Processo n.º 485/2014-T
Requerente: Banco ..., S.A.
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
Imposto do Selo (“IS”)
O árbitro Dra. Maria Antónia Torres, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 15 de Setembro de 2014, acorda no seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. O Banco ..., S.A., contribuinte fiscal n.º …, doravante “Requerente”, com sede na Rua …, Lisboa, requereu no dia 11 de Julho de 2014 a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante “RJAT”[1]).
1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a ilegalidade, e consequente anulação, dos actos tributários de liquidação de IS emitidos em 2013, sob os nº 2014 …, nº 2014 … e nº 2014 …, relativos ao prédio inscrito na matriz sob o artigo matricial nº ..., da união das freguesias de Montijo e Afonsoeiro, Concelho do Montijo, Distrito de Setúbal, no montante de €10.197,00, sob os nº 2014 …, nº 2014 … e nº 2014 …, relativos ao prédio inscrito na matriz sob o artigo matricial nº ..., da freguesia de Ramalde, Concelho e Distrito do Porto, no montante de €11.452,30 e sob o nº 2014 …, relativo ao prédio inscrito na matriz sob o artigo matricial nº ..., da freguesia e Concelho de Portimão, Distrito de Faro, no montante de €12.713,80, bem como a condenação da Requerida à restituição das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.
1.3. A fundamentar o seu pedido alega o Requerente que os imóveis a que se referem as liquidações de Imposto de Selo são terrenos para construção e, por esse facto, não podem ser considerados como prédios “com afetação habitacional” para efeitos de aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o pedido de declaração de ilegalidade, e consequente anulação, das liquidações controvertidas, deveria ser julgado improcedente dado que o art.º 6º, n.º 1 do CIMI integra na categoria de prédios urbanos os terrenos para construção, ao que acresce que entende que a verba 28 da TGIS remete para a “afectação” dos prédios, fazendo apelo ao coeficiente de afectação, conceito que se aplica indistintamente a todos os prédios urbanos.
1.4. Foi ainda acordada pelas partes a dispensa da reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18º do RJAT.
2. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não foram identificadas nulidades no processo.
3. QUESTÕES A DECIDIR
Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se os imóveis que foram objeto das liquidações de imposto de selo acima referidas, sendo terrenos para construção, têm ou não afetação habitacional e, consequentemente, se lhes é ou não aplicável a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), redacção existente à data a que as liquidações respeitam, ou seja, ano de 2013.
4. FACTOS PROVADOS
Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, têm-se por provados os seguintes factos:
4.1 O Requerente é proprietário dos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº ..., da união das freguesias de Montijo e Afonsoeiro, Concelho do Montijo, Distrito de Setúbal, sob o artigo matricial nº ..., da freguesia de Ramalde, Concelho e Distrito do Porto e sob o artigo matricial nº ..., da freguesia e Concelho de Portimão, Distrito de Faro;
4.2 Os prédios são terrenos para construção e têm um valor patrimonial superior a €1.000.000 (conforme cadernetas prediais), não existindo à data qualquer edificação em nenhum dos terrenos;
4.3 O Requerente foi notificado das liquidações de IS, acima identificadas, referentes aos imóveis acima referidos, no valor total de €34.363,10;
4.5 Tudo conforme documentos juntos com o pedido arbitral, na resposta apresentada pela Requerida e requerimento subsequente do Requerente junto ao processo;
4.6 Em 11 de Julho de 2014 o Requerente apresentou pedido de constituição do Tribunal Arbitral – cf. requerimento electrónico no sistema do CAAD.
5. FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos com relevo para a decisão de mérito que não se tenham provado, sendo consensual a conformação da matéria de facto por ambas as partes.
6. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica dos documentos indicados relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto, respeitando o litígio unicamente a questões de direito.
7. DO DIREITO
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redacção:
28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);
Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;
ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;
A verba 28.1 TGIS e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contêm, assim, um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária que é o de “prédio com afetação habitacional”.
O conceito mais aproximado do teor literal desta expressão utilizada é a de «prédios habitacionais», que o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI define como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.
No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS (“prédio com afectação habitacional”) com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI (“prédios habitacionais”), aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.
Acresce que, no mesmo artigo, se distingue claramente entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção.
Seguindo de perto outros acórdãos do CAAD proferidos sobre a mesma matéria, entendemos que a palavra «afetação», neste contexto de utilização de um prédio, deve significar «acção de destinar alguma coisa a determinado uso». Assim, «prédio com afetação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efetiva afetação a esse fim.
Assim, ” é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afetos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas”.
Acresce que, com a Lei de Orçamento de Estado para 2014, foi a verba 28.1 TGIS expressamente alterada, de forma a incluir, a partir de 01.01.2014, os prédios para construção, o que reforça a nossa convicção de que tais prédios não eram abrangidos pela redacção vigente até 31.12.2013.
8. DECISÃO
Ora, os prédios do Requerente são terrenos para construção, não se estando perante prédios com afetação habitacional atual, não existindo, tão pouco, qualquer edificação nos referidos terrenos. Não se verificava assim, à data, a afectação a um fim habitacional, nem tão pouco essa possibilidade.
Por este facto, entendemos que as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida enfermam de vício de violação daquela verba n.º 28.1 TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação (artigo 135.º do CPA).
Em face do exposto, determina-se:
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A declaração de ilegalidade e de anulação dos actos de liquidação de IS objecto do presente pedido, e acima melhor identificados, tudo com as legais consequências;
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A devolução do valor de imposto pago pelo Requerente relativamente aos três prédios acima melhor identificados; e
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O pagamento de juros indemnizatórios pela Requerida, calculados sobre a quantia indevidamente paga pelo Requerente, à taxa legal, até ao seu integral pagamento.
No que aos juros indemnizatórios respeita, conforme já decidido no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 14/2012-T, de 29 de Junho de 2012, compreendem-se nas competências dos tribunais arbitrais tributários as pronúncias condenatórias que em processo de impugnação judicial são admitidas aos tribunais tributários estaduais, sendo de igual forma admissível o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Em consequência da ilegalidade substantiva das liquidações de IS objecto da presente acção, o Requerente pagou imposto que não era devido, impondo-se não só o respectivo reembolso, nos termos dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, como o pagamento de juros indemnizatórios por se encontrarem reunidas as respectivas condições constitutivas, de acordo com o preceituado nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia paga em excesso e contados desde as datas dos pagamentos efectuados até integral restituição.
Fixa-se o valor do processo em €34.363,10 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
O montante das custas é fixado em €1.836 a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 6 de Março de 2015
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco.
A redacção do presente Acórdão arbitral rege-se pela ortografia antiga.
O árbitro,
Maria Antónia Torres
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[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.