SUMÁRIO:
1. A CESE tem por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um património autónomo para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético, o Fundo Ambiental, criado pelo Decreto-Lei n.º 42-A/2016.
2. Não viola o princípio da equivalência a incidência da CESE do exercício de 2022 sobre empresas que, ainda que a título secundário, nos termos do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23/8, exerçam, em regime de cogeração, a atividade de produção de eletricidade de origem eólica, geotérmica ou solar, abrangida pelo regime jurídico e remuneratório criado pelo Decreto-Lei n.º 23/2010, de 25/3, e, por isso, beneficiando dos ajustamentos tarifários previstos na Portaria n.º 140/2012, de 14/5, financiados pelo Fundo Ambiental.
3. Assim, a CESE de 2022 devida por esses produtores, diretamente resultante da sua opção por um regime de remuneração garantida, não pode deixar de ser considerada uma contribuição financeira a favor do Estado e não um imposto, não violando a sua exigência o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
1. A..., SA, ..., com sede na freguesia de ..., concelho da ..., n.º de identificação fiscal ... ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante abreviadamente designado por RJAT) e nosartigos 1.º, alínea a) e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, tendopor objeto a decisão de indeferimento, proferida pelo Diretor de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, querecaiu sobre a Reclamação Graciosa apresentada contra o ato de autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (“CESE”), referente a 2022, bem como contra esse mesmo ato de autoliquidação.
É Requerida AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT)
Tramitação processual
O pedido de pronúncia arbitral (PPA), no qual a Requerente não exerceu a faculdade de nomear árbitro, deu entrada e foi aceite a 24/2/2025, tendo sido nessa data notificado automaticamente à Requerida.
A 27 de fevereiro de 2025, o PPA seria notificado à Requerida.
A 18 de março de 2025, por delegação da Diretora-Geral da AT, o Diretor de Serviços da Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e do Contencioso designaria representantes processuais da Requerida os juristas ... e ... .
A 11 de abril de 2025, seriam juntas ao processo declarações dos árbitros auxiliares Amândio Silva e António Lima Guerreiro, ambas datadas de 7/3/2025, aceitando o encargo de nomeação para o presente Tribunal Arbitral.
Também a 11 de abril de 2025, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD nomearia Presidente do Tribunal Arbitral a Prof.ª Regina Almeida Monteiro que, a 8 de julho de 2025, aceitara o encargo.
A 2 de maio de 2025, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD procederia à constituição do Tribunal Arbitral.
Na mesma data, o Tribunal Arbitral notificaria a Requerida para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, se entender necessário, requerer, prova adicional e, dentro desse prazo, juntar o Processo Administrativo (PA).
A 9 de junho de 2025, a Requerida juntou a Resposta e o PA.
A 12 de junho de 2025, a Presidente do Tribunal Arbitral emitiria um despacho em que dispensou a prevista reunião no artigo 18.º do RJAT e facultando às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, contados da notificação do presente despacho, podendo a Requerente responder à exceção alegada.
Em 8 de julho de2025, a Requerente apresentou as suas alegações e respondeu à exceção invocada pela Requerida.
A Requerida não apresentou alegações.
2. Exceções
2.1. Da incompetência material do Tribunal
Da (in)competência material do tribunal Arbitral – da qualificação jurídica da
CESE
Da definição legal e regulamentar do CAAD
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
A Requerida suscitou a possível incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do presente pedido, baseando-se no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e no artigo 2.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março – que estabelecem a vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição do CAAD – fazendo notar que, nos termos desses preceitos, o objeto da vinculação se cinge à apreciação de pretensões relativas a impostos, com a necessária exclusão das contribuições financeiras.
Interessa, no entanto, para efeito da sujeição à jurisdição do CAAD, não a designação formal da espécie tributária em causa como contribuição ou imposto, mas a sua substância jurídica, à luz dos preceitos constitucionais aplicáveis.
Nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T, 520/2023-T, 675/2023-T, 863/2023-T, 294/2023-T, 101/2024-T, 164/2024-T e 596/2024-T, por exemplo, espécie análoga, a Contribuição para o Serviço Rodoviário (CSR) foi qualificada como uma mera “contribuição”, o que excluiria a sua qualificação como imposto e, consequentemente, a competência do Tribunal Arbitral para o conhecimento dos litígios relacionados com a sua liquidação e cobrança.
Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e 410/2023-T, que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º do RJAT.
De acordo com essa jurisprudência, não releva o “nomen juris” da espécie tributária em causa, mas se constitucionalmente é um imposto, uma taxa ou um “tertium genus”, como as demais contribuições financeiras a favor do Estado e outras entidades públicas.
Nessa medida, o Tribunal Arbitral é competente para o conhecimento da presente causa.
3. Posição das partes
3.1. Posição da Requerente.
A Requerente sustenta em primeiro lugar a ilegalidade do ato de autoliquidação da CESE de 2022, diretamente resultante da inconstitucionalidade da norma de incidência em que o mesmo se fundou.
Considera a Requerente que as alterações operadas pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, ao regime de afetação das verbas do atual Fundo Ambiental, ao qual se encontra consignada a receita da CESE, descaracterizaram o nexo paracomutativo entre certa categoria de sujeitos e as finalidades do tributo, a tal ponto que deixou de ser possível fundamentar a oneração do seu património resultante da incidência da CESE no princípio da equivalência.
Assim, na linha da declaração de voto do Conselheiro Almeida Ribeiro, expressa no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 338/2024, em que a Requerente se baseia, por força de tais alterações, a CESE deixou de constituir uma mera contribuição financeira a favor do Estado, para passar a ser um imposto, com a consequente desatualização da anterior jurisprudência desse Tribunal, iniciada pelo acórdão n.º 7/2019.
Deste modo, a incidência da CESE sobre os sujeitos titulares de centros eletroprodutores com recurso a fonte renovável, constante da alínea d) do artigo 2.º do Regime da CESE, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, comprovada que está a inexistência de relação entre o seu custo e a contrapartida recebida, constitui uma violação flagrante do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
A CESE tem por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir (i) para a redução da dívida tarifária e (ii) para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético, razão pela qual se procedeu simultaneamente à criação do FSSSE — Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético.
Inicialmente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 19 de abril, os recursos do FSSSE eram prioritariamente alocados ao financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética.
