Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 347/2025-T
Data da decisão: 2025-10-27  Selo  
Valor do pedido: € 79.052,25
Tema: Imposto do Selo. Comissões por serviços de intermediação e assessoria financeira. Revogação parcial. Inutilidade superveniente da lide
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SUMÁRIO: 

 

A verba 17.3.4 da TGIS, ao sujeitar a Imposto do Selo as comissões cobradas por instituições de crédito por serviços de intermediação na colocação de obrigações, viola o disposto no artigo 5.º, n.º 2, b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Presidente), Dr. Jorge Carita e Dra. Carla Almeida Cruz, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem o seguinte:

 

1.     Relatório

 

A…, SGPS, S.A.. sociedade comercial registada sob o número único de matrícula 

na Conservatória do Registo Comercial e de identificação de pessoa colectiva..., com sede na Rua do ..., n.º ..., ...-..., Porto (doravante designada por “Requerente”), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por “RJAT”), peticionando a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de Imposto do Selo (doravante, abreviadamente, IS) respeitantes aos períodos de Outubro de 2022 a Dezembro de 2023, no montante total de € 79.052,25, bem como a declaração de ilegalidade dessas liquidações, com a sua consequente anulação e condenação da Requerida a reembolsar a Requerente do montante pago, acrescido de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 08-04-2025.

Os Árbitros designados pelo Conselho Deontológico do CAAD aceitaram as designações.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 30-05-2025.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 18-06-2025.

A AT apresentou resposta em que suscitou u a questão da inutilidade superveniente da lide relativamente a liquidações que foram administrativamente revogadas e a improcedência dos pedidos na parte restante.

Por despacho de 07-09-2024 foi decidido notificar a Autoridade Tributária e Aduaneira para juntar ao processo cópia do despacho de revogação parcial que refere na sua Resposta.

Junta a cópia daquele despacho foi notificado o Sujeito Passivo para se pronunciar sobre a inutilidade superveniente da lide parcial.

O sujeito passivo não se pronunciou sobre a inutilidade superveniente da lide parcial.

Por despacho de 24-10-2025, foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas. 

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto 

 

2.1. Factos provados

 

                  Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:

 

A.    A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais e o seu objeto social consiste na gestão de participações sociais como forma indireta de exercício de atividades económicas (cópia da certidão permanente que se junta como documento n.º 7 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

B.    No âmbito da sua atividade social, a Requerente decidiu proceder à emissão e a subsequente admissão à negociação de obrigações no mercado regulamentado;

C.     Para atingir esse objectivo, a Requerente celebrou dois contratos com diferentes instituições bancárias), as quais se comprometeram, entre outros deveres, a intermediar a colocação das obrigações no mercado e a garantir a respetiva subscrição, nos termos e nas condições previamente acordados e com vista à reunião de capitais. (documentos n.ºs 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

D.    O primeiro contrato, junto como documento n.º 3, foi celebrado, em 28 de Setembro de 2022, entre a Requerente, enquanto Emitente, e as instituições financeiras Banco Comercial Português, S.A., Caixa – Banco de Investimento, S.A., Haitong Bank, S.A. e Novo Banco, S.A., que atuaram como Coordenadores Globais e Colocadores, e ainda o Banco ActivoBank, S.A., o Banco Bic Português, S.A., Banco de Investimento Global, S.A., Banco Finantia, S.A., Banco L.J, Carregosa, S.A., Bankinter, S.A. – Sucursal em Portugal, Best – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A., Caixa Central – Caixa Centro de Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L., Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A., e Caixa Geral de Depósitos, S.A., que participaram como Colocadores, e formalizou a operação de empréstimo obrigacionista denominado “Obrigações Ligadas a Sustentabilidade A... 2022-2027” (doravante, simplesmente, «Contrato 2027»);

E.     O Contrato 2027 implicou a emissão, por parte da Emitente/Requerente, de 100.000 obrigações escriturais e nominativas, com o valor nominal unitário de € 500,00 e global inicial de até €50.000.000,00, que deveriam ser integradas na Central de Valores Mobiliários e admitidas à negociação no mercado Euronext Access (um sistema de negociação multilateral gerido pela Euronext Lisbon e registado na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários como plataforma organizada de negociação) – (páginas 5 e 6 do contrato junto como documento n.º 3);

F.     O segundo contrato, junto como documento n.º 4, foi celebrado em 24 de novembro de 2023, entre a Requerente, na qualidade de Emitente, e a Haitong Bank, S.A., enquanto Coordenador Global, e formalizou a operação de empréstimo obrigacionista denominada “Obrigações Ligadas a Sustentabilidade A.... 2023-2028” (doravante simplesmente «Contrato 2028»);

G.    No âmbito do Contrato 2028, a Requerente comprometeu-se a emitir obrigações escriturais e nominativas, com valor nominal unitário de € 1.000,00, e valor global mínimo de € 50.000.000,00 e máximo de € 60.000.000,00, as quais deveriam ser integradas na Central de Valores Mobiliários e admitidas à negociação no Bourse de Luxembourg;

H.    Em cada um dos referidos contratos ficou acordado que a Emitente/Requerente pagaria comissões às instituições financeiras para fazer face aos serviços de intermediação prestados por estas;

I.      No que concerne ao Contrato de 2028, foi cobrada pelo Banco Haitong uma comissão de € 400.000,00 com a designação «COMISSÃO AGENTE COLOCAÇÃO OBRIGAÇÕES Comissão relativa à prestação de serviços de organização, coordenação e colocação de "Obrigações Ligadas a Sustentabilidade A... 2023-2028", no montante global de €50.000.000», relativamente à qual foi liquidado e cobrado Imposto do Selo no montante de € 16.000,00 (documento de página 20 do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

