrança nº 2024 ..., também este último devendo ser anulado;
b). E a Requerida (AT) condenada a devolver à Requerente a quantia de 8.332,36€ (oito mil, trezentos e trinta e dois euros e trinta e seis cêntimos) por esta pago a título de Imposto de Selo e ainda a quantia de 93,69€ (noventa e três euros e sessenta e nove cêntimos) a título de custas;
c). Tudo com as demais consequências legais.
18.Nas suas alegações a Requerente defendeu os argumentos que tinha utilizado no seu PPA, que considera terem sido confirmados pelo depoimento credível das testemunhas inquiridas, que demonstraram conhecimento direto, e fez referência a que sobre situação de facto e de direito idêntica, em processo que correu termos também no CAAD, foi proferida Decisão (Procº. nº. 1411/2024-Tde 18 de agosto de 2025).
II). A Posição da Requerida
1. A Requerida que na sua Resposta depois de elencar os factos que considera relevantes, começa por resumira posição da Requerente do seguinte modo:
i). Os Interessados, nos termos do acordo celebrado, quiseram atribuir, e atribuíram, ao conjunto de bens da herança adjudicados a cada interessado valor igual ao valor do quinhão hereditário que lhes cabia, não havendo, portanto, excesso da quota ideal a que cada um cabia, nem nos bens imóveis que lhe foram atribuídos, e, consequentemente,
ii). não houve tornas a pagar por qualquer interessado, pelo que
iii). também não há lugar à cobrança e pagamento do imposto de selo sobre as mesmas.
2. Quanto ao Direito aplicável a Requerida defende que a remissão é uma autêntica doação feita pelo credor ao devedor, remetendo para o art.º 863º.do Código Civil que dispõe:
“Quando tiver o carácter de liberalidade, a remissão por negócio entre vivos é havida como doação, na conformidade dos artigos 940.º e seguintes.”
3. Reconhecendo a natureza creditícia das tornas considera, por outro lado, que a aceitação pelo devedor das tornas não reveste forma especial, nem tão pouco expressa, para concluir que o silêncio do obrigado ao pagamento das tornas tem o valor que decorre dos termos gerais, previstos no art.º 234.º (por remissão do art.º 218.º), ambos do Código Civil.
4. Quanto à legislação fiscal aplicável começa por referenciar o nº. 3 do art.º 1º. o Código do Imposto do Selo (CIS), que consagra o seguinte:
“3 - Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objeto: (…)"
5. Dando especial ênfase a que o termo “designadamente” tem como efeito alertar o intérprete no sentido de que o elenco de situações que dele consta não tem um carácter fechado - no sentido de exclusivo - tratando-se de uma tipologia enunciativa e não taxativa, razão pela qual não são apenas as operações descritas nas várias alíneas deste nº 3 que são consideradas como sujeitas a imposto.
6. Por isso, se pode concluir que:
“São, assim, sujeitos à tributação prevista na verba 1.2 da Tabela Geral, entre outras, como se depreende do termo "designadamente" constante do n.º 3 deste artigo, as transmissões gratuitas, por sucessão ou doação, a seguir descritas em anotação ao n.º 3. (Vd. Neste sentido se pronunciam J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas in Os Impostos sobre o DIREÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTADORIA JURÍDICA E CONTENCIOSO 10 / 20 Património Imobiliário, o Imposto do Selo, Engifisco, Lda., Lisboa, 2005, pág. 539)”
7. Para de seguida referenciar que o nº. 5 do art.º 1º. do CIS enumera as transmissões gratuitas que não são sujeitas a imposto do selo da Verba 1.2. da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), e dele não constam a renúncia a direitos constituídos que se equiparassem a uma renúncia a tornas.
8. Reportam-se ao revogado Código do Imposto Municipal Sobe as Sucessões e Doações, em que por referência ao seu art.º 4º. de cuja interpretação resultava a tributação da renúncia a tornas, naquela sede, defende a continuidade existente nestas matérias entre aquele Código e o atual CIS.
