SUMÁRIO:
I-Só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjuntamente, nos artigos 18º, alínea a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as empreitadas de reabilitação urbana;
II-Conforme Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA) nº 0430/16, proferido no âmbito de Recurso para Uniformização de Jurisprudência de 26 de março de 2025, a qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana (“ARU”) para a qual esteja previamente aprovada um Operação de Reabilitação Urbana” (“ORU”).
DECISÃO ARBITRAL [1]
Os árbitros Fernanda Maçãs (presidente) José Coutinho Pires e José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora, (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 2025-05-14 acordam no seguinte:
I-RELATÓRIO
1. A... LDA. ,sociedade comercial por quotas, com o número de identificação fiscal..., com sede na Rua ..., nº ..., ...-... ..., ... e ..., pertencente ao Serviço de Finanças de Braga ... (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo), apresentou em 2025-03-03 junto do CAAD, pedido de constituição de tribunal arbitral, e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º,nº 1, alínea a) 10º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (doravante designado por RJAT ) e da Portaria, nº 112-A/2011, de 22 de março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira ( doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidações adicionais de IVA do ano de 2020, e respetivas liquidações de juros compensatórios, e respetivas demonstrações de acerto de contas, no valor global de 223.753,14 € melhor identificados como segue:
- liquidações adicionais de IVA nº 2024...; 2024..., 2024...; 2024...; 2024...; 2024...; 2024...; 2024...; 2024...; 2024...; 2024...; 2024...;- juros compensatórios e demonstrações de acerto de contas; 2024...,com o valor a pagar de € 24.219,79 € e com data-limite de pagamento em 09-12-2024; 2024..., com o valor a pagar de 27.097,10 € e com data-limite de pagamento em 09-12-2024; 2024 ...,com o valor de 30.018,68 € com data-limite de pagamento de 09-12-2024; 2024...,com o valor de 29.107,57 € e com data-limite de pagamento de 09-12-2024; 2024...,com o valor de 33.725,63 € e com data-limite de pagamento de 09-12-2024; 2024...,com o valor de 28.987,40 € e com data-limite de pagamento de 09-12-2024; 2024 ...,com o valor de 25.607,01 € e com data-limite de pagamento de 09-12-2024; 2024 ...,com o valor de 13.542,87 € e com data-limite de pagamento de 09-12-2024; 2024...,com o valor de 3.173,75€ e com data-limite de pagamento de 09-12-2024; 2024...,com o valor de 1.544,86 € e com data-limite de pagamento de 09-12-2024; 2024...,com o valor de 1.395,89 € e com data-limite de pagamento de 09-12-2024 e 2024...,com o valor de 5.332,59 € e com data-limite de pagamento de 09-12-2024.
No valor global de 223.753,14 €.
2.O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pela Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2025-03-05 e devidamente notificado à AT nessa mesma data.
3.Nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente ao Conselho Deontológico do CAAD, e devidamente notificado às partes nos prazos previstos, foram designados como árbitros os signatários, que comunicaram àquele Conselho a aceitação do encargo no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
4. As partes foram notificadas dessa designação, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1 alíneas a) e b) do RJAT, na redação que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro.
5. O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 2025-05-14 de acordo com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação que lhe foi conferido pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 e dezembro.
6.Devidamente notificada para tanto, através de despacho arbitral de 2025-05-15 veio a AT, em 2025-06-18, apresentar a sua resposta por impugnação, procedendo nessa data à junção do processo administrativo (“PA”).
7. Em 2025-06-30 foi proferido o despacho a que alude o artigo 18º do RJAT, onde, para além do mais, foi dispensada a sua realização, pelas razões que dele constam, tendo sido facultada às partes a possibilidade de apresentarem alegações escritas.
8. Em 2025-07-15 a Requerente procedeu à junção das suas alegações, onde, fundamentalmente, reitera e densifica a argumentação vertida no seu ppa.
9. A AT apresentou as suas alegações escritas em 2025-09-15, onde afirmou que, “atendendo à falta de novidade no campo da argumentação do aludido requerimento, vem por este meio reeditar as alegações constantes da sua Resposta, que aqui se dá por integralmente reproduzida.”