Em conformidade com esse fim, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º, as verbas do FSSSE deveriam ser alocadas de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
a) Cobertura de encargos decorrentes da realização do objetivo definido na alínea a) do artigo 2.º, no montante correspondente a dois terços da receita referida na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do referido Decreto-Lei, até ao limite máximo de € 100.000.000,00;
b) Cobertura de encargos decorrentes da realização do objetivo definido na alínea b) do artigo 2.º (redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional - SEN), mediante a receita obtida com a CESE prevista no artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, no montante remanescente.
Acrescenta o n.º 3 que o montante referido na alínea a) do número anterior inclui o montante referido na alínea b) do mesmo número.
Contudo, esta ordem de prioridades foi invertida pelo mencionado Decreto-Lei n.º 109-A/2018, o qual veio alterar o n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 55/2014, anteriormente referido, passando esta norma a determinar que:
“As verbas do FSSSE são afetas aos seguintes fins:
i) Cobertura de encargos decorrentes da realização do objetivo definido na alínea a) do artigo 2.º, no montante até um terço da receita referida na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior;
ii) Cobertura de encargos decorrentes da realização do objetivo definido na alínea b) do artigo 2.º, no montante remanescente.”
Neste âmbito, acresce o n.º 4 do referido artigo, já modificado, que “A percentagem da alocação de verbas prevista na alínea a) do n.º 2 é definida por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da energia”.
Ou seja, onde se previa que dois terços da receita da CESE - que, por sua vez, integrava o FSSSE — seriam alocados ao pagamento de encargos incorridos com as políticas do setor energético relacionadas com medidas de eficiência energética, passou a prever-se que tal cobertura seria, apenas, até um terço da receita da CESE, competindo ao Governo a definição da percentagem efetiva de alocação da verba.
Assim, o Governo foi habilitado a decidir discricionariamente a percentagem da CESE a afetar às políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com a eficiência energética, entre 0% e 33%, quando anteriormente estava legalmente determinada a alocação de dois terços - ou seja, 66% - da receita total da CESE.
Acresce que não foi definido qualquer limite mínimo a afetar à prossecução das referidas medidas, pelo que, no limite, pode mesmo não haver qualquer alocação. Também não foram, por lei, estabelecidos critérios para proceder a tal afetação, tendo, em consequência, sido reconhecida total flexibilidade ao órgão definidor - o Governo.
Com efeitos, a 1 de janeiro de 2022, o Capítulo I do Decreto-Lei n.º 114/2021, de 15 de dezembro, determinou a incorporação, por fusão, do FSSSE no Fundo Ambiental, criado pelo Decreto-Lei n.º 42-A/2016, de 12 de agosto.
Com a fusão dos fundos, a repartição do produto da CESE não sofreu alterações face à que existia antes da redação aprovada pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018.
Assim, no que respeita ao ano de 2022 em causa, de acordo com o Despacho n.º 11334-A/2022, de 21 de setembro de 2022, a receita da CESE — no montante de € 125.000.000 — alocada como receita do Fundo Ambiental corresponde, por sua vez, na íntegra, ao montante destinado à alocação/transferência para o Sistema Elétrico Nacional (SEN).
A dívida tarifária do SEN não foi causada por todas as entidades do setor energético, mas apenas por algumas, e muito menos foi causada pelos produtores de eletricidade com recurso a fontes renováveis, motivo pelo qual a obrigação do seu financiamento não pode deixar de ser considerada um imposto - e um imposto discriminatório - dada a ausência de justificação da solução encontrada.
Neste contexto, entende a Requerente que, após a entrada em vigor da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018 - cujo regime se manteve após a fusão do FSSSE no Fundo Ambiental -, o tratamento igualitário conferido pelo regime jurídico da CESE a todos os sujeitos passivos do setor energético viola o princípio da igualdade, por tratar de forma igual situações que são materialmente diferentes.
Tal significa que a sujeição à CESE dos sujeitos passivos que detêm centros eletroprodutores com recurso a fonte renovável, em idênticos termos aos restantes sujeitos passivos do setor energético, ainda que condicionada à aplicação de um regime de remuneração garantida, nos termos da Lei nº 71/2018, de 31 de março, configura uma violação ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Este entendimento foi, igualmente, veiculado pela mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o regime jurídico da CESE. Em conformidade com essa argumentação, pretende a Requerente o pagamento de juros indemnizatórios.
Com efeito, estando em causa a anulação da autoliquidação justificada por um juízo de inconstitucionalidade, são devidos juros indemnizatórios, tais juros são devidos nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, a calcular desde a data do pagamento indevido do imposto até ao processamento da respetiva nota de crédito, como refere o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT, à taxa anual legalmente prevista de 4%.
3.2. Posição da Requerida.
A Requerida invoca, a favor da manutenção dos atos impugnados, a jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente os acórdãos n.ºs 63/2025, relativo à CESE de 2019; 65/2025, relativo à CESE de 2020; 68/2025, relativo à CESE de 2020; 164/2025, relativo à CESE de 2020; 253/2025, relativo à CESE de 2019; 333/2025, relativo à CESE de 2020; 425/2025, relativo à CESE de 2020; e 464/2025, relativo à CESE de 2019.
A CESE foi - e continua a ser - uniformemente qualificada juridicamente como contribuição financeira, não tendo a evolução normativa verificada a virtualidade de alterar essa qualificação jurídica, ainda que a Requerente não concorde, ou não lhe seja conveniente concordar, com uma qualificação jurídica já firmada no ordenamento jurídico-tributário.
A CESE mantém os critérios para ser considerada uma contribuição financeira, não se qualificando como imposto ou taxa.
A afetação ao FSSSE e as modificações legislativas supervenientes não afetaram a relação de benefício difuso entre os sujeitos passivos da CESE e o Fundo, o que justifica a qualificação da CESE como mera contribuição financeira a favor de uma entidade pública e não como imposto.
É verdade que o Acórdão do TC n.º 101/2023 julgou inconstitucional a incidência da CESE sobre empresas do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN) e consequentemente o regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), especificamente na parte em que incide sobre empresas concessionárias das atividades de transporte, distribuição ou armazenamento subterrâneo de gás natural. O fundamento principal dessa pronúncia foi a violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, que consagra o princípio da igualdade.
O Tribunal entendeu que essas empresas não contribuem diretamente para o problema da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN), nem beneficiam de forma objetiva das políticas sociais e ambientais financiadas pela CESE. Assim, a sua sujeição ao tributo não respeita os princípios da equivalência, da proporcionalidade e da capacidade contributiva, o que reforça a violação do princípio da igualdade tributária.
