DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Adelaide Moura e Dr. Jesuíno Alcântara Martins, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 08-09-2025, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., sociedade de direito britânico registada junto das autoridades britânicas competentes sob o n.º ..., com sede em ..., ... Londres, Reino Unido, titular do número de identificação fiscal português ... e integrada na área de competência territorial do Serviço de Finanças de Lisboa ... (adiante designada como “Requerente”), na qualidade de trustee único do B..., entidade constituída nos termos do direito de Inglaterra e País de Gales, titular do número de identificação fiscal português ... e também integrada na área de competência territorial do Serviço de Finanças de Lisboa ... (adiante designado como “B...” ou simplesmente “trust”) apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista:
a) Declaração de ilegalidade e anulação do despacho Senhora Subdiretora-Geral da Gestão Tributária – IR datado de 28 de março de 2025 que, em regime de subdelegação, indeferiu o pedido de revisão oficiosa n.º ...2023...;
b) Declaração de ilegalidade e anulação dos atos de retenção na fonte de IRC, com carácter definitivo ou liberatório, efetuados sobre dividendos de fonte doméstica pagos entre maio de 2019 e julho de 2020, no montante total de EUR 693.490,16 (seiscentos e noventa e três mil quatrocentos e noventa euros e dezasseis cêntimos);
c) a condenação da AT no reembolso à Requerente da importância de EUR 693.490,16 (seiscentos e noventa e três mil quatrocentos e noventa euros e dezasseis cêntimos), acrescida de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data em que se completou um ano da apresentação do pedido de revisão oficiosa (30 de janeiro de 2024) até à data de processamento da nota de crédito, em que serão incluídos;
d) Subsidiariamente, apenas no caso de o pedido formulado em b) não ser considerado procedente, a declaração de ilegalidade e anulação parcial dos atos de retenção na fonte de IRC, com caráter definitivo ou liberatório, efetuados sobre dividendos de fonte doméstica pagos entre maio de 2019 e julho de 2020 por aplicação indevida da taxa geral de 25% em detrimento da taxa de 15% prevista no artigo 10.º, n.º 2, alínea b), da CDT entre Portugal e o Reino Unido, no montante correspondente a EUR 277.396,06 (duzentos e setenta e sete mil trezentos e noventa e seis euros e seis cêntimos), e consequente condenação da AT na restituição desta quantia à Requerente, acrescida de juros indemnizatórios desde a data em que se completou um ano da apresentação do pedido de revisão oficiosa (30 de janeiro de 2024) até à data de processamento da nota de crédito, em que serão incluídos.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 02-07-2025.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 19-08-2025, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 08-09-2025.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 07-10-2025, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) A Requerente é uma sociedade de direito britânico de responsabilidade limitada, constituída em 24 de abril de 1992, com sede e residência fiscal no Reino Unido e sem estabelecimento estável em Portugal que, na qualidade de trustee único, é responsável pela promoção do objeto e gestão do património do B... (Memorandum of Association of A... Limited traduzido para língua portuguesa que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e cujo original, em língua inglesa, se encontra disponível para consulta em https://...;
B) O B..., por sua vez, é uma instituição de caridade (charity), desprovida de personalidade jurídica, constituída no ano de 1936 e registada em conformidade com as leis de Inglaterra e do País de Gales, cujo objeto consiste na promoção, preservação e desenvolvimento de quaisquer aspetos relacionados com a saúde e bem-estar humanos e com as biociências (documento intitulado Constitution of the B... devidamente traduzido para língua portuguesa que consta do documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, e cujo original, em língua inglesa, se encontra disponível para consulta em https://..., bem como um excerto do registo do B... junto da Charity Commission for England and Wales, que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e que está publicitado em https://... );
C) O objeto do B... consiste na promoção e apoio a pesquisas e estudos científicos nos campos da saúde humana e animal, designadamente “(1) Proteger, preservar e progredir em todo e qualquer aspeto relativo à saúde e bem-estar da Humanidade e progredir e promover o conhecimento e a educação através da participação, promoção e apoio de: (a) investigação no meio das biociências; e (b) descoberta, invenção, melhoria, desenvolvimento e aplicação de tratamentos, curas, diagnósticos e outros agentes, métodos e processos médicos que possam de algum modo aliviar enfermidades, incapacidades ou perturbações de qualquer origem em seres humanos ou vida animal ou na vida vegetal. (2) Progredir e promover conhecimento e educação através da participação, promoção e apoio de: (a) investigação na história das biociências; (b) estudo e compreensão de qualquer meio das biociências ou a história das biociências” (artigo 4.º do ato constitutivo do trust que consta do Documento n.º 3);
D) De acordo com o artigo 8.º do ato constitutivo do B..., o trustee pode efetuar e gerir investimentos da propriedade do trust em conformidade com o «Planeamento C» anexo, incluindo investimentos em ações, obrigações, depósitos, certificados de depósito e quaisquer outros títulos em qualquer parte do mundo;
E) O objetivo fundamental destes investimentos é obter rendimentos que possibilitem ao B... realizar os seus fins no âmbito da investigação científica nas áreas da saúde e biociências;
F) Estas “atividades de investimento (…) consistem essencialmente na aquisição e na cessão de ações e outros títulos tendo em vista maximizar os dividendos ou os rendimentos do capital, que se destinam a incentivar a investigação médica”;
G) No relatório e contas do período de tributação de 2019, findo em 30 de setembro de 2019 (A... Annual Report and Financial Statements 2019), pode ler-se que “este ano o A... investiu 1,13 mil milhões de libras em atividades de beneficência – esta despesa é muito superior à do ano passado devido ao momento de compromissos significativos, mas está em linha com a nossa expectativa de que gastaremos, em média, cerca de mil milhões de libras por ano. O nosso nível de despesa é possível graças à nossa carteira de investimentos, que deu um retorno de 6,9% no ano que terminou a 30 de setembro de 2019, ou 4,9% após a inflação. Os nossos retornos anualizados nos últimos dez anos foram de 12,0% (…) planeamos apoiar a investigação de base e outras atividades que realizamos através da Ciência, Inovações e Cultura e Sociedade com um nível consistente de financiamento em termos reais (...) O nosso objetivo ao definir o orçamento anual é preservar o valor da carteira de investimentos da B..., de modo a que o poder de compra das nossas despesas de beneficência se mantenha ao longo do tempo. Pretendemos também garantir que financiamos apenas investigação de excelência e que esta é realizada de forma eficiente, incluindo uma análise cuidadosa dos custos operacionais” (documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, disponível em https://...);
H) As despesas de beneficência ou caridade (Expenditure on charitable activities ou charitable expenditure) do B... no período de tributação de 2019 atingiram £ 1.131 milhões e podem ser sintetizadas da seguinte forma (quadro na p. 33 do A... Annual Report and Financial Statements 2019 junto como Documento n.º 5):

I) No domínio da ciência (Science), “a missão do A... é garantir que as grandes ideias da ciência e da investigação prosperem para que possam atingir o seu potencial de impulsionar melhorias significativas na saúde. Além de apoiar investigadores, procuramos oportunidades para transformar áreas que priorizamos, usando a nossa influência para unir as pessoas e gerar impacto. A saúde foi e continuará a ser transformada por ideias testadas e desenvolvidas através da investigação: o progresso é cumulativo, existe frequentemente um lapso de tempo entre o financiamento e o resultado, e os resultados de investigações individuais em fase inicial não podem ser previstos. O financiamento da pesquisa exige a confiança de que as equipas, pessoas e locais apoiados produzirão, no seu conjunto, informações e insights valiosos em apoio à nossa missão global de melhorar a saúde”3 (p. 15 do A... Annual Report and Financial Statements 2019 junto como Documento n.º 5);
J) A divisão de inovações (Innovations) do B... trabalha com pesquisadores e organizações ao redor do planeta e apoiou, em 2019, novos programas para transformar o tratamento contra a leishmaniose, para fabricar e desenvolver clinicamente uma vacina para a Shigella, uma bactéria que afeta desproporcionalmente os mais vulneráveis em países de baixo rendimento, e um programa para melhorar os tratamentos para a febre tifoide, entre outras iniciativas (pp. 17 e 18 do A... Annual Report and Financial Statements 2019 junto como Documento n.º 5);
K) No período de tributação de 2020, findo em 30 de setembro de 2020, o B... despendeu um total de £ 1.099 milhões com despesas de beneficência ou caridade (Expenditure on charitable activities ou charitable expenditure) (quadro na p. 36 do A... Annual Report and Financial Statements 2020 junto como Documento n.º 6, cujo teor se reproduz):

L) No período de tributação de 2020, o B... financiou maioritariamente pesquisas relacionadas com a pandemia do vírus SARS-CoV-2 que assolou o planeta a partir dos primeiros meses do ano, para além de apoiar financeiramente um programa levado a cabo pelo C... na Tailândia – programa do B... neste país asiático – de combate à resistência a medicamentos dos parasitas que causam a malária e ainda de um novo centro de microscopia crioelectrónica instalado no Instituto interdisciplinar ..., no Reino Unido, e o desenvolvimento de um fármaco para melhoria da psicose aguda em pacientes com esquizofrenia, entre várias outras iniciativas no campo científico (pp. 13 e ss. e 19 do A... Annual Report and Financial Statements 2020 junto como Documento n.º 6, cujo teor se dá como reproduzido);
M) Nos períodos de tributação de 2019 e 2020, o B... destinou £ 98 milhões e £ 96 milhões, por esta ordem, para trabalhos no D..., onde fica a sede do seu centro de investigação, o E..., através de uma subsidiária integralmente detida por ele, a F... Limited (cf. pp. 19 e 34 do A... Annual Report and Financial Statements 2019 junto como Documento n.º 5 e pp. 37 e 39 do A... Annual Report and Financial Statements 2020 junto como Documento n.º 6);
N) O E..., localizado no Reino Unido e que opera sob a égide da F... Limited, é o líder global em investigação do genoma e procura, entre outras coisas, decifrar os fundamentos moleculares da saúde e das doenças e compreender a biologia do planeta através das sequências genómicas de diversas espécies (cf. https://... );
O) Mais remotamente, o B... teve participação ativa na descoberta de uma vacina para o tratamento do vírus Ébola, que provocou uma epidemia no oeste de África em 2014 (cf. informação em https://... );
P) No âmbito dos seus poderes enquanto trustee único do B... e da respetiva política de investimentos, a Requerente adquiriu por conta do trust participações em sociedades portuguesas, tais como a G..., SGPS, S.A. (“G...”);
Q) Estas participações geraram, em 2019 e 2020, rendimentos com a natureza de dividendos para a Requerente por conta do trust (valores em EUR):

R) Aquando do pagamento dos rendimentos por parte da G..., os mesmos foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC por meio de retenção na fonte à taxa de 25% prevista no artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC, ex vi artigo 94.º, n.º 5, do mesmo diploma (documento emitido e assinado pelo H..., S.A., titular do número de identificação fiscal português ..., junto como Documento n.º 7, cujo teor se dá como reproduzido, e a declaração emitida pelo I..., Sucursal em Inglaterra e País de Gales que consta do documento n.º 8 cujo teor se dá como reproduzido;
S) O imposto assim retido ascendeu a € 693.490,16 (seiscentos e noventa e três mil quatrocentos e noventa euros e dezasseis cêntimos) e foi entregue pelo substituto tributário ao Estado Português com as guias:
n.º ..., de 2019-06-21, com pagamento efetuado de €642.516,31;
n.º..., de 2020-08-19, com pagamento efetuado de € 50.973,85;
(Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, página 6);
T) A entidade beneficiária dos rendimentos objeto de retenção na fonte de IRC, é TRUST com o NIF ... (conforme consta nas declarações Modelo 30 - Rendimentos pagos ou colocados à disposição de entidades não residentes entregues pelo referido substituto tributário (declarações nºs ... referente a 05/2019 e ... referente a 07/2020) (documento n.º 1, página 5);
U) A Requerente, a entidade que enquanto trustee único adquire a titularidade jurídica do património e dos rendimentos do trust, ser considerada pelas autoridades fiscais britânicas residente fiscal no Reino Unido à data do pagamento dos dividendos (certificados de residência fiscal respeitantes a 2019 e 2020 juntos como documentos n.ºs 9 e 10, cujos teores se dão como reproduzidos)
V) A Requerente, na esfera da qual é efetuada a tributação dos rendimentos do trust, não beneficiou, na sua jurisdição de residência, de qualquer crédito de imposto respeitante ao IRC retido na fonte em Portugal (Documentos n.ºs 11 e 12, cujos teores se dão como reproduzidos e fundamentação do pedido de revisão oficiosa, que consta do documento n.º 13, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
W) No dia 30 de janeiro de 2023, a Requerente apresentou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), ao abrigo dos artigos 54.º, n.º 1, alínea c), e 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”) e no artigo 44.º, n.º 1, alínea c), do CPPT, um pedido de revisão oficiosa e anulação dos atos de retenção na fonte de IRC no montante de EUR 693.490,16;
X) O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho do Subdirector-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de 28-03-2025 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
Y) O referido despacho remete para fundamentação da informação notificada à Requerente para exercício do direito de audição, que consta do documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
II -- ANÁLISE DO PEDIDO DE REVISÃO OFICIOSA
A-A MATÉRIA CONTESTADA
20. A matéria sob contestação reporta-se ao IRC suportado por retenção na fonte, a título
definitivo, sobre os dividendos distribuídos à requerente, com sede e residência fiscal no Reino Unido, enquanto Trustee único do TRUST B..., alegadamente uma INSTITUIÇÃO DE CARIDADE NÃO RESIDENTE SEM ESTABELECIMENTO ESTÁVEL EM TERRITÓRIO NACIONAL E SEM PERSONALIDADE JURÍDICA, registada e constituída em conformidade com as leis de Inglaterra e do País de Gales, de acordo com o documento da constituição do B..., junto à RO como Doc. n.º 2.
