Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1319/2024-T
Data da decisão: 2025-10-27  IVA  
Valor do pedido: € 124.678,16
Tema: Empreitada de reabilitação urbana - Verbas 2.23 e 2.27, da Lista I anexa ao Código do IVA.
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DECISÃO ARBITRAL

 

SUMÁRIO: I – Só beneficiam da taxa reduzida de IVA (6%), prevista, conjugadamente, nos artigos 18º-a) e na Verba 2-23, da Lista I, anexa ao CIVA, as empreitadas de reabilitação urbana. 

II – A qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupões a existência de uma empreitada e a sua realização em “Área de Reabilitação Urbana (ARU) para a qual esteja aprovada previamente uma Operação de Reabilitação Urbana (ORU) (Cfr Ac. do STA – Pleno – de 26-3-2025 – Proc nº 12/24). 

III – Só podem beneficiar da taxa reduzida de IVA as empreitadas de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de imóveis ou partes autónomas destes afetos à habitação, com as exceções previstas na Verba 2.27, da Lista I anexa ao CIVA, 

 

 

I – RELATÓRIO

 

 

1.      A..., LDA, sociedade comercial inscrita na respetiva conservatória do registo comercial sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., ..., doravante “Requerente”, vem, nos termos da alínea a) n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante “RJAT”, instituído pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01), apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral tendo em vista (i) o ato de indeferimento tácito de Reclamação Graciosa apresentada em 19/06/2024 (junto como documento n.º 1 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido),  (ii)  os atos de liquidação adicional de IVA relativos aos períodos de tributação de 2022, 01/2023 a 04/2023, e respetivos juros compensatórios[1], e, cumulativamente, (iii) o ato de liquidação adicional n.º 2024... relativo ao período de tributação de abril de 2024, cujo valor global a pagar ascendeu a € 124.678,16 (junto como documento n.º 2 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido), decorrentes de correções promovidas no valor global de € 350.633,89[2] e no valor contestado de € 349.319,22[3], pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) nos Relatórios de Inspeção Tributária (RIT), a coberto das ordens de serviço identificadas com os n.os OI2023..., OI2023... e OI2024... (junto documentos n.os 3, 4 e 5 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).

 

2.     Alega, no essencial e sumariamente, a fundamentar o pedido formulado:

 

- que na tabela-síntese infra, discrimina  os atos de liquidação adicional de IVA relativos aos períodos de tributação de 2022, de 2023 e de abril de 2024, e respetivos juros compensatórios, no valor global a pagar de € 124.678,16, contra os quais visa, mediata e imediatamente, reagir através da apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

-  impugna o ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra as sobreditas liquidações e juros compensatórios referentes a 2022 e 2023, com a consequente anulação desses atos, considerando ainda ilegal o ato de liquidação adicional de IVA referente a abril de 2024, pedindo a sua anulação;

- considera que os atos enfermam de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, invocando, em síntese e no essencial, que as operações em causa deveriam ser tributadas à taxa reduzida de IVA na medida em que se reconduzem a transmissões de bens e prestações de serviços que estão taxativamente elencadas nas Listas anexas ao CIVA, com tributação a taxa reduzida ou intermédia, designadamente, na Lista I, para a qual remete a alínea a), do nº 1, do artigo 18º, do CIVA, mais concretamente, são empreitadas de reabilitação urbana, com especial previsão na Verba 2.23, na redação em vigor à data e na Verba 2.27, também da citada Lista I.

- pede,  em suma,  a anulação das decisões e o reembolso do imposto considerado indevidamente pago e a condenação  da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.  3. A questão ou questões objeto do litígio.

 

Está em causa nos autos - e é, por consequência,  o objeto do litígio -  (i) a questão de saber se, relativamente a uma empreitada de reabilitação urbana, quais deverão ser as condições necessárias para a mesma ficar sujeita à taxa reduzida de IVA, ao abrigo da alínea a), do nº 1, do artigo 18º, do CIVA – Verba 2.23 da Lista I [ou, mais concretamente, se basta que a obra objeto da empreitada se localize em área de reabilitação urbana (ARU) já legalmente definida (como defende a Requerente) ou, pelo contrário, se é necessário que a dita obra esteja também (requisitos cumulativos), abrangida por uma “operação de reabilitação urbana” (ORU), previamente aprovada para essa ARU, como defende no caso a Requerida] e (ii) se estão reunidos os requisitos para a aplicação da taxa reduzida de IVA nos termos da Verba 2.27, da sobredita Lista I, a algumas das empreitadas em discussão nos autos

 

4.    Tramitação processual

O pedido foi aceite pelo CAAD em 11-12-2024

Após designação pelo CAAD dos árbitros e aceitação dessa designação, sem oposição das partes, foi o Tribunal declarado constituído em 21-02-2025.

A Requerida apresentou resposta e juntou cópia do processo administrativo instrutor.

Dispensada a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT, foram as partes notificadas para apresentarem, por escrito, as suas alegações finais e designada data para a prolação e notificação do acórdão final.

Entretanto e por razões invocadas no respetivo despacho, foi prorrogado o prazo previsto no artigo 21º, do RJAT.

 

5.    Saneamento

O Tribunal é absolutamente competente.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.

Foram suscitadas ainda pela Requerente as seguintes questões:

a)    Nulidade do ato impugnado por ausência de atribuições da AT (artigo 161º-2/b), do CPA;

b)    Não aplicação, no caso, do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência;

c)    Inconstitucionalidade da Verba 2.23 da Lista I, anexa ao CIVA e do artigo 7º, do RJRU por violação do princípio da legalidade, da tipicidade e da proporcionalidade.

d)    Inconstitucionalidade por violação do princípio da confiança;

e)    Violação do princípio da Igualdade e da proporcionalidade no tratamento diferenciado entre sujeitos passivos em situações iguais.

 

Cumpre decidir.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO 

A - Os factos

6.    Estão provados os seguintes factos essenciais para o objeto do litígio:

A)    A Requerente é uma sociedade que atua no setor da construção, tendo sido constituída em 2018. Cfr. certidão permanente junta como documento n.º 6 do PPA e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;

B)    O objeto social da Requerente é a “recuperação e remodelação de edifícios públicos e privados.  Indústria de construção civil e empreitadas de obras públicas e privadas e  prestação  de serviços de engenharia civil’’; Cfr. RIT

C)    A Requerente liquidou IVA,  à taxa reduzida de 6%,  prevista na verba 2.23 da Lista I do CIVA, a empreitadas de reabilitação urbana executadas em imóveis sitos em áreas de reabilitação urbana (ARU) nos concelhos de Vila Nova de Gaia e do Porto; cfr. RIT.

