Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 15/2025-T
Data da decisão: 2025-10-31  IRS  
Valor do pedido: € 24.632,70
Tema: IRS- Residente não habitual- Registo
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SUMÁRIO:

 

I.A inscrição como residente não habitual tem natureza meramente declarativa, e não constitutiva de direitos, conforme dispõe o nº 10 do artigo 16.º do CIRS, pelo que é irrelevante a data em que a Requerente solicitou a inscrição como RNH.

 

II. Encontrando-se preenchidos os pressupostos de aplicação do regime de residente não habitual, sendo o sujeito passivo à data em que se torne fiscalmente residente em Portugal,  considerado residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano em que se deva considerar residente ( nº 10 do artigo 16.º do IRS), deve beneficiar do regime de RNH pelo período de 10 anos consecutivos a partir de 2017, encontrando-se preenchidos os requisitos legais para o efeito.( nº 9 do artigo 16.º do CIRS).

 

I.RELATÓRIO

1. A... E B..., pessoas singulares com o NIF nº ... e ...,  respetivamente, e ambos residentes na Rua ..., nº..., Código Postal ...-... ..., (doravante designados por Requerentes ou Sujeitos Passivos), apresentaram em  2025-01-02, pedido de constituição de tribunal arbitral, e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1, dos artigos 2º,5º, nº 2 alínea  a), 6º nº 1 e 10º, nºs 1 e 2, todos do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 2 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade do ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa nº ...2024..., e consequente anulação do acto de autoliquidação de IRS de 2021,  que deu origem à liquidação nº 2022..., aqui em crise.

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral tributário foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2025-01-06 e notificado à Requerida nos termos legais.

3.Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo, no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 3, alíneas a) e b) na redação que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. O tribunal arbitral singular ficou constituído em 2025-03-11 de acordo com a prescrição da alínea c) do artigo 11º do RJAT, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

6. Devidamente notificada para tanto, através de despacho arbitral, proferido em 2025-03-11, a Requerida apresentou em 2025-04-22 a sua resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação.

7. Os Requerentes foram notificados em 2025-04-23 para responderem à matéria de exceção apresentada pela Autoridade Tributária.

8. Os Requerentes apresentaram requerimento em resposta à matéria de exceção apresentada pela AT, em 2025-05-14, e a requerer a admissão da prova testemunhal para audição da testemunha; C..., concretamente sobre os factos contantes do pedido de pronúncia arbitral, designadamente 5.º a 12.º, 15.º a 16.º.

9.  Em 2025-05-14, a Requerente A..., veio exercer o direito de audição plasmado no artigo 60.º da LGT.

10. A 2025-06-20, foi proferido despacho a admitir a audição da testemunha apresentada pelos Requerentes, designando-se a data de 8 de Setembro de 2025, para sua inquirição nas instalações do CAAD (Delegação Porto).

11. Em 2025-08-19, foi apresentado requerimento pela Autoridade Tributária, a solicitar o adiamento da inquirição.

12. A 2025-08-19, foi proferido despacho a admitir o adiamento da diligência de inquirição, e solicitada a prorrogação do prazo para o efeito da decisão arbitral, designada para o dia 2025-09-11, em conformidade ao estatuído no nº 2 do artigo 21º do RJAT.

13. Em 2025-09-17, procedeu-se à inquirição da testemunha apresentada pelos Requerentes.

14. A 2025.10.03 ambas as partes apresentaram alegações, onde a AT dá por reproduzida todo o seu argumentário em sede de resposta, e os Requerentes reiteram todo o exposto apresentado no pedido de pronúncia arbitral.

 

POSIÇÃO DOS REQUERENTES

 

Os Requerentes alegam nas peças apresentadas, concretamente no pedido de pronúncia arbitral e respetivas alegações, que apesar do pedido apresentado constar o nome de ambos os Requerentes supra identificados no relatório, os factos apenas visam a Requerente A... .

Sendo que a Requerente não residiu em território Português, entre Agosto de 2010, e Abril de 2017, tendo apresentado certificado de residência fiscal no Reino Unido, para o período compreendido entre 20 de Fevereiro de 2011 e 1 de Abril de 2017.

Em resposta às excepções, defende a Requerente, que o pedido de pronúncia arbitral não incide sobre a decisão de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual, mas sobre o indeferimento expresso da reclamação graciosa que apresentou, e que culminou na liquidação de IRS relativa ao ano de 2021, por não considerar a taxa de 20% aplicada aos rendimentos de trabalho provenientes de actividade de valor acrescentado, nos termos da Portaria 230/219, de 23 de Julho.