21. Uma vez que o Trustee pode efetuar e gerir investimentos com a propriedade do trust, a requerente, adquiriu participações sociais da G... SGPS e, em maio de 2019 e julho de 2020, auferiu, por conta do B... dividendos distribuídos pela referida sociedade no montante global de €2.773.960,64 e, portanto, sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte, cuja retenção na fonte foi efetuada pela entidade – H... S.A. - na qualidade de substituto tributário, à taxa de 25% (imposto: €693.490, 16), em conformidade com on.4 do art.° 87.°e n.° 5 do art. 94.°, ambos do CIRC. (art.11.° e art12.° da RO).
22. De acordo com os dados do processo, sobre os lucros colocados à disposição da requerente no total de €2.773.960,64 [referente a €2.570.065,23 (maio de 2019) e €203.895,41 (julho de 2020)] incidiu IRC, liquidado e cobrado a título definitivo, através do mecanismo de retenção na fonte, à taxa de 25% o que perfaz um total de €693.490,16, entregue através das guias de retenção na fonte... e ... relativas aos períodos acima referidos, efetuadas pela sucursal em Portugal do J... S.C.A. (NIF:...) .
B - A COLABORAÇÃO DA DIREÇÃO DE SERVIÇOS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
23. Para efeitos de análise do pedido de RO, por comunicação GPS n.º ... de 30 de agosto de 2024, foi solicitada à Direção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI),
informação sobre se foram pedidos/efetuados quaisquer reembolsos de IRC relativos aos
rendimentos identificados no quadro que consta no §.11 .º da PI.
24. A DSRI, em 2024-09-04, por GPS (Comunicação n.º...) remeteu a esta
Direção de Serviços com conhecimento à DSCJC, resposta com o seguinte teor:
"Relativamente à existência de pedidos de reembolso, instaurados por esta Direção de Serviços, nome da entidade não residente A... NIF..., informa-se que consultadas a aplicação local RELINT, em uso nesta Direção de Serviços, e a aplicação central SGRI, não foi encontrado registo de pedidos de reembolso de imposto português ao abrigo de CDT em nome desta entidade referentes a imposto retido na fonte nos anos 2019 e 2020, conforme anexo "NIF ..._CONS RELINT_SGRI".
Considerando que foi identificado outra entidade relacionada com a entidade sobre a qual foi efetuado o pedido de informação, foram ainda consultadas as aplicações RELINT e SGRI quanto à existência de pedidos de reembolso em nome entidade identificada pelo NIF..., não tendo sido detetada a instauração de pedidos de reembolso para os anos 2019 e 2020, conforme anexo "NIF ..._CONS RELINT_SGRI"
25. Posteriormente, para efeitos de análise do pedido efetuado pela requerente a título subsidiário, foi, por determinação da Diretora de Serviços do IRC, em 2024-12-02, através da comunicação GPS n.º ...2024..., solicitado novo pedido de colaboração à DSRI tendo em vista ratificar o enquadramento legal mormente na parte relativa à aplicação da Circular n.º 6/2009, de 6 de abril de 2009, da DSRI, ao caso em apreço. A reprodução da resposta da DSRI consta no ponto D2 da presente informação.
C- FUNDAMENTOS DO PEDIDO
26. Primeiramente, remete-se para a leitura integral da Revisão Oficiosa Peticionada a qual se dá, nesta sede, por integralmente reproduzida.
Resumo, em termos úteis, do pedido
27. A requerente começa por referir que não sofreu qualquer redução de taxa designadamente a prevista na al. b) do n.º 2 do art.° 10.° da Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT), não obstante ser considerada residente fiscal no Reino Unido.
28. Também não beneficiou, na sua jurisdição de residência, qualquer crédito de imposto
respeitante ao IRC retido na fonte em Portugal. (cf. art.° 14.° e art.° 15.° da RO)
29. Contudo, menciona que, se não estivéssemos perante uma entidade constituída e estabelecida no Reino Unido, mas perante uma entidade que tenha em vista os mesmos fins de charitable trust - como é o B...- constituída e a operar de acordo com a legislação portuguesa; não teria havido lugar a tributação em território nacional (art.° 16.° da RO)
30. Ou seja, não concorda com as retenções na fonte efetuadas, a título definitivo sobre os
dividendos auferidos da entidade residente em território nacional – G... SGPS- alegando divergência de tratamento fiscal entre contribuintes domiciliados na União Europeia em função da residência fiscal do beneficiário dos rendimentos e que, na sua perspetiva, afronta de forma direta e injustificada a liberdade de circulação de capitais consagrada no n.° 1 do art.º 63.°, do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia. (art. 17.° e art.° 18.° da RO)
31. Refere a requerente que esta conclusão "não pode ser obviada pela circunstância da legislação portuguesa, ao contrário do que sucede com os regimes jurídicos anglo-saxónicos, não reconhecer a figura do trust". (art. 19.° da RO)
32. Considera que a tributação em sede de IRC, dos dividendos em causa, constitui uma restrição proibida à livre circulação de capitais. (art.° 21.° da RO)
33. Após a apresentação dos factos e do entendimento genérico por si preconizado, particulariza o pedido da seguinte forma:
C.1-Da incompatibilidade do regime fiscal português com o direito da União Europeia
a. Breve excurso pela figura do (charitable) trust. (art.º 22.º a art.º 48.º da RO)
Nesta exposição considera que é notório o PARALELISMO ENTRE O CHARITABLE TRUST DE
DIREITO ANGLO - SAXÓNICO E UMA ASSOCIAÇÃO OU FUNDAÇÃO DE MATRIZ CONTINENTAL,
circunstância que, do ponto de vista da requerente, "não pode deixar de ter consequências no tratamento jurídico - fiscal, em particular quanto aos charitable trusts de origem estrangeira que obtêm rendimentos de fonte doméstica". (art.° 47.° e art.° 48.°)
b. Do regime fiscal doméstico relevante. (art.° 49.° a art.° 76.° da RO)
Quanto a este assunto, a requerente expõe o quadro legal vigente em matéria de IRC,
designadamente A ISENÇÃO DE IRC PARA AS PESSOAS COLETIVAS COM ESTATUTO DE UTILIDADE PÚBLICA E DE SOLIDARIEDADE SOCIAL PREVISTA NO ART.º 10 .º DO CIRC, REFERINDO QUE SE ENQUADRA NA AL. C) DO N.º1 DO ART.º10.º DO CIRC, na redação da norma à data dos factos.
c. Da liberdade de circulação de capitais (art.° 77.° a art.° 106.° da RO)
[Alega desconformidade do regime fiscal doméstico com as liberdades fundamentais da União /Europeia ao "inviabilizar a concessão de benefícios fiscais noutro Estado quando reconhece esses mesmos benefícios fiscais a um residente numa situação materialmente idêntica". (art.85.° a art.86.°)
d. Da restrição à liberdade de circulação de capitais (art.° 107.° a art.°211.° da RO)
Neste segmento aborda a comparabilidade das situações em confronto e a restrição à livre
circulação de capitais propriamente dita, referindo que uma FUNDAÇAO PRIVADA COM ESTATUTO DE UTILIDADE PÚBLICA EM PORTUGAL que receba dividendos de uma sociedade aqui localizada /está isenta de IRC quanto a estes rendimentos.
Ao passo que "um charitable trust do Reino Unido, reconhecido pelas autoridades competentes daquela jurisdição como uma entidade que prossegue fins de utilidade pública e que, por intermédio do seu trustee, invista na aquisição de ações de uma sociedade portuguesa e receba dividendos em contrapartida, é aqui sujeito a retenção na fonte à título definitivo ou liberatório". (art.° 166.° e art.° 167.° da RO)
Sobre o princípio da não discriminação, recorre a diversos acórdãos do T JUE, entre eles o acórdão [proferido no Proc n.° C-646/15- caso P Panayi - relativo aos trusts (art. 195.° da RO).
Entende que ao reservar o benefício da isenção apenas para as entidades constituídas à luz do direito doméstico e aqui estabelecidas que prosseguem fins de utilidade pública ou de interesse social e revistam uma das formas legais previstas no n.°1 do art. 10.° do CIRC (redação à data dos factos), e não reconhecer esta vantagem fiscal a entidades não residentes que prosseguem os mesmos. fins mas não estão constituídas sob uma das formas legais previstas na lei doméstica, "a legislação portuguesa viola a livre circulação de capitais com caráter erga omnes no art.º 63.º, n.º 1 do TFUE". (art. 204.° da RO).
e. Da inexistência de justificação (art.° 212.° a art. 235.° da RO)
Nesta parte do pedido aborda questões que considera relevantes, designadamente o afastamento liminar de razões que se prendem com a prevenção de práticas abusivas ou fraudulentas como justificação para a restrição (art.º 218.º a art.º 221.º), a ausência de necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais (art.222.° a art.° 226.°), a coerência (ou coesão) do sistema fiscal (art.º 227.º a art.º232.º) e a repartição equilibrada do poder de tributação entre Estados art.° 233.° a art.235.°)
C.2- Subsidiariamente: da redução da taxa liberatória aplicável em virtude da CDT entre Portugal e o Reino Unido. (art.° 243.° a art.° 263.° da RO)
A título subsidiário, por mera hipótese e sem conceder, caso não seja reconhecida a desconformidade entre a legislação doméstica e o direito europeu, alega que a tributação "in casu foi excessiva", e que "não deveria ser aplicada a taxa de 25% genericamente prevista pelo CIRC, mas antes a taxa reduzida de 15% estabelecida na CDT entre Portugal e o Reino Unido", sob o argumento de que "os trusts são entidades relevantes para efeitos da aplicação da CDT entre Portugal e o Reino Unido e respetivos benefícios" .
Nesta secção fala da subsunção ao conceito de "pessoa" e ao conceito de residente para efeitos da CDT entre Portugal e o Reino Unido.
Contesta o entendimento da AT exposto na Circular n.º 6/2009, de 6 de abril de 2009, da DSRI, no sentido que "[o]S TRUSTS, ENQUANTO TAIS NÃO BENEFICIAM DO REGIME PREVISTO NAS CDT salvo se tal se encontrar expressamente previsto nas CDT (como sucede, designadamente, nas convenções celebradas com os Estados Unidos da América e com o Canadá) e for feita prova dos requisitos e condições nela estabelecidos, incluindo a prova de que o trust é o beneficiário efetivo desses rendimentos".
Apresenta um conjunto de contra argumentos - invocando o direito fiscal internacional e os comentários da OCDE à Convenção Modelo, para afirmar que "o charitabele tust em questão cumpre todos os requisitos para beneficiar da aplicação da CDT entre Portugal e o Reino Unido".
34. Em suma, vem solicitar:
a. A anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC, com caráter definitivo ou
liberatório, sobre dividendos de fonte doméstica pagos em maio de 2019 e julho de 2020, no montante total de €693.490,16;
b. A restituição à requerente do IRC no montante de €693.490,16, que considera ter sido
indevidamente retido na fonte acrescido de juros indemnizatórios, nos termos legais;
c. Subsidiariamente, apenas no caso dos pedidos supra referidos não serem considerados
procedentes, requer a anulação parcial dos atos tributários de retenção na fonte de IRC, com caráter definitivo ou liberatório, sobre dividendos de fonte doméstica pagos em maio de 2019 e julho de 2020, por aplicação da taxa geral de 25% (que considera indevida) em detrimento da taxa de 15% prevista na al. b) do n.'2 do art. 10.°, da CDT entre Portugal e o Reino Unido, no montante correspondente a €277.396,06 e consequente restituição desta quantia, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos legais.
D - ANÁLISE DA DSIRC
D1- ENQUADRAMENTO FISCAL DOS DIVIDENDOS QUANDO AUFERIDOS POR UMA ENTIDADE NÃO RESIDENTE SEM ESTABELECIMENTO ESTÁVEL EM TERRITÓRIO PORTUGUÊS E POR UMA ENTIDADE RESIDENTE NAS MESMAS CONDIÇÕES, FACE ÀS NORMAS INTERNAS
D1.1-QUANTO AOS DIVIDENDOS PAGOS A PESSOAS COLETIVAS NÃO RESIDENTES
35. As pessoas coletivas e outras entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direção efetiva em território português, são sujeitos passivos de IRC, como dispõe a al. c) do n.° 1 do art.° 2.° do CIRC, ficando sujeitas a imposto apenas quanto aos rendimentos nele obtidos, nos termos da al. d) do n.° 1 do art.º 3 e do n.º 2 do art.º 4.º do CIRC.