D)    E procedeu ainda à liquidação de IVA à taxa reduzida de 6% por aplicação da Verba 2.27, da citada Lista I, relativamente às empreitadas mencionadas supra, em P) e MM); cfr. RIT.

E)    A Requerente foi sujeita a procedimento de inspeção tributária de que resultaram atos de liquidação adicional de IVA, relativos aos períodos de 2022, 2023 e abril de 2024, com juros compensatórios, tudo espelhado na tabela-síntese que segue:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

cfr. RIT.

F)     Foram celebrados pela Requerente, como empreiteira,  contratos de empreitada com os seguintes clientes/donos da obra e localizações:

B..., NIF ..., serviços de reabilitação efetuados na construção da Moradia do ..., localizada na ..., Vila Nova de Gaia;

B..., NIF ..., serviços de reabilitação efetuados no prédio sito na Rua  ..., ...-... Porto;

D..., NIF ... e E..., NIF ..., ambos proprietários, serviços de reabilitação efetuados no prédio sito na Rua ..., n.os ...-..., Porto;

F..., Lda., NIPC..., serviços de reabilitação efetuados na construção de 11 moradias unifamiliares, situadas na Rua ..., n.º ..., ..., Vila Nova de Gaia;

G..., NIF..., serviços de reabilitação efetuados na Construção Da Moradia ... da ..., localizada em Vila Nova De Gaia. Cfr. Doc 7 do PPA.

G)    A Requerente e os clientes/donos da obra celebraram os respetivos contratos de empreitada de reabilitação, com base nos quais a primeira passou a emitir faturas dos serviços executados aos segundos com periodicidade mensal. Cfr. documento n.º 7 do PPA e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

H)   Os imóveis sitos na Rua ... e na ..., ambos na Freguesia de ..., inseriam-se, à data dos factos na ARU da Cidade de Gaia, cuja delimitação foi aprovada pelo Aviso n.º 7435/2020, de 6 de maio[4];

I)      Esta ARU, cuja última delimitação foi aprovada pelo Aviso n.º 7435/2020, situa-se essencialmente no centro da cidade de Vila Nova de Gaia e visava “refundar o centro da cidade consolidada” e “qualificar a perceção dos limites da cidade no espaço público e na paisagem”[5], assumindo a seguinte configuração (...);

J)    Já quanto aos prédios sitos na Rua ..., n.os ...a..., e na Rua ... n.º ..., ambos no Concelho do Porto, os mesmos inseriam-se, à data dos factos, nas ARU do..., cuja delimitação foi aprovada pelo Aviso n.º 7761/2021, de 15 de abril[6], e da Baixa, cuja delimitação foi aprovada pelo Aviso n.º 4425/2018, de 21 de março[7], respetivamente.

K)    A Requerente, em resultado de procedimento de inspeção tributária, foi sujeita a liquidações adicionais de IVA, totalizando o valor a pagar de €124.678,16, por aplicação, julgada indevida, da taxa reduzida de IVA [cfr tabela supra, sob  a alínea E), dos factos provados]. Cfr. RIT.

L)    Apresentou o Requerente em, em 19-6-2024, reclamação graciosa contra essas liquidações relativas aos períodos de tributação de 2022, 01/2023 a 04/2024 e respetivos juros compensatórios e ainda contra o ato de autoliquidação adicional nº 2024...,  relativo ao período de tributação de abril de 2024. Cfr. Por acordo.

M)   Reclamação que, em 19-10-2024 não tinha sido objeto de qualquer decisão da Autoridade Tributária; Cfr. Por acordo.

N)   As obras objeto dos sobreditos contratos de empreitada em ARU´s aprovadas, não foram sujeitas a prévia aprovação de operações de reabilitação urbana (ORU) para os respetivos locais; Cfr. Por acordo.

O)    A Requerente tinha a seu cargo, por referência a 2022 e 2023, empreitadas tendo por objeto os imóveis habitacionais infra; cfr. Doc. 7.

P)    Esses contratos de empreitada foram celebrados pela Requerente, como empreiteira,  com os seguintes clientes:

·       H..., NIF..., serviços de construção efetuados no imóvel sito na Rua ..., n.º ...,  ..., concelho de Moura;

·       I..., NIF ..., serviços de construção efetuados no prédio sito na Rua ..., n.º..., Cascais;

·       J..., NIF ..., serviços de construção realizados na moradia ..., localizada na Rua..., n.º ..., Condeixa-A-Nova (este último apenas quanto ao período de tributação de 2022);

Q)    Os atos sob impugnação foram emitidos na sequência de três procedimentos inspetivos credenciados pelas ordens de serviço OI2023..., OI2023... e OI2024..., motivados por dois pedidos de reembolso de IVA (efetuados nas declarações periódicas de IVA de 04/2023 e 04/2024), e nos quais os SIT promoveram correções no valor de € 199.823,92 (2022), de € 109.745,38 (2023), e de € 39.750,02 (2024) ao nível deste imposto, com as quais a Requerente não concorda; Cfr. RIT.

R)    A fundamentação dos atos assenta na inaplicabilidade das taxas reduzidas previstas nas verbas 2.23[8] e 2.27, ambas da Lista I, anexa ao CIVA, na redação em vigor à data dos factos, tal como defendida pelos SIT nas ações inspetivas;. Cfr. RIT.

S)    Segundo a AT, a Requerente liquidou indevidamente IVA - à taxa reduzida de 6% - prevista na verba 2.23 da Lista I a empreitadas de reabilitação urbana executadas em imóveis sitos em áreas de reabilitação urbana (ARU) nos concelhos de Vila Nova de Gaia e do Porto, na ausência da correspondente operação de reabilitação urbana (ORU) [Ou seja, o conceito adotado pelos SIT para efeitos de enquadramento das empreitadas nesta verba exige a verificação de duplo requisito: a localização do imóvel a reabilitar numa ARU e, bem assim, a sua inserção no quadro de uma ORU previamente aprovada]; Cfr. RIT.

T)     Para além disso, e quanto aos períodos de 2022 e 2023, a Requerente liquidou IVA à taxa reduzida de 6% prevista na verba 2.27 da Lista I às empreitadas identificadas supra em P) e MM); Cfr. RIT.

U)    A Requerente diligenciou junto dos Municípios de Vila Nova de Gaia e do Porto a obtenção de um reconhecimento próprio para efeitos de aplicação da taxa reduzida de IVA (Verba 2.23 da citada Lista I) às empreitadas em causa, tendo, para tal, requerido a passagem das competentes certidões às Câmaras para certificação da localização destas operações nas respetivas ARU; Cfr. RIT.