9. Vai mais longe a Requerida ao defender que:
“Ainda que assim não se entendesse, ou seja, se, nas situações de renúncia a tornas, não se confirmar o entendimento que equipara a remissão à doação, seja porque se rejeita que estejamos perante um contrato, seja porque, ainda que tal não se conceba, falta, contudo, "o carácter de liberalidade" que o n.º 2 do art.º 863.º do C. Civil exige para que a remissão possa ser havida como doação.”
10. Se assim fosse, a Requerida remete para a aplicação do nº. 3 do art.º 11º. da LGT, porque se deverá "atender à substância dos factos tributários" na determinação do sentido das normas tributárias aos mesmos (eventualmente) aplicáveis, o que, nos termos do nº 2 da mesma disposição legal, só sucede quando, na determinação do sentido daquelas ou na qualificação dos factos que lhes são - ou possam ser - subsumíveis, se não empreguem termos próprios de outros ramos do direito, circunstância em que os mesmos deverão ser interpretados de acordo com o sentido que nesses ramos têm.
11. A Requerida defende igualmente que “a renúncia envolve uma perda ou diminuição patrimonial, enquanto representa um acréscimo patrimonial na esfera jurídica do anteriormente onerado com o pagamento das tornas.”
12. E, continua a Requerida, na medida em que o direito de que é titular a renunciante foi extinto simplesmente, através de declaração unilateral não receptícia, a renuncia a tornas constituiu uma renúncia abdicatória.
13. Contudo, mesmo sem que a lei considere expressamente este tipo de renúncias (abdicatórias) como doação, a verdade é que as mesmas, em termos patrimoniais, conclui a Requerida, revestem as características daquelas, pois sem ser havida como doação, apresenta idêntica substância económica.
14. Para concluir:
“Temos, assim, que a renúncia a tornas reveste natureza gratuita, assente numa estrutura que se alicerça numa dada diminuição em determinada esfera patrimonial (o credor das tornas vê o seu direito/crédito/ativo extinguir-se), a que corresponde, sem qualquer contrapartida, um acréscimo de igual monta noutra esfera patrimonial (o devedor das tornas vê a sua obrigação/dívida/passivo extinguir-se).”
15. Pelo que:
“A sua substância económica é, assim, a de uma operação gratuita, pelo que o respetivo tratamento jurídico-tributário, em sede de sujeição a imposto do selo, tem de ser o mesmo que o conferido a uma doação formal nos termos do nº 2 do artigo. 863.º do C. Civil.”
16. Logo, o não pagamento das tornas apuradas na partilha, configura uma renúncia às mesmas, que, de acordo com a sua substância económica e com o disposto no n.º 2 do art.º 863.º do Código Civil é considerada uma operação gratuita, constituindo uma realidade sujeita a IS ao abrigo do disposto na verba 1.2 da respetiva Tabela Geral.
17. Para concluir que andou bem a AT, devendo manter-se o ato impugnado e negar à Requerente o direito a juros indemnizatórios.
18. Solicita a final que o presente pedido de pronuncia arbitral seja julgado improcedente por mão provado e consequentemente absolvida a Requerida de todos os pedidos, com as consequências legais.
19. Apresentou alegações em que reitera tudo o se disse em sede de Resposta, particularizando que as testemunhas inquiridas confirmaram que o Tribunal tinha decidido o pagamento de tornas e que os mesmos a elas tinham renunciado.
III - SANEAMENTO
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades e não se verifica a caducidade do direito à ação.
A Requerida levantou uma questão de litispendência por existência no CAAD de outros processos que versam sobre a mesma matéria de facto e a aplicação das mesmas regras de direito, e a Requerente, que nega a existência dessa invocada litispendência, requer, caso tal fosse considerado procedente, a apensação dos processos que a essa litispendência pudessem dar lugar.
IV - MATÉRIA DE FACTO
Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC).
Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral dos Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a. Factos dados como Provados
Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
A. Por óbito de F..., ocorrido em 08-02-1992, sucederam-lhe como únicos e universais herdeiros, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade (cf. escritura de habilitação de herdeiros, outorgada em 28-05-1992, junta com a PI, como doc. 2):
1. O cônjuge, G..., com o autor da herança casada no regime de comunhão geral de bens; e
2. Cinco filhos:
i). C...;
ii).A...– aqui A;
iii). H...;
iv).F...; e
v). E....
B. No dia 17-01-2017, faleceu o cônjuge sobrevivo, G..., tendo deixado testamento, outorgado em 30-10-2000, pelo qual instituiu herdeira da sua quota disponível a sua filha E..., quota que deveria ser preenchida primeiramente pelo seu prédio denominado por ..., situado em ..., freguesia de..., concelho de Coimbra.
C. G... deixou como herdeiros os seus 5 filhos.
D. Por escritura pública de cessão de quinhões hereditários, outorgada em 16-11-2018, o herdeiro H... vendeu à Requerente e aos herdeiros C... e E..., em partes iguais, os quinhões hereditários que lhe pertenciam nas heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito do pai, F... e da mãe, G... .
E. O acervo de bens que compunham as referidas heranças foi partilhado entre a Requerente e os seus três irmãos, identificados no ponto anterior, através do processo de inventário judicial que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Local Cível de Coimbra – Juiz 2, com o n.º .../21...T8CBR.
F. No âmbito do mencionado processo de partilha/inventário judicial, os aí interessados (a Requerente e seus identificados irmãos) acordaram na composição dos quinhões que a cada um deles cabia, assim pondo termo ao processo.
G. O acervo de bens das heranças em causa tinha um valor global de € 1.598.846,25, o qual foi dividido pelos interessados, cabendo:
• À requerente A..., bens no montante de € 337.534,21;
• Ao interessado C... € 337.534,21;
• Ao interessado D... € 253.150,66;
• À interessada E... € 670.627,18.
H. Em sede de partilha, contudo, foram adjudicados à Requerente bens no montante de € 420.857,76, ou seja, em montante superior ao seu quinhão.
I. Consta do Mapa de Partilha, que integra a Ata de Conferência de Interessados, junta como doc. 2 na PI, que a Requerente “pagaria de tornas à Interessada E...”, no montante de € 83.323,55.
J. Os interessados, no acordo entre si celebrado que pôs fim à partilha hereditária determinaram na Cláusula Nona que “… para efeitos desta partilha hereditária e considerando os seus ternos, consideram que não há tornas a pagar, ficando feitas e saldadas entre todos quaisquer tornas que sejam devidas …”
K. Em cumprimento da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT que determina que, em virtude do disposto do n.º 1, são também sujeitas a IMT, além de outras operações, “o excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em ato de divisão ou partilhas, bem como a alienação da herança ou quinhão hereditário”, foram emitidas as competentes liquidações de IMT e IS (Verba 1.1), calculadas com base no valor patrimonial tributário, por ser o maior, nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do CIMT - que a Requerente pagou integralmente.
L. Na sequência da Participação n.º .../2024, em 16/07/2024, a AT emitiu oficiosamente, em nome da Requerente, a liquidação de Imposto de Selo (IS) n.º ..., no valor de € 8.332,36, com o fundamento de que se verificou, no caso em apreço, renúncia a tornas – imposto que a Requerente pagou.
M. A Requerente apresentou em 24 de dezembro de 2024 o presente pedido e pronuncia arbitral, por intermédio do qual pretende anular a liquidação oficiosa em causa no montante de € 8. 426,05 (oito mil, quatrocentos e vinte e seis euros e cinco cêntimos).
b. Factos dados como não Provados
A. Não se encontram factos relevantes que devam se considerados como não provados.
THEMAS DECIDENDUM –
1. Primeiro que tudo importa decidir se se verifica alguma situação de litispendência e, caso tal se verifique, se merece provimento o pedido apresentado pela Requerente de apensação dos processos pendentes que versem sobre os mesmos factos e a aplicação das mesmas normas jurídicas.