Este juízo de inconstitucionalidade, reconhece a Requerida, está diretamente relacionado com as alterações introduzidas pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 109-A/2018 ao Decreto-Lei n.º 55/2014, que estabeleceu o regime jurídico do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), posteriormente fundido no Fundo Ambiental.
O Tribunal Constitucional decidiria em oposição a esta jurisprudência inaugurada pelo Acórdão nº 101/2023, pelo Acórdão n.º 296/2023, a que se seguiria, no mesmo sentido, o n.º 372/2023, em que igualmente foi fiscalizado o quadro de incidência objetivo e subjetivo da CESE quanto a empresas do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN) no ano de 2018, tendo-se pronunciado no sentido da não inconstitucionalidade das alterações promovidas pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 109-A/2018.
Chamado a plenário para uniformizar a jurisprudência divergente, nos termos do n.º 1 do artigo 79.º-D da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro), o Tribunal Constitucional adotou o segundo sentido decisório (Acórdãos n.ºs 324/2024 e 325/2024), incorporando como fundamento o exposto no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 296/2023 e rejeitando a censura constitucional aventada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 101/2023.
É certo que, na jurisprudência do Tribunal Constitucional, surgiu supervenientemente uma terceira corrente (Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 338/2023, 720/2023 e, em plenário, n.ºs 381/2024 e 382/2024) que, embora aderindo à tese do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 101/2023, concluiu que o impacto do Decreto-Lei n.º 109-A/2018 no quadro normativo da CESE apenas teria sido refletido nos exercícios fiscais posteriores a 2018, incluindo o de 2022, a que respeita a autoliquidação controvertida.
A doutrina do Acórdão do TC n.º 101/2023 foi , nesse contexto, revisitada quanto ao lançamento da CESE sobre as empresas do Sistema Nacional de Gás Natural( SNGN) nos exercícios posteriores a 2018, surgindo novas decisões de inconstitucionalidade com fundamento na violação do princípio da igualdade (tributária) com relação aos lançamentos da contribuição sobre empresas do subsetor do gás natural nos anos de 2019 (Acórdãos do TC n.º s 197 /2024, 336/2024, 337 /2024, 475/2024 e 476/2024), 2020 (Acórdão do TC n.º 517 /2024) e 2021 (Acórdãos do TC n.ºs 515/2024 e 553/2024), mas que não teriam aplicação ao presente processo arbitral, em que está em causa a incidência da CESE sobre os sujeitos titulares de centros electroprodutores com recurso a fonte renovável , licenciados ao abrigo do DL n.º 172/ 2006 e não sobre as empresas do subsetor de gás natural, sendo apenas neste último caso, admite a Requerida, que teria cabimento a invocação do acórdão do TC nº 101/2023.
A qualificação da CESE como contribuição financeira assenta, portanto, na indiscutível relação funcional entre os obrigados tributários (operadores do setor energético, titulares de centros electroprodutores com recurso a fonte renovável, e não empresas concessionárias das atividades de transporte, distribuição ou armazenamento subterrâneo de gás natural) e a finalidade a que a contribuição está adstrita: o financiamento de um Fundo - o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), dedicado à implementação de políticas do setor energético de cariz social e ambiental que promovam a sua eficiência e estabilidade.
A Requerente carece, em absoluto, de razão, porquanto nem a temática relacionada com a pretensa ausência de competência do Tribunal Arbitral em razão da matéria é líquida, como a Requerente pretende fazer crer, nem o entendimento mais recente e comummente alvitrado pelo Tribunal Constitucional quanto à constitucionalidade do regime da CESE é o propugnado pela Requerente.
Exige-se, por fim, para que a AT incorra no dever de pagamento de juros indemnizatórios, que se verifique uma qualquer ilegalidade que denote o caráter indevido da prestação tributária à luz das normas substantivas, ilegalidade essa que terá de ser necessariamente imputável a erro dos serviços. Ora, as autoliquidações em causa não provêm de qualquer erro dos serviços, mas decorrem diretamente da aplicação da lei.
4. Saneamento
As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas.
Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e da alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, o pedido de pronúncia arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias contados a partir do indeferimento expresso da reclamação graciosa, no caso, comunicado por carta registada de 27-11-2024.
Nos termos do n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, já que os dois dias anteriores foram sábado e domingo, dias não úteis, o prazo iniciou-se no primeiro dia útil seguinte.
5. Matéria de facto
5.1. Factos provados.
a) A Requerente é uma sociedade anónima de direito português que pertence ao Grupo Altri e tem por objeto social principal a comercialização de pasta de papel, de fibra curta de elevada qualidade a partir do eucalipto, estando enquadrada, de acordo com os dados de natureza pública disponíveis, com o CAE 17110 (Quadro 4 da Declaração modelo 27 que constituí o Doc. 2 anexo ao PPA).
b) Em consequência da sua atividade principal, tendo em vista o aproveitamento da totalidade da árvore no processo de fabrico de pasta de papel, bem como a minimização dos desperdícios gerados, a Requerente dedica-se, como atividade secundária, à produção de energia, que utiliza no seu processo produtivo, em regime de cogeração, abrangido pela Portaria n.º 140/2012, de 14 de maio, estando essa atividade secundária enquadrada, também de acordo com os dados de natureza pública disponíveis, no CAE 35113.
c) A Requerente desenvolve a sua atividade, de acordo com os elementos que constam nomeadamente do Quadro 5 da Declaração modelo 27 - Doc. nº 2 anexo ao PPA, nos seguintes domínios: (i) Fabricação de pasta (CAE 17110 – atividade principal); (ii) Produção de eletricidade de origem térmica (CAE 35112), por intermédio de centros electroprodutores de cogeração renovável, tal como definido na alínea ff) do artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto; (iii) Produção de eletricidade de origem eólica, geotérmica, solar e de origem, n.e. (CAE 35113), sendo estas duas últimas atividades, ii) e iii), exercidas a título secundário.
d) A Requerente detém, para esses fins, entre outros ativos, uma central de cogeração (produção combinada de calor e eletricidade, nos termos do DL nº 23/2010, de 25 de março, com um gerador de 70.960kW, acionado por uma turbina a vapor de contra pressão, sendo o combustível constituído por licor negro, conforme previsto na licença de produção.