II- QUESTÃO DECIDENDA
A questão central a apreciar e decidir reconduz-se em determinar quais as condições legais que devem ser preenchidas para a aplicação da taxa reduzida de IVA (6%) prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA que abrange as empreitadas de reabilitação urbana tal como definida em diploma especifico (redação ao tempo) realizadas em imóveis localizados em áreas de reabilitação delimitadas nos termos legais e se essas condições foram efetivamente preenchidas no caso que subjaz dos presentes autos.
Dito de outro modo:
Cuida-se de saber, no caso em concreto nos presente autos, se para a obtenção do benefício da redução da taxa de IVA para 6%, prevista na Verba 2.23 da Lista 1 anexa ao CIVA, a que se reporta a alínea a) do artigo 18º, daquele código, é suficiente a verificação dos dois pressupostos aí expressamente previstos – tratar-se de uma empreitada de reabilitação urbana em área limitada de reabilitação urbana (ARU), ou é exigível o preenchimento de outros requisitos ou pressupostos, designadamente os decorrentes da aprovação de uma operação de reabilitação urbana (ORU).
III- POSIÇÃO DAS PARTES
posição da Requerente
A Requerente – em brevíssima nota -sustenta que a verificação de uma operação de reabilitação urbana (ORU), aprovada para a ARU, não é exigível para obter a possibilidade da aplicação da taxa reduzida de IVA, pelo facto de entender que tal não consta da definição de “Reabilitação Urbana” que é dada pelo artigo 2º, alínea j) do RJRU.
Afirma ainda a Requerente que a verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA exige apenas o preenchimento dos dois únicos requisitos (i) estar perante uma em empreitada de reabilitação urbana e, (ii) a obra ser realizada em ARU, legalmente delimitada.
Não resulta da mencionada previsão legal a exigência de aprovação de qualquer Operação de Reabilitação Urbana (“ORU”).
posição da Requerida
Defende a AT entendimento diametralmente oposto, pugnando pela necessidade da existência de uma ORU para se estar perante uma “empreitada de reabilitação urbana” valendo pois por dizer-se, que na ótica da Requerida, para além da obvia existência da empreitada, realizada em Área de Reabilitação Urbana (ARU), a sua execução esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana ((ORU).
IV- SANEAMENTO
a. O Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído, e é competente em razão da matéria, face ao disposto no artigo 2º, nº1, alínea a),, artigo 5º nº 3º, alínea a) e no artigo 6º nº 2, alínea a) e nº 3, todos do RJAT.
b. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo de noventa dias, previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT.
c. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e estão regularmente representadas, em consonância com o disposto nos artigos 4º e 10º, ambos do RJAT, e nos artigos 1º e 3º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.
d. O processo não enferma de nulidades.
e. Inexiste qualquer obstáculo à apreciação da causa.
V- FUNDAMENTAÇÃO
A.MATÉRIA DE FACTO
A.1. factos dados como provados
Com relevo para a apreciação das questões suscitadas quanto ao mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
a.A Requerente é uma sociedade comercial por quotas constituída em 2016-04- 29, cujo objeto social é a “construção de edifícios”.
b. Enquadrada em sede de IVA no regime normal com periocidade mensal
c. E em sede da IRC, está enquadrada no regime geral de determinação do lucro coletável ,
d. A sociedade B... Lda., sociedade comercial por quotas com a identificação fiscal nº ... contratualizou com a Requerente a realização de uma empreitada de reabilitação urbana de um prédio sito na Rua ..., em Braga.
e. O prédio encontra-se localizado na Área de Reabilitação Urbana (ARU) de Braga Norte.
f. A ARU encontra-se aprovada pela Câmara Municipal de Braga, e publicada a respetiva aprovação, através do Aviso2216/2017 – DR nº 44/0217, II série de 2 de março de 2017 (cfr. documento junto com o ppa).
g.Com data de19/11/2018 foi emitida ela Câmara Municipal de Braga uma certidão onde consta que o prédio em questão (“…) se insere na área de reabilitação urbana de Braga Norte, aprovada e definida nos termos do AVISO número dois mil duzentos e dezasseis barra dois mil e dezassete, publicado no Diário da República, número quarenta e quatro, segunda séria, de dois de março.”
h. Com referência ao contrato de empreitada (mencionado em “d”), e durante o ano de 2020 a Requerente emitiu a favor da sociedade B..., Ldª, doze faturas no montante de 1.743.745,52 €, tendo liquidado IVA à taxa 6%, como segue:
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Número Documento/Fatura
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Data de Emissão
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Total Doc.