J.      Em 26-11-2024, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações de Imposto do Selo referidas, que teve o n.º ...2024...;

K.    A reclamação graciosa foi indeferida pelo despacho de 31-12-2024, do Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

L.     Em 07-04-2025, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

M.   Na pendência do presente processo arbitral, em 14-05-2025, a Autoridade Tributária e Aduaneira proferiu o despacho de revogação parcial que foi junto ao processo em 09-10-2025, cujo teor se dá como reproduzido, mantendo apenas a «autoliquidação alegadamente realizada pela CEMG – IS no valor de 2173,70» e o «imposto do selo liquidado pelo Haitong Bank sobre as comissões cobradas por serviços de intermediação e assessoria financeira conexas com emissão obrigacionista regulada pelo ««Contrato 2028» -  no valor de 16.000 €»;

N.    Na fundamentação da decisão de revogação parcial, mantém-se a liquidação relativa ao Contrato 2028, pelo seguinte:

B.IV – DO IMPOSTO DO SELO LIQUIDADO PELO HAITONG BANK SOBRE AS COMISSÕES COBRADAS POR SERVIÇOS DE INTERMEDIAÇÃO E ASSESSORIA FINANCEIRA CONEXAS COM EMISSÃO OBRIGACIONISTA REGULADA PELO «CONTRATO 2028» - IS NO VALOR DE 16.000 € (5)

 

47. Em relação ao empréstimo obrigacionista regulado pelo «Contrato 2028», e de acordo com a jurisprudência invocada, o entendimento acima explanado já não se pode aplicar.

48. Com efeito, e recuperando quer o Acórdão Air Berlin quer o Despacho C-416/22, ambos os arestos têm como pressuposto fundamental a existência de uma oferta pública inicial de subscrição dos títulos negociáveis representativos de uma nova emissão, isto é, exigem que estejamos perante uma oferta pública dirigida ao público investidor em geral.

49. Acontece que no «Contrato 2028» estamos perante uma oferta de subscrição particular dirigida exclusivamente a investidores institucionais, com garantia de subscrição por parte do Haitong dos títulos de dívida que não venham a ser colocados.

50. Na verdade, no presente caso, a emissão destes títulos negociáveis de dívida, sob a forma de obrigações, equivale materialmente à celebração bilateral de um contrato de mútuo, já que todos os novos títulos resultantes desta emissão foram negociados e subscritos diretamente por investidores institucionais (um ou mais que um), NÃO ESTANDO DEMONSTRADO QUE TAIS TÍTULOS TIVESSEM COMO DESTINO PRIMÁRIO E INICIAL A SUA NEGOCIAÇÃO EM MERCADO ABERTO JUNTO DO PÚBLICO INVESTIDOR EM GERAL.

51. Ou seja, NÃO ESTÁ PRESENTE O REQUISITO FUNDAMENTAL DA REUNIÃO DE CAPITAIS previsto na Diretiva 2008/7/CE, que é que esses capitais sejam obtidos JUNTO DE UM PÚBLICO INDETERMINADO EM GERAL, EM CONSEQUÊNCIA DA EMISSÃO DE NOVOS TÍTULOS DE DÍVIDA PARA SEREM DISSEMINADOS EM MERCADO ATRAVÉS DA SUA OFERTA PÚBLICA.

52. E para que se consiga reunir capitais junto do público em geral em consequência da emissão de novos títulos negociáveis de dívida é pressuposto da Diretiva que esses mesmos novos títulos sejam verdadeiramente negociáveis, isto é, sejam inicialmente colocados e subscritos em mercado aberto junto do público em geral e não fiquem, pura e simplesmente, retidos na esfera de um ou mais investidores institucionais que os subscrevem, como acontece nesta situação em concreto.

53. Com efeito, denominador comum a este empréstimo obrigacionista é o facto de, nos termos contratados com o Haitong (i) se tratarem de ofertas particulares do emitente (ora Requerente), efetivadas por colocação direta do emitente (ora Requerente) junto de investidor(es) institucional(ais) (iii) com garantia de subscrição dos títulos de dívida não subscritos parte do Haitong.

54. Por outro lado, para o que aqui nos interessa, na atividade de intermediação financeira há que ter presente o Código dos Valores Mobiliários (“CVM”), cujo artigo 290.º diz que serviços e atividade em instrumentos financeiros consistem, entre outros, na receção e a transmissão de ordens por conta de outrem; execução de ordens por conta de outrem; gestão de carteiras por conta de outrem; prestação de serviços e atividades de tomada firme e colocação com garantia ou colocação sem garantia; negociação por conta própria; consultoria para investimento; sendo que, a receção e transmissão de ordens por conta de outrem inclui a colocação em contacto de dois ou mais investidores com vista à realização de uma operação.

55. Ora, decorre do normativo referido que o papel principal do intermediário financeiro é, assim, divulgar os produtos financeiros comercializados e, caso se justifique, colocar em contacto o público investidor com o emitente para efeitos de subscrição por esse mesmo público de novos títulos de dívida sob a forma de papel comercial e/ou obrigações.

56. Pois bem, resulta líquido do «Contrato 2028», que regula esta emissão obrigacionista, que não é isto que acontece, uma vez que a comissão cobrada a pretexto da subscrição /primeira aquisição dos títulos não deriva da sua divulgação e oferta pública no mercado, mas sim de subscrições particulares intermediadas pelo Banco contratado pela Requerente para o efeito.

57. Dito de outro modo: a finalidade primeira e última que justifica a cobrança ao emitente das chamadas “comissões de colocação”, ou até mesmo de “subscrição”, é remunerar apenas as atividades desenvolvidas pelos intermediários financeiros comercializadores, que se colocam entre o emitente e o mercado, O QUE NÃO ACONTECE NO CASO QUE SE APRECIA, não constituindo contrapartida de qualquer emissão de obrigações ou de formalidades conexas a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE.