e) A 15 de julho de 2008, a Direção-Geral de Energia e Geologia emitiria a Licença de Produção n.º 1062, nos termos do Decreto-Lei n.º 68-A/2015, de 30 de abril, que limitaria a potência de injeção na rede pública a 30.000 kW. (Doc. nº 3 anexo ao PPA).
f) Deste modo, a Requerente é um sujeito passivo da CESE, nos termos do artigo 2.º do respetivo regime jurídico, não exercendo, no entanto, qualquer outra atividade sujeita a esta contribuição, para além das anteriormente referidas, não tendo sido nomeadamente provado que seja concessionária de qualquer atividade de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural ou outro tipo de energia, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho.
g) De acordo com a Cláusula 2º dessa Licença da Produção, a Requerente beneficia do Remuneração Garantida (PRG) regulado no DL nº 68-A/2015, de 30 de abril, que lhe garante uma compensação financeira mínima pela energia vendida independentemente das flutuações do preço de mercado, devida pelo Fundo Ambiental.
h) No cumprimento das suas obrigações fiscais declarativas, a Requerente submeteu, em 26 de julho de 2022, a declaração modelo 27 da CESE, relativa a esse mesmo ano, nos termos da legislação aplicável.
i) Na referida declaração, a Requerente indicou nos campos 01, 03 e 13 do quadro 5.4 o montante de € 8.760.482,96, relativo ao valor dos ativos fixos tangíveis afetos à produção de eletricidade, tendo apurado (e pago), por aplicação da taxa de 0,85%, um montante de CESE de € 74.464,11, conforme nota de liquidação n.º ... .
j) Por entender que o referido pagamento da CESE se encontra ferido de erro nos pressupostos de direito e, como tal, é ilegal, em 24 de outubro de 2024, a Requerente apresentou junto do ... Serviço de Finanças do concelho da Figueira da Foz Reclamação Graciosa dirigida à Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) contra o ato de autoliquidação de 2022, solicitando a sua anulação e o pagamento de juros indemnizatórios pela importância que considera ter pago indevidamente.
k) Em resposta à aludida Reclamação Graciosa, a Autoridade Tributária propôs, em 11 de novembro de 2024, o seu indeferimento com base nos argumentos reproduzidos no anterior 3.1.
l) Em 21 de novembro de 2024, a Requerente exerceu o respetivo direito de audição prévia, contestando os argumentos da Autoridade Tributária e solicitando a revisão do projeto de decisão, no sentido do deferimento da Reclamação Graciosa
m) A 24-02-2025, a Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral.
5.2. Factos dados como não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
5.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada e a convicção ficou formada pelo Tribunal Arbitral com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes e não contestados, bem como nos documentos juntos aos autos.
Ao abrigo da livre condução do processo, foram admitidos todos os documentos particulares ou oficiais pertinentes ao apuramento da verdade material, garantindo-se, assim, o pleno contraditório às partes. As informações do processo do procedimento administrativo foram consideradas nos termos do n.º 1 do artigo 76.º da Lei Geral Tributária, quando fundamentadas por critérios objetivos.
6. Matéria de direito
6.1. Objeto
Está em causa o referido indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente, nos termos do nº 1 do artigo 131º do CPPT, em 24/10/2024, autuada com o n.º ...2024..., da autoria do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, relativo à autoliquidação da Contribuição Extraordinária para o Setor Energético (CESE) referente ao exercício de 2022, no montante de € 74.464,11.
A Requerente solicitou, em conformidade, a restituição da CESE que considera ter indevidamente pago, mais os juros indemnizatórios que entende devidos.
O pressuposto processual da competência do Tribunal Arbitral depende da qualificação como imposto ou mera contribuição financeira a favor do Estado da CESE.
A Requerente sustenta que a CESE é um imposto, já que a sua regulamentação não respeitaria o princípio da equivalência, ao passo que a Requerida sustenta que a CESE, por não violar, em seu entender, o princípio da equivalência, é uma contribuição financeira a favor de uma entidade pública.
Para a primeira, as alterações operadas pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 109-A/2018 ao regime de afetação das verbas do atual Fundo Ambiental poriam em causa o princípio da equivalência, pressuposto da constitucionalidade da CESE.
A exigência da CESE constituiria uma oneração arbitrária e indevida do património da Requerente, não visando o financiamento de qualquer défice tarifário que, a existir, não teria sido causado pela Requerente, o que à partida excluiria a qualificação como contribuição financeira a favor do Estado.
Para a Requerente, tais alterações foram fundamentadas, citando o preâmbulo desse Decreto-Lei, não na necessidade de efetivar o princípio da equivalência, mas em hipotético juízo de que os critérios de alocação da receita da CESE, definidos no Decreto-Lei n.º 55/2014, com a experiência da sua aplicação, se teriam vindo a revelar demasiadamente rígidos, impedindo que, em cada ano, os valores alocados se pudessem ajustar aos objetivos do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE) que se mostrassem mais prementes.
Deste modo, ficou o Governo habilitado a decidir, de acordo com critérios de liberdade ou oportunidade, a percentagem de receita da CESE afeta ao financiamento, através do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), das políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, no intervalo de 0% a 33%, independentemente de qualquer vinculação ao princípio da equivalência.
Como se referiu, essa afetação anteriormente abrangia sempre dois terços dessa receita, até ao limite máximo de € 100.000.000,00, que agora deixou de ser definido estritamente em função de um montante pecuniário fixo.
Apenas o remanescente, ou seja, a parte da CESE não destinada, por despacho ministerial, ao financiamento das políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, continuaria afeto à redução do défice tarifário.
Assim, embora o legislador reconheça a necessidade de acelerar a diminuição da dívida tarifária, com os correspondentes benefícios para os consumidores, importaria alterar, de imediato, a repartição de verbas anteriormente estabelecida e, para o futuro, dotar os mecanismos existentes da flexibilidade necessária para que os membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da energia pudessem, sempre no âmbito dos objetivos que presidiram à criação do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), ajustar os valores a alocar ao financiamento de políticas do setor energético de cariz social ou ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, à melhor prossecução do interesse público, dentro do limite de um terço da receita da CESE.
Deste modo, ficou o Governo habilitado a decidir, de acordo com critérios de liberdade ou oportunidade incompatíveis com uma rígida vinculação ao princípio da equivalência, a percentagem de receita da CESE afeta ao financiamento, através do FSSSE, das políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, no intervalo de 0% a 33%.