36. A previsão legal constante na subalínea 3) da al. c) do n.º 3 do art.° 4.° do CIRC, estabelece que se consideram obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, cujo devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado, designadamente, os rendimentos derivados de "[o]utros rendimentos de aplicação de capitais".
37. De acordo com o disposto na al. c) do n.º 1 do art.° 94.° do CIRC, o IRC é OBJETO DE RETENÇÃO NA FONTE, relativamente aos "[r]endimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, QUANDO O SEU DEVEDOR SEJA SUJEITO PASSIVO DE IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade".
38. E, conforme dispõe a al. h) do n.º 2 do art.° 5.° do Código do IRS, consideram-se rendimentos de capitais, "[o]s lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.°.
39. Em face da prescrição legal prevista na al. b) do n.º 3 do art. 94.° do CIRC, A RETENÇÃO NA FONTE TEM CARÁTER DEFINITIVO, quando o titular dos rendimentos seja uma entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis.
40. Por sua vez, prevê o n.º 4 do art. 87.° do CIRC que a taxa do IRC a aplicar é de 25%, na data da verificação do facto tributário (pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos) e as importâncias retidas devem ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que forem deduzidas, nos termos da al. c) do n.° 1, al. b) do n.° 3, n.° 5 e n.° 6, todos do art. 94.° do CIRC.
41. Refira-se ainda que, quando EXISTE UMA CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO (CDT) CELEBRADA ENTRE PORTUGAL E O PAIS DE RESIDÊNCIA FISCAL DO TITULAR DOS RENDIMENTOS, a taxa de retenção na fonte poderá ser reduzida à taxa prevista na CDT aplicável.
42. Para este efeito, o titular dos rendimentos deve cumprir, em Portugal, com o disposto no art.º 98.º do CIRC.
43. Quando não estejam reunidos aqueles requisitos, os lucros ficam sujeitos a retenção na fonte, à taxa de 25%, nos termos previstos no n.º 4 do art.° 87° do CIRC.
44. ln casu, relativamente ao BENEFICIÁRIO DOS RENDIMENTOS, o B... (B...), estamos perante um trust, "figura jurídica, própria do direito anglo-saxónico, que se define, no essencial, como uma relação fiduciária através da qual os bens são transmitidos a uma pessoa (trustee) para que esta os administre em benefício de um terceiro (beneficiário) e em conformidade com o objectivo estabelecido no acto constitutivo" (cf. Acórdão da Relação do Porto de 28-11-2017, no proc. n.º 1050/06.9TVPRT.P1. No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-11-2021, no proc. n.º 84277/18.3YIPRT.C1.S1).
45. Ora, a Convenção entre a República Portuguesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento (CDT), assinada em Lisboa em 27-03-1968 (Decreto-Lei n.º 48497), estabelece, no seu artigo 3.°, n.° 1, alínea f) que, para efeitos da CDT o "termo «pessoa» compreende uma pessoa singular, uma sociedade ou qualquer outro agrupamento de pessoas".
46. Já a alínea g) do mesmo normativo estabelece que o "termo «sociedade» significa qualquer pessoa colectiva ou qualquer entidade que é tratada como pessoa colectiva para fins tributários".
47. Assim, verifica-se que o âmbito subjetivo da mencionada CDT não inclui expressamente os fideicomissos, ao contrário das Convenções para evitar a dupla tributação celebradas entre Portugal e Canadá e entre Portugal e os Estados Unidos da América.
48. No mesmo sentido veja-se a Circular n.º 6/2009, de 6 de abril de 2009, da DSRI, circular esta que, conforme informação remetida pela DSRI, por comunicação GPS n.° ...2024..., de 2024-12-30, abaixo transcrita (vide ponto 12 da resposta transcrita no ponto D2 da presente informação) em resposta ao nosso pedido de colaboração, SE MANTÊM EM VIGOR, publicada na sequência de dúvidas suscitadas sobre a aplicação do regime previsto nas convenções destinadas a evitar a dupla tributação (CDT) aos rendimentos obtidos em território português por Trusts nele não residentes, por despacho de 2008-12-26, do Diretor Geral dos Impostos foi emitido o entendimento de que "[o]s trusts, enquanto tais não beneficiam da aplicação do regime previsto nas CDT salvo se tal se encontrar expressamente previsto nas CDT (como sucede, designadamente, nas convenções celebradas com os Estados Unidos da América e com o Canadá) e for feita a prova dos requisitos e condições nelas estabelecidos, incluindo a prova de que o trust é o beneficiário efetivo desses rendimentos, bem como, no caso da CDT celebrada entre a República Portuguesa os Estados Unidos da América; que se verificam as condições estabelecidas no seu artigo 17.° e no n.° 3 do respetivo Protocolo".
D1 .2-QUANTO AOS DIVIDENDOS DISTRIBUÍDOS A PESSOAS COLETIVAS RESIDENTES
D1.2.1- A ENTIDADES SUJEITAS A IRC
49. Os rendimentos provenientes de dividendos distribuídos ou colocados à disposição por
pessoas coletivas residentes em território nacional a sujeitos passivos de IRC residentes ou a não residentes com estabelecimento estável cá situado, são considerados rendimentos para efeitos de apuramento do lucro tributável, de acordo com a prescrição legal prevista na al. c) do n.°1 do art.° 20.° do CIRC.
50. Nos termos do disposto na al. c) do n.º1, n.º3 e n.º 4 do art.° 94.ºd0 CIRC, o pagamento de dividendos a pessoas coletivas residentes encontra-se sujeito a retenção na fonte à taxa de 25%, a qual assume a natureza de imposto por conta.
51. Contudo, relativamente aos lucros e reservas distribuídos a entidades a que seja aplicável o regime estabelecido no n.° 1 do art° 51.° do CIRC, "regime de participation exemption" desde que cumpridas as condições aí referidas, não existe obrigação de efetuar retenção na fonte de IRC, quando este tenha a natureza de imposto por conta e desde que a participação no capital tenha permanecido na titularidade da mesma entidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição (art.° 97 n.° 1 al. c) do CIRC).
D1.2.2- A ENTIDADES ISENTAS (TOTAL OU PARCIALMENTE) DE IRC
52. Quando um sujeito passivo de IRC beneficie de isenção, total ou parcial, relativa a rendimentos que seriam sujeitos a essa retenção na fonte, não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativa a rendimentos que seriam sujeitos a essa retenção na fonte, desde que seja feita à prova, perante a entidade pagadora, da isenção de que aproveitam, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido. (cf. n.º 2 do art 97.° do CIRC).
53. Na situação que nos ocupa, conforme §§ 51 .º a 63.º da PI, verifica-se que a requerente entende que o tipo de entidade que, nos termos do ordenamento jurídico português, mais se aproxima da essência deste Trust, atendendo ao objeto prosseguido, CORRESPONDE A UMA FUNDAÇÃO E, EM PARTICULAR, ÀS FUNDAÇÕES DOTADAS DO ESTATUTO DE UTILIDADE PÚBLICA, que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social, considerando, portanto, que ao abrigo do artigo 10. n.°1 alínea c) do CIRC, poderá beneficiar da !dispensa de retenção na fonte de IRC sobre os rendimentos/dividendos obtidos, provenientes de uma entidade residente.
54. Refere que existe um tratamento diferenciado face a entidades sem fins lucrativos residentes noutro estado membro, tributadas a uma taxa liberatória de 25%.
55. Relativamente ao TRUST, B... (B...) é uma instituição (de caridade segunda a Requerente (charity)), desprovida de personalidade jurídica, registada e constituída em
conformidade com as leis de Inglaterra e do País de Gales, cujo objeto, salientamos desde já, CONSISTE NA PROMOÇÃO E APOIO DE PESQUISAS E ESTUDOS CIENTÍFICOS NOS CAMPOS DA SAÚDE HUMANA E ANIMAL (conforme 54° da PI).
56. Desde logo devemos sublinhar que, face ao objeto do A... (vide documento n.° 2), levantam-se dúvidas sobre se os fins prosseguidos pelo mesmo serão FINS CIENTIFICOS (não alegado pela Requerente) AO INVÉS DOS ALEGADOS FINS DE CARIDADE, ASSISTENCIA, BENEFICÊNCIA OU SOLIDARIEDADE SOCIAL.
57. Veja-se o ponto 4 da constituição do TRUST (Documento n.° 2 junto da PI) que refere,
constituir objeto do Fideicomisso:
"1- PROTEGER, PRESERVAR E PROGREDIR EM TODO E QUALQUER ASPETO RELATIVO À SAÚDE E BEM-ESTAR DA HUMANIDADE E PROGREDIR E PROMOVER O CONHECIMENTO E A EDUCAÇÃO ATRAVÉS DA PARTICIPAÇÃO, PROMOÇÃO E APOIO DE:
a. INVESTIGAÇÃO no meio das biociências; e
b. descoberta, invenção, melhoria, desenvolvimento e aplicação de tratamentos, curas, diagnósticos e outros agentes, métodos e processos médicos que possam de algum modo aliviar enfermidades, incapacidades ou perturbações de qualquer origem em seres humanos ou vida animal ou na vida vegetal.
2- progredir e PROMOVER CONHECIMENTO e educação através da participação, promoção e apoio de:
c. investigação na história das biociências;
d. estudo e compreensão de qualquer meio das biociências ou a história das biociências."
58. Acresce assinalar que, também não existe qualquer prova, demonstração de que o B... tenha os alegados fins de caridade, assistência, beneficência ou solidariedade social, pois não há qualquer evidência de que este disponibilize gratuitamente ou por um valor inferior ao usualmente praticado, serviços médicos ou de saúde, que as pesquisas médicas ou farmacêuticas efetuadas resultaram no fornecimento, junto de populações carenciadas ou de pessoas que de outra forma não teriam acesso a cuidados de saúde, de quaisquer tratamentos, medicamentos ou vacinas, meios de diagnóstico, melhores práticas médicas ou a qualquer forma de acesso a saúde.
59. E que, embora sobressalte do objeto do fideicomisso, a progressão"( ... ) em todo e qualquer aspeto relativo à saúde e bem-estar da Humanidade" e apoio à investigação, ESTE FIM E DIRETAMENTE PROSSEGUIDO POR ENTIDADES EXTERIORES AO B... CUJAS PESQUISAS SAO FINANCIADAS COM RECURSOS DO B... E NÃO PELO PRÓPRIO B... DIRETAMENTE.
60. Acresce notar que, também pela consulta aos estatutos da Requerente (vide documento n.º 1) cujo objeto estatutário e o fim para o qual a Requerente (trustee) foi constituída CONSISTE NA ADMINISTRAÇÃO DOS RECURSOS do TRUST B... (B...), tal como aliás, invoca nos artigos 1 .º e 8.º da PI, ao afirmar que a sua atividade se traduz na promoção do objeto e gestão do património do B... (B...), designadamente, através da realização de investimentos para "OBTER RENDIMENTOS QUE POSSIBILITEM AO B... REALIZAR OS SEUS FINS NO ÂMBITO DA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA NAS ÁREAS DA SAÚDE E BIOCIÊNCIAS".
61. Resulta ainda deste documento que "No cumprimento dos objetos do Fideicomisso, o Agente Fiduciário pode exercer os poderes e realizar as atividades estabelecidas no Planeamento A desta Constituição e, adicionalmente, todos os outros poderes e atividades que, na opinião do Agente Fiduciário, promoverão a obtenção dos objetos", sendo que nestas atividades, (Planeamento A documento n.º 1) consta, além da administração de uma carteira de investimentos, a atribuição de prémios, subvenções e bolsas de estudos e a elaboração das respetivas regras, a atribuição de bolsas de viagem a professores, cientistas investigadores, estudantes e pessoal relacionado, facilitando a sua participação em seminários, conferências, palestras, cursos, prestação de consultoria nos termos que considera apropriados, fornece serviços de consultoria e centros de informações para aqueles que estão interessados no trabalho do B..., fornecendo, supervisionando e licenciando qualquer acomodação para pessoas que usem qualquer uma das instalações do B... e fornece bens e serviços nos termos que julgar adequados.
62. Ou seja, desde logo podemos concluir que a Requerente, na qualidade de Trustee, no exercício das suas responsabilidades, não tem em vista prosseguir fins científicos, ou de caridade, assistência, beneficência e solidariedade social de apoio a população vulnerável, de cidadãos com necessidades especiais junto das comunidades, MAS ANTES E TÃO SÓ, GERIR OS RECURSOS DO TRUST.
63. Ora, o art.° 10.° do CIRC, trazido à colação pela Requerente, na redação à data dos factos sob a Epígrafe “Pessoas coletivas de utilidade pública e de solidariedade social", dispõe na al. c) do n.°1 que estão isentas”
"[a]s pessoas coletivas de mera utilidade pública que prossigam, EXCLUSIVA OU PREDOMINANTEMENTE, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência,
solidariedade social, defesa do meio ambiente e interprofissionalismo agroalimentar".