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IVA Liquidado (6%)
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Base Tributável
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FA 2020/186
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2020-12-30
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231 080,85 €
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13.080,05€
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218 000,80 €
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FA 2020/162
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2020-11-30
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58 918,83 €
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3 335,03 €
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55 583,80 €
|
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FA 2020/145
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2020-10-30
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65 989,83 €
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3 735,27 €
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62 254,56 €
|
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FA 2020/128
|
2020-09-30
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128 160,02 €
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7 254,34 €
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120 905,68 €
|
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FA 2020/107
|
2020-08-31
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84 443,60 €
|
4 779,84 €
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79 663,96 €
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FA 2020/96
|
2020-07-31
|
159 614,39 €
|
9 034,78 €
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150 579,61 €
|
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FA 2020/77
|
2020-06-30
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174 353,75 €
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9 869,08 €
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164 484,67 €
|
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FA 2020/66
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2020-05-29
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216 733,43 €
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12 267,93 €
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204 465,50 €
|
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FA 2020/49
|
2020-04-30
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181 494,26 €
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10 273,26 €
|
171 221,00 €
|
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FA 2020/38
|
2020-03-31
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196 312,00 €
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11 112,00 €
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185 200,00 €
|
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FA 2020/25
|
2020-02-29
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190 998.27€
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10 811,22 €
|
180 187,05 €
|
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FA 2020/12
|
2020-01-31
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160 270,82 €
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9 071,93 €
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151 198,89 €
|
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Totais
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1 848 370,25 €
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104 624,73 €
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1 743 745,52 €
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i.Em todas (12) faturas a Requerente fez a seguinte menção:
“ (Taxa de IVA de 6%, prevista na verba 2.23 da Lista anexa I ao CIVA e conforme despacho de 15/11/ 2018 do Diretor do Departamento de Gestão Urbana do Município de Braga, uma vez que o prédio insere- se na área de Reabilitação Urbana de Braga Norte- Aviso nº 2216/2017)”.
j. A coberto da ordem de serviço nº OI 2020... a Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo de natureza externa e de âmbito parcial em sede de IVA, respeitante ao exercício fiscal de 2020.
k. Inspeção em causa foi notificada à Requerente em 13-03-2024, tendo sido iniciada em 10-05-2024, cujo prazo de conclusão foi prorrogado.
l. No Relatório, que nesta sede se dá por reproduzido e integrado, foi, para além do mais, afirmado o seguinte:
“V. Descrição dos factos e fundamentos das correções / irregularidades
V.1. Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)- Correções ao Imposto Liquidado
* Enquadramento dos factos
“No decurso do procedimento inspetivo, verificou-se que a sociedade inspecionada, durante o período em apreço, emitiu diversas faturas para o seu cliente, sociedade relacionada, B..., Ldª., NIPC ..., num montante, de 1.743.745,52 EUR (total da base tributável), acrescido de IVA, liquidado à taxa reduzida (6%), no montante de 104.624.73 EUR, valores que declarou nas respetivas declarações periódicas, campos 1 e 2, respetivamente.
Questionado acerca das razões para aplicação da taxa reduzida de 6%, o sujeito passivo referiu tratar-se de um prédio (novo) sito na Rua ..., em Braga, apresentando uma certidão passada pela Câmara Municipal de Braga, emitida em 2018/11/19, de acordo com a qual o referido prédio “se insere na área de reabilitação urbana de Braga Norte, aprovada e definida nos termos do Aviso número dois mil duzentos e dezasseis barra dois mil e dezassete, publicado no Diário da República, número quarenta e quatro, segunda Série de dois de março”, fazendo essa menção nas faturas emitidas, conforme cópia da referida certidão e fatura emitidas, que se anexam…”
Retira-se ainda do Relatório Inspetivo o seguinte:
*implicações fiscais
“O sujeito passivo justificou a aplicação da mencionada taxa de IVA, por via da aplicação da verba 2.23 da lista I anexa ao Código do IVA (CIVA) – reabilitação urbana, cuja redação, à data dos factos em apreço era a seguinte:
(…)
A mencionada verba 2.23 coloca assim, algumas condições para que a taxa reduzida possa ser aplicável às operações que nela pretendam ser enquadradas, designadamente que a operação em causa consubstancie:
i) uma empreitada
ii) de reabilitação urbana,
iii) realizada em imóveis ou espaços públicos localizados em área de reabilitação urbana definida nos termos legais,
iv) ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.
