SUMÁRIO
I. O artigo 41.º, n.º 7, do Código do IRS, permite que sejam deduzidos aos rendimentos prediais sujeitos a IRS os custos com obras realizadas no imóvel, cabendo ao sujeito passivo o ónus de provar que essas obras são de conservação ou manutenção.
II. Para efeitos do artigo 41.º, n.º 1, do Código do IRS, os custos com serviços de mediação são dedutíveis aos rendimentos prediais sujeitos a IRS. Conforme a jurisprudência do STA, tendo a AT, em sede de reclamação graciosa, negado a dedução com o (único) fundamento da não inclusão desses custos na citada norma, não pode, em processo arbitral, sustentar essa não dedução com base noutros fundamentos, no caso a inaptidão de prova que já tinha sido apresentada no processo de reclamação.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Jorge Belchior de Campos Laires, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral no processo identificado em epígrafe, decide o seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., com o NIF ..., e B..., com o NIF ..., ambos com domicílio fiscal em ..., ..., ..., ..., ..., Índia (“Requerentes”), apresentaram pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra as liquidações de IRS n.ºs 2023... e 2023..., relativas ao primeiro Requerente, e n.ºs 2023... e 2023..., relativas ao segundo Requerente (cf. documentos n.ºs 3 e 4), referentes respetivamente aos anos de 2021 e 2022.
2. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 17/04/2025, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT.
4. Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro signatário em 12/06/2025, sem oposição das partes.
5. O Tribunal Arbitral foi constituído em 02/07/2025.
6. Em 07/07/2025 a Requerida foi notificada para apresentar a resposta a que se refere o artigo 17.º do RJAT, tendo apresentado em 16/09/2025.
7. Em 07/10/2025 o Tribunal proferiu Despacho a dispensar a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT e a notificar as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas (simultâneas).
8. A Requerente e Requerida apresentaram alegações, respetivamente, em 22/10/2025 e 29/10/2025.
II. SANEAMENTO
1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.
3. O pedido é tempestivo, porque o indeferimento da reclamação graciosa foi notificado a 21/01/2025, tendo o PPA sido apresentado dentro do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º1, a), do RJAT.
De notar que os Requerentes não incluíram no presente PPA o pedido a anulação do indeferimento expresso da reclamação graciosa, mas unicamente de anulação das liquidações. Tal omissão não prejudica o aproveitamento do referido prazo de 90 dias, conforme se escreveu na abaixo transcrita decisão do CAAD no Processo n.º 592/2016-T:
“Mas o que acontece se o contribuinte, tendo reclamado graciosamente do ato de liquidação, e visto indeferida essa reclamação, vier, aproveitando o prazo contado desse indeferimento, impugnar a liquidação, sem pedir, simultaneamente, a anulação do ato de indeferimento? É este o caso vertente. Para a AT, como viu, o resultado é a caducidade do direito de ação. Não do direito de ação contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa – esta estaria em prazo – mas do direito de ação contra o ato de liquidação. A escorreita argumentação da AT é aliciante, mas não nos parece que conduza à solução adequada. Como se viu, a mera impugnação do ato de indeferimento da reclamação graciosa seria de todo inconsequente, pois não arrastaria o apagamento do ato de liquidação. Deveriam, pois, em rigor, ser impugnados ambos os atos – imediatamente, o de indeferimento da reclamação; mediatamente, o de liquidação. Mas o que o tribunal apreciaria seriam, antes de tudo, os fundamentos opostos à liquidação, pois sem isso, pelas razões expostas, nenhuma tutela jurisdicional efetiva seria dada aos direitos do impugnante. O ato de indeferimento da reclamação, não tendo feito mais do que manter, administrativamente, o de liquidação, cairia por si, pois os vícios da liquidação transmitem-se-lhe – como ato secundário, ele será ilegal por não ter reconhecido, devendo fazê-lo, a ilegalidade da liquidação De tudo isto resulta que a relevância do ato de indeferimento da reclamação graciosa tem a ver, mais do que com a sua (i)legalidade, com a fixação do prazo para a impugnação da liquidação. Consequentemente, a petição em que se pede apenas a declaração de ilegalidade da liquidação, sem formular idêntico pedido relativamente ao indeferimento da reclamação (apesar de, no caso, se lhe ter amplamente referido e exposto os fundamentos da sua ilegalidade), enferma apenas de uma imperfeição que, aliás, o tribunal podia ter convidado a corrigir, ao abrigo do disposto no artigo 18.º, alínea c), do RJAT. Acontece, ademais, que, no caso em apreço, resulta da petição que a Requerente não se alheou da reclamação graciosa, que não só referiu, como criticou, imputando-lhe os vícios que assaca ao ato de liquidação. Daqui se pode extrair um pedido implícito, que não tendo sido reduzido a escrito, se revela a partir dos termos do articulado. A decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa não deixa, por tudo quanto se disse, de integrar o objeto do processo. Só este entendimento assegura a tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente garantida pelo artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. Sem que daí resulte ofensa de qualquer outro princípio, substantivo ou processual, nem violação de nenhum direito ou interesse legítimo do Fisco que, pelo modo como respondeu, claramente revelou ter entendido a pretensão da parte e os seus fundamentos.”.