Como se referiu, essa afetação anteriormente abrangia sempre dois terços dessa receita, até ao limite máximo de € 100.000.000,00, que agora deixou de ser definido estritamente em função de um montante pecuniário fixo.
O remanescente, ou seja, a parte da CESE não destinada por despacho ministerial ao financiamento das políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, continuaria afeto à redução do défice tarifário
O Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 677/2025, proferido em processo de fiscalização abstrata e sucessiva da constitucionalidade, por iniciativa do Ministério Público, nos termos do artigo 82.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, julgou inconstitucional a norma da alínea d) do artigo 2.º do Regime da CESE, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo Regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na redação em vigor em 2019, que se mantinha em 2022, não se tendo pronunciado, porque não lhe foi solicitado, sobre a incidência subjetiva da CESE sobre os centros electroprodutores de fonte renovável.
Indicaria o Ministério Público, no pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, que tal norma foi julgada inconstitucional pelos Acórdãos n.ºs 197/2024, 336/2024, 337/2024, 443/2024, 475/2024, 476/2024 e 712/2024. Verifica-se que o juízo de inconstitucionalidade dessa norma foi afirmado também na Decisão Sumária n.º 399/2024.
Essa doutrina, por identidade dos fundamentos e circunstâncias (a norma aplicada é totalmente igual), é aplicável à CESE de 2022, cuja constitucionalidade está em causa no presente processo arbitral (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 331/2025).
O Acórdão uniformizador do Plenário do Tribunal Constitucional no processo n.º 677/2025 não foi unânime, já que foi votado desfavoravelmente por sete dos dezasseis Conselheiros, o que não põe em causa o efeito da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
O Acórdão n.º 196/2024 ampliaria o juízo de inconstitucionalidade, com base em argumentos semelhantes aos mencionados no Acórdão n.º 101/2023, à incidência da CESE sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do respetivo Regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 17 de janeiro de 2019, sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo, nos termos do Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro.
Não é essa, no entanto, a questão em causa, mas a possível inconstitucionalidade, por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, da norma contida na alínea b) do artigo 2.º do regime jurídico da CESE, em vigor em 2022, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, dos centros electroprodutores de fonte renovável licenciados nos termos do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, que tiverem sido considerados em condições de ser autorizada a entrada em exploração.
O Acórdão n.º 296/2024 do Tribunal Constitucional pronunciar-se-ia, com efeito, no sentido de que o juízo de inconstitucionalidade adotado pelo Acórdão n.º 101/2023, por violação do princípio da igualdade a que se refere o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, se dirige apenas à norma que integra, na regra de incidência subjetiva, as concessionárias dos serviços de transporte, distribuição e armazenamento subterrâneo de gás natural, tendo por base, infere-se, a inobservância de um dever de diferenciação destes operadores do setor energético que seria imposto pelo sobredito princípio, e não aos centros electroprodutores de fonte renovável, aos quais tiver sido assegurado um regime de remuneração garantida, que concorre, por isso, para o défice tarifário.
Para o Acórdão nº 296/2024, o facto de a receita da CESE estar dirigida essencialmente à gestão da dívida tarifária – que, por essa altura e segundo se diz, apresentava sinais de vir ingressando numa curva descendente –, associado ao facto de não reconhecer uma vantagem própria aos operadores do setor do gás natural que adviesse dessa gestão, nem um nexo de causa entre a atividade destes e o problema gerido, levaria a que esses agentes económicos ficassem afastados do espectro de incidência. Não é esse o caso dos centros electroprodutores de fonte renovável, aos quais tenha sido assegurado um regime de remuneração garantida.
Tal Acórdão n.º 296/2024 afasta, assim, ainda que, porventura, só implicitamente, qualquer juízo de inconstitucionalidade, por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, especificamente na parte em que, como se referiu, determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, de sujeitos titulares de centros electroprodutores com recurso a fonte renovável, licenciados para produção ao abrigo do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, de licença de produção e que tenham sido considerados em condições de ser autorizada a entrada em exploração.
Como se referiu, por identidade de fundamentos (a norma aplicada é a mesma, ainda que objeto de prorrogação posterior), essa doutrina tem aplicação à CESE de 2022.
Tal Acórdão n.º 296/2024 contém a seguinte Declaração de Voto de Vencido:
“Vencido.
1. O principal argumento aduzido no presente aresto para refutar a fundamentação do Acórdão n.º 101/2023 – que relatei −, o qual julgou inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, as normas do regime jurídico da CESE para o ano de 2018 que determinam a incidência do tributo sobre as entidades concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, é o de que «nunca o artigo 4.º, n.º 2, do Decreto Lei n.º 55/2014, de 9 de abril [que criou o FSSSE] (…) estabeleceu uma regra de afetação da receita da CESE a determinadas despesas do Fundo de Sustentabilidade do Sector Energético (…)».
A proceder, o argumento atinge a razão essencial para o juízo de inconstitucionalidade firmado no Acórdão n.º 101/2023 – a de que, de acordo com o regime de consignação que consta do diploma que criou o FSSE, ao passo que, «na sua configuração inicial, a CESE destinava-se, não apenas a acudir à premente resolução do problema do défice tarifário do SEN, mas principalmente a financiar políticas do setor energético de cariz social e ambiental, ações de regulação e medidas relacionadas com a eficiência energética», «os termos em que, a partir de 2018, se encontravam previstas as prestações públicas que a CESE se destinava a financiar, obstam a que se possa firmar o necessário nexo entre tais prestações e o grupo dos sujeitos passivos que exercem as atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural», uma vez que, em apertada síntese, «a maior parcela da receita se destinaria, a partir desse momento, a reduzir a dívida tarifária do setor elétrico» e, «na prática, é confiada ao Governo a possibilidade de, em função dos “objetivos que se revelem mais prementes”, afetar toda a receita da CESE à redução da dívida tarifária do setor elétrico».
Porém, o argumento do presente aresto é improcedente. A consignação da receita da CESE a determinadas despesas do FSSSE foi estabelecida logo na versão originária do diploma que criou este último, resultando inequivocamente da conjugação do artigo 11.º do regime jurídico da CESE, constante do artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, com os artigos 2.º e 4.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril. Com efeito, o citado artigo 11.º dispõe, sob a epígrafe «consignação», que «a receita obtida com a contribuição extraordinária do setor energético é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE) (…)», determinando simultaneamente o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2014 que os «objetivos» do FSSSE são o «financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental (…)» e a «redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN) (…)», e o n.º 2 do artigo 4.º do mesmo diploma que «as verbas do FSSSE devem ser alocadas de acordo com a seguinte ordem de prioridade: a) [c]obertura de encargos decorrentes [do financiamento de políticas do setor energético] no montante correspondente a dois terços da receita; [e] b) [c]obertura dos encargos decorrentes da realização do objetivo de [redução da dívida tarifária do SEN] no montante remanescente».