V)    Em consequência deste pedido foram emitidas as respetivas certidões camarárias que atestam a localização das cinco empreitadas em ARU e que reconhecem o direito à aplicação da taxa reduzida de IVA às mesmas. Cfr. Documento n.º 8do PPA e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

W)   Estas certidões, emitidas alegadamente “para efeitos de aplicação do IVA à taxa reduzida de 6% prevista na verba 2.23 da lista I anexa ao Código do IVA confirmam que “o edifício onde se pretendem executar as obras de reabilitação (…) se encontra localizado em área de reabilitação urbana-ARU”, atestando, destarte, a possibilidade de aplicação da referida taxa[9];

X)    A Requerente aplicou a taxa reduzida aos serviços prestados no âmbito das empreitadas em causa, por entender que as empreitadas em análise têm cabimento na verba 2.23 da Lista I;

Y)    Em abril de 2023 e em junho de 2024, a Requerente efetuou dois pedidos de reembolso de IVA, solicitando a restituição do montante de IVA em crédito por referência às ditas declarações periódicas; cfr. RIT.

Z)    Em consequência do que foram instaurados os procedimentos inspetivos n.os OI2023..., OI2023... e OI2024..., em que os SIT concluíram pela insuficiência destas certidões camarárias, entendendo que as Câmaras Municipais não tinham competência para atestar qual a taxa de IVA aplicável e tendo solicitado informações ao Município de Vila da Nova Gaia através do Ofício n.º ..., quanto ao estado de aprovação das ORU relativamente às ARU em causa nesse Município; cfr. RIT.

AA)Em resposta a este pedido de elementos, veio a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia informar a AT, através do requerimento n.º .../23 que, não existia ORU aprovada para a ARU da Cidade de Gaia. Cfr documento n.º 9 do PPA e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

BB)Defendendo a necessidade de verificação do duplo requisito, isto é, entendendo que a verba 2.23 da Lista I exige, in casu, além da localização das empreitadas em ARU, a aprovação de uma ORU específica e anterior à liquidação do imposto à taxa reduzida, os SIT promoveram as correções nesse sentido; cfr. RIT.

CC)No âmbito do procedimento inspetivo credenciado pela ordem de serviço OI2023..., os SIT endereçaram um pedido de elementos à Requerente, solicitando os extratos contabilísticos da conta‑corrente de cada cliente/dono da obra das empreitadas identificadas em P) e respetivas faturas/notas de crédito, assim como as cópias das plantas de um dos imóveis. Cfr. RIT e documento n.º 21 do PPA e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

DD)            A Requerente procedeu ao envio dos elementos solicitados em 07-09-2023, pelas 15:04, via e-mail para o técnico responsável e inspetor tributário e aduaneiro K... Cfr. Documento n.º 22 do PPA e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido; 

EE) Ainda que munidos de todas essas faturas, com a repartição mencionada, quanto a estes imóveis consideraram os SIT que os trabalhos em causa não estavam abrangidos pela verba 2.27 da Lista I do CIVA, essencialmente pelas razões que se enunciam de seguida:

·       Quanto ao primeiro imóvel, alguns dos trabalhos abrangeram a demolição total do imóvel e a construção de um edifício novo ou a reconstrução do imóvel;

·       Quanto ao segundo imóvel, alguns dos trabalhos incluíram serviços de construção de ampliação do imóvel e criação de mais um piso;

·       Já quanto ao terceiro imóvel, alguns dos trabalhos compreenderam serviços de construção de ampliação do imóvel. Cfr. RIT

§2. Factos não provados 

Não ficou provado:

- que as empreitadas mencionadas em P) e MM) e seguintes alíneas,  tivessem por objeto a beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação dos identificados imóveis ou partes autónomas destes.

 

§3. Fundamentação da matéria de facto

7      Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que considerada provada e declarar a que, se for o caso, se considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes nem sobre os argumentos ou razões e/ou conclusões destas – Cfr., designadamente, os artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT e da jurisprudência há muito consolidada sobre esta matéria [cf, v. g.,  Acórdão do STA de 14-3-2018, no Proc nº 0716/13/2ª Secção, assim sumariado: é entendimento pacífico e corrente que o Tribunal não tem de apreciar ou conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes tenham produzido. Isto porque uma coisa são as questões submetidas ao tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa. Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando assim o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes)

8.      Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são os que se deixaram assinalados e foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre da aplicação conjugada do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, e), do RJAT.

9.    Teve o Tribunal em conta para formar a sua convicção, as posições assumidas pelas partes no processo e a prova documental junta aos autos, designadamente os documentos assinalados, juntos pela Requerente e não impugnados pela parte contrária.

10. Os factos que se consideraram não provados resultam de dúvidas que se suscitaram ao Tribunal quanto às obras concretas contratadas, realizadas e pagas no âmbito das empreitadas mencionadas em P), MM) e seguintes, dos factos provados,  mais concretamente que tais obras tivessem por objeto a beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação dos identificados imóveis ou partes autónomas destes de molde a poderem beneficiar da taxa reduzida de IVA à luz do disposto na Verba 2.27, da Lista I, anexa ao CIVA.

11.   Assim é que, os elementos documentais facultados não permitem aferir a natureza ou tipo de trabalhos realizados, nem apurar o IVA liquidado relativamente ao serviços (mão de obra) à taxa de 23%.

12.  No relatório da inspeção consta, por exemplo, a demolição completa de edifício existente e o valor dos serviços de mão-de-obra, com liquidação de IVA à taxa reduzida (em 2022 e 2023, no montante de €80.723,31) e, em sede de reclamação graciosa, a Requerente assinala faturas relativas a serviços de mão de obra com liquidação de IVA à taxa de 23%.

13.  Por outro lado, na generalidade das faturas, não se identifica o montante faturado referente a materiais aplicados nas obras de ampliação e o montante que se refere a mão de  obra pelos serviços de ampliação.

14. Assim é que, não sendo clara ou suscitando muitas dúvidas a prova documental apresentada, não passível de clarificação complementar para aferir da integração dessas empreitadas no regime de redução de IVA nos termos da Verba 2.27, da Lista I, anexa ao CIVA e, competindo à Requerente a prova dos respetivos factos constitutivos do direito que alega, não resta ao Tribunal considerar esses factos não provados trazendo à colação, para o efeito, o regime probatório aplicável em caso de dúvida, ou seja, a consideração dos factos não provados quando – como é o caso -, se suscitem dúvidas sobre qual seja ou fosse a realidade, sendo da Requerente  o respetivo ónus probatório, nos termos do artigo 414º, do CPC, aplicável por força do artigo 29º, do RJAT [“ A dúvida sobre a realidade de um facto (...), resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”].