Não estando em causa uma situação “operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional”, centremo-nos, então nas restantes condições impostas pela verba 2.23.
O contrato de empreitada encontra-se definido nos artigos 1207ª e seguintes do Código Civil.
De acordo com o artº 1207.ª a noção de empreitada é a seguinte: “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra realizar certa obra mediante um preço”. No caso em apreço não se coloca em causa que se trata de um contrato de empreitada realizado sobre um imóvel.
Vejamos, então, de que forma se encontra definido no “diploma específico” o que se considera ser uma “empreitada de reabilitação urbana”. Trata-se do Decreto-Lei nº 307/2009, de 23 de outubro, que estabelece o “Regime Jurídico da Reabilitação Urbana” (RJRU). De acordo com o respetivo preâmbulo, este regime jurídico estrutura as intervenções de reabilitação com base em dois conceitos fundamentais: o conceito de “área de reabilitação urbana” (ARU), cuja delimitação pelo município tem como efeito determinar a parcela territorial que justifica uma intervenção integrada no âmbito deste diploma; e o conceito de “operação de reabilitação urbana” (ORU), que corresponde à estruturação concreta das intervenções a efetuar no interior da respetiva área de reabilitação urbana. O nº 1, do artº 7 do RJUR, determina que a reabilitação urbana em áreas definidas como tal, é promovida pelos municípios, resultando da aprovação de:
a) da delimitação de áreas de reabilitação urbana; e
b) da operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.
O Decreto-Lei em referência esclarece, assim, que estamos perante uma reabilitação urbana apenas quando se verificar a aprovação destes dois requisitos/instrumentos: ARU e ORU. A ARU, cuja definição se encontra na alínea b), do artº 2º, do mencionado diploma é delimitada pelo Município.
No entanto, conforme já ficou claro, para que se trate de uma empreitada de reabilitação urbana, “tal como definida em diploma específico”, não é suficiente que se trate de uma empreitada localizada numa ARU, pois de acordo com a alínea b) do nº 1, do artº 7, do RJRU, a reabilitação urbana resulta da aprovação de operação de reabilitação urbana (ORU) a desenvolver nas ARU, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana. Refira-se ainda que, acordo com o nº 4, do mencionado artº 7, a cada ARU corresponde uma ORU.
Efetivamente, a delimitação da “área de reabilitação urbana” é apenas uma das bases do RJRU, sendo complementada com as “operações de reabilitação urbana. Ou seja, a simples delimitação da reabilitação urbana não determina, por si só, que as empreitadas que se realizem naquela área se encontrem no âmbito deste regime jurídico. Na verdade, tal interdependência resulta de todo o regime vertido no Decreto-Lei nº 307/2009 e, em particular, por exemplo, do seu artigo 15º. Com efeito, nos termos desta norma, que se reporta ao âmbito temporal de delimitação da área de reabilitação urbana, sempre que a aprovação da delimitação de uma área de reabilitação urbana não tenha lugar em simultâneo com a aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver nessa área, aquela delimitação caduca se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação.
Depreende-se, portanto, que o momento em que a delimitação da área de reabilitação urbana fica consolidada é o momento em que ocorre a aprovação da operação de reabilitação urbana, pelo que se deve entender que apenas estão em causa empreitadas de reabilitação urbana, quando as mesmas sejam realizadas no quadro de uma operação urbana já aprovada, portanto é nas operações de reabilitação urbana aprovadas, através de instrumento próprio ou de plano de pormenor de reabilitação urbana, que estão contidos a definição do tipo de operação de reabilitação urbana e a estratégia de reabilitação urbana ou o programa estratégico de reabilitação urbana, consoante a ª operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática (cfr, art, 16º do mencionado normativo legal), que orientam as intervenções na área de reabilitação urbana delimitada.
Não basta, assim, que esteja em causa uma empreitada realizada numa área delimitada como de reabilitação urbana para que se possa considerar uma empreitada de reabilitação urbana, se ainda não está em condições de se apurar se a mesma está conforme à estratégia ou ao programa estratégico de reabilitação urbana, o que só fica definido com a aprovação da respetiva operação de reabilitação urbana.
Logo, é condição necessária que o imóvel se encontre localizado numa área de reabilitação urbana delimitada nos termos legais, situação que, no caso em apreço foi declarada pela Câmara Municipal de Braga, conforme certidão em anexo e foi por nós confirmada.