4. Não se verificam nulidades.
III. MATÉRIA DE FACTO
a) Factos provados
Os seguintes factos foram dados como provados:
1. Os Requerentes são comproprietários da fração “F” do prédio urbano sito na Rua ..., n.º..., Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo n.º... da freguesia de ... (cf. documento n.º 5 junto com o PPA)
2. Entre 07/09/2020 e 06/09/2022, arrendaram o imóvel a C... e D... (cf. documento n.º 5 junto com o PPA).
3. A partir de 16/09/2022 o imóvel foi arrendado à empresa E... Lda (cf. documento n.º 5 junto com o PPA).
4. Os Requerentes declararam nas Declarações Modelo 3 de IRS de 2021 e 2022 as rendas recebidas, bem como despesas com condomínio e IMI (cf. documento n.º 5 junto com o PPA).
5. Das referidas declarações resultaram as liquidações contestadas pelos Requerentes (cf. Processo Administrativo).
6. Os Requerentes suportaram despesas com obras realizadas no imóvel pela sociedade F..., Lda, cujo descritivo das faturas consiste no seguinte: “Trabalhos de construção civil realizados no apartamento na Rua ... n.º ... –..., Lisboa (…)”. Nas faturas era indicada também a percentagem de acabamento das obras. As faturas totalizam um valor de Euros 176.569,86, mas os Requerentes, de acordo com os pontos 7 e 8 do PPA, reclamam apenas a dedução da despesa de Euros 144.610,44, correspondente a Euros 72.305,22 para cada Requerente (cf. faturas constantes do Processo Administrativo).
7. Os Requerentes suportaram despesas com a mediação na comercialização do imóvel, no valor total de Euros 6.411,38, a qual foi realizada pela sociedade G..., SA, cujo descritivo consiste no seguinte: “Prestação de Serviços na comercialização do imóvel sito em Lisboa na Rua ..., nr ... ,...” (cf. faturas constantes do Processo Administrativo).
8. Os Requerentes suportaram despesas com serviços de arquitetura, no valor de Euros 2.367,75, realizados pela sociedade H..., SA, cujo descritivo consiste no seguinte: “Prestação de Serviços de Arquitetura”, sendo identificado o imóvel. (cf. fatura constante do Processo Administrativo).
9. Os Requerentes apresentaram reclamação graciosa das liquidações, alegando dedutibilidade das despesas com as obras e do imposto do selo suportado no contrato de arrendamento (cf. documento n.º 5 junto com o PPA).
10. A reclamação foi alvo de projeto de indeferimento (exceto a dedução relativa a imposto do selo) alegando a AT falta de prova documental das despesas (cf. documento n.º 6 junto com o PPA).
11. No direito de audição prévia, os Requerentes apresentaram faturas emitidas pela sociedade referida no ponto 6 no que respeita a obras. Juntaram igualmente, embora tal não tenha sido referido na reclamação graciosa, as faturas emitidas pelas sociedades a que se referem os pontos 7 e 8, relativa a serviços de mediação e arquitetura, respetivamente (cf. Processo Administrativo).