Defende ainda, que a inscrição como residente não habitual reveste natureza meramente declarativa, alegando:

(…)” Se o residente manifestou a intenção de aceder ao regime, não importa quando, a automaticidade do benefício faz com que aquele possua materialmente o estatuto fiscal, pelo menos, desde esse momento perante a AT. Até porque se alguém que, na realidade, não residiu em Portugal durante 5 anos se torna aí residente, tem de poder beneficiar do estatuto de RNH independentemente de ter solicitado ou não a sua inscrição nessa qualidade, até 31 de Março do ano seguinte à alteração do domicílio fiscal, pois esse acto de inscrição no cadastro nada acrescenta, do ponto de vista substancial ou de prova, ao direito de gozar do regime em causa” ( Cfr., Artigo 60.º do pedido de pronúncia arbitral, adiante designado de PPA)

 

O regime RNH consubstancia, claro está, um benefício que prescinde de qualquer intervenção administrativa dos serviços quer quanto à subsunção da actividade de EVA quer quanto à condição ex ante de residência fora de Portugal nos 5 anos anteriores à mudança de residência para o nosso país. (…)” (Cfr., artigos 61 do PPA).

(…) Quanto à eventual cominação para o intempestivo ou falta de pedido de inscrição como RNH e eventual impacto nos actos de liquidação de imposto subsequentes, o legislador não cuidou de tratar as suas consequências, sendo a lei completamente omissa nesse ponto (…) (Cfr., artigo 65.º do PPA).

Assente que a tributação de acordo com o regime fiscal aplicável aos RNH consubstancia um benefício fiscal, na acepção do n.º 1 do artigo 2.º do EBF, de cariz automático, como definido no n.º 1 do artigo 5.º do mesmo diploma (o mesmo é dizer que o regime RNH não é um benefício dependente de reconhecimento igualmente definido no mesmo preceito legal), e tendo sido atrás demonstrado que a Requerente cumpre todos critérios substantivos para ser considerada RNH em 2021, e ainda que apenas por lapso não comunicou à AT a mudança da residência fiscal nem pediu a sua inscrição como RNH no cadastro fiscal até 31-03-2018 (após ter mudado para Portugal em 2017) (Cfr., artigo 66.º do PPA).

Tal determina inequivocamente que basta aquela cumprir as condições de acesso, que estão consignadas no artigo 16.º do CIRS (e que são puramente materiais e em relação às quais não está previsto qualquer sistema formal de verificação dessas condições) para que possa ser considerado RNH e, por conseguinte, para beneficiar do regime fiscal aplicável a esta categoria de residentes, nomeadamente a taxa de 20% prevista no artigo 72.º do CIRS (…)” Cfr., Artigo 67.º do PPA.

 

POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

Defendendo-se a Autoridade tributária por exceção, e impugnação, a mesma alega e em suma, as seguintes exceções;

(i)Incompetência material do tribunal arbitral para apreciação do pedido de pronúncia arbitral, e (ii) incompetência absoluta em razão da matéria, o que configura uma exceção dilatória que conduz à absolvição da instância.

 

Por impugnação, e de forma sintética, defende a AT, o que se cita por questão de simplificação;

“(…) Ora, por consulta ao Sistema de Registo e Gestão de Contribuintes verifica-se que a contribuinte ora Requerente, desde o seu registo, esteve sempre inscrita como residente em território nacional, não estando na presente data enquadrada no Regime dos Residentes não habituais”, (Cfr., artigo 42.º da Resposta);

Ora, no caso em concreto está em causa a atribuição de um estatuto de residência especial (Residente Não Habitual), vindo a requerente através de pedido arbitral contestar a informação do cadastro, considerando que não é necessária a sua inscrição para poder beneficiar daquele regime por este benefício ser de aplicação automática. (Cfr, artigo 43.º da Resposta);

No que respeita à necessidade de apresentar pedido de inscrição no cadastro, citamos a jurisprudência do STA, no processo nº 1750/22.6BEPRT, no qual é expressamente referido que  “[ …] o acto de inscrição como residente não habitual é condição de aplicação do respetivo regime fiscal, sendo através desse ato que a A. Fiscal tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse estatuto”. (Cfr artigo 44.º da Resposta);

Assim, enquanto ato autónomo e prévio ao ato de liquidação, não se verifica a ilegalidade invocada e este não é o meio próprio para ser contestada a informação constante no cadastro, pelo que o ato deve ser mantido.”; (Cfr artigo 45.º da Resposta);

 Como já anteriormente aduzido, importa reiterar que a causa de pedir no presente PPA, centra-se na suposta condição de RNH da ora Requerentes ( Cfr Artigo 46.º da Resposta);

De acordo com o nº 8 do art.º 16.º do CIRS, consideram-se residentes não habituais as pessoas singulares que, tendo-se tornado residentes em Portugal de acordo com as regras previstas no nº 1 do referido artigo, não tenham em qualquer dos cinco anos anteriores sido tributados como tal, em sede de IRS. (Cfr., artigo 50.º da Resposta);

A inscrição como residente não habitual tem de ser solicitada por via eletrónica, posteriormente à inscrição como residente fiscal ou, em momento ulterior, até 31 de março, inclusive, no ano seguinte aquele em que se tornou residente em Portugal ( nº 10 art.º 16.º do CIRS). (Cfr., artigo 51.º da Resposta);

Obtido este estatuto, o sujeito passivo adquire o direito a ser tributado em IRS como residente não habitual, pelo período de 10 anos consecutivo a partir do ano, inclusive, em que se tornou residente fiscal em Portugal (nº 9 do art.º 16.º). (Cfr., Artigo 52.º da Resposta);

Continua deste modo a AT “é visível que a condição de residente não habitual, em face do sobredito disposto no artigo 16º, nº 10 do CIRS, versa sobre um benefício fiscal, dependente de reconhecimento por parte da administração fiscal, por iniciativa do contribuinte.”