64. Sendo ainda de salientar que a isenção de IRC supra mencionada "CARECE DE RECONHECIMENTO PELO MINISTRO DAS FINANÇAS, A REQUERIMENTO DOS INTERESSADOS,
mediante despacho publicado no Diário da República, que define a respetiva amplitude, de harmonia com os fins prosseguidos e as atividades desenvolvidas para a sua realização, pelas entidades em causa e as informações dos serviços competentes da Direcção-Geral dos Impostos [atual AT] e outras julgadas necessárias". (cf. n.° 2 do art.° 10.°)
65. Paralelamente, dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que "[a] isenção prevista no n.º 1 não abrange os rendimentos empresariais derivados do exercício das atividades comerciais ou industriais desenvolvidas fora do âmbito dos fins estatutários, bem como os rendimentos de títulos ao portador, não registados nem depositados, nos termos da legislação em vigor, E É CONDICIONADA A OBSERVANCIA CONTINUADA DOS SEGUINTES REQUISITOS:
a. Exercício efetivo, A TÍTULO EXCLUSIVO OU PREDOMINANTE, DE ATIVIDADES DIRIGIDAS À PROSSECUÇÃO dos fins que justificaram o respetivo reconhecimento da qualidade de utilidade pública ou DOS FINS QUE JUSTIFICARAM A ISENÇÃO consoante se trate, respetivamente, de entidades previstas nas alíneas a) e b) ou na alínea c) do n.º 1;
b. Afetação aos fins referidos na alínea anterior de, pelo menos, 50% do rendimento global liquido que seria sujeito a tributação nos termos gerais, até ao fim do 4.° período de tributação posterior àquele em que tenha sido obtido, salvo em caso de justo impedimento no cumprimento do prazo de afetação, notificado ao diretor - geral dos impostos, acompanhado da respetiva fundamentação escrita, até ao último dia útil do 1.° mês subsequente ao termo do referido prazo;
c. Inexistência de qualquer interesse direto ou indireto dos membros dos órgãos estatutários, por si mesmos ou por interposta pessoa, nos resultados da exploração das atividades económicas por elas prosseguidas."
66. Sendo que, o não cumprimento dos requisitos referidos no n.º 3, nomeadamente nas alíneas a) e c) do número anterior "determina a perda da isenção, a partir do correspondente período de tributação, inclusive" e no caso de "incumprimento do requisito referido na alínea b) do n.º 3, fica sujeita a tributação, no 4.° período de tributação posterior ao da obtenção do rendimento global líquido, a parte desse rendimento que deveria ter sido afeta aos respetivos fins."
67. No que respeita aos pedidos de isenção do IRC, efetuados ao abrigo da al. c) do n.º1 do art.° 10.° do CIRC [pessoas coletivas de mera utilidade pública (PCUP)] que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente], através do Ofício-Circulado n.º 20140, de 4 de agosto da DSIRC, foram emitidas as instruções que se transcrevem:
"2. Os pedidos de reconhecimento de isenção que, nos termos do n.º 2 do artigo 10.° do CIRC, DEVEM SER EFETUADOS MEDIANTE REQUERIMENTO DIRIGIDO AO MINISTRO DAS FINANÇAS, ou seja, apenas para as pessoas coletivas de utilidade pública que prossigam exclusiva ou predominantemente fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente, devem ser acompanhados, nos termos do n.º 1 do artigo 65.º do Código do Processo e Procedimento Tributário (CPPT), da adequada prova da verificação dos respetivos pressupostos do reconhecimento e que a seguir, em regra, se indicam:
a) Documento comprovativo da natureza jurídica de pessoa coletiva;
b) Cópia atualizada dos Estatutos (fotocópia simples);
c) Relatório de atividades e as contas dos dois últimos exercícios económicos;
d) Mapa para instrução do processo, cujo modelo se anexa;
e) Declaração da inexistência de qualquer interesse direto ou indireto dos membros dos órgãos 1 estatutários, por si ou por interposta pessoa, nos resultados da exploração das atividades económicas dessa entidade, conforme o disposto na alínea c) do n.° 3 do art. 10.° do CIRC;
3.No que se refere ao documento comprovativo da natureza jurídica de pessoa coletiva de utilidade pública a que se refere a alínea a) do ponto anterior, deverá observar-se o seguinte em função do que em cada caso for aplicável:
FUNDAÇÕES E ASSOCIAÇÕES
Cópia do Diário da República onde foi publicada a Declaração de utilidade pública, nos termos do Decreto-Lei n.° 460/77, de 7 de Outubro e do Decreto-Lei n.° 57/78, de 1 de Abril, ou documento equivalente, onde conste o despacho de reconhecimento do Primeiro Ministro e respetiva data de publicação.
( ... )".
D1.3- O CASO CONCRETO-A COMPARABILIDADE
68. De acordo com o disposto no n.° 1 e n.°2 do art.° 63.° do TFUE, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais e aos pagamentos entre Estados-Membros e entre
Estados-Membros e países terceiros.
69. No entanto, conforme previsto na al. a) do n.°1 do art.° 65.° do TFUE tal não prejudica, o direito de os Estados-Membros "[a]plicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido".
70. Refira-se igualmente que esta derrogação tem limitações prevendo o n.° 3 do art.° 65.° do TFUE que as disposições nacionais visadas no n.º1 desse mesmo artigo "não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º ".
71. E, conforme acórdãos do TFUE, há que distinguir os tratamentos desiguais permitidos pela al. a) do n.91 do art.° 65.° do TFUE das discriminações arbitrárias ou das restrições dissimuladas proibidas pelo n. 3 desse mesmo artigo, sendo que, resulta da jurisprudência que, para que uma regulamentação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não objetivamente comparáveis ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral como a necessidade de salvaguardar a coerência do regime fiscal e a eficácia dos controlos fiscais.
72. No caso concreto, coloca-se a questão: SERÁ QUE UMA FUNDAÇÃO PRIVADA COM O ESTATUTO DE UTILIDADE PÚBLICA E COM RECONHECIMENTO DO MINISTRO DAS FINANÇAS QUE FIXA A AMPLITUDE DA ISENÇÃO E UM TRUST COMO O B..., AINDA QUE PROSSIGA OS MESMOS FINS (DE SOLIDARIEDADE SOCIAL ou BENEFICÊNCIA, facto que não se encontra comprovado) ENCONTRAM-SE NUMA SITUAÇÃO OBJETIVAMENTE COMPARÁVEL?
73. Note-se que, na situação específica das FUNDAÇÕES PRIVADAS residentes em território
português, nos termos do n.° 1 do art.° 24.° da Lei-Quadro das Fundações - Lei n.º 24/2012, de 9 de julho, em vigor à data dos factos, ESTAS PODEM ADQUIRIR O ESTATUTO DE UTILIDADE PÚBLICA DESDE QUE, entre outros requisitos:
i. ESTEJAM REGULARMENTE CONSTITUÍDAS (a. b) do n.° 1 do art.° 24.° da Lei-Quadro das
Fundações). E para que estejam regularmente constituídas, as fundações devem ser reconhecidas, sendo que tal reconhecimento deve ser requerido no prazo máximo de 180 dias a contar da instituição da fundação ou ser oficiosamente promovido pela entidade competente para o reconhecimento (n.° 2 do art. ° 21.° da Lei-Quadro das Fundações).Ora, nos termos do n.°1 do art.º 6.º da Lei-Quadro das Fundações, ESTAS ADQUIREM PERSONALIDADE JURÍDICA PELO RECONHECIMENTO, o qual é individual e compete ao Primeiro-Ministro, com a faculdade de delegação.
ii. LHES SEJA CONCEDIDO O ESTATUTO DE UTILIDADE PÚBLICA cuja competência é do Primeiro-Ministro, com a faculdade de delegação, mediante petição entregue nos termos
expressos no n.° 3 do art.° 25.° da Lei-Quadro das Fundações.
74. Considerando todo o exposto anteriormente, verifica-se que as fundações privadas, residentes em Portugal, que prossigam fins de solidariedade social ou beneficência, para que possam enquadrar-se na isenção do art. 10.°,n.° 1 al. c) do CIRC, como pessoas coletivas de mera utilidade pública, têm de ser sempre ENTIDADES COM PERSONALIDADE JURÍDICA.
75. Acresce serem condições imprescindíveis, além da detenção do estatuto de utilidade pública, O IMPERATIVO DE OBTENÇÃO DE RECONHECIMENTO DO MINISTRO DAS FINANÇAS QUE FIXA A AMPLITUDE DA ISENÇÃO nos termos previstos no n.º 2 do art.º 10.º do CIRC.
76. Verifica-se assim, não ser possível, de per si, a uma entidade residente sem personalidade jurídica embora eventualmente prossiga fins de solidariedade social ou beneficência, o que não foi provado pela Requerente, ter enquadramento na referida isenção prevista no art.º 10.°,n.° 1 al. c) do CIRC, que, sublinhamos NAO É UMA ISENÇÃO AUTOMATICA, como parece entender a Requerente.
77. Assim sendo, considera-se que uma fundação privada com o estatuto de utilidade pública, residente em Portugal, que prossegue fins de solidariedade social e beneficência, e com reconhecimento do Ministro das Finanças que fixa a amplitude da isenção e um trust residente noutro Estado-membro da UE (sem estabelecimento estável em Portugal) que prossiga os mesmos fins, não se encontram numa situação objetivamente comparável.
78. Pelo que, a diferença de tratamento fiscal aplicável relativamente a dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal à primeira (isentos) e a dividendos distribuídos ao segundo (tributados a taxa liberatória de 25%), afigura-se compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais.
79. Posto isto, no caso concreto, formulam-se as seguintes conclusões:
a. Para que as fundações privadas, residentes em Portugal, que prossigam fins de solidariedade social ou beneficência, possam enquadrar-se na isenção do art.° 10.° do CIRC, n.° 1, al. c) como PCUP, têm de ser sempre entidades com personalidade jurídica, detendo o estatuto de utilidade pública e obter o reconhecimento do Ministro das Finanças que fixa a amplitude da isenção, condições imprescindíveis para o enquadramento na referida isenção do art. 10.° do CIRC;
b. Verifica-se não ser possível a uma entidade residente sem personalidade jurídica que
prosseguisse fins de solidariedade social ou beneficência, ter enquadramento na referida isenção.
80. Face ao exposto, considera-se que uma fundação privada com o estatuto de utilidade pública, residente em Portugal, que prossegue fins de solidariedade social e beneficência, com reconhecimento do Ministro das Finanças que fixa a amplitude da isenção, e um trust, residente noutro Estado membro da EU, sem estabelecimento estável em Portugal e sem personalidade !jurídica própria, ainda que prossiga os mesmos fins, não se encontram numa situação objetivamente comparável, pelo que a diferença de tratamento fiscal aplicável relativamente a dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal à primeira (isentos) e a dividendos distribuídos ao segundo (tributados a taxa liberatória de 25%), afigura-se compatível com as disposições do TFUE relativas à livre circulação de capitais.
81. Acresce voltar a sublinhar que, a isenção do IRC prevista na al. c) do n.°1 do art.° 10.° do
CIRC, NÃO É UMA ISENÇÃO AUTOMÁTICA, carecendo de reconhecimento do Ministro das Finanças que fixa a amplitude da isenção.
82. As situações colocadas em confronto não são, por conseguinte, similares.
83. Deste modo, os dividendos pagos pela G..., SGPS, S.A., sociedade residente em território português e sujeito passivo de IRC, ao B... (B...), entidade não residente, sem estabelecimento estável em território português e sem personalidade jurídica própria, incide IRC, por retenção na fonte definitivo, de acordo com a al. b) do n.º 3 e n.° 5 do art.° 94.° do CIRC, à taxa de 25% prevista no art.º 87.° do CIRC.
84. Face ao exposto, conclui-se pela inexistência de qualquer ilegalidade nas retenções na fonte de IRC ora contestadas, efetuadas pelo substituto tributário J... S.C.A.,NIF:... à entidade beneficiária dos rendimentos objeto de retenção na fonte de IRC, o TRUST com o NIF..., conforme consta nas declarações Modelo 30- Rendimentos pagos ou colocados à disposição de entidades não residentes entregues pelo referido substituto tributário (declarações nºs ... referente a 05/2019 e ... referente a 07/2020), retenções entregues pelo substituto pelas guias n.ºs ..., de 2019-06-21 e ..., de 2020-08-19).
85. Sendo de indeferir o pedido de revisão oficiosa dos referidos atos tributários, uma vez que não estão reunidos os pressupostos legais exigidos para a revisão oficiosa nomeadamente existência de erro imputável aos serviços nos atos de retenção contestados.
86. Ficando prejudicada a análise do alegado direito a juros indemnizatórios.
D2-QUANTO AO PEDIDO DA REQUERENTE A TÍTULO SUBSIDIÁRIO
87. Sem conceder e a titulo subsidiário, em caso de improcedência do pedido, a requerente
entende que a tributação efetuada ao TRUST "in casu foi excessiva", e que "não deveria ser aplicada a taxa de 25% genericamente prevista pelo CIRC, mas antes a taxa reduzida de 15% estabelecida na CDT entre Portugal e o Reino Unido", sob o argumento de que "os trusts são entidades relevantes para efeitos da aplicação da CDT entre Portugal e o Reino Unido e respetivos benefícios".