Contudo, tal como ficou anteriormente explanado, a localização de um prédio numa ARU não constitui, por si só, condição bastante para afirmar que as operações sobre ele efetuadas se subsumem no conceito de reabilitação urbana, constante do respetivo regime jurídico e consequentemente, possa beneficiar da aplicação da taxa reduzida do imposto. É igualmente necessária a aprovação da correspondente ORU”.
m. Em resultado do relatório dos SIT a Requerida emitiu as liquidações aqui controvertidas já supra evidenciadas no ponto “1” do Relatório.
n. Com data de 2024-11-19 a Requerente procedeu ao pagamento das liquidações aqui em causa.
o.Datado de 2025-03-03 a Requerente apresentou junto do CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral que deram origem ao presente processo.
A.2. factos dados como não provados
Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que tenham sido considerados como não provados.
A.3. fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada.
Relativamente á matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada e não provados artº 123º, nº 2 do CPPT e nº 3 do artº 607º do CPCivil, ex vi, alíneas a) e e) do artigo 29º do RJAT.
Deste modo os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções da questão (ões) de direito (cfr., artigo 596º do Código de Processo Civil (“CPC”), ex vi artigo 29º, nº 1 das alíneas a) e e) do RJAT)
Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção tomada a partir do exame de avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo, de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr, artigo 607º, nº 3 do CPC, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 43/2013, de 26 de junho.
Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecida por lei (v.g.), força probatória dos documentos autênticos (cfr, artigo 371º, nº 3 do Código Civil), é que não domina na apreciação o princípio da livre apreciação.
Deste modo, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a prova documental carreada para os autos e o processo administrativo anexo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra alegados.
Não se deram como provados, nem como não provados as alegações produzidas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova, e cuja veracidade se terá que aferir em relação à concreta matéria de facto consolidada.
VI. DO DIREITO
Identificada, supra a questão a dirimir e sinalizada a posição das partes que aqui se dispensa de expressamente reiterar, sob pena de redundância, fica a nota, por clara evidência, que as posições defendidas pelos contribuintes e autoridade tributária e aduaneira são diametralmente opostas.
É nesse sentido que o tema aqui em apreço tem sido objeto de controvérsia e decisões divergentes (mormente em sede arbitral).
São indícios disso mesmo, e de entre outras, as decisões proferidas, sob a égide do CAAD, em dois processos, com decisões divergentes: 517/2023-T e 2/2023-T, que espelham, claramente, as divergências de interpretação da verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA e alínea a) do nº 1 do artigo 18º.
Assim sendo;
No processo nº 517/2023-T,[2] entendeu-se o seguinte:
“Como decorre do teor literal do nº 1 deste artigo 7º., a reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana resulta, cumulativamente, da aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana e da aprovação de uma operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.
A necessidade desta dupla aprovação de uma delimitação e de uma operação com ela conexa ressalta do uso da conjunção “e” que separa as duas frases do nº 1 deste artigo 7º.
O nº 4 do mesmo artigo corrobora esta interpretação ao estabelecer que “a cada área de reabilitação urbana corresponde uma operação de reabilitação urbana”.
Ora, como resulta do artigo 7º, nºs 2 e 3, do RJRU, “a aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana e da operação de reabilitação urbana pode ter lugar em simultâneo” ou aquela delimitação pode preceder esta operação, podendo mesmo suceder, nos termo do artigo 15º do mesmo diploma, que caduque a delimitação da área de reabilitação urbana “se no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação”, como pertinentemente refere a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo.
Isto é, não existe uma situação legal de “reabilitação urbana” se não for aprovada uma “operação de reabilitação urbana”, como se conclui no acórdão de 14-08-2023, proferido no processo arbitral nº 93/2023-T.
Por isso, o mero licenciamento de uma construção através de empreitada, em local inserido numa área de reabilitação urbana, sem que haja a prévia aprovação de uma operação de reabilitação urbana nessa área, não permita qualificar uma empreitada como sendo de “empreitada de reabilitação urbana” em área de reabilitação urbana”, para efeitos da verba 2.23 referida.