2. De seguida importa apreciar se a renuncia a tornas, em processo de partilhas judiciais tem enquadramento nas normas de incidência do Código do Imposto do Selo.
V – LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
CÓDIGO DO IMPOSTO DO SELO
CAPÍTULO I
Incidência
Artigo 1.º
Incidência objectiva
1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
2 - Não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas.
3 - Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto:
a) Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião;
b) Bens móveis sujeitos a registo, matrícula ou inscrição;
c) Participações sociais, valores mobiliários e direitos de crédito associados, ainda que transmitidos autonomamente, títulos e certificados da dívida pública, bem como valores monetários, ainda que objecto de depósito em contas bancárias;
d) Estabelecimentos comerciais, industriais ou agrícolas;
e) Direitos de propriedade industrial, direitos de autor e direitos conexos;
f) Direitos de crédito dos sócios sobre prestações pecuniárias não comerciais associadas à participação social, independentemente da designação, natureza ou forma do acto constitutivo ou modificativo, designadamente suprimentos, empréstimos, prestações suplementares de capital e prestações acessórias pecuniárias, bem como quaisquer outros adiantamentos ou abonos à sociedade;
g) Aquisição derivada de invalidade, distrate, renúncia ou desistência, resolução, ou revogação da doação entre vivos com ou sem reserva de usufruto, salvo nos casos previstos nos artigos 970.º e 1765.º do Código Civil, relativamente aos bens e direitos enunciados nas alíneas antecedentes.
h) Os valores distribuídos em resultado da liquidação, revogação ou extinção de estruturas fiduciárias a sujeitos passivos que não as constituíram.
i) Criptoativos, tal como definidos nos n.os 17 e 18 do artigo 10.º do Código do IRS.
4 - São consideradas simultaneamente como aquisições a título oneroso e gratuito as constantes do artigo 3.º do Código do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).
5 - Para efeitos da verba 1.2 da tabela geral, não são sujeitas a imposto do selo as seguintes transmissões gratuitas: (Redação da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro)
a) O abono de família em dívida à morte do titular, os créditos provenientes de seguros de vida e as pensões e subsídios atribuídos, ainda que a título de subsídio por morte, por sistemas de segurança social;
b) De valores aplicados em fundos de poupança-reforma, fundos de poupança-educação, fundos de poupança-reforma-educação, fundos de poupança-ações, fundos de pensões, planos poupança-reforma ou produtos individuais de reforma pan-europeus;
c) Donativos efectuados nos termos da Lei do Mecenato;
d) Donativos conforme os usos sociais, de bens ou valores não incluídos nas alíneas anteriores, até ao montante de (euro) 500;
e) Transmissões a favor de sujeitos passivos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, ainda que dele isentas;
f) Bens de uso pessoal ou doméstico.
g) Donativos entre cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, até ao montante de 5000 (euro).
6 - Para efeitos do presente Código, o conceito de prédio é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).
7 - Os valores e dinheiro depositados em contas conjuntas, guardados em cofres de aluguer ou confiados a qualquer pessoa ou entidade, consideram-se pertencentes em partes iguais aos respectivos titulares, salvo prova em contrário, tanto da Fazenda Nacional como dos interessados.
8 - O disposto no n.º 2 não se aplica às situações previstas na verba n.º 11.2 da Tabela Geral. (Redação da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril). (negrito nosso).
TABELA GERAL DO IMPOSTO DO SELO
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1.2
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Aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião, a acrescer, sendo caso disso, à da verba 1.1 sobre o valor
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10%
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LEGISLAÇÃO ANTERIOR JÁ REVOGADA
CÓDIGO DO IMPOSTO MUNICIPAL DE SISA E DO IMPOSTO SOBRE AS SUCESSÕES E DOAÇÕES
Artigo 4.º (Renúncia a direitos constituídos)
A simples renúncia a quaisquer direitos já constituídos, e da qual outrem imediatamente beneficie, será sempre havida por transmissão. Tratando-se de renúncia a direitos mobiliários, presumir-se-á transmissão a título gratuito; tratando-se de renúncia a direitos imobiliários e mobiliários conjuntamente, presumir-se-á a título gratuito ou oneroso, consoante a que produzir maior colecta; salvo, em ambos os casos, o contribuinte provar que a transmissão se operou por outro título. § único. Quando resultar do próprio documento da renúncia que o renunciante pretendeu desonerar-se de algum encargo, a transmissão será sempre considerada onerosa. (negrito nosso).