12. Os Requerentes foram notificados no dia 21/01/2025 do indeferimento da reclamação graciosa (cf. Processo Administrativo).
b) Factos não provados
13. No que respeita às despesas realizadas pelos Requerentes em obras, bem como nos serviços de arquitetura, não foi indicado pelos Requerentes a natureza concreta das obras realizadas, pelo que não foi dado como provado que as mesmas se destinaram à conservação ou manutenção do imóvel locado. De referir que no ponto 44 do PPA, os Requerentes afirmaram estar a diligenciar junto da construtora para que emita declaração atestando a natureza das obras realizadas, a qual se protestou juntar, não constando dos autos qualquer documento com esse teor.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
A) Posição das partes
A posição dos Requerente pode ser resumida da seguinte forma:
1. Os Requerentes começam por alegar que houve violação do direito de audição porque: (i) a decisão final da AT exigiu um auto de medição como prova das obras, algo que não foi mencionado no projeto de decisão; (ii) no projeto, a AT referia apenas a necessidade de documentos como faturas, recibos, etc., usando inclusive o termo “etc.”, o que indicava flexibilidade nos meios de prova; (iii) A exigência posterior de um documento específico (auto de medição) constitui facto novo, nos termos do art.º 60.º, n.º 3 da LGT, e deveria ter sido objeto de nova audição. A ausência dessa nova oportunidade de pronúncia configura vício formal, tornando as liquidações anuláveis.
2. Argumentam os Requerentes que a AT exigiu prova específica (auto de medição) para validar os custos com obras. Os Requerentes sustentam que o art.º 41.º do CIRS apenas exige que os gastos estejam documentalmente comprovados, sem especificar o tipo de documento. Nesse sentido, foram apresentadas faturas e comprovativos de pagamento, que identificam os serviços, os prestadores, os pagadores e o local das obras. A exigência de um documento específico não tem base legal, constituindo erro de direito que afeta a validade das liquidações.
3. Quanto à natureza das obras, argumentam os Requerentes que a AT considerou que as obras visavam valorizar o imóvel, não sendo dedutíveis, porém as obras foram realizadas logo após a aquisição do imóvel, com o objetivo de o colocar no mercado de arrendamento, tendo o imóvel sido continuamente arrendado, sem qualquer intenção de venda.
4. Os Requerentes referem, com base em jurisprudência e na legislação relativa ao arrendamento e às edificações urbanas, que obras de conservação são aquelas que mantêm as condições originais do imóvel. Argumentam que, no caso vertente, é claro que face àquelas definições que as obras realizadas nunca poderiam corresponder a outras que não às de conservação, pois que não foram criadas edificações, nem reconstruídas, alteradas ou ampliadas quaisquer edificações existentes, o que era do conhecimento da autoridade tributária, porque se tal tivesse ocorrido então deveria ter-se atualizada a matriz, o que nunca se verificou. Assim, as obras devem ser consideradas de conservação/manutenção, dedutíveis nos termos do artigo 41.º do CIRS.
5. Quanto à dedutibilidade de despesas com mediação imobiliária, os Requerentes referem que a AT excluiu as despesas com mediação imobiliária, alegando que não estão previstas no art.º 41.º do CIRS, porém o n.º 1 do art.º 41.º permite deduzir todos os gastos efetivamente suportados para obter ou garantir rendimentos, exceto os expressamente excluídos. As comissões de mediação só são devidas após celebração do contrato de arrendamento, evidenciando a ligação direta com a obtenção de rendimentos. Sem inquilino, não há arrendamento nem renda — logo, a mediação é instrumental para gerar rendimento predial. Assim, a exclusão dessas despesas constitui erro nos pressupostos de direito, tornando as liquidações anuláveis.
6. Com base nos erros de facto e de direito apontados, os Requerentes requerem: (i) a anulação total das liquidações de IRS de 2021 e a (ii) anulação parcial das liquidações de IRS de 2022, no valor de 1.627,50 €, por Requerente, solicitando o reembolso dos montantes pagos indevidamente.