É bem certo que, como se salienta no presente aresto, o FSSSE tem outras receitas para além da CESE e que a alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto Lei n.º 55/2014 limitava a um valor máximo de 100 milhões de euros a regra de afetação de dois terços das verbas do Fundo ao financiamento de políticas do setor energético. Mas nenhum destes argumentos complementares infirma o juízo de que a CESE se encontrava consignada, em proporções fixas e diversas, aos dois objetivos do FSSSE. Por um lado, as demais receitas do FSSSE, que constam das alíneas b) a e) do artigo 3.º do diploma que o criou – a saber: dotações legais, rendimentos de aplicações, o produto de doações, heranças e legados ou outras receitas atribuídas por lei ou negócio jurídico −, são relativamente insignificantes, não constando sequer que se tenham materializado em medida alguma desde que o FSSSE foi criado. Com efeito, como notam José Casalta Nabais e Marta Costa Santos, “Contribuição Extraordinária do Sector Energético: Um Imposto Sob Outro Nome”, Revista Portuguesa de Direito Constitucional, n.º 2, 2022, p. 54, «[a] CESE é a única receita do Fundo que se encontra verdadeiramente prevista (…)». Por outro lado, compulsando a conta geral, verifica-se que a receita total da CESE atingiu, nos vários anos de vigência do tributo, valores pouco superiores ao limite máximo de afetação de dois terços das verbas do FSSSE ao objetivo de financiamento das políticas do setor energético – o que era mais do que previsível, tendo em conta a simplicidade das regras de incidência objetiva do tributo −, pelo que não se pode duvidar que a alteração das proporções de afetação das verbas e a atribuição ao executivo da prerrogativa de determinar até ao montante de um terço qual a percentagem a usar no financiamento das políticas setoriais, ambas operadas em 2018, implicou uma modificação de grande monta no regime financeiro do tributo, descaracterizando a sua natureza como contribuição financeira para as entidades que operam no setor do gás. Assim se argumentou, com desenvolvimento, no Acórdão n.º 101/2023.
2. Resta-me fazer duas observações adicionais sobre o presente aresto.
A primeira diz respeito a uma putativa «relação entre a dívida tarifária e o conjunto do setor energético no âmbito do controlo da homogenia de grupo», fundada na verificação de que «o mercado de gás natural» está «em situação de completa dependência da produção de energia elétrica e das condições de atividade dos respetivos operadores», ao ponto de se afirmar que «metade do gás natural transportado, distribuído ou armazenado por empresas em Portugal nestes anos [de vigência da CESE] não era mais do que “eletricidade em potência”». Ainda que se concedam – arguendo – os factos invocados e, o que é coisa bem diversa, os corolários deles inferidos, cabe notar que as contribuições financeiras se destinam a compensar prestações administrativas que, pese apenas se poderem presumir provocadas ou aproveitadas pelos sujeitos passivos, são efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo grupo homogéneo a que aqueles pertencem. Sendo certo que, ao contrário das taxas, as contribuições não implicam uma relação de comutatividade entre o sujeito passivo e a prestação administrativa, não deixam de implicar, como é bom de ver, um nexo «paracomutativo» entre o conjunto dos sujeitos e a atividade da administração – razão pela qual se diz amiúde destes tributos que consubstanciam verdadeiras «taxas grupais». Em suma, a presunção refere-se ao sujeito passivo – a quem o tributo é cobrado−, não ao grupo homogéneo – o totum que aquele integra.
Em virtude dessa sua natureza, «[a]s modernas contribuições não visam compensar prestações que se dirijam ao sujeito passivo de modo “indireto” ou “reflexo”, da maneira que se pode dizer que as grandes obras públicas beneficiam os terrenos circundantes. O que [as caracteriza] é o estarem voltad[a]s à compensação de prestações de que só presumivelmente se pode dizer causador ou beneficiário o sujeito passivo» (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, 2018, p. 257). Ora, suponho que seja uma evidência que a dívida tarifária do setor elétrico não foi provocada pelo setor do gás, nem a sua redução beneficia o conjunto dos operadores integrados neste setor de modo efetivo ou direto – antes constituindo, quando muito, um benefício presumido a partir de determinadas contingências. Daí a afirmação, no Acórdão n.º 101/2023, de que «não há motivo algum para fazer correr por conta das empresas concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural encargos associados à redução da dívida tarifária do setor elétrico. Nem há razão nenhuma para supor que a prevenção dos riscos associados à instabilidade tarifária no setor elétrico aproveita em especial medida aos operadores dos demais subsetores − não se podendo admitir como contraprova a suposição de que um tal benefício advém, como que obliquamente, da circunstância de boa parte das empresas credoras da dívida tarifária serem grandes consumidoras de gás natural».
A segunda observação prende-se com a argumentação aduzida a propósito da não dedutibilidade da CESE como encargo tributário no âmbito do IRC. Diz-se no presente aresto que, se a lei fiscal admitisse tal dedução, gerar-se-iam os seguintes efeitos perniciosos: por um lado, «o tributo ficaria desprovido de boa parte do seu alcance contributivo efetivo, cingindo-se, da perspetiva do sujeito passivo e em parte, a um mero efeito de transferência entre fontes de despesa»; por outro, «penalizaria operadores com lucros mais baixos ou que apresentassem resultados negativos», o que aproximaria a contribuição de «um imposto sobre o rendimento das empresas de caráter regressivo».
Tenho dificuldade em acompanhar estes raciocínios.