VI – PRESSUPOSTOS DA DECISÃO.
Questão previa
1. Como se referiu, a Requerida na sua Resposta levantou uma questão de litispendência porquanto:
“Corre termos, neste Centro de Arbitragem Administrativa, o processo com o nº 1411/2024 deduzido contra o acto de liquidação nº..., de 16/07/2024, referente a imposto do selo (IS), que deu origem ao documento de cobrança n.º 2024..., no valor de € 8.332,36.”, em que é A C..., irmão da aqui requerente e que tem por objecto exactamente a mesma matéria de facto (e de direito), discutida nos presentes autos e em ambos os processos são as mesmas as partes (ainda que em posições processuais distintas), é o mesmo o objecto, é a mesma a causa de pedir, e é o mesmo o pedido.
2. A exceção da litispendência tem “(…) por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior” - nº 2 do art.º 580º do CPC e a Requerida entende que, mostrando-se os presentes autos os interpostos em segundo lugar, e ao abrigo dos nºs 1 e 2 do art.º 582º do CPC, deduz-se expressamente a exceção de litispendência.
3. Ora, acontece, que o Processo aqui referenciado que poderia estar na causa da verificação de uma situação e litispendência – Proc. nº 1411/2024 – teve a sua Decisão proferida em 18 de agosto de 2025, estando devidamente publicada no site do CAAD.
4. Caindo assim por terra a pretensão da Requerida, por inexistência de um processo ainda pendente.
5. Por outro lado, será sempre de dizer que da leitura de ambos os processos, embora resulte a plena identificação dos factos e a aplicação das mesmas normas jurídicas, são diferentes as partes.
6. Neste processo, a Requerente é A... e no Proc. nº 1411/2024 o Requerente é C... .
7. Sabendo-se que o art.º 581º. do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi com base no disposto noa art.º 29º. do RJAT – impõe para verificação da litispendência a identidade de sujeitos, não poderia do mesmo modo ser considerado procedente o pedido da entidade Requerida quanto a esta matéria.
8. Não se verificando a situação de litispendência prejudicado fica o pedido da Requerente para que se proceda a uma apensação de processos.
9. Resolvida a primeira questão, a de natureza processual, pode o Tribunal avançar para a segunda questão.
10. Face às posições assumidas e aos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais e tendo em consideração a matéria de facto dada como provada, os depoimentos das testemunhas e a evolução da legislação aplicável, importa decidir.
11. Resulta dos factos apurados e principalmente do modo como a partilha foi efetuada de que a Requerente, por ter recebido bens de valor superior ao que tinha direito (avaliados pelo respetivo VPT, que não pelo valor atribuído entre as partes) tinha direito a receber tornas, no montante de € 83.323,55 a serem pagas pela interessada E..., irmã da Requerente.
12. Resulta dos autos, dos factos provados e do depoimento das testemunhas inquiridas, estas com conhecimento direto naos factos, porque igualmente interessados na mesma partilha, de que a Requerente não pagou aquilo que supostamente tinha a pagar, valor esse que a sua irmã E... confessou em Tribunal não ter recebido.
13. Estes são os factos.
14. Questão diferente serão os efeitos jurídicos deles resultantes e a diferente interpretação das partes quanto à legislação fiscal aplicável.
15. É certo que, enquanto a Requerente defende que a não incidência do Imposto do Selo resulta da inexistência de tornas, que tem como consequência não se poder renunciar a um direto de que não se dispunha, a Requerida, reconhecendo a existência de um crédito do qual a Requerente abdicou, atribui a esse ato um efeito equivalente a uma doação para efeitos fiscais e procede ao seu enquadramento no CIS e na Verba 2 da TGIS como tal.