 

“… Ora, assim sendo não restam dúvidas de que, para a concessão do estatuto de RNH, deve o contribuinte solicitar a inscrição no prazo legal “. (Cfr., Artigos 63º da Resposta);

 

II. SANEAMENTO

 

a-O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído nos termos do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT,

b- As partes têm personalidade e capacidade judiciária, e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º e 15º do Código de Procedimento e Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT,

c-A acção é tempestiva, tendo o pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral sido apresentados no prazo referido no artigo 10º, nº 1 do RJAT,

d- O processo não enferma de nulidades,

e- Foram suscitadas excepções, cujo o conhecimento, se efetuará infra.

f- Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

A. Matéria de Facto

A.1 Factos dados como provados

Em face das peças apresentadas, dos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e da prova testemunhal produzida, julgam-se como provados os seguintes factos pertinentes para a decisão da causa;

 

A. A Requerente é cidadã portuguesa, residente à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral na Rua ..., nº..., ...-..., ...;

B. A Requerente residiu no território do Reino Unido entre 20 de fevereiro de 2011 e 1 de abril de 2017; ( Cfr., documento 7 junto com o PPA);

C. Após essa data, a Requerente passou a residir em Portugal, na morada: Rua ..., nº ...- ..., ...-... Trofa até 02-07-2024;

D. Posteriormente a Requerente passou a residir na morada; Rua ..., nº..., ...-... Senhora da Hora (Cfr., Reclamação Graciosa com o nº...2024..., datada de 26-08-2024).

E. A Requerente não residiu em Portugal, nos cinco anos anteriores ao ano de 2017, concretamente até 1 de Abril de 2017.

F. A Requerente desempenha a sua atvidade profissional na área do designer gráfico, desde Agosto de 2010, até ao momento, tendo efetuado trabalhos na área para marcas conhecidas como: ...,  ..., entre outras, tendo inclusive alguns dos seus trabalhos expostos em rede social, promovendo eventos relacionados ao ramo;

G.A Requerente efectou o pedido de inscrição como residente não habitual, no ano de 2024, tendo sido indeferido (Cfr.,documento junto com o PPA, com o número IRNH...).

H. Em 2024-08-26, a Requerente apresentou reclamação graciosa, sendo notificada do projeto de indeferimento da mesma, onde para além do mais, é referido o seguinte:

 

“Ora, não restam dúvidas de que, para a concessão do estatuto de RNH, devem os contribuintes solicitar a sua inscrição no prazo legal, o que não aconteceu no caso sub judice.

Nesta conformidade, sendo a inscrição como RNH, um requisito prévio necessário à concessão do estatuto/ benefício de RNH, e não tendo sido concedido, não se verifica qualquer ilegalidade da liquidação reclamada”., 

I.A Requerente  exerceu o seu direito de audição nos termos do artigo 60.º da LGT, explicando que não foi residente em território português, nos cinco anteriores à data em que se tornou residente, preenchendo todas as exigências legais para ser tributada de acordo com o regime de residente não habitual.

J. A Requerente apresentou a declaração de IRS modelo 3 referente ao ano de 2021, juntamente com o seu cônjuge: B..., tendo declarado rendimentos no anexo B provenientes da prestação de serviços efetuados a terceiros. no valor de 105.782,50€.

K. A Requerente  preencheu o anexo L aplicável aos residentes não habituais.

L. Em 2025-09-17, foi inquirida nas instalações do CAAD ( Porto), a testemunha arrolada pela Requerente: C..., colega de profissão daquela  na área do designer gráfico.

M A AT emitiu o acto de liquidação de IRS nº 2022..., referente ao ano de 2021, nos termos do qual o valor apurado é de 61.038,85 €, não tendo em consideração a aplicação da taxa de 20% aplicável ao residente não habitual.

N. Em 2025-01-02, não se conformando com o acto de liquidação de IRS referente ao ano de 2021, os Requerentes apresentaram pedido o de pronúncia arbitral.

 

A.2 Factos dados como não provados 

Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que tenham sido considerados como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada.

 

A matéria dada como provada, assentou nos documentos juntos pelos requerentes com o pedido de pronúncia arbitral, e na produção de prova testemunhal, que se revelou credível e coerente, com aparente isenção, e conhecimento dos factos que lhes foram colocados.

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [( cfr. art. 123º, nº2 do  CPPT, e nº 3 do artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis, ex vi, artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)].

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções da (s) questão (ões) de direito. (cfr. artigo 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 29º nº1 alínea e) do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental junta aos autos, o PA anexo, o depoimento da testemunha apresentada pela Requerente, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

 

IV. O DIREITO

 

A questão central que se discute nos presentes autos, versa sobre a aplicabilidade do regime fiscal do residente não habitual, previsto no nº 10 do artigo 16.º do CIRS, não tendo a Requerente efetuado o registo como residente não habitual no prazo previsto na lei.