15.  Parece, na verdade, ao Tribunal  que não dispondo o RJAT de norma que regule a matéria do ónus da prova, deve preferencialmente procurar-se essa disciplina nas normas processuais ou mesmo procedimentais, das leis tributárias, como dispõe a regra do artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT. 

16.  Sobre o tema do ónus da prova dispõe a regra do artigo 100.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) que, não obstante estar sistematicamente incorporada na regulação do procedimento tributário, tem sido entendida como também aplicável ao processo judicial[10] e consequentemente ao processo arbitral. De acordo com este dispositivo, sempre que da prova produzida resulte fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato tributário ser anulado.

17.   Considera-se que a situação criada é, no limite, justamente essa, de fundada dúvida, ou seja, de que as faturas emitidas não espelham, designadamente, uma clara repartição entre trabalhos de conservação/reparação (aplicável a verba 2.27) e os trabalhos de ampliação, sendo que no âmbito da redução de IVA não poderá ser dispensada a discriminação das respetivas operações (a parte da reabilitação e a parte de ampliação), sendo claro não estar na letra nem no espírito da norma incluir no seu âmbito como constituindo remodelação, os casos de alteração estrutural e ampliação dos imóveis.

18. Note-se que, no caso sub juditio, a Requerente colocou entre 84% a 95% do custo do serviço afeto exclusivamente à remodelação de imóveis quando, na realidade construiu 3 (três) novos edifícios, distintos em área, design e disposição dos anteriores, de modo a que será abusivo falar aqui de remodelação quando, na verdade, do que se trata é da construção de novo edifício, com utilização ou aproveitamento de partes do imóvel – edifício e terreno – anteriores.

19.  Nesta linha, apreciando agora os documentos juntos – Docs 10 a 15 e o Anexo A, com o pedido de pronúncia (PPA) – estes espelham uma considerável ampliação dos imóveis (edifícios), com alteração das fachadas e mencionam a “construção de uma habitação unifamiliar, piscina e muros” , sem que se possa extrair de forma objetiva quais os serviços que foram efetivamente prestados no âmbito da remodelação, sendo que – insiste-se -, não se pode considerar como remodelação quando se trata praticamente de construção nova sobre as ruínas de uma anterior.

III - Fundamentação (cont)

B - O Direito

20.          As taxas  de IVA constam do artigo 18.º do Código do IVA (CIVA), sendo de 6% a aplicável às importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa ao CIVA.

21.  Concretamente são as seguintes as questões suscitadas no pedido de pronúncia arbitral: (I) Saber se para aplicação da taxa reduzida de IVA (6%), de harmonia com a previsão conjugada do disposto nos artigos 18º-a) e na Verba 2.23, da Lista I anexa ao CIVA, se torna necessária a prova cumulativa da realização da empreitada em ARU (Área de Reabilitação Urbana)  e a prévia aprovação de ORU (Operação de Reabilitação Urbana) e (ii) saber se as empreitadas identificadas são suscetíveis de integrar o âmbito da previsão de redução da taxa de IVA prevista na Verba 2.27, da Lista I, anexa ao CIVA, ou seja, se aquelas empreitadas podem ser consideradas de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de imóveis ou partes autónomas destes afetos à habitação, com as exceções previstas na citada Verba 2.27 e (iii) se se verificam 

22.Quanto à primeira questão, adiante-se desde já que este Tribunal, perante a divergência jurisprudencial sobre esta matéria, tenderia a seguir de muito perto a jurisprudência arbitral espelhada, pela clareza, nas posições da Professora Clotilde Celorico Palma[11] e da Doutora Catarina Belim – Cfr Decisões nos Procs CAAD n.ºs 295/2022-T,  517/2023-T e 660/2023-T[12] – não fosse ter sido, entretanto, proferido pelo STA [Tribunal Pleno,  acórdão uniformizador de jurisprudência (acórdão de 26-3-2025 – Proc nº 12/24] doutrinando que “ (...)a qualificação como empreitada de reabilitação urbana pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma operação de Reabilitação Urbana (...)” (sublinhado nosso)

23.Diz-se nesse acórdão uniformizador de jurisprudência:

 3.2.4.2. Nos termos artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), normativo onde se encontram definidas as taxas de imposto, estão sujeitas a uma taxa de 6% as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma.

3.2.4.3. Na Verba 2.23 da referida lista I, onde estão identificados os bens e serviços sujeitos a taxa reduzida, consta que beneficiam da taxa de 6% as «Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.».

3.2.4.4. O artigo 2.º, alínea j) do Regime Jurídico de Reabilitação Urbana (RJUR), diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro dá-nos o conceito de “Reabilitação urbana”, definindo-a como «a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infra-estruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização colectiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios».

3.2.4.5. Por sua vez, dispõem os artigos 7.º, 8.º, 14.º e 15.º do RJRU:

Artigo 7.º

«Áreas de reabilitação urbana

1 - A reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana é promovida pelos municípios, resultando da aprovação:

a) Da delimitação de áreas de reabilitação urbana; e

b) Da operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.

2 - A aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana e da operação de reabilitação urbana pode ter lugar em simultâneo.

3 - A aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana pode ter lugar em momento anterior à aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver nessas áreas.

4 - A cada área de reabilitação urbana corresponde uma operação de reabilitação urbana.»;

Artigo 8.º

«Operações de reabilitação urbana

1 - Os municípios podem optar pela realização de uma operação de reabilitação urbana:

a) Simples; ou

b) Sistemática.

2 - A operação de reabilitação urbana simples consiste numa intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigindo-se primacialmente à reabilitação do edificado, num quadro articulado de coordenação e apoio da respetiva execução.

3 - A operação de reabilitação urbana sistemática consiste numa intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigida à reabilitação do edificado e à qualificação das infraestruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização coletiva, visando a requalificação e revitalização do tecido urbano, associada a um programa de investimento público.

4 - As operações de reabilitação urbana simples e sistemática são enquadradas por instrumentos de programação, designados, respetivamente, de estratégia de reabilitação urbana ou de programa estratégico de reabilitação urbana.

5 - O dever de reabilitação que impende sobre os proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre edifícios ou frações compreendidos numa área de reabilitação urbana é densificado em função dos objetivos definidos na estratégia de reabilitação urbana ou no programa estratégico de reabilitação urbana.»;

Artigo 14.º

«Efeitos

A delimitação de uma área de reabilitação urbana:

a) Obriga à definição, pelo município, dos benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património, designadamente o imposto municipal sobre imóveis (IMI) e o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), nos termos da legislação aplicável;

b) Confere aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações nela compreendidos o direito de acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, nos termos estabelecidos na legislação aplicável, sem prejuízo de outros benefícios e incentivos relativos ao património cultural.»;

Artigo 15.º

«Âmbito temporal

1 - No caso da aprovação da delimitação de uma área de reabilitação urbana não ter lugar em simultâneo com a aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver nessa área, aquela delimitação caduca se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação.