16. Melhor do que decidir, em primeira instância, se houve ou não tornas e se das mesmas, existindo, a Requerente delas abdicou e qual o consequente efeito fiscal desse ato, entendemos como preferível abordar desde logo a necessidade de se apurar, se, mesmo que tal tivesse acontecido, as nomas de incidência do CIS seriam aplicáveis ao caso concreto.
17. Se se concluísse que, para a renúncia abdicativa a um direito a tornas num processo de partilhas, existe norma jurídica de incidência no CIS a ela aplicável, o Tribunal passaria à análise da existência ou não de tornas, à sua renúncia, o seu valor e o efeito jurídico daqui decorrente.
18. A ausência de norma de incidência, permite resolver e decidir o pedido neste processo, sem que haja necessidade ou vantagem, nesse momento, de dar ou não como provada a existência de tornas e o efeito da sua suposta abdicação.
19. Ora, essa primeira questão foi resolvida, e a nosso ver bem, pela Decisão proferida no Proc. nº. 1411/2024-T de 18 de agosto, ao qual aderimos.
20. Naquela Decisão, vem desde logo abordado o enquadramento histórico da legislação da reforma dos impostos sobre o património que entrou em vigor em 2003, em que se reconhece que:
“…a matéria relativa a "sucessões e doações" foi, numa opção legislativa pouco coerente, introduzida no Código do IRC quando os beneficiários sejam sujeitos passivos deste imposto4 e no Código do Imposto do Selo, quando os beneficiários das "transmissões gratuitas" sejam pessoas singulares.”
21. Numa comparação entre a legislação do CIMSISSD e do CIS, a Decisão que acompanhamos identifica a similitude das respetivas incidências subjetivas, para logo dar conta de que que o código revogado:
“…logo o § 1.º do artigo 3.º limitava negativamente o âmbito da incidência em diversas situações, dispondo, designadamente que "só se considera transmissão, para efeitos deste imposto, a transferência real e efetiva dos bens", pelo que, nos estritos termos da lei e com base na máxima de que não existe imposto sem lei, não havendo transferência real e efetiva dos bens, não se verificaria o facto tributário.”
22. Para continuar essa análise nos seguintes termos:
“E, mais adiante, no artigo 9.º, o ISSD, utilizando agora, na sua epígrafe, a expressão "incidência real do imposto sucessório", exemplificava, sem carácter taxativo, situações que, por força do disposto no artigo 3.º, estavam sujeitas a imposto sobre as sucessões e doações. Logo no seu n.º 1.º, consagrava "as transmissões por doação ou sucessão hereditária, ainda que realizadas sobre a forma de constituição de direitos ou de desistência ou renúncia a direitos preexistentes"” (negrito nosso).
23. E continua a Decisão:
“O legislador do IS, que não densifica o conceito de transmissão fiscal gratuita, é também omisso quanto ao pressuposto da "transferência real e efetiva dos bens". Sem qualquer norma anterior de enquadramento, optou pela técnica da enumeração, não taxativa, do objeto das transmissões gratuitas (al. a) a i) do n.º 3 do artigo 1.º), delimitada negativamente pela enumeração taxativa das transmissões gratuitas que não estão sujeitas a imposto.
impede ou em caso afirmativo.
.. .. ..
De onde se conclui que ambos os regimes que entre nós vigoraram sucessivamente, coincidem no facto tributário que dá origem à obrigação de imposto: a transmissão (fiscal) gratuita. E também em ambos os regimes o legislador forneceu critérios interpretativos, ainda que não coincidentes, daquele conceito, explicitando através de enumerações de certo modo exaustivas, mas não taxativas, de situações reais típicas que nele se compreendem.”