Consistindo assim, em aferir se aquele normativo exige a inscrição como residente não habitual, como condição essencial para que a Requerente possa usufruir daquele benefício fiscal, sem prejuízo das exceções  invocadas pela AT – incompetência do CAAD para conhecer o regime de  residente não habitual e impropriedade do meio processual- que ao adiante, se examinarão.

 

Em face das ditas excepções invocadas pela AT, a competência material do Tribunal Arbitral Tributário em razão da matéria, enquanto excepção dilatória, prioriza o seu conhecimento  sobre qualquer outra matéria, pelo que se impõe, em obediência  às disposições conjugadas no artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi, artigo 29.º nº1 alínea a) do RJAT, a apreciação prioritária das mesmas.

 

Da alegada incompetência do CAAD para conhecer o regime de residente não habitual

 

Alega a Requerida, que o Tribunal arbitral é material incompetente para conhecer do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelos Requerentes, porquanto, e em abono da excepção que deduz, a matéria objecto de apreciação in casu, resume-se à apreciação de um benefício fiscal, concretamente na aplicação do regime de residente não habitual.

E como tal, fundamenta não só, que o acto de deferimento/ indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual, é um acto administrativo autónomo, como “ Como assim enquanto acto autónomo e prévio ao acto de liquidação, não se verifica a ilegalidade invocada e este não é o meio próprio para ser contestada a informação constante no cadastro, pelo que o acto deve ser mantido”.[1]

 

Atento o pedido apresentado pelos Requerentes, é possível comprovar que o mesmo se encerra concluindo pela anulação do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa, e em consequência, pela anulação do acto de liquidação de IRS de 2021, por preencher os requisitos, para que a Requerente seja considerada residente não habitual, com a consequente aplicação da taxa especial de 20% aos rendimentos de trabalho advenientes do exercício de actividades de valor acrescentado.

 

Cumpre então apreciar;

 

Extrai- se da Decisão nº 319/ 2022-T, proferida sob a égide do CAAD , o seguinte:

 

“O Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro ( RJAT), que concretizou a autorização legislativa e “ instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no art.º 2º do RJAT, expressamente consignou como competência dos tribunais arbitrais a pretensão relativa à “ declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta”.

 Através da Portaria n.º 112-A/2011, de 20-04, ficaram vinculados os serviços da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo que a estes serviços corresponde, presentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15-12, que aprova a estrutura orgânica desta Autoridade. 

 Na referida portaria estabelecem-se condições adicionais e limites de vinculação tendo em conta a especificidade das matérias e o valor em causa. 

Os autores Sérgio Vasques e Carla Castelo Trindade, em Cadernos de Justiça Tributária n.º 00, Abril/Junho de 2013, no artigo “O âmbito material da arbitragem tributária”, referem que “nos termos da alínea a) do n.º 1, os tribunais arbitrais têm competência para apreciar as pretensões que se prendam com a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta. O âmbito material da arbitragem tributária, recortado por esta alínea, corresponde ao previsto no artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), estando-se perante questões que podem simultaneamente ser objecto de arbitragem e impugnação judicial. De facto, pode ler-se neste preceito do CPPT que o processo judicial tributário compreende “a impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta. Destarte, a competência dos tribunais arbitrais prevista no RJAT é taxativa, razão pela qual é o mesmo competente para decidir questões relacionadas apenas com a ilegalidade dos atos acima enunciados. 

 Ora, a esta luz, não se vislumbra que o pedido formulado possa extravasar o âmbito da competência material do tribunal arbitral, na medida em que o pedido se reconduz à declaração da ilegalidade de um ato tributário de liquidação e não ao reconhecimento de um qualquer benefício fiscal.”[2]

 

Na recente decisão arbitral proferido no âmbito do acórdão 51/2025-T, ilustra o seguinte; 

 

“Analisando o PPA, o pedido acima transcrito tem como objecto imediato o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa em causa e como objecto mediato o pedido de pronúncia em causa tem como objecto mediato a liquidação de IRS de 2021.

Deste modo, e ao contrário do que preconiza a AT, não está em causa conhecer de qualquer outra decisão, mormente de carácter administrativo como alega.

O âmbito de competência dos tribunais arbitrais é delimitado pelo disposto no artigo 2.º do RJAT e pela Portaria nº112-A/2011, de 22 de Março , compreendendo exclusivamente a apreciação das pretensões relacionadas com a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte, de pagamento por conta, de actos de fixação da matéria tributável que não deram origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

Deste modo, e ao contrário do preconiza a AT, não está em causa conhecer de qualquer outra decisão, mormente, de carácter administrativo como alega. (…)”[3]

 

Face ao supra exposto, improcede a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral suscita pela AT.

 

Da alegada impropriedade do meio processual 

 

Na sua resposta, a AT alega ainda a impropriedade do meio processual, citando em sustentação da posição que defende, o Acórdão do STA nº 034/14 de 2016-05-11, nº 014/19.7BALSB (Uniformizador de Jurisprudência) e o Acórdão do Tribunal Constitucional (doravante TC), com o nº 718/2017 para corroborar que o meio processual adequado e do qual os Requerentes teriam que se ter socorrido, teria de ser a ação administrativa especial.