58. Conforme resulta do ponto 35 do Despacho C-416/22, para que as comissões em causa fiquem excluídas da tributação do Imposto do Selo previsto na verba 17.3.4 da TGIS, exige-se que a sua cobrança decorra do “FACTO DE DAR A CONHECER JUNTO DO PÚBLICO OFERTAS DE TÍTULOS NEGOCIÁVEIS, COMO AÇÕES E OBRIGAÇÕES (…)” .

59. Acontece que, nos termos do «Contrato 2028» nada desta exigência se encontra verificada, pois em sítio nenhum a Requerente demostra de forma cabal e inequívoca que a cobrança desta comissão em concreto pelo Haitong Bank seja contrapartida do facto de dar a conhecer junto do público investidor em geral a oferta de novos títulos negociáveis, sob a forma obrigações, e de desenvolver todos os seus melhores esforços para os distribuir de modo que promova a respetiva subscrição por esse mesmo público.

60. Como acima se disse o que existe aqui efetivamente é uma relação bilateral típica dos contratos de mútuo, estabelecida entre a Requerente e investidores institucionais que tomaram exclusivamente para si os títulos de dívida emitidos a seu pedido pela Requerente a troco da cobrança da comissões contratualizadas, e não uma relação de um para muitos como exige a Diretiva com vista a uma verdadeira reunião de capitais, isto é, uma relação entre a Requerente, na qualidade de emitente, e o mercado (público em geral) na verdadeira aceção da palavra, intermediada pelo Banco contratado para esse efeito.

61. Ou seja, como acima se disse, NÃO ESTÁ PRESENTE O REQUISITO FUNDAMENTAL DA REUNIÃO DE CAPITAIS previsto na Diretiva 2008/7/CE, que é que esses capitais sejam obtidos/reunidos junto do público investidor (em geral) através de uma oferta pública a ele dirigida, como aliás se diz e resulta com clareza da fundamentação e decisão do Despacho do C-416/22 do TJUE, e, bem assim, do Despacho C-335/22, igualmente de 19 de julho de 2023, que decidiu sobre situação

análoga à aqui tratada, em consequência da emissão de novos títulos negociáveis de dívida para a sua disseminação e subscrição em mercado.

62. Por outro lado, nem o facto de estar previsto no « Contrato 2028» que as obrigações emitidas possam vir a ser admitidas à negociação no Bourse de Luxembourg, o que efetivamente veio a acontecer em 29-12-2023 (6), altera o nosso entendimento, elaborado nos exatos termos da jurisprudência que resulta do TJUE.

63. Com efeito, conforme se pode ler no prospeto de admissão àquela bolsa “ [t]he subscription of the Notes is no longer possible, as the private placement of the Notes was concluded on 4 December 2023” (in NR 8, a pág. 108), isto é, “a subscrição das obrigações já não é possível, dado que a mesma foi concluída em 4 de dezembro de 2023 por oferta particular” (nossa tradução livre).

64. Ou seja, a subscrição/primeira aquisição das obrigações emitidas no âmbito da emissão regulada pelo «Contrato 2028» já tinha ocorrido, isto é, anteriormente à sua admissão em bolsa, sendo que, a haver novas transmissões, quando e se vierem a ocorrer, e caso venha a ser cobrada alguma comissão bancária pela sua intermediação, a mesma já não poderá beneficiar da proteção conferida pela Diretiva 2008/7/CE, uma vez que conforme resulta claro da jurisprudência constante do TJUE sobre esta matéria, só a subscrição/primeira aquisição dos novos títulos em mercado aberto após a sua emissão deve ficar excluída de tributação.

65. Com efeito, como se diz no §§ 31 e 32 do Despacho C-416/22 “[a]ssim, já resulta, em substância, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, uma vez que uma emissão de títulos negociáveis só tem sentido a partir do momento em que esses mesmos títulos são adquiridos, uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão tributaria, na realidade, a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. O objetivo de preservar o efeito útil do artigo 5. °, n.º 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição de títulos efetuada no âmbito da sua emissão (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C656/21, EU:C:2022:1024, n.° 29 e jurisprudência referida).”.

66. Em consequência disto, todas as transmissões posteriores a uma subscrição/primeira aquisição de uma nova obrigação, desde que não implique a extinção definitiva da dívida que a mesma representa, pode ser tributada em conformidade com a alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º da Diretiva 2008/7/CE, conforme decorre do § 37 do Despacho C-416/22.

67. Assim sendo, e pelo até agora exposto, rejeita-se liminarmente a afirmação da Requerente no sentido de que “através desta (a Diretiva), o legislador europeu pretendeu, de forma clara e inequívoca, colocar em pé de igualdade todos os operadores que recorram a mercados primários e secundários para a obtenção de financiamento.”.

68. Na realidade, a intenção do legislador europeu foi proteger o acesso e reunião de capitais realizada em mercado primário aberto, que é por definição e natureza o único mercado onde podem ocorrer operações de emissão e subscrição dos novos valores mobiliários emitidos.

69. Com efeito, quando falamos em mercado secundário falamos em transmissões (independentemente da forma como se processem, incluindo a venda), subsequentes à emissão e subscrição /primeira aquisição de títulos negociáveis, operações que implicam a alteração da sua titularidade, e sobre as quais o legislador europeu confere expressamente autorização aos Estados-Membros para tributar, em conformidade com a alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º da Diretiva 2008/7/CE.

70. Ademais, nas operações em mercado secundário não existe uma verdadeira reunião de capitais, na medida em que a venda dos títulos já emitidos e em circulação não visa captar recursos financeiros para quem originalmente os emitiu, mas sim gerar rendimentos para os investidores que os detêm e os transmitem.

