Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 217/2025-T
Data da decisão: 2025-10-30  IMT  
Valor do pedido: € 3.917,35
Tema: IMT; Erro sobre os pressuposto de facto.
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SUMÁRIO: 

 

Tendo a liquidação por pressuposto a transmissão de lote de terreno para construção urbana e sendo a realidade física existente e efetivamente transmitida  um prédio habitacional em condições  muito deficientes de habitabilidade, ocorre erro nos pressupostos de facto, gerador de ilegalidade, ainda que o erro tenha tido origem em declaração modelo  1 de IMI apresentada  por anterior proprietário do imóvel e em   escritura publica de compra e venda  (posteriormente retificada) outorgada pela Requerente, na qualidade de compradora. 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1. No dia 5.03.2025,  a Requerente, A..., Lda., titular do NIPC..., com sede na Rua ..., n.º...,  ..., ..., ...-..., Coimbra, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, indicando como  objeto do pedido de pronúncia arbitral o “ato tributário de liquidação adicional nº 2023 ..., de 2023/06/05, relativo ao IMT de imóvel ao qual foi dado destino diferente da revenda por iniciativa da requerente, e do qual resulta um valor de imposto acrescido de € 3.504,22, ao que acrescem juros de € 35,69 e custas de € 63,77, totalizando € 3.603,68, (…). Esse valor ascendeu a € 3.917,35 até à compensação feita em agosto de 2024.”

Alega ainda ter apresentado reclamação graciosa,  que esta foi indeferida  e que, contra esta decisão, interpôs recurso hierárquico, que também foi  indeferido.

No pedido no presente processo  a  Requerente requer “a anulação dos atos tributários, designadamente do Despacho que indeferiu a o Recurso Hierárquico, o Despacho que indeferiu a Reclamação Graciosa, e o ato de liquidação adicional, todos supra identificados, bem como a devolução do valor compensado e restituição das custas devidas.”

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 14.05.2025.

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:

 

a.     Em 13/02/2001, no Cartório Notarial de ... foi celebrada a Escritura de partilha dos bens do casal dissolvido por óbito de B..., sendo que um dos bens partilhados foi a “Casa de habitação de rés do chão” inscrito na matriz sob o artigo número ..., tendo ficado como proprietário o herdeiro C... .

b.     Depois dessa data, C... dirigiu-se à Repartição de Finanças de ... para questionar sobre qual o procedimento para doar o referido artigo ao seu filho D..., uma vez que este, desde meados de 2008, tinha contratado arquiteto para elaborar projeto de construção para o local do referido imóvel, que iria ser demolido quando fosse iniciada a construção. Foi informado que deveria atualizar as áreas do artigo, entregando um Modelo 1, o que fez de imediato em conjunto com o Técnico da Repartição de Finanças. 

c.     Este Técnico da Autoridade Tributária indicou a C... que, como a Casa de Habitação existente iria ser demolida, se colocaria logo como “Terreno para Construção”, tendo assim sido alterado o número da matriz para U-... .

d.     Em 17/02/2009, no Cartório Notarial de ...foi celebrada a Escritura de Doação, no qual C... e esposa doaram ao seu filho D... o referido imóvel.

e.     O pedido de licenciamento relacionado com o projeto para construção de moradia apresentado foi deferido pelo Município de ..., mas mais tarde D... desistiu de construir a moradia e a casa de Habitação existente não chegou a ser demolida.

f.      Em junho de 2021 foi constituída a sociedade A..., cujos sócios são C... e os seus dois filhos E... e D... tendo por objeto, além do mais,  “compra e venda de bens imobiliários”.

g.     No dia 30/12/2022 a sociedade adquiriu, entre outros artigos, o U-..., tal como se encontrava inscrito, com o propósito de revender, beneficiando assim da isenção de Imposto Municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (doravante  “IMT”).

h.     Entretanto, no mesmo dia, procurou-se retificar junto da repartição de finanças o tipo de prédio para Casa de Habitação novamente, mas o Técnico da Autoridade Tributária que o fez, fê-lo erradamente pois indicou duas situações incorretas:

A afetação como “7 – Prédios não licenciados, em condições muito 

deficientes de habitabilidade”

Uma data de conclusão das obras: 2022-12-30, quando não foram 

feitas quaisquer obras;

i.      Esta situação originou uma nova numeração do artigo, passando a ficar o nº ... na matriz.

j.      No dia 29/03/2023 a A... declarou (no e-balcão do portal das finanças) que pretendia atribuir um destino diferente a alguns artigos que beneficiaram de isenção de IMT: U-... e R.... O destino agora pretendido prende-se com a intenção de remodelar, renovar, restaurar e reparar o imóvel urbano existente para habitação, pelo que solicitou a emissão da guia de pagamento do IMT. 