Assim, como bem se conclui na decisão arbitral de 31-07-2023, proferida no processo nº 3/2023-T, “uma interpretação fundada nos elementos sistemático e teleológico, não contrariada pelo elemento gramatical, aponta no sentido de que o legislador pretendeu estender a taxa reduzida às empreitadas alinhadas com os desígnios da reabilitação urbana (a tal “intervenção integrada no tecido urbano”), que serão aquelas realizadas em imóveis situados em áreas de reabilitação urbana para as quais já tenha o município feito recair uma programação estratégia capaz de lhe conferir visão de conjunto”.
Por outro lado, como resulta dos artigos 16º e 17º do RJRU, “as operações de reabilitação urbana são aprovadas através de instrumento próprio ou de plano de pormenor de reabilitação urbana”, da competência da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, que contenham, cumulativamente, “ a definição do tipo de operação de reabilitação urbana “ e “a estratégia de reabilitação urbana ou o programa estratégico de reabilitação urbana, consoante a operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática”, o que obsta a que se possa concluir pela existência de uma operação de reabilitação urbana decorrente de uma mera certificação, como se refere na matéria de facto fixada, efectuada por uma câmara municipal, manifestando o seu entendimento de que a construção consubstancia uma “operação de reabilitação urbana”.
Pelo exposto, é de concluir que o conceito de “empreitada de reabilitação urbana “ em área de reabilitação urbana só é preenchido quando as obras a realizar se reportam a imóvel localizado em área delimitada como sendo de reabilitação urbana e no âmbito de uma “operação de reabilitação urbana” , aprovada nos termos do artigo 16º do RJUR.
É certo que a alínea b) do artigo 14º do RJUR, a que a Requerente alude, estabelece que “a delimitação de uma área de reabilitação urbana (…) confere aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus ou encargos sobre os edifícios ou frações nela compreendidos o direito de acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, nos termos estabelecidos na legislação aplicável, sem prejuízo de outros benefícios e incentivos relativos ao património cultural”, o que permite concluir que haverá potencialmente efeitos decorrentes da mera delimitação da ARU.
Mas esta norma não se aplica à situação da Requerente, pois, como decorre do seu texto, reporta-se apenas aos proprietários e titulares de outros direitos sobre edifícios e frações o que não era o caso da Requerente, pois a obra objecto do contrato de empreitada é um edifício novo a construir em local em que não existia qualquer construção.
Assim, no caso em apreço, não tendo sido aprovada qualquer “operação de reabilitação urbana “ para o local em que foi construído o prédio, é de concluir que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão ao recusar a aplicação da taxa reduzida prevista na verba 2.23, da Lista I anexo ao CIVA”
Esta posição foi sustentada por um elevado número de decisões arbitrais provindas do CAAD.
No que respeita à Decisão Arbitral proferida no processo 2/2023-T, [3]entendeu-se o seguinte:
“1-Constituem-se condições cumulativas para o preenchimento da previsão normativa da verba 2.23 da Lista I anexo ao Código do IVA; empreitada de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico; e empreitada de reabilitação urbana, localizar-se em área de reabilitação urbana delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.
2- A delimitação e aprovação de ARU, nos termos do artigo 14º do artigo 14º do decreto-lei nº 307/2009 confere de forma direta o acesso aos apoios e incentivos fiscais à reabilitação urbana, entre os quais a possibilidade de acesso à taxa reduzida de IVA de 6% constante da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA.”
As citações acabadas de efetuar traduzem, a par de outras, a diferente interpretação que as instâncias vêm produzindo acerca deste segmento que, na prática se consubstanciam na verificação da necessidade cumulativa, ou não, de uma ORU para se estar perante a realização de uma empreitada de reabilitação urbana.
Temos, deste modo e como tem vindo a ser sinalizado duas posições diferentes
Em resultado das posições divergentes o Supremo Tribunal Administrativo foi convocado a pronunciar-se se sobre a aplicação da verba 2.23. da Lista I anexa ao Código do IVA.
Em concreto tratar-se-ia em saber se para a aplicação da verba em causa se bastaria com uma empreitada numa área de reabilitação urbana (“ARU”), ou se é ainda necessário que para a ARU em que é executada a intervenção de reabilitação esteja em vigor uma operação de reabilitação urbana (“ORU”),
Salientando-se a respeito, que a “ORU” se materializa num instrumento aprovado pelos diferentes municípios que define a respetiva estratégia para as intervenções a promover na ARU a que respeitar.