88. Este pedido, por envolver matéria da competência da DSRI, foi, por determinação da Diretora de Serviços do IRC, em 2024-12-02, através da comunicação GPS n.º ...2024..., solicitada colaboração àquela unidade orgânica, tendo em vista ratificar o enquadramento legal mormente na parte relativa à aplicação da Circular n.º 6/2009, de 6 de abril de 2009, da DSRI, ao caso em apreço.
89. A DSRI, por comunicação GPS n.º ...2024..., de 2024-12-30, remeteu resposta com o seguinte teor:
«PEDIDO DE ESCLARECIMENTOS
1.Vem a DSIRC ( ... ) solicitar o parecer desta Direção de Serviços quanto ao enquadramento aplicável a uma sociedade de direito britânico na qualidade de trustee, do Trust B... nos termos da CDT entre Portugal e o Reino Unido da Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos Sobre o entendimento, aprovada pelo Decreto-Lei n. 48497 de 24 de julho de 1968 (adiante apenas CDT Portugal/Reino Unido), bem como se o entendimento vertido nos pontos 1 a 9 da Circular 6/2009, de 6 de abril de 2009 se mantém em vigor.
ANÁLISE DO PEDIDO
2.Não obstante, um trust ser usado com múltiplas configurações e finalidades, podemos identificar um trust se constitui com uma relação jurídica criada por uma pessoa (settlor) mediante a transmissão de propriedade sobre certos bens (legal ownership) para outra pessoa (trustee), que administra essa propriedade em benefício de terceiros, sendo estes últimos os beneficiários dos bens transmitidos (beneficial ownership ).
3.Ou seja, na formação do trust, o trustee assume a função de administrador de bens mediante determinadas condições impostas pelo settlor, em prol de um ou vários beneficiários.
4.Nos comentários ao artigo 1.° do Modelo Convenção da OCDE, parágrafo 6.10, observando que a forma jurídica assumida pelos veículos de investimento coletivo (VIC), pode diferir de país para país, recomenda que os Estados contratantes incluam de foram expressa no texto do ADT, os VIC que assumam a forma jurídica de "trust" na definição do termo "pessoa".
5.Sucede que o ADT Portugal/Reino Unido não inclui no artigo 1° ou nas definições de "pessoa" ou de "sociedade", respetivamente, pelas alíneas f) e g) do n. 1do artigo 3.°, as entidades constituídas sob a forma jurídica de "trust.
6.Com efeito, constata-se que os Estados Contratantes optaram por não modificar a definição da expressão de "pessoa" para efeitos da CDT, nos termos da recomendação prevista no parágrafo 6.10 dos comentários ao artigo 1.º do Modelo Convenção da OCDE, não incluindo de forma expressa, os VIC que assumem a forma jurídica de "trust" na definição do termo "pessoa”.
7.Tendo por base a informação veiculada pela Autoridade Tributária(AT) do Reino Unido, que pode ser consultada em
https://www.gov.uk/hmrc-internal-manuals/international-manual/intm162120 - "os trusts não estão sujeitos a imposto no Reino Unido, mas os trustees podem estar sujeitos a imposto no Reino Unido. Por conseguinte, um trust não pode ser residente no Reino Unido para efeitos da maioria dos Acordos de Dupla Tributação (ADT) do Reino Unido. Por conseguinte, normalmente não pode ser emitido certificado de residência (CoR) relativamente a um trust. No entanto, alguns trusts estão incluídos na definição de "residente de um Estado contratante" em alguns ADT's específicos. Nestas circunstancias limitadas, pode ser emitido um certificado de residência relativamente a um trust. "
8.Ou seja, DE ACORDO COM ESTA INFORMAÇÃO, OS VIC ESTABELECIDOS SOB A FORMA DE TRUST SITUADOS NO REINO UNIDO NÃO SE ENCONTRAM ABRANGIDOS PELO ADT PORTUGAL/REINO UNIDO, DADO QUE, NÃO ESTÃO, CONFORME ACIMA SE INDICOU, EXPRESSAMENTE INCLUÍDOS NO TEXTO DO ADT.»
90. Concluindo aquela DSRI que «Por fim, com referência à aplicabilidade da instrução administrativa contida na Circular 6/2009, de 6 de abril de 2009, tanto quanto nos é possível conhecer, mantém-se em vigor, nomeadamente o ponto 1, que determina o seguinte "os trusts, enquanto tais, como é o caso da entidade requerente, não beneficiam da aplicação do regime previsto nas CDT, salvo se tal se encontrar expressamente previsto nas CDT e for feita a prova dos requisitos e condições nelas estabelecidos, incluindo a prova de que o trust é o beneficiário efetivo desses rendimentos".»
91. Face ao exposto improcede o pedido efetuado a título subsidiário, nos termos supra
fundamentados.
E - CONCLUSÃO
92. Após apreciação, propõe-se o indeferimento do presente pedido de revisão oficiosa dos atos tributários relativos à retenção na fonte de IRC controvertidos, nos termos e com os fundamentos supra apresentados.
Z) A autoridade tributária do Reino Unido publicitou a seguinte informação em https://www.gov.uk/hmrc-internal-manuals/international-manual/intm162120
INTM162120 - UK residents with foreign income or gains: certificates of residence: for trusts
Trusts are not themselves liable to tax in the UK, but the trustees may be liable to tax in the UK. A trust therefore cannot be a resident of the UK for the purposes of most UK Double Taxation Agreements (DTAs). Accordingly a Certificate of Residence (CoR) cannot normally be issued in respect of a trust. However, some trusts are included within the definition of ‘resident of a Contracting State’ in specific DTAs. In those limited circumstances a certificate of residence can be issued in respect of a trust. It is therefore essential that the relevant DTA is checked on receipt of all applications. [1]
AA) O Director Geral dos Impostos emitiu a Circular n.º 6/2009, de 6 de Abril de 2009, em que se refere, além do mais, o seguinte:
1. Os trusts, enquanto tais não beneficiam da aplicação do regime previsto nas CDT salvo se tal se encontrar expressamente previsto nas CDT (como sucede, designadamente, nas convenções celebradas com os Estados Unidos da América e com o Canadá) e for feita a prova dos requisitos e condições nelas estabelecidos, incluindo a prova de que o trust é o beneficiário efectivo desses rendimentos, bem como, no caso da CDT celebrada entre a República Portuguesa os Estados Unidos da América, que se verificam as condições estabelecidas no seu artigo 17.º e no n.º 3 do respectivo Protocolo.
(A Circular está publicitada em
https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/Documents/Circular_6_2009.pdf)
BB) Em 30-06-2025, s Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não se provou que tivesse sido apresentada à entidade que se encontrava obrigada a efectuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, prova de a verificação dos pressupostos que resultem de convenção para evitar a dupla tributação, nos termos dos n.ºs 1 e 2, alínea a) do artigo 98.º do CIRC
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira não contesta a matéria de facto alegada pela Requerente.
3. Matéria de direito
3.1. Posições das Partes
A Requerente, A... Limited, apresentou, na qualidade de trustee único do B... um pedido de revisão oficiosa de actos de retenção na fonte, à taxa de 25%, sobre rendimentos de dividendos que foram distribuídos em Portugal, provenientes de uma empresa portuguesa, de que é benificiário o trust .
A Requerente invocou, em suma o seguinte:
– o trust é uma instituição de caridade, desprovida de personalidade jurídica, registada e constituída em conformidade com as leis de Inglaterra e do País de Gales, 'cujo objeto consiste na promoção, preservação e desenvolvimento de quaisquer aspetos relacionados com a saúde e bem-estar humanos e com as biociências;
– se não estivéssemos perante uma entidade constituída e estabelecida no Reino Unido, mas perante uma entidade que tenha em vista os mesmos fins de charitable trust - como é o B... - constituída e a operar de acordo com a legislação portuguesa; não teria havido lugar a tributação em território nacional, por a situação se enquadrar na isenção prevista na alínea c) do n. 1 do artigo 10.º do CIRC, relativa a «pessoas coletivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social, defesa do meio ambiente e interprofissionalismo agroalimentar»;
– a não aplicação desta isenção constitui uma divergência de tratamento fiscal entre contribuintes domiciliados na União Europeia em função da residência fiscal do beneficiário dos rendimentos e que, na sua perspetiva, afronta de forma direta e injustificada a liberdade de circulação de capitais consagrada no n.° 1 do art.º 63.°, do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia;
– subsidiariamente, a Requerente pediu aa redução da taxa liberatória aplicável, defendendo que não deveria ser aplicada a taxa de 25% genericamente prevista pelo CIRC, mas antes a taxa reduzida de 15% estabelecida na CDT entre Portugal e o Reino Unido", por os trusts serem entidades relevantes para efeitos da aplicação da CDT e respetivos benefícios.
O pedido de revisão oficiosa foi indeferido, pelas seguintes razões em suma:
– levantam-se dúvidas sobre se os fins prosseguidos pelo mesmo serão FINS CIENTIFICOS (não alegado pela Requerente) AO INVÉS DOS ALEGADOS FINS DE CARIDADE, ASSISTENCIA, BENEFICÊNCIA OU SOLIDARIEDADE SOCIAL;
– não existe qualquer prova, demonstração de que o B... tenha os alegados fins de caridade, assistência, beneficência ou solidariedade social;
– embora sobressalte do objeto do fideicomisso, a progressão"( ... ) em todo e qualquer aspeto relativo à saúde e bem-estar da Humanidade" e apoio à investigação, ESTE FIM E DIRETAMENTE PROSSEGUIDO POR ENTIDADES EXTERIORES AO B... CUJAS PESQUISAS SAO FINANCIADAS COM RECURSOS DO B... E NÃO PELO PRÓPRIO B... DIRETAMENTE;
– a Requerente, na qualidade de Trustee, no exercício das suas responsabilidades, não tem em vista prosseguir fins científicos, ou de caridade, assistência, beneficência e solidariedade social de apoio a população vulnerável, de cidadãos com necessidades especiais junto das comunidades, MAS ANTES E TÃO SÓ, GERIR OS RECURSOS DO TRUST.
– o art.° 10.° do CIRC prevê isenção para "[a]s pessoas coletivas de mera utilidade pública que prossigam, EXCLUSIVA OU PREDOMINANTEMENTE, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social, defesa do meio ambiente e interprofissionalismo agroalimentar;
– a isenção de IRC supra mencionada "CARECE DE RECONHECIMENTO PELO MINISTRO DAS FINANÇAS, A REQUERIMENTO DOS INTERESSADOS, mediante despacho publicado no Diário da República, que define a respetiva amplitude, de harmonia com os fins prosseguidos e as atividades desenvolvidas para a sua realização, pelas entidades em causa e as informações dos serviços competentes da Direcção-Geral dos Impostos [atual AT] e outras julgadas necessárias". (cf. n.° 2 do art.° 10.°)
– a isenção é ainda CONDICIONADA à OBSERVANCIA CONTINUADA DOS REQUISITOS indicados no n.º 3 do mesma artigo, cujo não cumprimento dos requisitos referidos no n.º 3, nomeadamente nas alíneas a) e c) do número anterior determina a perda da isenção;
– Os pedidos de reconhecimento de isenção que, nos termos do n.º 2 do artigo 10.° do CIRC, DEVEM SER EFETUADOS MEDIANTE REQUERIMENTO DIRIGIDO AO MINISTRO DAS FINANÇAS, ou seja, apenas para as pessoas coletivas de utilidade pública que prossigam exclusiva ou predominantemente fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente, devem ser acompanhados, nos termos do n.º 1 do artigo 65.º do Código do Processo e Procedimento Tributário (CPPT), da adequada prova da verificação dos respetivos pressupostos do reconhecimento;
– as fundações privadas, residentes em Portugal, que prossigam fins de solidariedade social ou beneficência, para que possam enquadrar-se na isenção do art. 10.°,n.° 1 al. c) do CIRC, como pessoas coletivas de mera utilidade pública, têm de ser sempre ENTIDADES COM PERSONALIDADE JURÍDICA.
– acresce serem condições imprescindíveis, além da detenção do estatuto de utilidade pública, O IMPERATIVO DE OBTENÇÃO DE RECONHECIMENTO DO MINISTRO DAS FINANÇAS QUE FIXA A AMPLITUDE DA ISENÇÃO nos termos previstos no n.º 2 do art.º 10.º do CIRC.;
– Verifica-se assim, não ser possível, de per si, a uma entidade residente sem personalidade jurídica embora eventualmente prossiga fins de solidariedade social ou beneficência, o que não foi provado pela Requerente, ter enquadramento na referida isenção prevista no art.º 10.°,n.° 1 al. c) do CIRC, que, sublinhamos NAO É UMA ISENÇÃO AUTOMATICA, como parece entender a Requerente.:
– assim sendo, considera-se que uma fundação privada com o estatuto de utilidade pública, residente em Portugal, que prossegue fins de solidariedade social e beneficência, e com reconhecimento do Ministro das Finanças que fixa a amplitude da isenção e um trust residente noutro Estado-membro da UE (sem estabelecimento estável em Portugal) que prossiga os mesmos fins, não se encontram numa situação objetivamente comparável;
– para que as fundações privadas, residentes em Portugal, que prossigam fins de solidariedade social ou beneficência, possam enquadrar-se na isenção do art.° 10.° do CIRC, n.° 1, al. c) como PCUP, têm de ser sempre entidades com personalidade jurídica, detendo o estatuto de utilidade pública e obter o reconhecimento do Ministro das Finanças que fixa a amplitude da isenção, condições imprescindíveis para o enquadramento na referida isenção do art. 10.° do CIRC;
– verifica-se não ser possível a uma entidade residente sem personalidade jurídica que prosseguisse fins de solidariedade social ou beneficência, ter enquadramento na referida isenção.