k.     No dia 30/03/2023 a Autoridade Tributária (AT) liquidou o IMT do artigo U... com taxa de 6,5% considerando um “Terreno para Construção” e não uma Casa para Habitação com mais de 80 anos, cuja taxa seria de 1%;

l.      Em 31/08/2023 foi celebrada  escritura publica  de retificação  da  realizada em 30.12.2022, no sentido do imóvel passar a constar como casa de habitação e não lote de terreno para construção.

m.   Em 9/8/2024 a Autoridade Tributária fez automaticamente a compensação do valor do IMT indevido, custas e juros (num total de € 3.917,35), com um valor de IRC que a requerente tinha como crédito.

n.     Em 18/09/2023 foi apresentado pela Requerente um requerimento pelo e-balcão,  solicitando  a  anulação da liquidação de IMT indevida dos 6,5%, relativamente à qual corria já o  processo executivo, que estava suspenso por ter sido aprovado um plano de pagamentos prestacionais, a anulação do plano de pagamentos prestacionais e a devolução do pagamento já efetuado a esse título, de € 103,22, tendo o requerimento sido tramitado como reclamação graciosa que foi indeferida  pela Requerida  do que a reclamante foi notificada em 31.10.2023.

o.     Em 30.11.2023 a Requerente apresentou recurso hierárquico que também foi indeferido, por despacho de 27.11. 2024, notificado em  5.12.2024.

p.     A Requerente entende que a liquidação não está  correta, uma vez que  a taxa aplicada deveria ter sido  de 1%, por se tratar de uma Casa de Habitação e não de lote de terreno para construção.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

a.     A Requerida entende que não assiste razão à Requerente, uma vez que se verifica a 

legalidade da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), nos termos da legislação aplicável e no contexto do negócio jurídico celebrado.

b.     No âmbito da sua atividade, em 30.12.2022, a Requerente adquiriu, entre outros, por escritura pública, ao seu sócio gerente, D... e à sua mulher F..., os seguintes imóveis:

a)     pelo preço de € 53.000,00, o prédio urbano, com destino terreno para construção inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho da ...;

b)    Pelo preço de € 500,00, o prédio rústico, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da freguesia de ..., concelho da ... .

c.     Aquando da aquisição dos referidos prédios, a Requerente declarou tratar-se de aquisição para revenda, pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 7º do CIMT, a operação ficou isenta de imposto, conforme Mod.1 de IMT n.º 2022/..., de 27.12.2022.

d.     Por esse motivo foi emitido o documento com o n.º ..., de 27-12-2022, a zeros, em conformidade com o disposto no artigo 7.º do Código do IMT, que consagra uma isenção de imposto pela aquisição de prédios para revenda.

e.     Em 30.12.2022, a Requerente apresentou uma declaração Mod.1 de IMI para inscrição do imóvel como casa de habitação, indicando a afetação como “Prédios não licenciados, em condições muito deficientes de habitabilidade”. 

f.      Posteriormente, no dia 29.03.2023, ou seja, decorridos 3 meses desde a aquisição dos imóveis, a Requerente declarou pretender atribuir um destino diferente a alguns dos artigos que beneficiavam de isenção de IMT, sendo eles: U-... e R-....

g.     Nessa sequência, nos termos do n.º 5 do artigo 11º do CIMT —que prevê a perda da isenção quando os prédios adquiridos para revenda sejam afetos a outro fim ou não sejam revendidos no prazo legal —, a Requerente solicitou a respetiva liquidação de imposto. Esta foi efetuada a 30.03.2023, dando origem à liquidação n.º ... .

h.     Em 17.07.2023, o artigo urbano, que desde 2008 se encontrava inscrito como “Terreno para Construção”, foi inscrito na matriz respetiva sob o artigo ..., com a inscrição “7 – Prédios não licenciados, em condições muito deficientes de habitabilidade”.

i.      Em 28.07.2023 foi solicitada pela Requerente uma nova liquidação de IMT (liquidação n.º ... de 28.07.2023, no valor de € 555,00), relativamente ao mesmo prédio, agora com o novo artigo matricial atribuído, tendo a Requerente declarado, nesta ocasião, que o imóvel se destinava a habitação. 