A posição da Requerida, em sede de Resposta, pode ser resumida da seguinte forma:
7. No que respeita à alegada falta de audição prévia, a Requerida argumenta que, primeiramente, no projeto de decisão, o fundamento foi a falta de apresentação de documentos e que, na decisão final o fundamento se manteve na falta de apresentação de documentos (mais concretamente, o auto de medição). Acresce que, quanto à questão das obras, o fundamento para a sua não aceitação como gastos não foi apenas a ausência do auto de medição, tendo sido expressamente referido que “…estes trabalhos de construção civil não estão enquadrados no art.º 41º do CIRS.”
8. Ao contrário do que foi decido em sede de reclamação gracioso, a Requerida reconhece agora em sede de Resposta que “poderá a comissão imobiliária ser deduzida aos rendimentos da categoria F, desde que estejam preenchidos os requisitos necessários e esteja devidamente documentada a operação”. Porém, analisados os documentos juntos aos autos, a Requerida levanta em sede de Resposta um conjunto de óbices, nomeadamente, quanto ao ano de 2021, a prova do pagamento das referidas faturas, além de que, consultado o contrato outorgado entre a empresa imobiliária e o representante dos requerentes, constata-se que o valor de renda nele constante e a comissão da empresa não correspondem aos valores das faturas e das rendas declaradas. Relativamente ao ano fiscal de 2022, os requerentes anexam fotocópias de faturas-recibo (e não simples faturas como em 2021), no entanto, não juntam o contrato outorgado com a empresa mediadora. Daqui conclui que não é possível aceitar as referidas despesas.
9. Conclui pela improcedência total do pedido formulado pelos Requerentes.
Apreciação
Quanto à alegada violação do direito de audição
10. Os Requerentes alegam que houve violação do direito de audição porque: (i) a decisão final da AT exigiu um auto de medição como prova das obras, algo que não foi mencionado no projeto de decisão; (ii) no projeto, a AT referia apenas a necessidade de documentos como faturas, recibos, etc., usando inclusive o termo “etc.”, o que indicava flexibilidade nos meios de prova; (iii) A exigência posterior de um documento específico (auto de medição) constitui facto novo, nos termos do art.º 60.º, n.º 3 da LGT, e deveria ter sido objeto de nova audição. A ausência dessa nova oportunidade de pronúncia configura vício formal, tornando as liquidações anuláveis.
11. Mas não lhes assiste razão, senão vejamos a fundamentação apresentada no projeto de decisão pela AT (transcrita apenas a parte que para o caso interessa):
(…) As cópias do detalhe fatura que foi impresso do Portal das Finanças, não identifica o imóvel, o local de entrega e a designação discriminada do material para aplicação ou utilização no imóvel. 9. Conforme o estipulado no nº 1 do art.° 41º do CIRS, "Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8º deduzem-se, relativamente a cada prédio ou parte de prédio, todos os gastos efetivamente suportados e pagos pelo sujeito passivo para obter ou garantir tais rendimentos, incluindo os seguros de renda, com exceção dos gastos de natureza financeira, dos relativos a depreciações e dos relativos a mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração, bem como do adicional ao imposto municipal sobre imóveis". 10. As despesas efetuadas nos imóveis arrendados devem estar comprovadas documentalmente para efeitos de dedução nos rendimentos prediais, em sede de IRS, por força do estabelecido no art.° 41° n° 8 do CIRS: "Os gastos referidos nos números anteriores devem ser documentalmente comprovados". 11. Para que as despesas sejam consideradas documentalmente provadas, é necessário que sejam apresentados documentos (faturas, recibos, vendas a dinheiro, orçamentos, requisições, etc) aptos a comprovar o preenchimento dos requisitos, têm que evidenciar os trabalhos efetuados e/ou materiais adquiridos (de forma a serem enquadrados no conceito de despesas de manutenção e de conservação), a pessoa a quem incumbem (através da sua identificação como requisitante/cliente), a pessoa que as suportou (através da identificação da mesma no documento de pagamento/recibo) e o objeto das mesmas (através da identificação do local onde foram executadas as obras e/ou os materiais foram instalados e/ou se destinam). 12. Ora, de acordo com o disposto no nº 1 do art.° 74° da LGT, é sobre o reclamante que recai o ónus de comprovar e demonstrar o alegado. Pelo que, na presente reclamação, não dispondo este Serviço de elementos que permitam aferir o alegado, se impunha aos reclamantes a junção aos autos dos documentos comprovativos do invocado. Obrigação que não cumpriu (…)”.