– acresce voltar a sublinhar que, a isenção do IRC prevista na al. c) do n.°1 do art.° 10.° do CIRC, NÃO É UMA ISENÇÃO AUTOMÁTICA, carecendo de reconhecimento do Ministro das Finanças que fixa a amplitude da isenção.
– as situações colocadas em confronto não são, por conseguinte, similares.
No que concerne ao pedido subsidiário, o indeferimento do pedido de revisão oficiosa baseou-se nas seguintes razões, em suma:
– quando EXISTE UMA CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO (CDT) CELEBRADA ENTRE PORTUGAL E O PAIS DE RESIDÊNCIA FISCAL DO TITULAR DOS RENDIMENTOS, a taxa de retenção na fonte poderá ser reduzida à taxa prevista na CDT aplicável;
– para este efeito, o titular dos rendimentos deve cumprir, em Portugal, com o disposto no art.º 98.º do CIRC;
– quando não estejam reunidos aqueles requisitos, os lucros ficam sujeitos a retenção na fonte, à taxa de 25%, nos termos previstos no n.º 4 do art.° 87° do CIRC;
– para efeitos da CDT o "termo «pessoa» compreende uma pessoa singular, uma sociedade ou qualquer outro agrupamento de pessoas" e o "termo «sociedade» significa qualquer pessoa colectiva ou qualquer entidade que é tratada como pessoa colectiva para fins tributários".
– verifica-se que o âmbito subjetivo da mencionada CDT não inclui expressamente os fideicomissos, ao contrário das Convenções para evitar a dupla tributação celebradas entre Portugal e Canadá e entre Portugal e os Estados Unidos da América.
– "[o]s trusts, enquanto tais não beneficiam da aplicação do regime previsto nas CDT salvo se tal se encontrar expressamente previsto nas CDT (como sucede, designadamente, nas convenções celebradas com os Estados Unidos da América e com o Canadá) e for feita a prova dos requisitos e condições nelas estabelecidos, incluindo a prova de que o trust é o beneficiário efetivo desses rendimento;
– nos comentários ao artigo 1.° do Modelo Convenção da OCDE, parágrafo 6.10, observando que a forma jurídica assumida pelos veículos de investimento coletivo (VIC), pode diferir de país para país, recomenda que os Estados contratantes incluam de forma expressa no texto do ADT, os VIC que assumam a forma jurídica de "trust" na definição do termo "pessoa".
– sucede que o ADT Portugal/Reino Unido não inclui no artigo 1° ou nas definições de "pessoa" ou de "sociedade", respetivamente, pelas alíneas f) e g) do n.º 1do artigo 3.°, as entidades constituídas sob a forma jurídica de "trust.
– com efeito, constata-se que os Estados Contratantes optaram por não modificar a definição da expressão de "pessoa" para efeitos da CDT, nos termos da recomendação prevista no parágrafo 6.10 dos comentários ao artigo 1.º do Modelo Convenção da OCDE, não incluindo de forma expressa, os VIC que assumem a forma jurídica de "trust" na definição do termo "pessoa”.
– um trust não pode ser residente no Reino Unido para efeitos da maioria dos Acordos de Dupla Tributação (ADT) do Reino Unido. Por conseguinte, normalmente não pode ser emitido certificado de residência (CoR) relativamente a um trust. No entanto, alguns trusts estão incluídos na definição de "residente de um Estado contratante" em alguns ADT's específicos. Nestas circunstancias limitadas, pode ser emitido um certificado de residência relativamente a um trust. "
No presente processo, a Requerente reafirma as pretensões formuladas no pedido de revisão oficiosa, dizendo o seguinte, em suma:
– objeto do trust (B...) consiste na promoção e apoio a pesquisas e estudos científicos nos campos da saúde humana e animal;
– o objetivo fundamental dos investimentos é obter rendimentos que possibilitem ao B... realizar os seus fins no âmbito da investigação científica nas áreas da saúde e biociências;
– segundo a lei britânica, um charitable trust como o B... goza de uma isenção quanto aos rendimentos obtidos para satisfazer os seus fins;
– se não estivéssemos perante uma entidade constituída e estabelecida no Reino Unido mas, ao invés, perante uma entidade que visa os mesmos fins de um charitable trust – como é o B...– constituída e a operar de acordo com a legislação doméstica portuguesa, como uma fundação, não teria havido lugar a tributação em território nacional em virtude da isenção prevista no artigo 10.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, na redação conferida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, e antes das alterações introduzidas pelo artigo 12.º da Lei n.º 36/2021, de 14 de junho, com entrada em vigor em 1 de julho de 2021;
– tal consubstancia um caso de divergência no tratamento fiscal entre contribuintes em função da residência fiscal do beneficiário dos rendimentos que afronta de forma direta e injustificada a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”);
– o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) reconheceu, em múltiplas oportunidades, que as medidas de direito interno que são aptas a dissuadir ou simplesmente tornar menos atrativos os investimentos de não residentes num Estado-Membro ou os investimentos de residentes noutros Estados-Membros são proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, do TFUE;
– no direito britânico, o universo das entidades que prosseguem fins de caridade, solidariedade ou beneficência designadas como charities abrange, de um lado, as Charitable Companies e as Charitable Incorporated Organisations, ambas detentoras de personalidade jurídica, e, de outro, as Unincorporated Charitable Associations e os Charitable Trusts, que não têm personalidade jurídica;
– todas as charities têm em comum a circunstância de serem constituídas somente para fins altruístas, tais como, inter alia, a prevenção ou atenuação da pobreza, a promoção da educação, da saúde ou o salvamento de vidas, das artes, da cultura, do património ou da ciência, dos direitos humanos e a promoção da proteção ou melhoria do ambiente, desde que os mesmos sejam vocacionados para o benefício público (cf. artigos 1.º, 2.º e 3.º da respetiva lei reguladora, o Charities Act 2011;
– é para atingir esse tipo de fim altruísta, voltado para o interesse coletivo e não somente o do seu instituidor (settlor), que o B... foi constituído, existe e se mantém em funcionamento há décadas;
– as finalidades de interesse geral ou coletivo tradicionalmente visadas por um charitable trust são as mesmas prosseguidas por figuras conhecidas do direito doméstico nacional, como as associações e as fundações, que, de acordo com o artigo 185.º, n.º 1, do Código Civil, “visam a prossecução de fins de interesse social, podendo ser instituídas por ato entre vivos ou por testamento”;
– uma fundação com sede ou direção efetiva em território português é sujeito passivo de IRC, o qual incide sobre o seu rendimento global, não gozar de uma isenção;
– as pessoas coletivas de mera utilidade pública compreendem todas as pessoas coletivas de utilidade pública que não sejam instituições particulares de solidariedade social nem pessoas coletivas de utilidade pública administrativa;
– as associações e fundações devem, para este específico efeito, estar “regularmente constituídas e reger-se por estatutos elaborados em conformidade com a lei” (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 460/77, então em vigor);
– a isenção de IRC, o seu reconhecimento depende do preenchimento dos requisitos constantes do artigo 10.º, n.º 3, do Código do IRC;
– tanto a definição legal de pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública como o requisito da isenção consagrado na alínea a), do n.º 3, do artigo 10.º do Código do IRC indicam que o benefício em questão é conferido em função e também por causa da prossecução de determinados fins que se consideram ser do interesse da coletividade como um todo ou de parte dela (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 460/77 e artigo 3.º, n.º 2, da LQF);
– objetivo extrafiscal visado pela isenção do artigo 10.º do Código do IRC é “[a]umentar o papel solidário e subsidiário das pessoas coletivas de utilidade pública através da promoção de fins de interesse geral com cooperação com administração central ou local em áreas de relevo social tais como: a promoção da cidadania e dos direitos humanos, a educação, a cultura a ciência, o desporto, o associativismo jovem, a proteção de crianças, jovens, pessoas idosas, pessoas desfavorecidas, bem como de cidadãos com necessidades especiais, a proteção do consumidor, a proteção do meio ambiente e do património natural, o combate à discriminação baseada no género, raça, etnia, religião ou em qualquer outra forma legalmente proibida, a erradicação da pobreza, a promoção da saúde ou do bem-estar físico, o empreendedorismo, a inovação e o desenvolvimento económico, a preservação do património cultural;
– é inequívoco que um charitable trust de direito britânico como o B..., do qual a Requerente é o trustee único, prossegue fins desta natureza, especificamente, no domínio da saúde e bem-estar humanos;
– à data dos factos a aquisição deste estatuto – e, por conseguinte, o acesso ao próprio benefício fiscal – estava reservada a quem fosse dotado de personalidade jurídica e regularmente constituído de acordo com a lei portuguesa, isto é, aos residentes em território nacional;
– a AT esclarece que o pedido de reconhecimento da isenção deve ser acompanhado de documento comprovativo da natureza jurídica de pessoa coletiva que, no caso das fundações, é a cópia do Diário da República onde foi publicada a declaração de utilidade pública;
– uma entidade constituída à luz da lei estrangeira para as mesmas finalidades que obtivesse rendimentos em Portugal não podia, por razões que se prendiam com a legislação doméstica, gozar da isenção que era atribuída às suas congéneres locais quanto aos rendimentos aqui auferidos;
– ao impor a tributação dos rendimentos obtidos em território nacional por um charitable trust de direito britânico, a legislação portuguesa, em concreto, o artigo 10.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, conjugado com os artigos 87.º, n.º 4, e 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, do mesmo diploma, consubstancia uma restrição proibida à liberdade de circulação de capitais, um cânone fundamental do direito da União Europeia;
– impedir que ao charitable trust de direito britânico seja aplicado o benefício da isenção de IRC porque, ao contrário das entidades residentes visadas por essa isenção, não goza de personalidade jurídica e, como tal, não é suscetível de ser comparado objetivamente com estas entidades residentes, tem o efeito de retirar à liberdade de circulação de capitais qualquer efeito útil;
– um charitable trust ou trust de beneficência de common law é uma realidade equiparável a uma fundação de matriz continental ou romano-germânica;
– em nenhum momento o artigo 10.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC erige como requisito da isenção o prosseguimento dos fins aí previstos de forma pessoal, direta ou individualizada pela própria pessoa coletiva de (mera) utilidade pública;
– sendo um trust entendido como “uma relação fiduciária através da qual os bens são transmitidos a uma pessoa (trustee) para que esta os administre em benefício de um terceiro (beneficiário ou cestui que trust) e em conformidade com o objetivo estabelecido no ato constitutivo”, o prosseguimento deste objetivo delimitado no ato constitutivo não é beliscado pelo facto de se concretizar através de terceiros por ele financiados ou apoiados;
– é o exercício, exclusivo ou predominante, de fins de interesse coletivo (geral, regional ou local) ou fins “benignos”, avaliados por referência ao objeto estatutário, que torna a entidade elegível para a concessão do estatuto de utilidade pública;
– os fins prosseguidos pelo B... são de interesse público ou geral e inserem-se na previsão da alínea c), do n.º 1, do artigo 10.º do Código do IRC e na alínea a), do n.º 3, deste mesmo dispositivo legal, bem como no disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea a), da LQF;
– o B... cumpre o requisito previsto na alínea b), do n.º 3, do artigo 10.º do Código do IRC de afetação aos fins supra referidos de, pelo menos, metade (50%) do rendimento global líquido que seria sujeito a tributação nos termos gerais até ao fim do quarto período de tributação posterior àquele em que tenha sido obtido;
– quanto ao requisito previsto na alínea c), do n.º 3, do artigo 10.º do Código do IRC, o Ofício-Circulado n.º 20140/2009, de 4 de agosto, da Direção de Serviços do IRC dispõe que a sua demonstração se basta com uma declaração da própria entidade quanto à “inexistência de qualquer interesse direto ou indireto dos membros dos órgãos estatutários, por si ou por interposta pessoa, nos resultados da exploração das atividades económicas dessa entidade”;
– face à inexistência de qualquer regra geral que impeça que os membros do órgão de administração das fundações sejam remunerados, o facto de, conforme resulta do artigo 16.º do ato constitutivo do B..., o respetivo Board of Governors (diretores) ter direito a uma remuneração fixa nos termos aí previstos não impede o preenchimento deste requisito;
– quanto ao disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 24.º da LQF todo o exposto até aqui atesta a sua verificação;
– está liminarmente afastada a prevenção de práticas abusivas ou fraudulentas como justificação para a restrição à livre circulação de capitais;
– Igualmente afastada está a causa de justificação que se prende com a coerência – ou coesão – do sistema fiscal;
– afastada também está a justificação relacionada com a repartição equilibrada do poder de tributação entre Estados, afinal esta tem em vista precaver comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado-Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território;
– a justificação relativa à necessidade de preservar a eficácia dos controlos fiscais só se pode admitir quando a legislação de um Estado Membro faz depender um benefício fiscal da satisfação de condições cuja observância só pode ser verificada mediante a obtenção de informações junto das autoridades competentes de um Estado terceiro e quando, por não existir uma obrigação convencional de esse Estado terceiro fornecer informações, for impossível obter essas informações junto desse Estado;
– deverá fazer-se reenvio prejudicial para o TJUE sobre a seguinte questão:
“Ao reservar o benefício da isenção para as entidades constituídas à luz do direito português e aqui estabelecidas que prosseguem fins de utilidade pública ou interesse social e revistam uma das formas legais previstas na legislação doméstica e, inversamente, não reconhecer esta vantagem fiscal a entidades não residentes que prosseguem os mesmos fins mas não estão constituídas sob uma das formas legais previstas na lei doméstica, não sendo por isso dotadas de personalidade jurídica, o artigo 10.º, n.ºs 1, alínea c), e 2, do Código do IRC, na redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, viola a livre circulação de capitais consagrada com caráter erga omnes no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE?”