No entendimento da Requerida, existe ainda erro na forma do meio processual utilizado, porquanto o pedido consiste no indeferimento do estatuto de residente não habitual, e sendo esse, um benefício fiscal, não sendo impugnado, impediria a impugnação judicial da decisão final, que culminou na liquidação de IRS.

 

Em face da referida jurisprudência, não pode deixar de sublinhar-se que a mesma está longe de acolher um entendimento pacífico, sendo que se sublinha, e dada a elevada pertinência o fragmento que se retira da Decisão nº 319/2022-T:

 

“(…) Não obstante o sentido da não inconstitucionalidade resultante do aresto supra identificado, importa relevar que a decisão não recolheu unanimidade, tendo votado vencido o Juiz Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro, o qual conclui “Se, pelo contrário, e como julgo mais correto, não chegasse a semelhante conclusão ─ aceitando como não manifestamente errada a qualificação do ato acolhida na decisão recorrida ─, cabia-lhe revisitar a questão decidida pelo Acórdão n.º 410/2015. Nessa hipótese, julgo que o Tribunal deveria ter reiterado essa jurisprudência, por me parecer que a convivência de um ónus normal de impugnação unitária com um ónus excecional de impugnação autónoma, delimitada por um conceito de elevado grau de complexidade e imprecisão ─ «ato imediatamente lesivo de direitos» ─, constitui um fator de insegurança jurídica que condiciona o exercício do direito à impugnação contenciosa das decisões tributárias, sem que se consigam discernir quaisquer razões constitucionalmente relevantes que o justifiquem. Como se afirmou naquele aresto: «ao impedir que a impugnação do ato de liquidação do imposto se funde em vícios próprios do ato de cessação do benefício fiscal, a interpretação que a decisão recorrida fez do artigo 54.º do CPPT desprotege gravemente os direitos do contribuinte, assim ofendendo princípio da tutela judicial efetiva e o princípio da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.» 

Em suma, o Tribunal deveria ter julgado o recurso improcedente.”[4]

 

******* 

 

Descendo ao caso dos autos, é nítido, que o pedido da Requerente como supra já se evidenciou  circunscreve-se à anulação do indeferimento da reclamação graciosa, e na consequente anulação da liquidação de IRS que lhe deu origem, por desconsiderar o regime aplicável ao residente não habitual.

É este o enquadramento do pedido apresentado, que não versa sobre o reconhecimento de qualquer benefício fiscal.

Tal argumentação não deixa de ser igualmente acompanhada pela Decisão do CAAD nº 666/2024-T, por corresponder, em substância e fundamentação, ao raciocínio que igualmente se perfilha:

 

” o que o Requerente pretende a anulação do acto de liquidação do IRS relativo ao exercício de 2022, bem como do acto de indeferimento da Reclamação Graciosa (Ofício n.º 2024...) que teve a referida liquidação como objecto, ambos com fundamento em ilegalidade. 

Neste sentido, não está em causa conhecer qualquer decisão da AT, designadamente, de carácter administrativo, relacionada com o acto de indeferimento da sua inscrição como Residente Não Habitual (…)”[5]

 

Em face do exposto, não colhe o argumento da AT, quanto à impropriedade do meio processual.

 

Do regime do residente não habitual

 

O thema decidendum dos presentes autos, e como já sinalizado, reside em determinar, se o acto de registo como residente não habitual, ainda que efetuado fora do prazo previsto no nº 10 do artigo 16.º do CIRS, é obstativo da tributação de acordo com aquele regime. 

 

Veja-se, ainda que de forma sinóptica, o enquadramento jurídico aplicável, no sentido de verificar sobre a perentoriedade da inscrição no regime no prazo previsto na lei ( isto é, até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte aquele em que o requerente se tornou residente em território português).

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Dispõe o artigo 16.º do CIRS, e na parte que para aqui releva:

“(…)8- Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos nº 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9- O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual, adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10- O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

11- O direito a ser tributado como residente não habitual em cada período referido no nº 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.”

De acordo com o artigo 16.º, nº8 do Código do IRS são considerados residentes não habituais os sujeitos passivos que, sendo considerados residentes fiscais em Portugal num determinado ano, não tenham sido considerados residentes fiscais em Portugal em nenhum dos 5 anos anteriores.

Quanto ao regime do residente não habitual, o mesmo foi introduzido pelo Decreto Lei nº 249/2009, de 23 de Setembro, concretamente no artigo 23.º do Código Fiscal de Investimento, tratando-se de um regime fiscal mais vantajoso, para os não residentes em território português.

Atualmente, prevê o artigo 16.º do CIRS o regime dos residentes não habituais, cabendo analisar, se o respetivo registo reveste natureza constitutiva, isto é, se é elemento essencial para que a Requerente pudesse beneficiar daquele regime.

 

Recorta-se do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no processo 0842/23.9BESNT, de 29-05-2024, relatado por Pedro Vergueiro, quanto à natureza meramente declarativa do registo como residente não habitual, o seguinte

 

Com referência ao art. 16º do CIRS, é condição de aplicação do regime dos residentes não habituais que o sujeito passivo à data em que seja considerado como residente e esteja inscrito nos registos da AT, não tenha sido residente em território nacional nos últimos cinco anos, sendo que o nº 10 aponta que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redacção do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)”.
 O transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, sendo que não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa. ( Sublinhado nosso)
Assim, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual, ou seja, nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018.”