12. Perante o teor do projeto, os Requerentes apresentaram um conjunto de documentação, que, no seu entender, poderia satisfazer a exigência de prova da AT. Na decisão final a AT invoca os seguintes fundamentos (transcrito na parte que nos interessa):
“(…) Não é controvertida, visto o exposto no projeto de indeferimento, nem a existência das faturas em causa, nem o respetivo montante: apenas não terá sido possível enquadrar estas como titulando despesas passiveis da dedução requerida, o que exigiria a confrontação do respetivo conteúdo, de forma a comprovar a factualidade acima referida, i.e., os trabalhos efetuados e/ou materiais adquiridos, a pessoa a quem incumbem, a pessoa que as suportou, e o objeto das mesmas. 8. A fim de sanar o óbice descrito, e carrear ao procedimento todos os elementos tidos como úteis à respetiva decisão - desde já se comprometendo os reclamantes a diligenciar pela obtenção e produção de quaisquer outros que sejam indicados como relevantes -,junta-se pelo presente (i) faturas emitidas pela construtora F..., NIF..., com a descrição do serviço prestado, a quem incumbe pagar o respetivo preço, e o correspondente local de descarga, (ii) faturas emitidas pela mediadora imobiliária G... SA, NIF..., com a descrição do serviço prestado, a quem incumbe pagar o respetivo preço, e o correspondente local de descarga, e (iii) faturas emitidas pela sociedade H..., LDA, NIF..., relativas a serviços de arquitetura, com a descrição do serviço prestado, a quem incumbe pagar o respetivo preço, e o correspondente local de descarga. 9. Os Reclamantes encontram-se ainda a diligenciar pela obtenção de comprovativos de pagamento das faturas ora juntas, que se protestam juntar assim que possível. 10. Confrontados os elementos acima referidos, com referência ao projeto de indeferimento da reclamação graciosa, terá a AT em sua posse a prova cabal do alegado, determinante de certeza quanto à factualidade que foi invocada pelos Reclamantes, devendo por isso ser alterado o sentido de decisão que vem projetado pela AT, em linha com um pleno procedimento do peticionado. TERMOS EM QUE REQUER, PELA PROCEDÊNCIA DO ALEGADO, A ANULAÇÃO DAS LIQUIDAÇÕES DE IRS RECLAMADAS, REFERENTES AOS ANOS DE 2021 E 2022, PELOS FUNDAMENTOS JÁ ADÚZIDOS". Com relevância para a apreciação da reclamação apresentada, relatam-se os seguintes factos: - os reclamantes juntaram ao direito de audição cópias das faturas da empresa F..., onde na descrição vem designado "trabalhos de construção civil realizados no apartamento na Rua ... n° ...- ... Direito, Lisboa", tendo-se verificado não terem junto o Auto de Medição, pese embora estes trabalhos de construção civil não estarem enquadrados no art.° 41° do CIRS. Por outro lado, quanto ao tipo de obras elegíveis, há a esclarecer que consideradas como de "conservação” são aquelas "destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente as obras de restauro, reparação e limpeza". Tais despesas deverão distinguir-se, assim, das que contribuam "para valorizar" o imóvel e que, como tal, deverão ser consideradas para o cálculo da respetiva mais-valia, em caso de venda; - juntaram, igualmente, faturas da sociedade G..., S.A., que dizem respeito a serviços de intermediação na angariação de arrendatários, os quais não estão previstos no artigo 41º do CIRS.