Relativamente ao pedido subsidiário, a Requerente diz o seguinte, em suma:
– a interpretação veiculada pela AT, exigindo que o trust esteja expressamente previsto nas CDTs para beneficiar do regime nelas previsto, contraria a posição sufragada pela doutrina de direito fiscal internacional e os Comentários da OCDE à Convenção Modelo;
– certo tipo de situação que configure um "pressuposto" de aplicação do tratado e que seja descrita por um conceito jurídico, deve ser exclusivamente qualificada pela ordem jurídica que com ela tenha mais estreita conexão (lex situationis), conexão essa que há de ser descoberta por um esforço interpretativo do próprio tratado;
– para a OCDE, o termo “sociedade” contido no artigo 3.º da Convenção Modelo compreende, além das pessoas coletivas em geral, “qualquer unidade tributável considerada como pessoa coletiva pela legislação fiscal do Estado Contratante de que é residente”;
– conforme o artigo 4.º, n.º 1, da CDT, “a expressão «residente de um Estado Contratante» significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ou local de direção ou a qualquer outro critério de natureza similar e as expressões «residente do Reino Unido» e «residente de Portugal» serão interpretadas em conformidade” (sublinhado nosso);
– a pergunta que cumpre fazer é se o Reino Unido considera a entidade beneficiária dos rendimentos de fonte portuguesa – a Requerente, enquanto trustee único do B... – residente;
– relativamente à interpretação do artigo 4.º da Convenção Modelo da OCDE, “destina-se a estabelecer uma ligação física (...) Não é, contudo, objetivo do artigo 4.º negar a proteção do tratado "pela porta traseira" (...) No Estado da fonte, que o trata como uma entidade tributável independente, deve, consequentemente, poder reclamar a proteção do tratado”;
– a existir tributação em Portugal, o charitable trust em questão cumpria todos os requisitos para que os seus rendimentos beneficiassem da aplicação da CDT entre Portugal e o Reino Unido, em particular, da taxa de 15%, em detrimento da taxa geral de IRC de 25% prevista no artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC, de acordo com o artigo 10.º, n.º 2, alínea b), da CDT.
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira não se pronuncia sobre esta questão, tratando, na sua Resposta, de uma questão relativa à aplicação do artigo 22.º do EBF aos organismos de investimento colectivo, que não tem qualquer relação, directa ou indirecta, com as questões que são objecto do presente processo.
3.2. Questão da aplicação da isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRC
A alínea c) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRC estabelece que «estão isentas de IRC ... as pessoas coletivas com estatuto de utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social, defesa do meio ambiente e interprofissionalismo agroalimentar» (Redação da Lei n.º 36/2021 de 14 de Junho).
A tese essencial da Requerente é a que o charitable trust B..., apesar de não ser uma pessoas colectiva, se encontra numa situação equiparável a estas pessoas colectivas, pelo que lhe deve ser aplicada a isenção prevista naquela norma.
Porém, é manifesto que, à face do regime legal aplicável, não basta para usufruir da isenção, que as pessoas colectivas com estatuto de utilidade pública prossigam aqueles fins para beneficiarem da isenção, pois a lei exige vários requisitos, admite limitações e impõe condições.
Na verdade, «os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento» (artigo 5.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais).
Neste caso, está-se perante um benefício fiscal dependente de reconhecimento, como reiteradamente afirma a Autoridade Tributária e Aduaneira na fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, e resulta do teor expresso do n.º 2 do artigo 10.º do CIRC, em que se faz depender o benefício fiscal de reconhecimento casuístico pelo membro do Governo responsável pela área das finanças.
Para além disso, como também se prevê neste n.º 2, mesmo nos casos em que seja reconhecido o direito ao benefício fiscal, a isenção pode não ser total, pois aqui se prevê seja definida no acto de reconhecimento «a respetiva amplitude, de harmonia com os fins prosseguidos e as atividades desenvolvidas para a sua realização».
A isto acresce que a isenção fica sujeita a condições permanentes, previstas no n.º 3 do mesma artigo 10.º, cuja inobservância determina a perda da isenção, a partir do correspondente período de tributação, inclusive(n.º 4 do artigo).
Por outro lado, o reconhecimento está subordinado a um procedimento próprio, previsto no artigo 65.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se impõe a satisfação de vários requisitos e se prevêem limitações, como salienta a Autoridade Tributária e Aduaneira na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
Na verdade, o reconhecimento de benefícios depende de iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, com prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei (artigo 65.º, n.º 1, do CPPT).
Se se tratar de benefícios fiscais relativos a factos tributários sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, como sucede no caso em apreço, o pedido tem de ser até ao limite do prazo para entrega do respectivo imposto nos cofres do Estado (artigo 65.º, n.º3, do CPPT).
Por outro lado, independentemente da interpretação da Requerente sobre a possibilidade de enquadramento da sua situação na hipótese prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRC, não havia qualquer obstáculo a que a Requerente pedisse o reconhecimento do benefício fiscal, inclusivamente defendendo, no procedimento próprio previsto no artigo 65.º e eventualmente em impugnação da decisão que nele fosse proferida, a tese que apresentou no pedido de revisão oficiosa, de violação do Direito da União Europeia.
O que não pode, decerto, é um Tribunal Arbitral, que tem de decidir «de acordo com o direito constituído» e tem competências limitadas à apreciação da legalidade dos actos indicados no artigo 2.º do RJAT, em que não se inclui competência para apreciar a legalidade dos actos de reconhecimento ou não de benefícios fiscais, fazer tábua rasa do regime legal e tratar um benefício fiscal dependente de reconhecimento como se fosse automático, apreciando a possibilidade da sua aplicação em processo impugnatório de actos de retenção na fonte, ou para se substituir ao Governo, reconhecendo o direito ao benefício fiscal.
Na verdade, a impugnação do acto que recair sobre o pedido de reconhecimento é autónoma em relação à impugnação dos actos de liquidação ou retenção na fonte, não podendo a questão do reconhecimento do direito ao benefício ser discutida no processo de impugnatório daqueles actos de liquidação ou retenção na fonte ( [2] ).
No que concerne especificamente à apreciação da legalidade dos actos de retenção na fonte, que é a matéria que se insere na competência deste Tribunal Arbitral, a situação do trust em causa, que não deu tempestivamente satisfação aos requisitos legais de que depende o reconhecimento, é equiparável à de qualquer pessoa colectiva susceptível de enquadramento directo na previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 10.º que não tenha satisfeito esses requisitos e não à daquelas que os satisfizeram e obtiveram tempestivamente o reconhecimento.
A consequência da inexistência de reconhecimento do benefício fiscal é, quanto aos actos de retenção na fonte que são objecto do presente processo, a não aplicação da isenção, como sucederia em relação a qualquer outra entidade residente em território português e constituída segundo o direito português que não obtivesse esse reconhecimento.
Assim, não há, quanto à aplicação da isenção e apreciação da legalidade dos actos de retenção na fonte, qualquer discriminação em razão da natureza, residência ou regime legal aplicável, entre o trust e outra entidade.
Por isso, não se coloca, com pertinência, a este nível da apreciação da legalidade dos actos de retenção na fonte, a possibilidade de violação dos artigos 63.º e 65.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
De qualquer forma, mesmo que se concluísse, como pretende a Requerente com a sugestão que faz sobre o objecto de reenvio prejudicial para o TJUE, que o artigo 10.º, n.ºs 1, alínea c), e 2, do Código do IRC, viola o princípio da livre circulação de capitais, a impugnação dos acto de retenção na fonte sempre teria de improceder, por não existir o imprescindível acto de reconhecimento do direito à isenção e não ser permitido ao tribunal arbitral, por tal constituir usurpação de poder [artigo 161.º, n.º 2 alínea a), do Código do Procedimento Administrativo], substituir-se ao membro do Governo responsável pela área das finanças efectuando esse reconhecimento.
Por isso, a resposta à questão sugerida pela Requerente para efeitos de reenvio prejudicial, não é necessária para o julgamento da causa, o que afasta a possibilidade de reenvio prejudicial, pois só é admitido quando o órgão jurisdicional «considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa» (artigo 267.º, n.º 2, do Tribunal de Justiça da União Europeia).
Pelo exposto, os actos de retenção na fonte impugnados não enfermam de vicio por não ter sido aplicada a isenção prevista no artigo 10.º, n.ºs 1, alínea c), do CIRC e não se justifica o reenvio prejudicial sugerido pela Requerente.
Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido principal.
3.3. Pedido subsidiário de aplicação da taxa de retenção na fonte de 15% prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação ente Portugal e o Reino Unido
A taxa de retenção na fonte aplicada nos actos impugnados foi de 25%, prevista no artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC, aplicável por força do disposto no artigo 94.º, n.º 5, do mesmo diploma.
A Requerente pretende que seja aplicada a taxa de 15%, prevista no artigo 10.º, n.º 2, alínea b), da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, assinada em Lisboa em 27 de Março de 1968, publicada pelo Decreto-Lei n.º 48497, de 24-07-1968 (doravante “CDT”).
Aquele artigo 10.º, n.º 2, alínea b) estabelece que «os dividendos pagos por uma sociedade residente de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante, que está sujeito a imposto nesse outro Estado por tais dividendos, podem ser tributados no Estado primeiramente mencionado e de acordo com a legislação desse Estado, mas o imposto assim estabelecido não excederá (...) 15 por cento do montante bruto dos dividendos, nos restantes casos».
A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu a pretensão da Requerente apresentada no pedido de revisão oficiosa por entender, em suma que
– o âmbito subjetivo da mencionada CDT não inclui expressamente os fideicomissos, ao contrário das Convenções para evitar a dupla tributação celebradas entre Portugal e Canadá e entre Portugal e os Estados Unidos da América
– nos comentários ao artigo 1.° do Modelo Convenção da OCDE, parágrafo 6.10, observando que a forma jurídica assumida pelos veículos de investimento coletivo (VIC), pode diferir de país para país, recomenda que os Estados contratantes incluam de forma expressa no texto do ADT, os VIC que assumam a forma jurídica de "trust" na definição do termo "pessoa".
– sucede que o ADT Portugal/Reino Unido não inclui no artigo 1° ou nas definições de "pessoa" ou de "sociedade", respetivamente, pelas alíneas f) e g) do n.º 1do artigo 3.°, as entidades constituídas sob a forma jurídica de "trust.
– com efeito, constata-se que os Estados Contratantes optaram por não modificar a definição da expressão de "pessoa" para efeitos da CDT, nos termos da recomendação prevista no parágrafo 6.10 dos comentários ao artigo 1.º do Modelo Convenção da OCDE, não incluindo de forma expressa, os VIC que assumem a forma jurídica de "trust" na definição do termo "pessoa”.
A Requerente defende, em suma, que
– para a OCDE, o termo “sociedade” contido no artigo 3.º da Convenção Modelo compreende, além das pessoas coletivas em geral, “qualquer unidade tributável considerada como pessoa coletiva pela legislação fiscal do Estado Contratante de que é residente”;
– conforme o artigo 4.º, n.º 1, da CDT, “a expressão «residente de um Estado Contratante» significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ou local de direção ou a qualquer outro critério de natureza similar e as expressões «residente do Reino Unido» e «residente de Portugal» serão interpretadas em conformidade”.
O trust, constituído ao abrigo das leis de países que admitem esta figura jurídica do direito anglo-saxónico «é, na sua essência, um desmembramento da propriedade (entre a propriedade legal e a propriedade fiduciária) que se opera por um acto (deed of trust) pelo qual alguém (settlor) confia um bem ou conjunto de bens a outrem (trustee), com a finalidade de fazer beneficiar um terceiro (cestui que trust)». « O trust tem, pois, como características essenciais, (i) os bens, objecto do trust, formam um património específico que, apesar de transferidos para a propriedade do trustee, constituem uma-massa separada do resto do seu património; (ii) o trustee assume a obrigação de gerir e dispor os bens transferidos pelo settlor, segundo as condições impostas pelo trust e pela lei». ( [3] )
Antes de mais, importa esclarecer que, ao contrário do que pressupõe a Requerente, designadamente nos artigos 274.º, 281.º e 282.º do pedido de pronúncia arbitral, está em causa a tributação do B..., NIF ..., e não do trustee A... LIMITED, NIF..., pois foi àquele, beneficiário, que foram pagos directamente os dividendos em causa, com a respectiva retenção na fonte (página 6 da fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que consta do documento n.º 1 e declarações do JI... que constam do documento n.º 8).