Quanto ao primeiro, sendo inegável que – como se afirma numa passagem do Acórdão n.º 301/2021, citada no presente aresto − «se o encargo da CESE pudesse ser deduzido ao lucro tributável de modo a reduzir a coleta de IRC, o impacto financeiro deste tributo para os sujeitos passivos poderia ser efetivamente menor», não é menos verdade que daí resulta – prossegue imediatamente o texto original, já não citado no presente aresto − «um agravamento do montante de IRC a pagar», o que «poderá convocar o princípio da igualdade, na medida em que que se entenda que este exige a consideração de todos os encargos tributários suportados pelas empresas na determinação da sua real capacidade contributiva (ou do lucro [rendimento] real a que se refere o artigo 104.º, n.º 2, da Constituição)». Ora, quanto a esta questão − não apreciada no Acórdão n.º 301/2021, por se ter entendido que extravasava o objeto do recurso – não creio que no presente aresto se adiante coisa nenhuma. O problema da compatibilidade da regra da não dedutibilidade com o princípio da tributação pelo rendimento real fica, pois, ainda por resolver, sem prejuízo de se reconhecer que a jurisprudência constitucional vem admitindo, em diversos domínios de incidência daquele princípio, a sua derrogação em razão de interesses públicos atendíveis de sentido contrário.
Quanto ao segundo raciocínio, o de que a dedutibilidade do encargo com a CESE no âmbito do IRC poderia ter um «efeito regressivo», penalizando «operadores com lucros mais baixos ou que apresentassem resultados negativos», creio bem que incorre numa petição de princípio. Com efeito, constituindo a CESE um tributo bilateral, e não um imposto, o tertium comparationis relevante para aferir da igualdade na distribuição dos encargos não é a capacidade contributiva, mas a equivalência jurídica – no caso das contribuições financeiras, a presunção de que o sujeito passivo provoca ou aproveita determinadas prestações administrativas. Os montantes a pagar de taxas e contribuições variam, pois, em razão da tendencial desigualdade das prestações, não da capacidade contributiva dos sujeitos. Dizer-se que a dedutibilidade fiscal da CESE pode ter um «efeito regressivo» é partir-se desde logo do princípio de que não é um custo dedutível, uma vez que o apuramento do rendimento real das entidades sujeitas a IRC – o índice da sua capacidade contributiva – implica que aos seus rendimentos brutos tenham sido subtraídos os custos em que incorreram no exercício considerado. O que a recorrente alega é que a CESE é um verdadeiro custo para os sujeitos passivos de IRC e, nessa medida, um elemento a ter necessariamente em conta na determinação do seu «rendimento real». Ora, a questão que se coloca é precisamente a de saber se a CESE pode deixar de ser concebida como um custo – e, sendo-o, como justificar a sua não dedutibilidade em matéria de liquidação do imposto sobre o rendimento.
Gonçalo de Almeida Ribeiro”
A doutrina dessa Declaração de Voto seria seguida pelos acórdãos do TC nºs 338/2024 e 427/2024, que sucessivamente se pronunciaram no sentido da inconstitucionalidade da CESE.
O acórdão do TC nº 63/2025, no entanto, divergindo essa jurisprudência, manifestaria a sua concordância com a doutrina do acórdão nº 296/2024, sendo inaplicável a doutrina do acórdão nº 101/2023, que se aplica aos sujeitos passivos concessionários das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural e não aos produtores de eletricidade em regime de co-geração. O conselheiro Gonçalo Almeida Ribeiro votaria vencido, reiterando, sem prejuízo de apreciação mais cuidada quando a questão for apreciada pelo plenário, a posição fixada nos Acórdãos n.ºs 338/24 e 427/24, que subscreveu.
No mesmo sentido da constitucionalidade da solução encontrada pelo legislador, seguir-se-iam, para além da Decisão Sumária nº 454/2024, os acórdãos nºs 68/2025, 253/2025 e 464/2025, no último dos quais o conselheiro Gonçalo Almeida Ribeiro, revendo a posição anterior, inscreveria a seguinte declaração de voto:
“Subscrevo o aresto, alterando a posição que adotei nos Acórdãos n.ºs 338/2024, 427/2024 e 63/2025. Em declaração aposta a este último, indiquei que a matéria me mereceria ponderação mais cuidada quando viesse a ser apreciada pelo plenário. Entretanto, tive a oportunidade de formar o juízo de que se verifica entre a atividade dos centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis e a dívida tarifária do setor elétrico um nexo suficientemente robusto para que a incidência da CESE sobre aqueles a não descaracterize como contribuição financeira após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 109-A/2018, que alterou o regime do FSSSE, ao contrário do que sucede, paradigmaticamente, com as concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento de gás natural. Daí a alteração da minha posição”.
Sintetizando, para a jurisprudência mais recente do TC, em particular os referidos acórdãos nºs 68/2025, 253/2025 e 464/2025, a produção em regime especial de co-geração disponibilizada aos centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis, beneficia diretamente da formação da dívida tarifária e contribui efetivamente para a sua evolução, regime que se mantém, sem alterações substanciais, desde o exercício de 2019 até hoje, motivo pelo qual não está abrangida na isenção da alínea a) do artigo 4º do Regime da CESE.
Essa interpretação da lei é aplicável sem reservas ao caso em apreço.
Com efeito, como demonstraria o acórdão nº 253/2025, o estabelecimento de um regime de remuneração garantida , nos termos do DL nº 23/2010, de 25 de março, e com a consequente aplicação dos ajustamentos tarifários previstos na Portaria nº 140/2012, de 14 de maio, financiados pelo Fundo Ambiental, que como se referiu, é um pressuposto da incidência da CESE após a cessação da isenção operada pela Lei nº 71/2018, permite aos centros electroprodutores com recurso a fonte renovável no período da sua duração, designadamente energia eólica, a vantagem de vender a eletricidade produzida a um preço garantido durante um determinado período de tempo, tendo em vista a recuperação dos investimentos realizados e a obtenção de retorno económico, o que é suficiente para justificar a bilateralidade, ainda que difusa, desse tributo e a sua exclusão da figura dos impostos.
Citando ainda esse acórdão nº 253/2025, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 169/2005, de 24/10, foi aprovada a «estratégia nacional para a energia», deixando-se evidente a meta política do investimento nas energias renováveis até hoje não abandonada, a alcançar, entre outros meios, pelo regime de remuneração garantida.
Como consta dessa Resolução:
«A política energética, nas suas diversas vertentes, é um fator importante do crescimento sustentado da economia portuguesa e da sua competitividade, pela sua capacidade em criar condições concorrenciais favoráveis ao desenvolvimento de empresas modernas, eficientes e bem dimensionadas, pelo seu efeito potencial na redução do preço dos fatores e, também, pela sua capacidade em gerar novo investimento em áreas com uma elevada componente tecnológica. Paralelamente, a política energética deve articular-se de modo estreito com a política de ambiente, integrando a estratégia de desenvolvimento sustentável do País.