A aprovação de uma ORU é deste modo da responsabilidade dos municípios que, de conformidade ao estatuído no regime jurídico da reabilitação urbana (“RJRU”) o podem fazer em simultâneo com a aprovação da ARU ou em momento posterior (dentro de um prazo de 3 anos).
Isto posto.
Deu-se já nota e não se ignora que a questão que subjaz dos presentes autos tem sido objeto de significativa litigância entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e os contribuintes, expressa nos vários processos sob a égide do CAAD.
Como já amplamente referido e de volta à questão central dos presentes autos a questão subjacente tem sido objeto de um número significativo de decisões divergentes, estando em causa saber-se, para o preenchimento da verba 2.23 da Lista I, anexa ao CIVA, era ou não necessária a cumulação de uma ARU e de uma ORU, para estarmos perante a existência de uma empreitada de reabilitação urbana.
Perante essa “dúvida” foi prolatado o Acórdão do Pleno do Contencioso, do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo número 12/24.9BALSB datado de 26/03/2025, cujo relator foi a Conselheira Anabela Ferreira Alves e Russo, para o qual remetemos na íntegra para fundamentação da decisão no presente processo arbitral, e que decidiu;
“I -Só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18º, al. a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as empreitadas de reabilitação urbana;
II-A qualificação como “empreitada reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana”.
O que estava em causa, repete-se era saber se, para o preenchimento da previsão normativa da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, era ou não, necessária a cumulação de uma ARU e de uma ORU.
“ Os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência, conquanto não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos Assentos pelo revogado art, 2º do CC, têm um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de justiça (RODAPE), como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais da 1ª instância e Relação constituir motivo para admissibilidade especial de recurso, nos termos do art, 629º, nº 2, al c) do CPC”.
“2 Esse valor reforçado impõe-se ao próprio Supremo Tribunal de Justiça, sendo projectado, além do mais, pelo dever que recai sobre a relator e os adjuntos de proporem ao Presidente o julgamento ampliado da revista sempre que se projecte o vencimento de solução diversa da uniformizada”.
Deve então este Tribunal no respeito pela função de uniformização da jurisprudência que cabe ao pleno do STA e atenta a matéria de facto dada como provada, concluir que a empreitada identificada nos autos não pode ser qualificada como “empreitada de reabilitação urbana” por faltar, para a área de reabilitação urbana em causa, uma “operação de reabilitação urbana” aprovada pelo município, no caso específico o de Braga.
Renovando-se a remissão integral quanto aos fundamentos da presente decisão, para o teor do mencionado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, improcedem assim todos os pedidos da Requerente.
VII- DECISÃO
Termos em que decide este Tribunal Arbitral Coletivo em;
i. julgar totalmente improcedentes os pedidos formulados pela Requerente e,
ii. condenar a Requerente no pagamento das custas processuais.
VIII. VALOR DO PROCESSO
De conformidade ao disposto nos artigos 296º.nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, e artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, fixa-se ao processo o valor de 223.753,14 € (duzentos e vinte e três mil setecentos e cinquenta e três euros e catorze cêntimos) correspondente ao valor indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida.
IX. CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 1, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 3º e 4º do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem e Tabela I a este anexa, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 4.284,00 € (quatro mil duzentos e oitenta e quatro euros).
NOTIFIQUE-SE
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelos árbitros.
Lisboa, 27 de outubro de dois mil e vinte e cinco
Os árbitros
(Fernanda Maçãs – Presidente)
(José Coutinho Pires – Adjunto- relator)
(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora- Adjunto)
[1] Por razões de economia processual, e fundamentalmente tendo em vista a uniformidade da jurisprudência (artigo 8º, nº3 do Código Civil) seguir-se-á neste processo data venia a remissão substancial (com as eventuais e necessárias adaptações) para o que vem dito no âmbito do acórdão nº 1249/2024-T, de 13 de abril de 2024 (FERNANDA MACÃS, CLOTILDE CELORICO PALMA e ANTÓNIO PRAGAL COLAÇO), prolatado sob a égide do CAAD, sem prejuízo da não utilização de aspas para delimitação/identificação das transcrições, para facilidade de leitura.
[2] Prolatada em 12-12-2023, (Jorge Lopes de Sousa, Clotilde Celorico Palma, Sofia Ricardo Borges).
[3] Com data de prolação em 2023/10/2023 (Regina de Almeida Monteiro, António Cipriano da Silva, José Coutinho Pires).