2 - A caducidade prevista no número anterior não produz efeitos relativamente a proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações, aos quais tenham sido concedidos benefícios fiscais ao abrigo do artigo 14.º».

3.2.4.6. Por último, nos termos do artigo 1207.º do Código Civil, empreitada é «o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço.»

3.2.4.7. Tendo presente o quadro legal supra transcrito e cientes de que as normas fiscais se devem interpretar segundo os cânones que regem a interpretação de quaisquer outras, por assim resultar expressamente do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, antecipamos que é afirmativa a nossa resposta à questão de saber se a aplicação da taxa reduzida prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA depende da existência de uma Operação de Reabilitação Urbana aprovada para o local inserido em Área de Reabilitação Urbana onde é realizada a Operação Urbanística (empreitada). Ou seja, entendemos que o reconhecimento do direito ao benefício fiscal consagrado, conjugadamente, no artigo 18.º, a) do CIVA e na verba 2.23. da Lista I está legalmente dependente de que os bens e serviços que se pretendem tributados à taxa de 6% em sede de IVA sejam prestados no âmbito de uma empreitada de reabilitação urbana e que a qualificação de uma empreitada como empreitada de reabilitação urbana pressupõe a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana.

3.2.4.8. Esta é, a nosso ver, a melhor interpretação da norma consagrada na Verba 2.23., a que melhor compatibiliza os critérios previstos no artigo 9.º, nºs 1 e 2 do Código Civil - isto é, a que, partindo do texto da lei e tendo nele suficiente suporte, melhor reconstitui o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9.º do Código Civil).

3.2.4.9. Começando pelo elemento literal, dúvidas não subsistem que só as empreitadas de reabilitação urbana podem beneficiar do benefício consagrado no artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), por este normativo, onde se encontram definidas as taxas de imposto, estabelecer que estão sujeitas a uma taxa de 6% as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma e a Verba 2.23 da referida lista I e nesta constar que só beneficiam dessa taxa reduzida as “Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico (…).

3.2.4.10. É possível, assim, concluir de forma imediata da letra da lei que não beneficiam da taxa reduzida todas as empreitadas, ou seja, que não beneficiam dela todas as obras que por contrato sejam realizadas por uma parte a outra, mediante um preço (artigo 127.º do Código Civil) mas, tão só, por vontade expressa do legislador, as empreitadas ou obras qualificáveis como empreitadas de reabilitação urbana.

3.2.4.11. Não definindo o legislador fiscal nem o legislador urbanístico o que são empreitadas de requalificação urbana, a densificação deste conceito e, por si, a verificação deste requisito de reconhecimento do direito ao benefício, tem de ser densificado por recurso ao conceito de reabilitação urbana consagrado no Regime Jurídico de Reabilitação Urbana (RJUR), diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro, para o qual a verba 2.23 nos remete expressamente (ao referir “diploma específico”) e com o qual, também por imposição dos elementos sistemático e em respeito da unidade do sistema jurídico, o conceito de empreitada de reabilitação urbana se tem de integrar e compatibilizar.

3.2.4.12. Dispõe a esse propósito o artigo 2.º, alínea j) do RJUR, que “ Reabilitação urbana” é «a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infra-estruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização colectiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios».

3.2.4.13. Começa, pois, a ganhar consistência o entendimento de que a empreitada de reabilitação urbana a que o legislador fiscal dá relevo enquanto condição de acesso ao benefício da taxa reduzida de 6% , tem de traduzir-se numa obra integrada num plano de reabilitação estratégico desenhado pelos Municípios, entidades a quem compete promover a reabilitação urbana.

3.2.4.14. É precisamente nesta relação entre empreitada e reabilitação urbana imposta pela Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA e nesta relação entre reabilitação urbana e plano de reabilitação ou forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente estratégico que surge, com relevo acrescido na compreensão do conceito de empreitada de reabilitação urbana e da Verba 2.23, a disciplina acolhida nos artigos 7.º, 8.º e 16.º do RJRU, preceitos em que o legislador, após atribuir aos Municípios a promoção da reabilitação urbana em Áreas de Reabilitação Urbana, determina que:

- a reabilitação urbana resulta da aprovação cumulativa de dois instrumentos, delimitação da área de reabilitação urbana [al. a) do artigo 7.º] e operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana [al. b) do artigo 7.º]; 

- no que respeita à Operação de Reabilitação Urbana, que os Municípios podem optar pela realização de uma Operação “ Simples” que consistirá em uma «intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigindo-se primacialmente à reabilitação do edificado, num quadro articulado de coordenação e apoio da respetiva execução» [artigo 8.º, n.º 1 al. a) e n.º 2] ou “Sistemática” que consiste «numa intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigida à reabilitação do edificado e à qualificação das infraestruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização coletiva, visando a requalificação e revitalização do tecido urbano, associada a um programa de investimento público» [artigo 8.ºn.º 1 al. b) e n.º 3];

- a cada Área de Reabilitação Urbana corresponde uma Operação de Reabilitação Urbana (artigo 7.º, n.º 4);

- ambas as Operações de Reabilitação Urbana, “Simples” ou “Sistemáticas”, tem de estar enquadradas por instrumentos de programação, designados, respetivamente, de estratégia de reabilitação urbana ou de programa estratégico de reabilitação urbana[artigo 16.º, als. a) e b), do RJRU].