71. Por outro lado, do contexto do «Contrato 2028» também não resulta que a admissão destas obrigações à Bourse de Luxembourg representa-se uma “formalidade conexa”, isto é, uma obrigatoriedade legal, um ónus que não estava na disponibilidade da Requerente evitar, e sem o qual a reunião de capitais não se pudesse concretizar.

72. Nem que, constitui-se uma diligência comercial necessária, uma operação acessória integrada na operação de emissão e de subscrição/primeira aquisição dos referidos títulos, uma vez que as obrigações emitidas no contexto do «Contrato 2028», à data de admissão na Bourse de Luxembourg, já tinham sido, como acima referimos, todas subscritas por oferta particular encontrando-se já em circulação; isto é, encontravam-se em mercado secundário, mercado esse onde as comissões cobradas por serviços e operações de intermediação financeira não gozam da proteção da Diretiva, como temos vindo a dizer.

73. Ademais, se consultarmos o registo de movimentos destas obrigações desde a data da sua admissão à Bourse, verificamos que desde aquela data não há registo de nenhum movimento de compra e venda a elas associados, encontrando-se as mesmas, pura e simplesmente, parqueadas naquele mercado.

74. Decorre do explanado que – face aos contornos da emissão obrigacionista regulada pelo «Contrato 2028», que na realidade mais não é do que uma operação de financiamento materialmente idêntica a um mútuo bancário –, se admitíssemos a não sujeição desta comissão de intermediação e assessoria financeira a Imposto do Selo, estaríamos a defraudar o espírito da Diretiva, porquanto a Requerente conseguiria obter uma vantagem fiscal vedada a outras empresas sem condições para emitir títulos negociáveis de dívida, distorcendo dessa forma as condições de concorrência que a Diretiva procura salvaguardar, conforme decorre do seu Considerando 3.º.

75. Com efeito, estando-se perante uma oferta particular de subscrição, não se pode afirmar que haja sequer uma verdadeira entrada (colocação) em mercado, e não havendo entrada em mercado o Imposto do Selo liquidado sobre a sobredita comissão não pode ser considerado como um fator suscetível de distorcer as condições da concorrência ou constituir um entrave à livre circulação de capitais, pelo que, corolário lógico desta irrefutável constatação, é ser-lhe inaplicável a proteção conferida pela Diretiva, que visa precisamente salvaguardar a concorrência e a livre circulação de capitais no mercado aberto e comum europeu , objetivos que, face aos contornos desta operação em concreto, não se verificam.

76. Assim sendo, face à finalidade desta comissão que, na verdade, nada têm a ver com a colocação em mercado, isto é, junto do público investidor em geral, de novos títulos negociáveis, no caso, sob a forma de obrigações, na medida em que se tratou de uma oferta de particular de subscrição, deve o ato tribuário de autoliquidação de Imposto do Selo relativo à mesma, realizado pelo Haitong, no montante de 16.000,00 €, ser, de acordo com a jurisprudência que decorre do Despacho C-416/22, considerado compatível com a alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE.

77. Pelo que, contrariamente ao entendimento da Requerente, não padece esta autoliquidação de Imposto do Selo, efetuada com base no disposto na verba 17.3.4 da TGIS, de qualquer vício ou ilegalidade que a inquine.

 

 

2.2. Factos não provados

 

                  Não se provou que tivesse sido cobrado Imposto do Selo no montante de € 2.173,70 relativamente a comissões cobradas pelo Caixa Económica Montepio Geral.

Na verdade, entre os documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, bem como os que foram juntos com a reclamação graciosa, não se encontra qualquer factura nenhuma emitida pela Caixa Económica Montepio Geral.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.

 

3. Inutilidade superveniente da lide 

 

              A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da inutilidade superveniente da lide parcial, por terem sido revogadas parcialmente as liquidações de Imposto do Selo impugnadas.

              A Requerente foi notificada para se pronunciar e nada veio dizer.

              O objecto principal do processo arbitral são actos de liquidação de tributos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.

              O interesse em agir ou interesse processual, que é um pressuposto processual ou uma condição da acção que «consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção».( [1] ) Esse interesse tem de existir quando o processo se inicia, mas tem de manter-se ao longo dele, justificando a sua falta a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. ( [2])

              Se o Sujeito Passivo não se opõe à pretensão de que seja declara a inutilidade superveniente da lide parcial proposta pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sequência de anulação administrativa, o Tribunal Arbitral deve concluir pela inutilidade superveniente da lide parcial, quanto às liquidações de Imposto do Selo anuladas, pois, no âmbito de uma relação processual disponível, não pode substituir-se àquele na definição do seu próprio interesse.

              Sendo assim, tem de decidir-se a inutilidade superveniente parcial da lide quanto ao pedido de anulação das liquidações de Imposto do Selo Banco efectuadas pelo  Banco Comercial Português, S.A., a Caixa – Banco de Investimento, S.A., o Novo Banco, S.A., ActivoBank, S.A., o Banco Bic Português, S.A., o Banco de Investimento Global, S.A., o Banco Finantia, S.A., o Banco L.J, Carregosa, S.A., o Bankinter, S.A. – Sucursal em Portugal, o Best – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A., a Caixa Central – Caixa Centro de Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L., e a Caixa Geral de Depósitos, S.A., bem como a liquidação efectuada pelo Haitong Bank, S.A. relativamente ao »Contrato de 2027», como propôs a Autoridade Tributária e Aduaneira.