13. A eventual invocação de factos novos na decisão obrigaria, tal como defendem os Requerentes, a nova audição prévia, conforme estipula o artigo 60.º, n.º 3, da LGT: “Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado”.
14. Como se vê das transcritas passagens do projeto de decisão e da decisão final, ficou claro, quanto ao tema das obras, o posicionamento da AT de que apenas as obras de conservação e manutenção seriam elegíveis, e que, para tal, deveria haver prova documental nesse sentido. É verdade, como alegam os Requerentes, que na decisão final a AT se refere especificamente à necessidade de entrega de autos de medição, mas tal não pode ser de desligado do facto de o descritivo das faturas, que os Requerentes apenas juntaram em fase de audição prévia, se referir expressamente a percentagens de acabamento.
15. Quanto aos documentos juntos referentes a serviços de mediação e de arquitetura, importa assinalar que esses serviços nem sequer foram referidos na reclamação graciosa, mas apenas em fase de audição prévia.
16. Não há na decisão final emitida pela AT a invocação de quaisquer factos novos, nomeadamente qualquer novo quadro jurídico que motivasse a liquidação adicional. Sempre esteve em causa o enquadramento das despesas no âmbito do artigo 41.º do CIRS e a necessidade de comprovação documental de tais despesas.
17. Improcede assim a invocação dos Requerentes de que houve preterição de formalidades legais.
Dedução das despesas com obras e serviços de arquitetura
18. Para efeitos da análise da matéria em confronto, reproduz-se, na parte que interessa, o artigo 41.º do Código do IRS:
1 - Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º [rendimentos prediais] deduzem-se, relativamente a cada prédio ou parte de prédio, todos os gastos efetivamente suportados e pagos pelo sujeito passivo para obter ou garantir tais rendimentos, com exceção dos gastos de natureza financeira, dos relativos a depreciações e dos relativos a mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração, bem como do adicional ao imposto municipal sobre imóveis.
(…)
7 - Podem ainda ser deduzidos gastos suportados e pagos nos 24 meses anteriores ao início do arrendamento relativos a obras de conservação e manutenção do prédio, desde que entretanto o imóvel não tenha sido utilizado para outro fim que não o arrendamento.
8 - Os gastos referidos nos números anteriores devem ser documentalmente comprovados.
19. Tem interesse para o caso reproduzir igualmente o disposto no artigo 51.º, n.º 1, do Código do IRS:
“1 - Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:
a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º;
20. Da leitura das disposições citadas, fica claro que o legislador, no que respeita a obras em imóveis, distingue os casos de “conservação e/ou manutenção”, elegendo os respetivos custos como dedutíveis ao valor das rendas recebidas, e os casos de “valorização”, dedutíveis ao valor das mais-valias na alienação.
21. Para a situação que nos ocupa, e considerando que os Requerentes pretendem que as obras realizadas sejam consideradas como um elemento a deduzir ao valor das rendas, elas devem qualificar-se como de “conservação e/ou manutenção”.
22. Os Requerentes defendem que são obras de conservação e manutenção todas as que não consistam na criação de edificações, nem reconstrução, alteração ou ampliação de quaisquer edificações existentes.
23. Mas esta tese é contrariada pela leitura conjugada dos citados artigos 41.º e 51.º, uma vez que a lei distingue, nesta última, as obras de valorização, as quais não são forçosamente uma edificação ou reconstrução, mas que, ainda assim, não cabem na dedução a que se refere o artigo 41.º, que está limitada a obras de conservação e manutenção.
24. Na verdade, face à ausência de critérios legais que densifiquem os conceitos, a classificação das obras por tipologia não é uma tarefa fácil. No caso dos autos, porém, não chegamos sequer a essa fase, na medida em que os Requerentes não indicam que tipo de obras realizaram no imóvel. O descritivo das faturas também não auxilia na qualificação, uma vez que refere apenas que foram realizadas obras. As faturas emitidas por sociedade de arquitetos referem apenas “serviços de arquitetura”.
25. Assim, face ao princípio inserto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT de que o “ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, caberia aos Requerentes demonstrar que as obras em causa podem ser qualificadas de conservação e/ou manutenção.