Acompanha-se igualmente a Decisão do CAAD nº 769/2024T, em sentido idêntico:

Constata-se assim que os critérios para ter o estatuto de RNH são definidos pelo nº 8 do artigo 16.º do CIRS, que estabelece um critério positivo e negativo. O critério positivo consiste no facto de o sujeito passivo tornar-se fiscalmente residente nos termos do nº 1 e 2 do artigo 16.º do Código do IRS (1ª parte do nº8 do artigo 16.º do CIRS). O critério negativo consiste em não ter sido residente em território português nos cinco anos anteriores ( 2.ª parte do nº 8 do artigo 16.º do CIRS).

Por seu turno, o nº 10 do mesmo artigo, refere que o contribuinte “deve” solicitar a sua inscrição até dia 31 de Março do ano seguinte em que se torne residente fiscal em Portugal.

Trata-se de estabelecer como limite o dia anterior ao prazo de início de entrega do Modelo 3 do IRS (1 de Abril), previsto no artigo 60.º do CIRS, com vista a facilitar a tarefa de organização administrativa do cadastro, mormente com a liquidação do IRS dos beneficiários de tal estatuto.

Deste modo, do confronto dos números 8 e 10 do artigo 16.º do CIRS, dúvidas não restam que os requisitos estão unicamente previstos no respetivo nº 8.

Concluindo-se assim que a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, antes da data-limite prevista no nº 10 do artigo 16.º do CIRS, tem natureza meramente declarativa, e não tem efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respetivo regime[6]”.

****

Acrescenta ainda o nº1 do artigo 13.º do CIRS:

“Ficam sujeitos a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.”.

 

Vejamos se face à prova apresentada pela Requerente, se se encontram preenchidos os requisitos necessários, para que pudesse ser considerada não residente em território português, e beneficiar do regime de residente não habitual.

Do confronto dos normativos previstos nos nº8, 10 e 11º do artigo 16.º do CIRS, são pressupostos de aplicação do referido regime:

- que o sujeito se torne fiscalmente residente em Portugal aqueles que se enquadrem nas alíneas a a d) do nº 1 do artigo 16.º do CIRS;

- que o sujeito seja considerado não residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores, a se ter tornado fiscalmente residente nos termos do nº 1 ou 2 do artigo 16.º do CIRS.

 

Ora, atento os factos provados, é possível constatar, concretamente através da prova documental junta com o PPA, concretamente do documento 7, que a Requerente não residia em território nacional no período compreendido entre 20 de fevereiro de 2011 e 1 abril de 2017.

E do cotejo do referido documento, bem como da informação factual que consta da consulta do cadastro da AT em relação à Requerente, é possível extrair que “é, e sempre foi residente em Portugal, até 02-07-2024 na Rua ..., nº ...,  ..., ...-... Trofa, e desde 03-07-2024, na Rua ..., nº ..., ...-..., Senhora da Hora (Cfr,, Doc 2, Reclamação Graciosa com o nº do ofício 2024... de 26-08-2024).

 

Concretizando;

 

Do exame comparativo dos documentos juntos, não pode, pois, retirar-se solução diversa daquela que conduz à conclusão de que a Requerente adquiriu a qualidade de residente fiscal em Portugal a partir da data em que abandonou o território do Reino Unido (tendo lá permanecido até 1 de abril de 2017), não obstante a formalização do pedido de inscrição como residente não habitual ter ocorrido em momento ulterior.

 

É igualmente indubitável, que na declaração de rendimentos de IRS referente ao ano de 2021, a Requerente apresenta rendimentos obtidos no território do continente derivados da sua atividade profissional como trabalhadora independente, que deveriam ter sido considerados no anexo J referente ao estatuto de residente não habitual, como adiante se demonstrará.

 

Resulta claro, que a Requerente à data em que se torna fiscalmente residente em território português, preenchia os requisitos exigidos pelo nº 8 do artigo 16.º do CIRS, pese embora só ter efetuado a inscrição como residente não habitual, já mais tarde, logicamente fora do prazo indicado no nº 10 do artigo 16.º do CIRS.

 

Concretamente, a lei não preceitua para que a Requerente pudesse beneficiar do estatuto de residente não habitual, de outras exigências para além das previstas no nº8 do artigo 16.º do CIRS, não tendo assim o registo qualquer efeito constitutivo.

 

Na esteira do que vimos  defendendo, seguimos a Decisão do CAAD nº 664/2022-T [7],

 

” Ora, contrariamente ao entendimento sufragado pela AT, o pedido de inscrição como RNH não tem efeitos constitutivos do direito a ser considerado como RNH e a beneficiar do respetivo regime fiscal, consubstanciando-se como uma mera formalidade para operar o benefício fiscal. Com efeito, é nosso entendimento que a inscrição como residente não habitual não é constitutiva do direito à tributação como residente não habitual, revestindo mera natureza declarativa.”.