              Por isso, verifica-se uma excepção dilatória que é causa de extinção parcial da instância e implica a absolvição da Requerida da instância, na parte respectiva, nos termos dos artigos 277.º, alínea e), e 278.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

4. Matéria de direito 

 

              O objecto do presente processo fica, assim, restringido à liquidação de Imposto do Selo que a Requerente diz ter sido efectuada pela Caixa Económica Montepio Geral relativamente a comissões referentes ao Contrato de 2027, no valor de € 2.173,70, e à liquidação de Imposto do Selo no valor de € 16.000,00 efectuada pelo Banco Haitong, relativamente ao Contrato de 2028.

              

              4.1. Liquidação de Imposto do Selo pela Caixa Económica Montepio Geral

 

              A Requerente diz que foi cobrada a quantia de € 2.173,70, pela Caixa Económica Montepio Geral, a título de Imposto do Selo refere a comissões relacionadas com o Contrato de 2027.

              Como resulta da matéria de facto fixada, não provou tivesse sido cobrada essa quantia de Imposto do Selo.

              É sobre o Sujeito Passivo que recai o ónus de demonstrar os fundamentos em que assenta o pedido de pronúncia arbitral, inclusivamente identificar os actos impugnados e apresentar a respectiva prova, como se infere das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

              Assim, não se provando que tivesse sido praticado o referido acto de liquidação do valor de € 2.173,70 impugnado, improcede o pedido de anulação, na parte respectiva.

 

              4.2. Liquidação de Imposto do Selo pelo Banco Haitong no valor de € 16.000,00, referente a comissões relacionadas com o Contrato de 2028

 

              4.2.1. Fundamentação a atender 

 

              Antes de mais, importa esclarecer que a fundamentação a atender é a que a consta da decisão da reclamação graciosa e não a que consta do despacho de revogação parcial.

              Os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD decidem segundo o direito constituído (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), estando a sua actividade limitada à declaração da ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do mesmo diploma.

              O processo arbitral tributário é, assim, um meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), sendo, como este, um meio processual de mera apreciação da legalidade de actos, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

              No âmbito de um contencioso de mera legalidade, esta tem de ser apreciada com base no acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas na pendência do processo arbitral, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. 

              O que, de resto, se compreende à luz dos direitos de defesa ínsitos no princípio constitucional da tutela judicial efectiva (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4 da CRP), pois, se a Autoridade Tributária e Aduaneira tivesse invocado outros fundamentos na decisão da reclamação graciosa, a fundamentação do pedido de pronúncia arbitral poderia ser diferente e as provas que o Sujeito Passivo a trazer ao processo poderiam ser diferentes.

              Por isso, aquele direito à tutela judicial efectiva não permite que o Tribunal conheça de possíveis fundamentos dos actos impugnados que o sujeito passivo não teve oportunidade  de conhecer quando elaborou a sua impugnação e relativamente aos quais não teve oportunidade de utilizar todos os meios de defesa administrativos (reclamação graciosa, recurso hierárquico) e contenciosos (impugnação judicial e o pedido de constituição do tribunal arbitral) que a lei prevê, nas condições em que a lei atribui esses direitos.

              O que, aliás, também é imposto pelo princípio da separação de poderes (artigo 2.º da CRP) à face da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, :

– Sob pena de violação do princípio da separação de poderes e assumir-se como órgão de administração activa dos impostos, o tribunal não pode decidir sobre a manutenção de actos que deveriam ser anulados com base em fundamentação diferente da utilizada pela administração tributária (acórdão do STA de 1-6-2011, processo n.º 058/11);

 

– (...) o tribunal não pode introduzir diferentes filtros para escrutinar a legalidade dos actos impugnados ou recorrer a novos fundamentos para os manter na ordem jurídica, estando impedido de invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária, mais não resta do que anular os actos que constituem o objecto (imediato e mediato) da impugnação judicial (acórdão do STA de 31-1-2018, processo n.º 1157/17).

 

              Por isso, não pode a Administração Tributária, após a prática do acto, justificá-lo por razões diferentes das que constem da sua fundamentação expressa.

              Nos casos de actos que não foram praticados pela Administração Tributária, sujeitos a reclamação graciosa necessária [artigos 131.º do CPPT e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março], a fundamentação relevante para aferir a legalidade é a da respectiva decisão. 

              Nos casos em que uma decisão fundamentada da impugnação administrativa aprecia um acto sem fundamentação expressa (como sucede nos casos de reclamação graciosa de actos não praticados pela Administração Tributária), não se está perante uma situação em que o acto seja confirmativo, à face do preceituado no artigo 53.º, n.º 1, do CPTA, pois a liquidação não tem fundamentação originária emitida pela Administração Tributária. Por isso, está-se perante uma situação em que o acto subsiste na ordem jurídica após a decisão com a fundamentação que dela consta, como está ínsito no artigo 173.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015. ( [3] )

              Mas, também neste caso, não é relevante a fundamentação posterior ao acto que decidir a impugnação administrativa.

              Assim, neste caso, é à face da fundamentação da decisão da reclamação graciosa que há que apreciar a legalidade da auto-liquidação, sendo irrelevantes possíveis motivos de indeferimento que naquela não são invocados, designadamente os que apenas forem invocados na decisão de manutenção e na Resposta apresentada no processo arbitral. Designadamente, não é fundamentação relevante, tudo o que a Autoridade Tributária e Aduaneira diz na decisão de revogação e é ipsis verbis reproduzido na Resposta apresentada neste processo, que não consta da decisão da reclamação graciosa.

              

              4.2.2. Posições da Partes 

 

                  A verba 17.3.4 da TGIS, conjugada com o artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo, determina a sujeição a Imposto do Selo das seguintes operações:

 

“17 Operações financeiras:

(…)

17.3 – Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado:

(…)

17.3.4 – Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões - 4 %.”.