24. Aqui chegados, a Decisão que estamos a seguir concede especial importância para aferição das questões que importa decidir, ao que consta do art.º 4º. do CISISSD, que refere:
“A simples renúncia a quaisquer direitos já constituídos, e da qual outrem imediatamente beneficie, será sempre havida por transmissão.”
25. Densificando o conceito de renúncia como um negócio jurídico capaz de operar a transmissão de bens, a Decisão passa à análise da questão de saber se, perante uma renúncia abdicativa e não translativa ou atributiva, esta configura ou não uma transmissão gratuita de bens para efeitos de incidência, agora em sede de Imposto do Selo, que já não em sede de legislação anterior revogada (CIMISSD), marcando deste logo as diferenças em relação à legislação anterior, ao afirmar:
“De facto, o artigo 4.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, percecionada pelo legislador a dificuldade de, no quadro civil em que o princípio geral era o da permissão da renúncia, se enquadrarem os efeitos económicos da renúncia, consagrou, iuris et de iure, uma presunção (ficção) de transmissão fiscal em caso de renúncia a direitos constituídos de que outrem imediatamente beneficie. Porque a renúncia abdicativa implica para o renunciante a perda voluntária do seu direito, sem que este tenha de o atribuir ou ceder a outrem.”.
26. Para, desse modo, chegar à conclusão mais importante, que acompanhamos totalmente:
“Porém, no código do IS não encontramos norma semelhante ao artigo 4.º do Código anterior, o que significa a inexistência de norma de incidência para a "renuncia a direitos de que outrem imediatamente beneficie". E a lacuna que essa omissão criou, integrando aquilo que denominamos o aspeto material do elemento objetivo da incidência, sujeito pois, a reserva de lei da Assembleia da República, não pode ser objeto de integração analógica, conforme n.º 4 do artigo 11.º da LGT, ou por critérios de "substância económica", no caso da renúncia abdicativa.” (negrito nosso)
27. Ou seja:
“Neste contexto, o Tribunal está em condições de concluir que a renúncia a tornas em processo de partilha hereditária, pela sua natureza abdicativa, não constitui uma transmissão fiscal gratuita, não integrando, por isso, a previsão normativa do n.º 3 do artigo 1.º do Código do Imposto de Selo.”
28. Por estes motivos e com esta fundamentação, pode este Tribunal concluir de igual modo, que uma renúncia desta natureza, no pressuposto da existência de tornas, não cabe no âmbito das normas de incidência do Imposto do Selo, marcando este normativo uma diferença significativa para a anterior legislação em sede de CISISSD, já revogado pela reforma dos impostos sobre o património, em cujo contesto esta situação também deve ser analisada.
29. Termos em que deve ser considerado procedente o pedido apresentado pela Requerente e anulada a liquidação do Imposto do Selo, referente à Verba 2.1 da TGIS, no montante de € 8 426,05 (oito mil, quatrocentos e vinte e seis euros e cinco cêntimos), como adiante se concretizará.
VII – JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Tendo a Requerente peticionado implicitamente a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios e tendo o Tribunal decidido pela ilegalidade da liquidação do imposto aqui impugnado, o qual foi pago pela Requerente, são devidos tais juros, nos termos do disposto no art.º 43º. da LGT, à taxa legal, incidindo sobre o referido montante e desde o pagamento até à emissão da respetiva nota de crédito.
VIII - DECISÃO
Termos em que se decide, do seguinte modo:
A. Face ao exposto, julga-se totalmente procedente o pedido formulado pela Requerente no sentido de ser declarada a ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo impugnada no montante de imposto de € 8 426,05 (oito mil, quatrocentos e vinte e seis euros e cinco cêntimos), cuja liquidação não se deve manter na ordem jurídica.
B. Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
IX - VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 8 426,05 (oito mil, quatrocentos e vinte e seis euros e cinco cêntimos), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, c), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, não tendo sobre o mesmo havido oposição entre as partes.
X - CUSTAS
Custas a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 918,00 (novecentos e dezoito euros).
Notifique-se.
Lisboa, 3 de novembro de 2025
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O Árbitro
(Jorge Carita)