3.2.4.15. Como se diz no acórdão recorrido, invocando o julgamento proferido no processo n.º 3/2023-T, deste enquadramento legal podem ser extraídas duas importantes conclusões para efeitos de interpretação da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA. Primeira, «só há reabilitação urbana, na aceção do RJRU – o diploma específico a que alude a norma fiscal – quando, a par de delimitação da área de reabilitação urbana, o município proceda, igualmente, à programação estratégica das atividades a realizar naquela zona, através da aprovação da operação de reabilitação urbana. Neste sentido, quando na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA se faz alusão a “empreitadas de reabilitação urbana”, uma interpretação fundada nos elementos sistemático e teleológico, não contrariada pelo elemento gramatical, aponta no sentido de que o legislador pretendeu estender a taxa reduzida às empreitadas alinhadas com os desígnios da reabilitação urbana (a tal “intervenção integrada no tecido urbano”), que serão aquelas realizadas em imóveis situados em áreas de reabilitação urbana para as quais já tenha o município feito recair uma programação estratégica, capaz de lhe conferir visão de conjunto» (…). Segunda, «o que ao longo do RJRU, se designa por “operação de reabilitação urbana” – e que, conforme vem de ser dito, é um dos momentos constitutivos da reabilitação urbana – não se distingue nem funcional nem temporalmente da programação estratégica a executar na área compreendida naquela delimitação. Essa programação estratégica, como se disse, traduz-se, no caso de ORU simples, na elaboração de uma estratégia de reabilitação urbana, e no caso da ORU sistemática, na elaboração de um programa estratégico de reabilitação urbana. Para esta conclusão contribui decisivamente o artigo 16 da RJRU, onde se dispõe, grosso modo, que as operações de reabilitação urbana contêm, necessariamente, a definição do tipo de operação de reabilitação urbana e a estratégia ou o programa estratégico da reabilitação urbana (consoante a operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática). Este normativo confirma que o “instrumento próprio” ou o “plano de pormenor de reabilitação urbana” que aprova a ORU é, no fundo, o documento onde se define a programação estratégica da ORU, seja ela simples ou sistemática. Por essa razão, a vigência da operação de reabilitação urbana (simples ou sistemática) está alinhada com o prazo definido na estratégia ou no programa estratégico de reabilitação urbana, com o limite máximo de 15 anos (artigo 20, n.ºs 1 e 3 do RJRU).».

3.2.4.16. Em suma, não temos dúvida alguma que os elementos literal e sistemático apontam decisivamente para um conceito de empreitada de reabilitação urbana que pressupõe a existência simultânea de uma empreitada realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual tenha sido aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana. E, consequentemente, que o benefício de tributação à taxa de 6%, de bens ou serviços no seu âmbito adquiridos ou prestados, nos termos do artigo 18.º, al. a) do CIVA e da Verba 2.23 da Lista I a este anexa só deve ser reconhecido às empreitadas realizadas naquela Área de Reabilitação Urbana relativamente às quais previamente tenha sido aprovada uma Operação (“Simples” ou “Sistemática”) de Reabilitação Urbana.

3.2.4.17. Interpretação que sai reforçada pelos elementos teleológico e histórico, isto é, pela finalidade, objectivos e valores que através da introdução na ordem jurídica do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana se visaram concretizar e que o distingue do Geral Regime, isto é, do Jurídico da Edificação e Urbanização.

3.2.4.18. Como resulta da leitura do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 307/2009, este regime especial constitui no plano legal a consagração de uma opção política, assumindo-se claramente que a reabilitação urbana constitui hoje «uma componente indispensável da política das cidades e da política de habitação, na medida em que nela convergem os objectivos de requalificação e revitalização das cidades, em particular das suas áreas mais degradadas, e de qualificação do parque habitacional, procurando-se um funcionamento globalmente mais harmonioso e sustentável das cidades e a garantia, para todos, de uma habitação condigna». (§ 1 do referido preâmbulo). 

3.2.4.19. Visou, e continua a visar ainda hoje encontrar soluções para «cinco grandes desafios», destacando-se, para o que ora releva, articular o dever de reabilitação dos edifícios que incumbe aos privados com a responsabilidade pública de qualificar e modernizar o espaço, os equipamentos e as infra-estruturas das áreas urbanas a reabilitar e garantir a complementaridade e coordenação entre os diversos actores, concentrando recursos em operações integradas de reabilitação nas «áreas de reabilitação urbana».

3.2.4.20. Elegeu-se como objectivo central do novo regime substituir um regime que regula essencialmente um modelo de gestão das intervenções de reabilitação urbana, centrado na constituição, funcionamento, atribuições e poderes das sociedades de reabilitação urbana, por um outro regime que proceda ao enquadramento normativo da reabilitação urbana ao nível programático, procedimental e de execução. Complementarmente, e não menos importante, associa-se à delimitação das áreas de intervenção (as «áreas de reabilitação urbana») a definição, pelo município, dos objectivos da reabilitação urbana da área delimitada e dos meios adequados para a sua prossecução.
Parte-se de um conceito amplo de reabilitação urbana e confere-se especial relevo não apenas à vertente imobiliária ou patrimonial da reabilitação mas à integração e coordenação da intervenção, salientando-se a necessidade de atingir soluções coerentes entre os aspectos funcionais, económicos, sociais, culturais e ambientais das áreas a reabilitar. (…)

3.2.4.21. Ficou ainda exarado no mesmo preâmbulo, que «O presente regime jurídico da reabilitação urbana estrutura as intervenções de reabilitação com base em dois conceitos fundamentais: o conceito de «área de reabilitação urbana», cuja delimitação pelo município tem como efeito determinar a parcela territorial que justifica uma intervenção integrada no âmbito deste diploma, e o conceito de «operação de reabilitação urbana», correspondente à estruturação concreta das intervenções a efectuar no interior da respectiva área de reabilitação urbana.».

3.2.4.22. Procurava-se, e continua a procurar-se, com este regime, «regular de forma mais clara os procedimentos a que deve obedecer a definição de áreas a submeter a reabilitação urbana, bem como a programação e o planeamento das intervenções a realizar nessas mesmas áreas.».

3.2.4.23. Passa a permitir-se «que a delimitação de área de reabilitação urbana, pelos municípios, possa ser feita através de instrumento próprio, desde que precedida de parecer do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P., ou por via da aprovação de um plano de pormenor de reabilitação urbana, correspondendo à respectiva área de intervenção. A esta delimitação é associada a exigência da determinação dos objectivos e da estratégia da intervenção, sendo este também o momento da definição do tipo de operação de reabilitação urbana a realizar e da escolha da entidade gestora.

3.2.4.24. “Numa lógica de flexibilidade e com vista a possibilitar uma mais adequada resposta em face dos diversos casos concretos verificados, opta-se por permitir a realização de dois tipos distintos de operação de reabilitação urbana.
No primeiro caso, designado por «operação de reabilitação urbana simples», trata-se de uma intervenção essencialmente dirigida à reabilitação do edificado, tendo como objectivo a reabilitação urbana de uma área.

No segundo caso, designado por «operação de reabilitação urbana sistemática», é acentuada a vertente integrada da intervenção, dirigindo-se à reabilitação do edificado e à qualificação das infra-estruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização colectiva, com os objectivos de requalificar e revitalizar o tecido urbano.».

3.2.4.25. «Num caso como noutro, à delimitação da área de reabilitação urbana atribui-se um conjunto significativo de efeitos. Entre estes, destaca-se, desde logo, a emergência de uma obrigação de definição dos benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património. Decorre também daquele acto a atribuição aos proprietários do acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana. O acto de delimitação da área de reabilitação urbana, sempre que se opte por uma operação de reabilitação urbana sistemática, tem ainda como imediata consequência a declaração de utilidade pública da expropriação ou da venda forçada dos imóveis existentes ou, bem assim, da constituição de servidões.».