Com efeito, resulta demonstrado que a Requerente preenche os critérios para ser considerada residente não habitual, isto é, que não foi residente em Portugal, nos cinco anos anteriores àquele em que se tornou residente em Portugal.

 

Em face do exposto, decide-se pela procedência do pedido arbitral apresentado.

 

Do enquadramento das atividades de elevado valor acrescentado no âmbito do regime de residentes não habituais.

 

A Requerente alega ainda, que os seus rendimentos líquidos da categoria B devem ser enquadrados no disposto no “artigo 72.º nº 10 do CIRS na redação em vigor à data dos factos, “Os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em actividades de elevador valor acrescentado, com o carácter científico, artístico ou técnico, a definir em Portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são taxadas à taxa de 20%”.

Para efeitos do disposto no preceito acima transcrito foi aprovada, através da Portaria n.º 12/2010, de 07/01 posteriormente alterada pela Portaria n. º230/2019, a tabela de actividades de elevado valor acrescentado, nelas se enquadrando a atividade de Designer Gráfica, “enquadrável no ponto 21 - Especialistas das ciências físicas, matemáticas, engenharias e técnicas afins.

A atividade de designer gráfico compreende, de acordo com a classificação portuguesa das profissões no grupo 2166.0, as seguintes funções:

Compreende as tarefas e funções do designer gráfico ou de comunicação e multimédia que consistem, particularmente, em:

 • Projectar e orientar a execução de objectos e suportes de comunicação 

• Investigar e fazer a análise funcional dos requisitos da comunicação 

• Formular conceitos do design para o assunto da comunicação 

• Elaborar maquetas, diagramas, ilustrações e planos para comunicar os conceitos do design 

• Conceber gráficos e animações para responder aos requisitos funcionais, estéticos e criativos da versão do design

 • Negociar soluções de design com o cliente, com o pessoal da gestão, vendas ou produção

 • Seleccionar, especificar e recomendar materiais estéticos e funcionais e meios para publicação, entrega ou visualização Inclui, nomeadamente, designer de publicações e designer Web..

A atividade exercida pelo Requerente enquadra-se na atividade com o código 21- Especialistas das ciências físicas, matemáticas, engenharias e técnicas afins”, prevista na Portaria nº230/2019, pelo que deverá ser tributados à taxa especial de 20%, prevista no artigo 72.º n. º10 do CIRS.”[8]

 

Vejamos se assim é, 

 

A questão ora prende-se em saber se a Requerente fez prova se efetivamente exercia uma atividade que pudesse ser enquadrada na Portaria nº 12/2020 de 7 de Janeiro, entretanto alterada pela Portaria 230/2019 de 23-07-2019.

Neste contexto, dispõe o nº 10 do artigo 72.º do CIRS, à data dos factos:

Os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20 %.”.

Tal preceito normativo remete expressamente para a Portaria nº 12/2020 de 07-01, que aprova a Tabela de atividades de elevado valor acrescentado.

Observando as atividades profissionais que englobam a referida Portaria, entretanto alterada pela Portaria 230/2019, de 23-07-2019, consta o seguinte:

“Aprova a tabela de actividades de elevado valor acrescentado para efeitos do disposto no n.º 6 do artigo 72.º e no n.º 4 do artigo 81.º do Código do IRS

Portaria n.º 12/2010

de 7 de Janeiro

Prevêem, quer o n.º 6 do artigo 72.º quer o n.º 4 do artigo 81.º do Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares, que deverão ser definidas, por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, as actividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico que relevem para o novo regime fiscal do residente não habitual.

A inclusão dos rendimentos empresariais neste regime implica a necessidade de compatibilização com os regimes concorrentes do espaço europeu e a limitação dos rendimentos das categorias A e B do IRS a incluir no seu âmbito, concentrando-os sobre as actividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado ou da propriedade intelectual, industrial ou know-how. O catálogo de actividades que se recolhe na presente portaria representa, neste contexto, um catálogo que serve ao arranque deste inovador regime fiscal e que, uma vez testado pela prática, pode e deve vir a beneficiar dos aperfeiçoamentos que venham a revelar-se necessários.

Manda o Governo, pelo Ministro de Estado e das Finanças, ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 72.º e no n.º 4 do artigo 81.º do Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares, na sequência da nova redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de Setembro, o seguinte:

Artigo único

1 - É aprovada a tabela de atividades de elevado valor acrescentado para efeitos do disposto no n.º 10 do artigo 72.º e no n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS, constante do anexo, que faz parte integrante desta portaria.

2 - Todas a dúvidas interpretativas respeitantes ao âmbito e ao alcance das atividades constantes da presente tabela devem ser enquadradas nos códigos da Classificação Portuguesa de Profissões (CPP) anexa à Deliberação n.º 967/2010 correspondente à 14.ª Deliberação da Secção Permanente de Coordenação Estatística do Conselho Superior de Estatística (CSE) de 5 de maio de 2010, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 106, de 1 de junho de 2010, bem como das respetivas Notas explicativas vigentes.

3 - Em função da avaliação da evolução da situação económica do país, a tabela de atividade de elevado valor acrescentado poderá ser revista no prazo de três anos.

O Ministro de Estado e das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, em 2 de Dezembro de 2009.