j.      A Requerente juntou, ainda, uma retificação do título aquisitivo, datado de 31.08.2023, na qual se declarou que: 

imóvel foi anteriormente transmitido como terreno para construção uma vez que tinham a intenção de proceder à demolição do mesmo, para posterior construção, mas a demolição não ocorreu, continuando a ser composto por casa de habitação de rés-do-chão, pelo que assim se retifica o título aquisitivo inicial.”

k.     Consta ainda, dos documentos anexos à retificação, que o imóvel foi classificado como “prédio em ruínas” para efeitos da exclusão da aplicação do sistema de certificado energético. 

l.      Pelo que, com tal inscrição não consegue a Requerente provar que tal imóvel seria afeto à habitação.

m.   Com base nos elementos constantes das matrizes prediais, verifica-se que, até 30.12.2022, o prédio se encontrava inscrito como “terreno para construção” tendo, posteriormente, passado à afetação de “prédios não licenciados, em condições muito deficientes de habitabilidade”.

n.     Assim, tratando-se de um prédio enquadrável na categoria de “outros” nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 6º do CIMI, não é possível qualifica-lo como prédio habitacional, por não dispor de licença para tal fim e o seu estado de degradação inviabilizar a utilização normal como habitação. 

o.     Nos termos do n.º 5 do artigo 46º do Código do IMI, o valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros”, é determinado como se tratasse de terreno para construção, de acordo com a deliberação da Câmara Municipal competente, o que se verifica no caso em apreço, conforme resulta da ficha de avaliação respetiva.

p.     Desta forma, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 17º do Código do IMT, que se refere à “Aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente à habitação, não abrangido pela alínea anterior”, verifica-se que o imóvel objeto do caso em apreço não se enquadra nessa categoria, uma vez que não se destina exclusivamente a habitação.

q.     por força do artigo 46º do Código do IMI, integra a categoria de “outros prédios urbanos” subsumível à alínea d) do n.º 1 do artigo 17º do Código do IMT, sendo, por isso, corretamente tributado à taxa de 6,5%. 

r.      Cumpre ainda salientar o disposto no artigo 18º do Código do IMT sob a epígrafe “aplicação temporal das taxas”: 

“1 - O imposto será liquidado pelas taxas em vigor ao tempo da ocorrência do facto tributário.

2 - Se ocorrer a caducidade da isenção, a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data da liquidação.

3 - Quando, no caso referido no número anterior e após a aquisição dos bens, tenham ocorrido factos que alterem a sua natureza, o imposto será liquidado com base nas taxas e valores vigentes à data da transmissão.”

s.     Ora, tendo o imóvel, à data de transmissão, natureza possível de ser enquadrada na alínea d) do n.º 1 do artigo 17º CIMT, a liquidação de imposto teria, forçosamente, de ser efetuada com base nessa taxa, conforme se encontra devidamente fundamentado no despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa.

t.      No que respeita à escritura de retificação, importa referir que a mesma em nada altera a 

afetação do prédio urbano, o qual continua a ser considerado um imóvel em ruínas, pelo que se mantém a aplicabilidade da taxa de 6,5%m já anteriormente liquidada.

u.     A própria Requerente reconhece, na retificação do objeto do imóvel, que este se encontra em estado de ruína, circunstância essa que justificaria a impossibilidade de apresentação do certificado energético, tal como previsto legalmente para prédios habitacionais.

v.     O ato de liquidação aqui impugnado foi praticado em conformidade com as normas legais aplicáveis, não padecendo de qualquer vício de ilegalidade, pelo que deverá ser mantido integralmente na ordem jurídica.

 

5. Verificando-se a inexistência de  qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada  a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.

 

6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

7. Cumpre solucionar  as seguintes questões:

1) Ilegalidade da Liquidação 

2) Devolução do valor alegadamente  compensado.

 

II – A matéria de facto relevante

 

8. Com relevância para decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

 

8.1. Em 13/02/2001, no Cartório Notarial de ... foi celebrada a Escritura de partilha dos bens do casal dissolvido por óbito de B..., sendo que um dos bens partilhados foi a “Casa de habitação de rés do chão” inscrito na matriz sob o artigo número U-..., tendo ficado como proprietário o herdeiro C... .

8.2. Depois dessa data, C... dirigiu-se à Repartição de Finanças de ..., entregando um Modelo 1, no qual o prédio foi designado como “terreno para Construção”, o que não correspondia à realidade uma vez que o prédio continuava a constituído por uma Casa de habitação de rés do chão,   tendo nessa sequência  sido alterado o número da matriz para U-... .

8.3. Em 17/02/2009, no Cartório Notarial de ... foi celebrada a Escritura de Doação, no qual C..., e esposa, doaram ao seu filho D... o referido imóvel.