 

              A questão essencial que é objecto do processo, quanto à correcção aqui em causa, é a de saber se a cobrança de Imposto do Selo é incompatível com artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais.

              O artigo 5.º, n.º 2 da Directiva 2008/7/CE estabelece o seguinte:

2.   Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:

a) A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu;  

b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.

 

              No que concerne ao Contrato de 2028, foi cobrada pelo Banco Haitong uma comissão de € 400.000,00 com a designação «COMISSÃO AGENTE COLOCAÇÃO OBRIGAÇÕES Comissão relativa à prestação de serviços de organização, coordenação e colocação de "Obrigações Ligadas a Sustentabilidade A... 2023-2028", no montante global de €50.000.000», relativamente à qual foi liquidado Imposto do Selo no montante de € 16.000,00 (documento de página 20 do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

              Os fundamentos em que se baseia o indeferimento da reclamação graciosa, quanto a esta liquidação, são os seguintes, em suma: 

– a Requerente não se encontrava impedida por si só, de proceder diretamente à emissão e admissão à negociação de obrigações, beneficiando nesse caso, de forma inequívoca da não tributação em sede de imposto de selo;

– a Requerente solicitou os serviços de intermediação financeira de instituições de crédito, não procedendo diretamente à emissão de obrigações ou títulos -- apesar do Código das Sociedades o permitir - não podendo por isso considerar-se os encargos decorrentes de tais serviços de intermediação, maxime as comissões cobradas pelos Bancos contratados, estarem abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE;

– apesar de estarmos a falar de programas de papel comercial e empréstimos obrigacionistas, denominador comum aos contratos celebrados com os Bancos é o facto de se tratarem exclusivamente de ofertas particulares do emitente ora Reclamante, efetivadas por colocação direta do emitente junto desses mesmos Bancos, com a garantia de subscrição da totalidade do papel comercial ou das obrigações por parte desses mesmos Bancos;

– não se está a tributar o papel comercial nem as obrigações, seja pela sua criação/emissão (mercado primário), seja pela respetiva entrada/admissão à negociação (mercado secundário), mas tão-só a remuneração cobrada pelas instituições de crédito à Reclamante em consequência da prestação de um serviço de intermediação financeira;

– não pode, por isso, considerar-se que as alegadas comissões (acrescidas do devido Imposto do Selo) cobradas pelas instituições de crédito à Reclamante, decorrentes dos serviços financeiros por esta contratados, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE;

– as comissões cobradas remuneram apenas as atividades desenvolvidas pelas entidades financeiras, não constituindo contrapartida de qualquer emissão do papel comercial/obrigações ou de formalidades conexas, em que avulta o seu registo, a que se refere a alínea b) do n.° 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE;

– a expressão "formalidades conexas" reporta-se apenas às formalidades da operação de reunião de capitais propriamente dita (onde cabem, por exemplo, as operações de inscrição no livro registo, registos comerciais e publicações da deliberação de emissões) e não a outras operações, incluindo contratos, eventualmente acessórios, mas juridicamente distintos da emissão;

– os contratos de prestação de serviços de intermediação financeira tratam-se de contratos meramente acessórios e juridicamente distintos da operação de reunião de capitais propriamente dita que com ela não se confundem;

– face todo o exposto, conclui-se, quanto ao caso em apreço, que as comissões em análise se afastam do conceito de formalidades conexas previstas no n° 2 do artigo 5.° da Diretiva, e, preenchendo cumulativamente os elementos de natureza objetiva e subjetiva previstos na Verba 17 .3.4 da TGIS, em conformidade, estão sujeitas a imposto do selo por força do disposto no n° 1 do artigo 1° do CIS.

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

– as liquidações em questão foram efetuadas em violação da não sujeição prevista no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 18 de fevereiro, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais;

–  esta violação ocorre porque as comissões cobradas pelas instituições financeiras no âmbito de empréstimos obrigacionistas se enquadrarem inequivocamente no conceito de formalidades conexas previsto no referido artigo, sendo, portanto, uma realidade cuja sujeição a impostos indiretos se encontra proibida pela Diretiva;

– a não sujeição a impostos indiretos/proibição de tributação indireta das operações descritas nas alíneas a) e b), do n.º 2, do artigo 5.º da Diretiva é, pois, como resulta da própria redação da norma europeia, a regra geral, de largo espectro;

– regra essa que pode ser derrogada nos casos previstos no n.º 1 do artigo 6.º da Diretiva, entre os quais não se inclui a tributação em sede de IS, os encargos decorrentes dos contratos conexos com a emissão de obrigações cobradas pelas instituições crédito, enquanto intermediários financeiros;

– as comissões de intermediação financeira associadas às operações em apreço enquadram-se no conceito de formalidades conexas, conforme previsto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva;

– é entendimento do TJUE que a proibição de incidência de impostos indiretos sobre as operações de reunião de capitais deverá ser também aplicável às operações que devam se considerar parte integrante de uma “operação global” do ponto de vista da reunião de capitais;

– segundo a jurisprudência do TJUE, as contraprestações por serviços financeiros em operações de reuniões de capitais estarão não sujeitas a IS independentemente de a lei mandatar essa intervenção ou não, sendo a não sujeição plenamente aplicável mesmo quando esses serviços de intermediação financeira sejam contratados de forma voluntária;

– a obrigação (do pagamento de comissões pelos serviços) deverá ser encarada como uma formalidade conexa, pelo que o respetivo encargo deverá ser abrangido pela proibição de incidência de impostos indiretos – IS – consagrada na Diretiva;

– a jurisprudência do TJUE é obrigatória.

 

              No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto a esta liquidação,  reproduz ipsis verbis o que consta do despacho de revogação, que, como se referiu, constitui fundamentação a posteriori, irrelevante para apreciação da legalidade desta liquidação.