ANEXO

Tabela de atividades de elevado valor acrescentado para efeitos do disposto no n.º 10 do artigo 72.º e no n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS

I - Atividades profissionais (códigos CPP):

112 - Diretor-geral e gestor executivo, de empresas 

12 - Diretores de serviços administrativos e comerciais

13 - Diretores de produção e de serviços especializados

14 - Diretores de hotelaria, restauração, comércio e de outros serviços

21 - Especialistas das ciências físicas, matemáticas, engenharias e técnicas afins.

221 - Médicos

2261 - Médicos dentistas e estomatologistas

231 - Professor dos ensinos universitário e superior

25 - Especialistas em tecnologias de informação e comunicação (TIC)

264 - Autores, jornalistas e linguistas

265 - Artistas criativos e das artes do espetáculo

31 - Técnicos e profissões das ciências e engenharia, de nível intermédio

35 - Técnicos das tecnologias de informação e comunicação

61 - Agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura e produção animal, orientados para o mercado

62 - Trabalhadores qualificados da floresta, pesca e caça, orientados para o mercado

7 - Trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices, incluindo nomeadamente trabalhadores qualificados da metalurgia, da metalomecânica, da transformação de alimentos, da madeira, do vestuário, do artesanato, da impressão, do fabrico de instrumentos de precisão, joalheiros, artesãos, trabalhadores em eletricidade e em eletrónica.

8 - Operadores de instalações e máquinas e trabalhadores da montagem, nomeadamente operadores de instalações fixas e máquinas

Os trabalhadores enquadrados nas atividades profissionais acima referidas devem ser possuidores, no mínimo, do nível 4 de qualificação do Quadro Europeu de Qualificações ou do nível 35 da Classificação Internacional Tipo da Educação ou serem detentores de cinco anos de experiência profissional devidamente comprovada.

II - Outras atividades profissionais:

Administradores e gestores de empresas promotoras de investimento produtivo, desde que afetos a projetos elegíveis e com contratos de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro.”

Sem necessidade de demais delongas, resulta claro, que a função  Desiner gráfico se encontra enquadrada na referida Portaria, nos termos das atividades profissionais previstas no 21: Especialistas das ciências físicas, matemáticas, engenharias e técnicas afins, em completo com a profissão de Designer, gráfico ou de comunicação e multimédia, onde se incluí designer de publicações e designer Web.

 

****

Assim, julga-se ser procedente a pretensão da Requerente, pelo que os seus rendimentos deveriam ter sido tributados à taxa e 20%, conforme dispõe o previsto no artigo 72.º, nº10 do CIRS.

 

V.JUROS INDEMINIZATÓRIOS

 

De acordo com o disposto na alínea b) do artigo 24º do RAJT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no nº 1 do artigo 100º da LGT (aplicável por força do disposto com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT), que estabelece, que a “administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto de litígio, compreendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo a execução da decisão”.

 

Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b) utilize a expressão “declaração de ilegalidade”, para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem as suas competências, os podere4s que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se harmoniza e conjuga com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que, “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

*****

 

Foram conhecidas e apreciadas as questões consideradas relevantes, tendo em vista a pretensão da Requerente, submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, cuja apreciação seria inútil. /cfr., artigo 608º do CPPT, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT”

 

VI- DECISÃO

 

Face ao que vem de expor-se e sem necessidade de quaisquer outras considerações, decide esse Tribunal Arbitral Singular em;

- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº...2024... de 2024-01-10 e em consequência, a anulação do ato tributário de liquidação de IRS 2022... do ano de 2021.

- Condenar a AT no reembolso do imposto pago, bem como juros indemnizatórios, que serão devidos desde a data do pagamento até ao reembolso integral.

- Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

VII- VALOR DO PROCESSO

 

De conformidade ao estabelecido nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, 97º-A  do Código do Procedimento e Processo Tributário, e artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 24 632,70 (vinte e quatro mil e seiscentos e trinta e dois euros e setenta cêntimos), indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida.

 

VIII- CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº1, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 3º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I a este anexo, fixa-se o valor das custas em € 1.530,00. (mil quinhentos e trinta euros)

 

NOTIFIQUE-SE

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131-º do Código do

Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, nº 1 alínea e) do Regime Jurídico

da Arbitragem Tributária, com versos em branco, revisto pelo árbitro.

 

 

A redação da presente decisão, rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico

de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas.

 

 

O árbitro

 

(j.coutinho pires)

 

Trinta e um de outubro de dois mil e vinte e cinco

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Cfr., Artigo 45.º da Resposta, e Artigos 4.º a 15ª das Alegações apresentadas pela AT. 

[2] Cfr. decisão do CAAD nº 319/2022-T, páginas 1º e 11.

[3] Cfr., Decisão do CAAD nº 51/2025-T, pág 5

[4] Cfr, Decisão nº 319/2022T, pág 12.

[5] Cfr., Decisão do CAAD nº666/ 2024-T, pág 10.

[6] Cfr., Processo do CAAD nº 769/2024T, pág.18

[7] Cfr., Decisão do CAAD nº 664/2022-T, pág.16

[8] Cfr., Artigos 93.º a 96.º do PPA.