Na verdade, independentemente de o trustee poder ser tributado no Reino Unido, não há qualquer relação jurídica tributária estabelecida entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e o trustee A... LIMITED, NIF ..., que seja objecto deste processo, pois a retenção foi efectuada ao B..., NIF... .
No n.º 1 do artigo 3.º da CDT incluem-se várias «definições gerais», entre as quais as seguintes:
f) O termo «pessoa» compreende uma pessoa singular, uma sociedade ou qualquer outro agrupamento de pessoas;
g) O termo «sociedade» significa qualquer pessoa colectiva ou qualquer entidade que é tratada como pessoa colectiva para fins tributários;
O termo trust (fideicomisso) refere a relações jurídicas criadas – inter vivos ou após a morte – por alguém, o outorgante, quando os bens forem colocados sob controle de um curador para o benefício de um beneficiário ou para alguma finalidade específica (artigo 2.º da Convenção de Haia. Concluída em 01-07-1985).
O B..., a quem foram feitas as retenções na fonte impugnadas, é uma entidade sem personalidade jurídica, sendo este um ponto em relação ao qual não há controvérsia no processo.
Essa falta de personalidade jurídica não é, por si mesma, obstáculo a que o B... possa ser considerado uma «pessoa» para efeitos da CDT, pois, como diz a Requerente ( [4] ), «no contexto da Convenção, portanto, o termo pessoa representa: quem está sujeito a proteção do tratado; quem é beneficiário de rendimento ou detentor de património; quem tem legitimidade para invocar a Convenção no âmbito de um procedimento ou processo». Não há, por isso, obstáculo decorrente daquelas definições que que a CDT seja aplicada a entidades sem personalidade jurídica, desde que isso decorra da própria CDT, numa situação em que essa entidade é a beneficiária do rendimento. ( [5] )
No entanto, nos termos do artigo 1.º da CDT Portugal – Reino Unido (idêntico ao artigo 1.º da Convenção Modelo da OCDE), «esta Convenção aplica-se às pessoas residentes de um ou de ambos os Estados Contratantes».
Por isso, para apurar se o B... pode beneficiar da taxa reduzida prevista na CDT, é necessário apurar se, para além de ser considerado um «pessoa», pode ser considerado «pessoa residente», neste caso, no Reino Unido, para efeitos da Convenção.
O artigo 4.º, n.º 1, da mesma CDT (que corresponde, no essencial, ao n.º 1 do artigo 4.º da Convenção Modelo da OCDE) estabelece que «para efeitos desta Convenção, a expressão «residente de um Estado Contratante» significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ou local de direcção ou a qualquer outro critério de natureza similar e as expressões «residente do Reino Unido» e «residente de Portugal» serão interpretadas em conformidade».
A expressão «sujeita a imposto», utilizada nesta norma, pode ser interpretada como reportando-se à sujeição às leis tributárias, não limitando a qualificação de «pessoas residente» aos casos em que há uma tributação efectiva, designadamente não afastando os casos em que há aplicação de uma isenção ( [6] ).
No entanto, «em alguns Estados, contudo, essas entidades não são consideradas sujeitas a imposto se estiverem isentas de imposto de acordo com a legislação tributária nacional. Esses Estados podem não considerar tais entidades como residentes para fins de uma convenção, a menos que sejam expressamente abrangidas pela convenção. Os Estados Contratantes que adotam essa visão são livres para abordar a questão em suas negociações bilaterais». ( [7] )
É esta situação que se verifica, em geral, no caso dos trusts no Reino Unido, segundo se depreende da informação divulgada pela autoridade tributária do Reino Unido ( https://www.gov.uk/hmrc-internal-manuals/international-manual/intm16212), referida no projecto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, cuja correspondência à realidade não é questionada pela Requerente: «Por conseguinte, um trust não pode ser residente no Reino Unido para efeitos da maioria dos Acordos de Dupla Tributação (ADT) do Reino Unido. Por conseguinte, normalmente não pode ser emitido certificado de residência (CoR) relativamente a um trust. No entanto, alguns trusts estão incluídos na definição de "residente de um Estado contratante" em alguns ADT's específicos. Nestas circunstâncias limitadas, pode ser emitido um certificado de residência relativamente a um trust».
É também este entendimento de que «os trusts, enquanto tais não beneficiam da aplicação do regime previsto nas CDT salvo se tal se encontrar expressamente previsto nas CDT» que tem sido adoptado pela Administração Tributária Portuguesa, como se infere da Circular n.º 6/2009, de 6 de abril de 2009, parcialmente transcrita na alínea AA) da matéria de facto e invocada na fundamentação do projecto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
O facto de apenas em algumas Convenções para Evitar a Dupla Tributação celebradas por Portugal se prever expressamente a sua aplicação aos trusts [como sucede com as celebradas com os Estados Unidos da América ( [8] ), o Canadá ( [9] ) e Hong-Kong ( [10] )] corrobora a conclusão de que essa aplicação não foi pretendida quando não há uma referência expressa, como sucede na generalidade das Convenções.
Para além disso, por força do preceituado no n.º 3 do artigo 31.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, assinada em 23 de Maio de 1969, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 67/2003, de 7 de Agosto, para além do contexto, é de atribuir relevo interpretativo ao acordo das partes posterior à elaboração do tratado, inclusivamente «toda a prática seguida posteriormente na aplicação do tratado pela qual se estabeleça o acordo das Partes sobre a interpretação do tratado». ( [11] )
Ora, as práticas coincidentes das administrações tributárias de Portugal e do Reino Unido no sentido da não aplicação da CDT em causa aos trusts, que se inferem da informação «INTM162120 - UK residents with foreign income or gains: certificates of residence: for trusts» e da Circular n.º 6/2009, referidas nas alíneas Z) e AA) da matéria de facto fixada, revelam acordo das partes na quanto à sua interpretação, que tem valor interpretativo, que lhe é expressamente atribuído pela alínea b) do n.º 3 do artigo 31.º da referida Convenção de Viena que estabelece, como se referiu, que ter-se-á em consideração, além do mais, «toda a prática seguida posteriormente na aplicação do tratado pela qual se estabeleça o acordo das Partes sobre a interpretação do tratado».
Assim, constatando-se que no caso da CDT entre Portugal e o Reino Unido, ao contrário do que sucede com outras CDT, não se faz qualquer referência aos trusts como entidades «residentes no Reino Unido», para efeitos de aplicação daquela CDT, justifica-se que se conclua que esta não lhes é aplicável.
Por isso, o B... não pode beneficiar da redução de taxa prevista na CDT para as «pessoas residentes» no Reino Unido.
Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral, quanto a esta questão.
Independentemente do que se referiu, que basta para concluir pela improcedência do pedido subsidiário, pode acrescentar-se, obiter dictum, que se verifica ainda um outro obstáculo à procedência da pretensão da Requerente, que é referido na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
Na verdade, não se provou que a Requerente tivesse apresentado à entidade obrigada a efectuar a retenção a prova de a verificação dos pressupostos que resultem de convenção para evitar a dupla tributação, como exige o artigo 98.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) , do CIRC.
Esta falta de apresentação de prova afasta a possibilidade de evitar a retenção na fonte, à face do preceituado no artigo 98.º, n.º 2, alínea a), do CIRC, como se refere nos pontos 42 e 43 do projecto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa ( [12] ).
Sendo assim, não havia dispensa total ou parcial de retenção, pelo que os actos praticados não enfermam de qualquer ilegalidade.
Nesta situação, a forma legal de as entidades beneficiárias dos rendimentos reagirem é o pedido de reembolso total ou parcial previsto no n.º 7 do mesmo artigo 98.º do CIRC.
Pelo exposto, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido subsidiário.
4. Restituição de quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente pede restituição de quantias pagas acrescida de juros indemnizatórios.
O direito a restituição, bem como direito a juros indemnizatórios, pressupõem pagamento depende de um pagamento indevido (artigo 43.º, n.º 1, da LGT).
No caso em apreço não se demonstra qualquer vício dos actos de retenção na fonte, pelo que não se pode concluir que os pagamentos fossem indevidos
Por isso, improcedem os pedidos de restituição e de juros indemnizatórios.
5. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 693.490,16, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10.098,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 23-10-2025
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Relator)
(Adelaide Moura)
(Jesuíno Alcântara Martins)
[1] Em tradução livre:
INTM162120 - Residentes do Reino Unido com rendimentos ou ganhos estrangeiros: certificados de residência: para trusts Os trusts não são, por si só, tributáveis no Reino Unido, mas os trustees podem ser tributáveis no Reino Unido. Um trust, portanto, não pode ser residente no Reino Unido para os fins da maioria dos Acordos de Dupla Tributação (ADTs) do Reino Unido. Consequentemente, um Certificado de Residência (CoR) normalmente não pode ser emitido em relação a um trust. No entanto, alguns trusts estão incluídos na definição de "residente de um Estado Contratante" em ADTs específicos. Nessas circunstâncias limitadas, um certificado de residência pode ser emitido em relação a um trust. Portanto, é essencial que o ADT relevante seja verificado no recebimento de todas as solicitações.
[2] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 18-11-2015, proferido no processo n.º 0459/14.
[3] ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, 2.ª edição, páginas 130-131.
[4] Na esteira de JOÃO SÉRGIO RIBEIRO, Introdução à Convenção-Modelo da OCDE sobre o Rendimento e o Património, 2025, (Reimpressão) página 50.
[5] Aparentemente em sentido diferente, ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, 2.ª edição, página 132, para quem a falta de personalidade jurídica obsta a que um trust possa qualificar-se como “pessoa residente”: «como, porém, o trust é destituído de personalidade jurídica, não pode qualificar-se como "pessoa residente" para efeitos de aplicação das convenções contra a dupla tributação».
[6] Comentário ao artigo 4.º da Convenção Modelo (versão de 21-11-2017), disponível em https://www.oecd.org/content/dam/oecd/en/publications/reports/2019/04/model-tax-convention-on-income-and-on-capital-2017-full-version_g1g972ee/g2g972ee-en.pdf
8.11 Paragraph 1 refers to persons who are “liable to tax” in a Contracting State under its laws by reason of various criteria. In many States, a person is considered liable to comprehensive taxation even if the Contracting State does not in fact impose tax. For example, charities and other organizations may be exempted from tax, but they are exempt only if they meet all of the requirements for exemption specified in the tax laws. They are, thus, subject to the tax laws of a Contracting State. Furthermore, if they do not meet the standards specified, they are also required to pay tax. Most States would view such entities as residents for purposes of the Convention (see, for example, paragraph 1 of Article 10 and paragraph 5 of Article 11)
O que se pode traduzir desta forma:
8.11 O parágrafo 1 refere-se a pessoas que são “sujeitas a impostos” em um Estado Contratante sob suas leis em razão de vários critérios. Em muitos Estados, uma pessoa é considerada sujeita a tributação abrangente mesmo que o Estado Contratante não imponha, de facto, impostos. Por exemplo, instituições de caridade e outras organizações podem ser isentas de impostos, mas o são somente se atenderem a todos os requisitos de isenção especificados nas leis tributárias. Portanto, estão sujeitas às leis tributárias de um Estado Contratante. Além disso, se não atenderem aos padrões especificados, também são obrigadas a pagar impostos. A maioria dos Estados consideraria tais entidades como residentes para fins da Convenção (ver, por exemplo, parágrafo 1 do Artigo 10 e parágrafo 5 do Artigo 11).
[7] Tradução livre do comentário 8.12 ao artigo 4.º da Convenção modelo:
«8.12 In some States, however, these entities are not considered liable to tax if they are exempt from tax under domestic tax laws. These States may not regard such entities as residents for purposes of a convention unless these entities are expressly covered by the convention. Contracting States taking this view are free to address the issue in their bilateral negotiations. »
[8] Alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º da CDT aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/95, de 12-10-1995.
[9] Alínea d) do artigo 3.º da CDT aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 81/2000, de 6 de Dezembro de 2000.
[10] Subalínea i) da alínea ii) do n.º 1 do artigo 3.º da CDT aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2012, de 16 de abril de 2012.
[11] Neste sentido, ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, 2.ª edição, página 151, e JOÃO SÉRGIO RIBEIRO, Introdução à Convenção-Modelo da OGCE sobre o Rendimento e o Património, 2025 (reimpressão), página 26.
[12] Em que se refere que:
42. Para este efeito, o titular dos rendimentos deve cumprir, em Portugal, com o disposto no art.º 98.º do CIRC.
43. Quando não estejam reunidos aqueles requisitos, os lucros ficam sujeitos a retenção na fonte, à taxa de 25%, nos termos previstos no n.º 4 do art.° 87° do CIRC.