 

              4.2.3. Apreciação da questão 

 

              Como referem ambas as Partes, a questão em causa foi apreciada ela jurisprudência do TJUE.

              Sobre a interpretação do artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE, o TJUE tem vindo a pronunciar-se de forma consentânea com o entendimento defendido pela Requerente, como, de resto, é reconhecido essencialmente na decisão de revogação parcial.

              Assim, por Despacho de 19-07-2023, proferido no processo n.º C-416/22, refere-se, além do mais, o seguinte:

 

25      De acordo com o seu considerando 9, a referida diretiva tem por objeto excluir qualquer imposto indireto sobre as reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital. O mesmo considerando precisa que, em especial, não deve ser aplicado imposto do selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência.

 

26      Neste contexto, por um lado, o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, disposição relevante, em conformidade com a sua redação, no que se refere aos serviços de intermediação financeira relativos à subscrição de novas ações para efeitos de aumento do capital de uma sociedade de capitais, proíbe os Estados-Membros de sujeitarem a qualquer forma de imposto indireto, a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu.

 

27      Por outro lado, o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7, disposição relevante, em conformidade com a sua redação, no que se refere aos serviços de intermediação financeira relativos à subscrição de novas obrigações e à recompra de obrigações emitidas anteriormente por uma sociedade de capitais, proíbe a sujeição a qualquer forma de imposto indireto dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.

 

28      A este respeito, tendo em conta as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio, cumpre antes de mais salientar que o conceito de «formalidades conexas», que devem estar isentas de impostos indiretos, visa as eventuais atuações que uma sociedade de capitais é, por força da legislação nacional, obrigada a levar a cabo para proceder à criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dos títulos negociáveis em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de outubro de 1998, FECSA e ACESA, C-31/97 e C-32/97, EU:C:1998:508, n.ºs 21 e 22, e, por analogia, de 28 de junho de 2007, Albert Reiss Beteiligungsgesellschaft, C-466/03, EU:C:2007:385, n.ºs 52 a 54 e jurisprudência referida).

 

29      Todavia, serviços de intermediação financeira como os que estão em causa no processo principal estão relacionados com a substância das operações de reunião de capitais, pelo que não são abrangidos pelas «formalidades» a que se refere o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7.

 

30      No entanto, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 5.° da Diretiva 2008/7 deve, tendo em conta o objetivo prosseguido pela mesma, ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições que prevê fiquem privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica-se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21, EU:C:2022:1024, n.° 28 e jurisprudência referida).

 

31      Assim, já resulta, em substância, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, uma vez que uma emissão de títulos negociáveis só tem sentido a partir do momento em que esses mesmos títulos são adquiridos, uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão tributaria, na realidade, a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. O objetivo de preservar o efeito útil do artigo 5.°, n.° 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição de títulos efetuada no âmbito da sua emissão (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21, EU:C:2022:1024, n.° 29 e jurisprudência referida).

 

32      Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou que a transmissão da titularidade de ações, exigida pelo direito nacional, unicamente para efeitos de uma operação de admissão dessas ações à cotação em bolsa e sem consequências sobre a propriedade efetiva das mesmas, deve ser vista apenas como uma operação acessória, integrada nessa operação de admissão, a qual, em conformidade com o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, não pode ser sujeita a qualquer forma de imposto (v., por analogia, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C-573/16, EU:C:2017:772, n.° 36).

 

33      Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça já esclareceu que o artigo 11.°, alínea b), da Diretiva 69/335, disposição cuja redação era idêntica à do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7, que revogou a Diretiva 69/335, devia ser interpretado no sentido de que a proibição de sujeitar um empréstimo obrigacionista ao imposto se opõe igualmente à tributação de todas as formalidades conexas, incluindo o ato notarial obrigatório para registar o reembolso desse empréstimo (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 1998, FECSA e ACESA, C-31/97 e C-32/97, EU:C:1998:508, n.ºs 19, 21 e 22).

 

34      Ora, uma vez que os serviços de colocação em mercado de novas ações para efeitos de aumento do capital social ou de novas obrigações apresentam, à semelhança das operações e das formalidades referidas pela jurisprudência recordada nos n.ºs 31 a 33 do presente despacho, uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação dos referidos títulos, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais em causa (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21, EU:C:2022:1024, n.° 31).

 

35      Por conseguinte, o facto de dar a conhecer junto do público uma oferta de títulos negociáveis, como ações e obrigações, de identificar e contactar potenciais compradores, de responder às suas questões e de negociar com eles ou, em alternativa, de comprar por conta própria esses títulos constitui uma diligência comercial necessária e que, nessa medida, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação dos referidos títulos (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21, EU:C:2022:1024, n.° 33).

 

(...)

41      Além disso, uma vez que a aplicação do artigo 5.°, n.° 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de intermediação financeira com essas operações de emissão e de colocação em circulação dos títulos em causa, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de colocação em mercado a terceiros em vez de as efetuar diretamente (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21, EU:C:2022:1024, n.° 34).

 

42      A este respeito, há que recordar, por um lado, que esta disposição não faz depender a obrigação de os Estados-Membros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista de uma reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21, EU:C:2022:1024, n.° 35 e jurisprudência referida).

 

 

              Nesse Despacho, o TJUE respondeu às questões colocadas em reenvio prejudicial, nestes termos:

O artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a várias entidades bancárias às quais confiou serviços de intermediação financeira para efeitos, primeiro, de publicação de ofertas para recompra ou compra de obrigações que impliquem a extinção definitiva da dívida que essas obrigações representam, segundo, de colocação em mercado e subscrição de novas obrigações e, terceiro, de subscrição de novas ações com vista ao aumento do seu capital social, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária.