8.4. No dia 30/12/2022 a Requerente que tem como  objeto social, além do mais,  a  “Compra e venda de bens imobiliários”  adquiriu, por compra,  o prédio inscrito na matriz sob o  artigo U-...,  tendo manifestado o propósito de o  revender, beneficiando assim da isenção de IMT.

8.5. Em 30.12.2022, a Requerente apresentou uma declaração Mod.1 de IMI para inscrição do 

imóvel como casa de habitação, tendo sido indicada como afetação  “Prédios não licenciados, em condições muito deficientes de habitabilidade”, tendo o prédio passado a ficar inscrito   na matriz sob o  artigo número ... .

8.6. No dia 29/03/2023 a A... declarou (no e-balcão do portal das finanças) que pretendia atribuir um destino diferente da revenda ao imóvel referido no ponto que antecede, pelo que solicitou a emissão da guia para  pagamento do IMT.

8.7. No dia 30/03/2023 a Autoridade Tributária efetuou a  liquidação de IMT nº ... referente ao artigo U... com taxa de 6,5% considerando um “Terreno para Construção”, conforme constava da matriz e não uma Casa para Habitação, do qual resultou um valor a pagar de  €  3470, 00.

8.8. Em 31/08/2023 foi celebrada  escritura publica  de retificação  da  realizada em 30.12.2022, constando da mesma, além do mais, o seguinte:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

8.9. Desta escritura publica consta ainda que foi arquivada:

 

 

 

G...

 

8.10. Em 18/09/2023 foi apresentado pela Requerente um requerimento pelo e-balcão,  solicitando  a anulação da liquidação de IMT objeto do processo, anulação de plano de pagamentos prestacionais e a devolução do pagamento de € 103,22, tendo o requerimento sido tramitado como reclamação graciosa que foi indeferida  pela Requerida, decisão  de que a reclamante foi notificada em 31.10.2023.

8.11. Consta dos fundamentos da decisão mencionada no ponto que antecede, além do mais, o seguinte:

 

 

 

 

 

H...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

8.12. Em 30/11/2023, a Requerente apresentou recurso hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação graciosa.

8.13. O  recurso hierárquico  foi indeferido por despacho de 27.11. 2024, notificado em  5.12.2024, constando da fundamentação da decisão, designadamente,  o seguinte: 

 

 

 

 

 

 

H...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Com interesse para a decisão da causa, não se  provou que a compensação alegada pela  Requerente, na qual foi compensado um seu  crédito de IRC,  o tivesse sido  com a dívida fiscal resultante da liquidação de IMT objeto do processo, custas e juros.

 

9. No que respeita ao valor da liquidação há que referir que a Requerente não juntou o documento comprovativo da liquidação mas sim documento comprovativo  de citação, no qual não é individualizado o valor da liquidação.  A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto provada referente a este ponto, resulta  do indicado pela Requerida em sede de decisões  de reclamação graciosa e recurso hierárquico e do resultado da aplicação da taxa de 6,5 % ao valor da venda (€53.000,00), que confirma tal valor.

No que respeita à restante matéria considerada provada, a convicção do tribunal alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes, sendo ainda que dos articulados apresentados emerge concordância das partes relativamente a tal matéria.

 

No que respeita ao facto não provado, a decisão do tribunal resulta do documento junto pela Requerente como doc. nº 22, único elemento de prova invocado relativamente ao facto em questão e  do qual consta o seguinte:

 

 

 

 

 

 

De tal documento, contrariamente ao alegado pela Requerente, não consta que a dívida da Requerente compensada tenha sido de IMT, constando no que respeita ao valor de € 3917,35,  relativamente   à coluna referente ao imposto  em dívida  “IRC” e não “IMT” e no que se refere ao período “2023-01-01 a 2023-12-31”.

 

 

-III- O Direito aplicável

 

10.  Resulta da  matéria de facto provada  que foi tributado em sede de IMT a transmissão dum lote de terreno para construção urbana, quando o imóvel transmitido não consistia nessa realidade, mas sim num prédio “em condições muito deficientes de habitabilidade”, de acordo com o que o consta da atual inscrição matricial.

 

Há que observar  que o erro da liquidação é da responsabilidade da Requerente que declarou a aquisição dum lote de terreno para construção urbana, quando o imóvel transmitido tinha natureza diferente.

E não colhe a tese de que, a montante, o erro da inscrição matricial foi de errada indicação de funcionário da  Requerida, quando na realidade resultou —como não podia deixar de ser— duma declaração de IMI apresentado pelo proprietário. Acresce que, não foi sequer  esboçado qualquer esforço probatório no sentido de demonstrar que o erro resultou de indicação de técnico da autoridade tributária.