3.2.4.26. Em suma, resulta, a nosso ver de forma expressiva, do extenso preâmbulo que precede a lei, que o objectivo do legislador urbanístico não foi o de criar ou ampliar uma categoria especial de sujeitos passivos (partes contratantes nos normais contratos de empreitada) que, em razão de um eventual direito de propriedade (ou outros direitos similares) sobre prédios integrados em Áreas de Reabilitação Urbana e por força do princípio da liberdade contratual (que lhes permite celebrar contratos de empreitada naquelas Áreas) fosse reconhecido aceder a benefícios fiscais. O objectivo do legislador urbanístico foi promover a reabilitação urbana, de forma integrada e programática, em moldes a definir e controlar pelos Municípios, através da delimitação das Áreas de Reabilitação e dos instrumentos de gestão através dos quais a opção política e os objectivos que no preâmbulo se elegem como fundamentais se devem concretizar. 

3.2.4.27. Só tendo presente esta intencionalidade e objectivos faz sentido a norma excepcional do artigo 18. Al. a) do CIVA e Verba 2.23 da Lista I a este anexa, afigurando-se-nos que, na ausência desta contextualização a atribuição daquele benefício e/ou incentivo fiscal carece de fundamento legal e seria, em nosso entender, de duvidoso conforto constitucional.

3.2.4.28. Refutamos, por fim, ainda que de forma breve, dois argumentos jurídicos em que a Recorrente deposita grandemente a sua tese de que o conceito de empreitada de reabilitação urbana e, por via deste, a Verba 2.23 não comporta a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana. Argumentos de que supostamente resulta infirmada a interpretação por que optamos: a disciplina contida nos artigos 14.º («Efeitos da delimitação”) e 15.º («Âmbito temporal), ambos do RJRA.

3.2.4.29. Quanto aos efeitos ( seguros de que só podem estar em questão os efeitos fiscais previstos no n.º 2 do artigo 14.º do RJRU, por o IVA não constituir um imposto associado aos impostos municipais sobre o património), cumpre apenas dizer que os direitos que aí estão reconhecidos aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações compreendidos na Área de Reabilitação Urbana de aceder aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, se encontram condicionados ao que na legislação aplicável se encontrar estabelecido.

3.2.4.30. Ora, tendo o legislador fiscal feito depender o benefício de tributação da taxa reduzida consagrada na Verba 2.23 a que a empreitada seja uma empreitada de reabilitação urbana e estando esta qualificação dependente de que a sua execução seja realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual tenha sido aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana, o não reconhecimento ao benefício, na ausência da verificação desses requisitos ou condições constitui, tão só, o cumprimento da lei. Tal como o seu reconhecimento, verificados os pressupostos que vimos mencionando, constituem o cumprimento da mesma.

3.2.4.31. Relativamente à questão do âmbito temporal importa realçar dois aspectos. O primeiro é o de que não pode confundir-se a possibilidade legalmente reconhecida aos Municípios de não aprovarem simultaneamente os dois instrumentos que, cumpridos, aprovados, permitem qualificar uma empreitada como empreitada de reabilitação urbana (delimitação da área e operação de reabilitação urbana) com as condições de reconhecimento do benefício fiscal ao sujeito passivo.

Do exercício da faculdade concedida aos primeiros (aprovação não simultânea dos dois instrumentos) pode resultar, ou não, a caducidade da delimitação da Área de Reabilitação Urbana, nos termos do n.º do artigo 15.º. Tal como a realização da empreitada em Área de Reabilitação Urbana pode conduzir, ou não, ao reconhecimento ao sujeito passivo do benefício consagrado na verba 2.23. da Lista I anexa ao CIVA, dependendo de estar associada ou não a essa Área uma Operação de Reabilitação Urbana. Condição que cumpre ao sujeito passivo assegurar que está verificada, antes de realização da empreitada, pretendendo beneficiar da taxa de IVA reduzida. Ou seja, não está vedado ao sujeito passivo, a partir do momento em que o legislador passou a admitir que é possível não haver coincidência temporal entre a delimitação da Área de Reabilitação Urbana e a aprovação da Operação de Reabilitação Urbana, realizar empreitadas em Área de Reabilitação Urbana. O que lhe está legalmente vedado é beneficiar da tributação reduzida prevista na Verba n.º 2.23 se a empreitada se concretiza, mesmo que em Área de Reabilitação Urbana, antes da aprovação da Obra de Reabilitação Urbana.

3.2.4.32. De tudo quanto fica exposto se retira uma última conclusão, qual seja, a de que, neste contexto interpretativo, carecem de fundamento legal as alegações da Recorrente de que a interpretação que perfilhamos viola o princípio da legalidade fiscal nas vertentes da tipicidade e da reserva de Lei por se estarem a “adicionar administrativamente” ( presume-se que se esteja a referir aos Ofícios Circulados e Informações invocados pela recorrida nas decisões das Reclamações Graciosas e nas respostas no processo arbitral) à Verba n.º 2.23. da Lista I anexa ao CIVA requisitos que o legislador não contemplou. Ao exigir-se que se trate de uma empreitada de reabilitação urbana, nos termos definidos, está-se apenas a exigir que se preencham as condições impostas pelo legislador fiscal no artigo 18.º al. a) do CIVA e Verba 2.23 da Lista I a esse Código anexa, que inclui, como vimos, a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana. 

3.2.4.33. Tendo presente o quadro legal supra descrito, particularmente a interpretação perfilhada quanto aos requisitos consagrados na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, e que dos factos apurados na decisão recorrida resulta que a empreitada foi realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual não estava à data da sua execução aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana bem andou o Tribunal Arbitral em julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, julgamento que nestes autos se confirma.

3.2.4.34. Concluindo e uniformizando jurisprudência:

- Só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.º, al. a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as empreitadas de reabilitação urbana;

- A qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana. (grifado nosso).

24.         Pois bem, à luz dos princípios ínsitos no artigo 8º do Código Civil e, no caso, porque o respeito especial pela função uniformizadora da Jurisprudência e considerando que o valor da segurança jurídica o impõem, este Tribunal adere, in totum,  à sobredita Doutrina do STA que aplica ao caso sub juditio no que concerne aos pressupostos para aplicação da taxa reduzida de 6% à luz do que dispõe a Verba 2.23, da Lista I anexa ao CIVA.

25.Na mencionada lista I anexa ao Código do IVA, lista que elenca, lembra-se, os bens e serviço sujeitos à taxa reduzida (6%), considerando nesse elenco – verba 2.23 - as “(...) empreitadas de reabilitação urbana, tal como definidas em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (...) delimitadas, nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional  (...)”(redação em vigor em 2022 – Lei nº 64-A/2008).