 

 

              Da citada jurisprudência resulta, em síntese e com interesse para os autos, que:

a) a cobrança de imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a várias entidades bancárias às quais confiou serviços de intermediação financeira relacionados com a colocação em mercado e subscrição de novas obrigações viola o artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (Decisão);

b) a proibição de tributar de forma indirecta tais serviços de intermediação financeira abrange igualmente a tributação das formalidades conexas a tais serviços (n.º 27);

c) para o efeito, é indiferente que a sociedade de capitais (entidade emitente dos títulos) seja obrigada a recorrer a serviços de um terceiro ou se optou por recorrer aos mesmos de forma voluntária (Decisão);

d) sendo ainda indiferente, para o efeito, que os títulos negociáveis sejam colocados em mercado junto do público ou , em alternativa, a entidade bancária adquira tais títulos por conta própria (n.º 35).

 

              No mesmo sentido, decidiu o TJUE no Despacho proferido na mesma data no processo C-335/22, relativamente às comissões relacionadas com a colocação no mercado da generalidade de títulos negociáveis, «como obrigações e papel comercial de novas emissões», o que é o caso das cobradas no âmbito do Contrato 2028:

 

O artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais,  deve ser interpretado no sentido de que:  se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a uma entidade bancária à qual confiou a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões,  independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária..”

 

              No caso em apreço, resulta da matéria de facto fixada que as comissões cobradas pelo Banco Haitong se reportam a serviços de intermediação na colocação de obrigações que deveriam ser integradas na Central de Valores Mobiliários e admitidas à negociação no Bourse de Luxembourg, pelo que se está perante uma situação directamente enquadrável na jurisprudência referida.

              A eventualidade de o Banco Haitong ter optado por adquirir tais obrigações não afasta a proibição, como se refere no n.º 35 do Despacho de 19-07-2023, proferido no processo n.º C-416/22.

              Nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático». 

              O reenvio prejudicial está previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b) , do Tratado da União Europeia (TUE) e no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), e é, em princípio, obrigatório quando uma questão sobre a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.

              Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial previsto nos artigos 19.º,  n.º 3, alínea b) do TUE e 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593). 

              Assim, aplicando a referida jurisprudência do TJUE, conclui-se que é ilegal, por violação do artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008 a liquidação de Imposto do Selo no montante de € 16.000,00, relativamente à comissão no valor de € 400.000,00 cobrada pelo Banco Haitong pelos serviços prestados no âmbito do Contrato 2028.

              Essa ilegalidade justifica a anulação da referida liquidação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.  

               

              5. Reembolso da quantia paga indevidamente e juros indemnizatórios

              

              A Requerente pede o reembolso das quantias pagas indevidamente, com juros indemnizatórios.

              Para além das quantias pagas relativamente às liquidações que foram anuladas administrativamente, a Requerente tem direito a reembolso da quantia de € 16.000,00 paga  relativamente à comissão cobrada pelo Banco Haitong pelos serviços prestados no âmbito do Contrato 2028.

              Relativamente a juros indemnizatórios, o Supremo Tribunal Administrativo, nos acórdãos do Pleno de 29-06-2022 e de 22-11-2023, processo n.º 125/23.4BALSB, uniformizou jurisprudência sobre juros indemnizatórios nos casos de retenção na fonte impugnados através de reclamação graciosa, nestes termos:

 

        Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a reclamação graciosa do acto tributário em causa, o erro passa a ser imputável à AT depois do indeferimento tácito ou, se anterior, do indeferimento expresso do mesmo procedimento gracioso, sendo a partir da data desse indeferimento que se contam os juros indemnizatórios que sejam devidos, nos termos do art. 43.º, n.ºs 1 e 3, da LGT.

 

                  Esta jurisprudência é transponível para os casos de reclamação graciosa de actos de liquidação praticados por entidades estranhas à Administração Tributária.

 No caso em apreço, a reclamação graciosa foi apresentada em 26-11-2024 e foi indeferida em 31-12-2024, dentro do prazo legal previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT, pelo que a partir de 01-01-2025, começam a contar-se juros indemnizatórios, relativamente à quantia de € 16.000,00,

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde 01.01-2025 até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

6. Decisão            

 

                  De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)     Julgar procedente a excepção de inutilidade parcial superveniente da lide, com excepção das liquidações de Imposto do Selo referentes à Caixa Económica Montepio Geral, no valor de € € 2.173,70, e Banco Haitong referente ao Contrato 2028, no valor de € 16.000,00; 

b)    Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à  liquidação de Imposto do Selo referentes à Caixa Económica Montepio Geral, no valor de € € 2.173,70 e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido respectivo;

c)     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à liquidação de Imposto do Selo no valor de € 16.000,00 efectuada pelo Banco Haitong na factura ... /0090100528, de 07-12-2023 (que consta da página 20 do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral) e anular esta liquidação e a decisão da reclamação graciosa na parte respectiva;

d)    Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de reembolso, relativamente à referida quantia de € 16.000,00 e improcedente quanto ao pedido de reembolso da referida quantia de € 2.173,70;

e)    Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos do ponto 5 deste acórdão.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 79.052,25, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 2,75% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 97,25%.

 

 

Lisboa, 27-10-2025

 

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Relator)

 

 

 

(Jorge Carita)

 

 

(Carla Almeida Cruz)

 

 

 



[1] ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 170.

[2] ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 179.

[3] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 06-10-1999, processo n.º 023379, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-09-2002, página 3102; de 29-05-2002, processo n.º 047541, publicado em Apêndice ao Diário da República 10-02-2004, página 4047; de 12-12-2002, processo n.º 047699; de 18-12-2002, processo n.º 048366; de 06-05-2020, processo n.º 512/10.8BEPRT.