26. Em sede de alegações, os Requerentes invocam que, face à prova efetuada, “é mais provável que (i) aquelas despesas tenham sido efetivamente incorridas e suportadas pelos requerentes, do que não o terem sido, (ii) que digam respeito ao apartamento em causa, por oposição a qualquer outro e (iii) quanto às obras em particular, que tenham sido de conservação e manutenção, por oposição a destinadas à valorização do imóvel, nomeadamente em vista da sua alienação”.
27. É quanto a este último ponto que o tribunal não pode concordar, uma vez que não há qualquer facto que pudesse levar a concluir que é mais provável que as obras tenham sido de conservação e/ou manutenção, sendo certo que os Requerentes admitem que apenas estas são elegíveis para o artigo 41.º, mas nem sequer descrevem as obras realizadas (por exemplo: substituição/arranjo da canalização, pintura das paredes, substituição/arranjo do soalho, o que fosse).
28. Desta forma, improcede a pretensão dos Requerentes no que respeita à dedução ao valor das rendas das despesas com obras realizadas nos imóveis, bem como com os serviços de arquitetura.
Dedução das despesas com serviços de mediação
29. Na Resposta a Requerida veio reconhecer que os serviços de mediação, entendendo-se estes como a contratação de uma empresas do ramo imobiliário para assistir os seus clientes no arrendamento dos imóveis, se enquadram no preceituado no n.º 1 do artigo 41.º, isto é, qualificam como gastos “para obter ou garantir” os rendimentos prediais.
30. Assim, e quanto à matéria de direito, as partes estão de acordo, e o Tribunal acompanha, que as despesas incorridas com a mediação orientada para angariar o cliente do contrato de arrendamento é um gasto diretamente relacionado com a obtenção do rendimento tributado.
31. Todavia, conforme se alcança da decisão no processo de reclamação, tais despesas foram excluídas pela AT, com o fundamento de não terem enquadramento no citado n.º 1 do artigo 41.º.
32. Já em sede de processo arbitral, a Requerida aceita que têm enquadramento, mas vem levantar um conjunto de óbices à documentação junta pelos Requerentes, nomeadamente quanto à prova do pagamento das referidas faturas, incoerências encontradas no contrato, etc.
33. É jurisprudência assente que o Tribunal não pode valorar a chamada fundamentação “a posteriori”, citando-se, a este propósito, o sumário do Acórdão do STA dado no processo n.º 02887/13.8BEPRT, de 28/10/2020:
“I - No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do ato sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori. II - Assim, não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou.”
34. Em sede de reclamação graciosa, onde se discutiram as liquidações controvertidas, a AT já tinha na sua posse as faturas relativas aos serviços de mediação, cuja eficácia enquanto prova vem agora pôr em causa. Nessa medida, assentando a decisão da reclamação unicamente na não elegibilidade daquelas despesas para efeitos do n.º do artigo 41.º, é à luz desse fundamento que o tribunal deve apreciar a questão de direito.
35. Nessa medida, procede a pretensão dos Requerentes de dedução ao valor das rendas dos montantes despendidos a título de serviços de mediação.
V. DECISÃO
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar o pedido de pronúncia arbitral parcialmente procedente, na parte em que se pretende a dedução das despesas com serviços de mediação, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRS;
b) Em consequência, anular parcialmente as liquidações de IRS contestadas, devendo os Requerentes ser reembolsados do valor pago em excesso.
VI. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de Euros 13.877,64, que é o valor que os Requerentes indicaram como correspondendo ao pedido de anulação das liquidações.
VII. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em Euros 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária. A imputação de custas às partes é feita na proporção do decaimento (considerando a proporção entre as despesas consideradas pelo tribunal como dedutíveis e a totalidade das despesas peticionadas), ficando os valores de Euros 38,37 e Euros 879,63, a cargo da Requerida e Requerente, respetivamente.
Notifique-se.
Lisboa, 30 de outubro de 2025
O árbitro,
Jorge Belchior de Campos Laires