 

Sem prejuízo do que fica dito, afigura-se  que o direito fiscal visa tributar a capacidade contributiva, de acordo com a verdade material e a justiça e não a sancionar comportamentos.

E a esta luz, há que ponderar que a realidade que efetivamente existia à data do facto tributário, e sobre que incidiu o imposto em causa, era uma casa destinada a habitação, em ruínas para efeito de dispensa de certificado energético, e não um lote de terreno para construção urbana.

 

Os factos essenciais supra referidos não foram objeto de qualquer discordância por parte da Requerida.

Não havia lote de terreno para construção urbana quando o mesmo foi inscrito na matriz, assim como não havia quando ocorreu o facto tributário. O que havia era uma casa de habitação.

A discrepância  foi objeto de  comunicação à Requerida que não a contestou, vindo posteriormente a aceitar a retificação da inscrição matricial para “prédio  não licenciado em condições muito deficientes de habitabilidade”

 

Vem  a Requerida sustentar nas decisões da reclamação graciosa e do RH que o prédio não é habitacional mas sim da categoria “outros”, em função da “deficiente habitabilidade” e da circunstância de que  para efeitos de dispensa de certificado energético ter sido declarado em ruínas pelo respetivo perito.

Esta posição não pode ser acolhida por duas ordens de razões.

 

A primeira é que, como é consabido,  a legalidade do ato tributário tem se ser aferida face à sua fundamentação. A liquidação teve como fundamentação de facto o pressuposto do imóvel consistir num lote de terreno para construção urbana e não um prédio da categoria “outros”.

 

Em segundo lugar, um prédio em condições muito deficientes de habitabilidade não deixa de ter  como destino normal este fim ainda que, para tanto, necessite de obras de restauro e enquanto assim não for, as condições de habitabilidade sejam muito deficientes.

 

Acresce  que o art. 3º, al. g), do Dec. Lei nº 101-D/2020, DE 7 de Dezembro, ao abrigo do qual foi produzida a declaração para efeitos de dispensa de certificado energético,  sob a epigrafe definições, tem o seguinte teor:

“ «Edifício em ruínas», o edifício existente cujo nível de degradação da sua envolvente prejudica a utilização a que se destina, tal como comprovado por declaração da respetiva câmara municipal ou da Direção-Geral do Tesouro e Finanças, no âmbito das respetivas atribuições, ou, no âmbito exclusivo da certificação energética, por declaração provisória do SCE emitida pelo PQ nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 20.º”

Daqui resulta que, para que o edifício seja considerado em ruínas, não é imperioso que não seja possível a sua utilização para o fim a que se destina, mas apenas que o “nível de degradação da sua envolvente prejudica a utilização”.

 

Assim, o prédio em causa não se subsume na al. d) do nº 1, do art. 6º, do CIMI, continuando, diferentemente,  a subsumir-se na al. a), do mesmo número: prédio habitacional e era esta a realidade existente à data da transmissão objeto da tributação.

O facto tributário, tal como configurado pela AT, tendo como pressuposto de facto a transmissão dum lote de terreno para construção urbana, não ocorreu.

 

Pelas razões expostas, tendo sido liquidado imposto sobre a transmissão dum   prédio para construção urbana, o  que  não ocorreu, a liquidação em causa não se pode manter na ordem jurídica, não podendo deixar de ser anulada. 

 

Quanto à pretensão de devolução do valor alegadamente  compensado, tendo resultado não provada a compensação alegada improcede, manifestamente, esta pretensão da Requerente, sem prejuízo da observância do artigo 100º da Lei Geral Tributária em sede de execução de sentença.

 

-IV- Decisão

 

Assim, decide o Tribunal arbitral:

a)     julgar parcialmente  procedente o pedido de pronúncia arbitral, decretando-se a ilegalidade e consequente  anulação do ato tributário de liquidação  impugnado, no montante de € 3470,00. 

b)    Anular as  decisões incidentes sobre a reclamação graciosa e o recurso hierárquico.

c)     Julgar improcedentes os demais pedidos formulados.

 

Valor da ação: €  3.917,35 (três mil novecentos e dezassete euros e trinta e cinco cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem. 

 

Custas, no valor de € 612,00, por Requerente e Requerida, na proporção de 11,4  % para a primeira e 88,6 % para a segunda, , nos termos do nº 4, do art. 22º,  do RJAT.

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 30.10.2025

 

                                O Árbitro

 

                               Marcolino Pisão Pedreiro