Atento a esta realidade, o Governo estabelece uma estratégia nacional para a energia, que tem como principais objetivos:
I) Garantir a segurança do abastecimento de energia, através da diversificação dos recursos primários e dos serviços energéticos e da promoção da eficiência energética na cadeia da oferta e na procura de energia;
II) Estimular e favorecer a concorrência, por forma a promover a defesa dos consumidores, bem como a competitividade e a eficiência das empresas, quer as do sector da energia quer as demais do tecido produtivo nacional;
III) Garantir a adequação ambiental de todo o processo energético, reduzindo os impactes ambientais às escalas local, regional e global, nomeadamente no que respeita à intensidade carbónica do PIB.
O estabelecimento de um regime de remuneração garantida foi, segundo esse acórdão nº 253/2025. uma decisão política e não essencialmente técnica, alinhada com a denominada Diretiva Green Electricity (Diretiva 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11/12/2018, relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis) e orientada para a reconversão energética do país, que incentivou a criação de centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis através do acesso a um regime de tarifa subsidiada, permitindo assim a esta categoria de agentes económicos não refletir no preço a pagar pelos consumidores os sobrecustos associados à utilização de energia verde na produção da eletricidade comercializada e ver deste modo assegurada a respetiva viabilidade económica.
Os encargos implicados na subsidiação das tarifas da eletricidade produzida em regime especial de remuneração garantida por sua vez, de modo expressivo, para a evolução da dívida tarifária do SEN, de tal modo que, para 2019, o valor total do sobrecusto associado à produção em regime especial foi estimado em 1.157,4 milhões de € (cf. ERSE, Tarifas e Preços para a Energia Elétrica em 2019, de 17 de dezembro de 2018, p. 10, nota [1], acessível em https://www.erse.pt/media/onobyr2q/dossier-de-imprensa_tarifas-ee2019_vfinal.pdf).
Nessa medida, não pode deixar de concluir-se que, ao contrário das empresas que sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, a ora Requerente pertence a um subsetor – produção de eletricidade com recurso a fontes renováveis em regime de remuneração garantida – que, por um lado, contribuiu definitivamente para o défice tarifário do SEN, o que não acontece com as primeiras empresas.
Assim, a pretensão da Requerente, não tem qualquer suporte no acórdão do nº 101/2023, que se aplica a um universo diferente, que não abrange as empresas produtoras de energia enquanto universo delimitado pelas características do regime de remuneração garantida, mas apenas as concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural.
Nessa medida, ao contrário das empresas concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, a Requerente pertence a um subsetor – produção de eletricidade com recurso a fontes renováveis em regime de remuneração garantida, o qual contribui definitivamente para o défice tarifário do Sistema Elétrico Nacional (SEN), á redução do qual as receitas da CESE estão afetas.
Salienta o Acórdão do TC n.º 525/2025, relativamente às taxas, as contribuições financeiras apresentam a particularidade de se dirigirem não «à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica».
Como se escreveu ainda no Acórdão n.º 539/2015, «[p]reenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir» (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em As taxas e a coerência do sistema tributário, págs. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora). É o caso da CESE.
Daqui se retira que as contribuições financeiras «devem ser estruturadas de tal forma que incidam sobre grupos bem delimitados de pessoas que partilhem a provocação presumível de um mesmo custo ou o aproveitamento presumível de um mesmo benefício» (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2018, p. 312).
Alocada que está à redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN), a prestação correspondente à liquidação da CESE referente aos anos de 2019 a 2022 aproveita ao grupo homogéneo constituído pelos centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis, na medida em que aquela redução, para além de visar a proteção do consumidor - evitando um aumento drástico de preços - , contribui para a sustentabilidade sistémica de todo o setor elétrico, beneficiando, deste modo, ainda que de forma presumida, cada uma das empresas que operam no mercado da produção de eletricidade.
Por outro lado, o facto de a CESE de 2019, como a dos exercícios seguintes, se destinar ao financiamento da redução do défice tarifário - que foi, em parte, gerado pela assimilação dos sobrecustos associados à produção de eletricidade com tarifa subsidiada - coloca os centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis em regime de remuneração garantida entre os presumíveis causadores da prestação administrativa que o tributo visa compensar, permitindo, também desse ponto de vista, detetar na norma de incidência impugnada a presença da estrutura comutativa e da finalidade compensatória que caracterizam as contribuições financeiras.
Nesse sentido, pode dizer-se que, relativamente aos centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis em regime especial, o fundamento da CESE de 2019, como dos exercícios de 2020, 2021 e 2022, é discernível quer em atenção à vantagem económica propiciada pela sustentabilidade sistémica de todo o setor elétrico, a que a redução do défice tarifário, em última instância, se dirige, quer em face do encargo público originado pela subsidiação do regime de produção com tarifa garantida facultado aos produtores de eletricidade com recurso a fontes de energia renováveis.
Assim a eliminação da isenção aplicável aos produtores renováveis não se operou de forma indiscriminada, mas apenas quando estes beneficiam de um regime de remuneração garantida, não violando, assim, o princípio da igualdade, pelo que a CESE não é um imposto.
Nessa medida, o Tribunal Arbitral, não estando em causa a apreciação da legalidade de qualquer pretensão relativa a impostos, como exige o n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011, de 22 de março, não é competente para a apreciação da legalidade da autoliquidação da CESE impugnada.
Pelo exposto, o presente Tribunal Arbitral decide pela procedência da exceção dilatória relativa à incompetência material deste Tribunal para apreciar o pedido formulado.
Consequentemente, determina-se a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea a), do CPTA, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, do RJAT.
Atendendo ao sentido da presente decisão, fica prejudicada, por se revelar inútil, a análise das restantes questões suscitadas nos autos.
7. Decisão
Termos em que se decide:
a. Julgar procedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade de atos de autoliquidação da CESE referentes ao exercício de 2022;
b. Absolver a Autoridade Tributária da instância quanto ao pedido principal;
c. Absolver a Autoridade Tributária do pedido acessório de reembolso do imposto pago e de juros indemnizatórios;
d. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
7. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €74.464,11 nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
8. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de €2.448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros) a cargo da Requerente, conforme com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se
Lisboa, 28 outubro de 2025
Os Árbitros
(Regina de Almeida Monteiro – Presidente)
(António de Barros Lima Guerreiro – Adjunto e Relator)
(Amândio Silva – Adjunto)