26.Ora não perdendo de vista que, em sede interpretativa – histórica, sistemática e atualista -, não pode nunca o intérprete afastar-se da regra ou princípio da correspondência verbal mínima, ainda que imperfeitamente expressa, entre essa interpretação e a letra da lei – cfr artigo 9.º-2, do Código Civil (CC) -, ter-se-á, à luz do exposto, extrair como válida e decorrente do teor literal da verba 2.23, da lista anexa ao CIVA, uma interpretação que admita como exigível ao contribuinte para usufruir da taxa reduzida de IVA relativamente a empreitada em ARU, a prova, perante a AT, de aprovação do licenciamento da empreitada (ORU) pela Câmara Municipal respetiva (ou entidade gestora, no âmbito de poderes delegados, de harmonia com o RJUE) – Cfr ainda artigo 4.º, do RJUE (Regime Jurídico de Urbanização e Edificação, aprovado pelo DL n.º 555/99).

27. Por outro lado, resulta do RJRU (Regime Jurídico de Reabilitação Urbana, aprovado pelo DL 307/2009)  que “ (...)a reabilitação urbana em áreas definidas como tal é promovida pelos municípios, resultando da aprovação: a) da delimitação de ARU e b) da ORU a desenvolver nas áreas determinadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana (...)” – cfr artigo 7º-1.

28.         Com efeito  inexistindo embora na citada Verba 2.23, qualquer exigência de certificação de que um determinado projeto ou empreitada consubstancie uma operação de reabilitação urbana, a verdade é que tal exigência é entendida como necessária por força, designadamente, do disposto no artigo 7º, do RJRU.

29.No caso dos autos, comprovam-se as empreitadas em ARU e mas não a aprovação ou enquadramento dos projetos respetivos no âmbito de ORU (Operações de Reabilitação Urbana).

30.         Pois bem, é aqui que surge a doutrina explicitada pelo STA no acórdão para uniformização de jurisprudência (Acórdão nº 12/2024 , decorrente do acórdão  proferido por Tribunal Arbitral constituído no âmbito do CAAD  (Proc nº 517/2023-T), doutrina esta plenamente aplicável ao caso sub juditio e de que resulta óbvia a inaplicabilidade do regime da Verba 2.23, da Tabela I, anexa ao CIVA por falta de requisito essencial: a aprovação prévia de ORU.

31.  E a subsunção resulta óbvia no sentido de que, não se provando a aprovação de ORU’s para as empreitadas em causa, para a aplicação da taxa reduzida de IVA falta esse pressuposto necessário e, consequentemente, não poderia a Requerente ter sujeito as respetivas operações e faturações à taxa de 6% prevista na Verba 2.23, da Lista I anexa ao CIVA.

32.Relativamente à aplicação da taxa de 6% às empreitadas consideradas pela Requerente no elenco da previsão da Verba 2.27, da citada Lista I, não se provando que essas empreitadas [as mencionadas em P) e MM) e seguintes alíneas, dos factos provados],  tivessem por objeto a beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação dos respetivos imóveis ou partes autónomas destes, revela-se igualmente indevida ou inaplicável a redução.

 

As questões supervenientes suscitadas pela Requerente – cfr supra, 5.

33. Foram suscitadas ainda nas alegações da Requerente as seguintes questões:

(a)  Nulidade do ato impugnado por ausência de atribuições da AT (artigo 161º-2/b), do CPA;

(b)  Não aplicação, no caso, do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência;

(c)   Inconstitucionalidade da Verba 2.23 da Lista I, anexa ao CIVA e do artigo 7º, do RJRU por violação do princípio da legalidade, da tipicidade e da proporcionalidade.

(d)  Inconstitucionalidade por violação do princípio da confiança;

(e)  Violação do princípio da Igualdade e da proporcionalidade no tratamento diferenciado entre sujeitos passivos em situações iguais.

 

Vejamos cada uma destas questões pela respetiva ordem.

34.        Quanto à primeira, tem por fundamento o facto de que ao entender como não verificados os requisitos para aplicação da Verba 2.23, apesar das certidões juntas emitidas pela autoridade administrativa (Doc 8, com o PPA), a AT terá praticado um ato nulo na medida em que, segundo alega, o Município tem competência para definir ou qualificar a empreitada como de reabilitação urbana, sendo essa certidão suficiente para que, com base nela, a AT aplique a Verba 2.23.

35.         Não tem razão ou fundamento a questão suscitada desde logo porque uma certidão não constitui um ato administrativo e, por outro lado,  em matéria de tributação a competência, no caso, não é da autarquia mas da Autoridade Tributária e Aduaneira pois é esta quem define o regime fiscal aplicável ao contribuinte com base, naturalmente, na verificação de determinados pressupostos sujeitos, esses sim, à aprovação certificação de outras entidades.

36. Quanto à não aplicação do acórdão uniformizador de jurisprudência, é questão que já foi analisada ou apreciada anteriormente (cfr supra, pontos 23. e seguintes), com a conclusão de que é aplicável esse aresto ao caso sub juditio.

37. Quanto à alegada  inconstitucionalidade da Verba 2.23 da Lista I, anexa ao CIVA e do artigo 7º, do RJRU por violação do princípio da legalidade, da tipicidade e da proporcionalidade, fundamenta-se a Requerente, se bem interpretamos a sua posição, no facto de, segundo alega, na interpretação e aplicação da Lei, a Administração Fiscal  ter extravasado, de modo não consentâneo com o seu espírito, a letra da Lei em termos  de se considerar como manifestamente excessiva e desconforme com a tipicidade das normas fiscais, designadamente quando permite que a Requerida (AT) crie um requisito adicional para a aplicação da verba 2.23, na medida em que, segundo alega, esse (novo) requisito não tem adesão à letra da Lei.

38.         Ou seja, nesta situação a AT desrespeita o princípio da legalidade e da reserva da lei formal, o princípio da tipicidade fiscal e da proporcionalidade, em alegada violação inconstitucional da Lei.

39. Não tem razão, desde logo, porque não se trata de interpretação efetuada pela AT mas antes daquela que foi feita pelo STA em sede de decisão uniformizadora de jurisprudência, não constando que tenha sido suscitada qualquer inconstitucionalidade decorrente da apreciação feita pelo STA – Cfr, sobre este ponto e mais desenvolvimento, a decisão arbitral no Proc do CAAD nº 1057/2024-T, publicada em www.caad.org.pt

40.        Quanto à questão Inconstitucionalidade por violação do princípio da confiança, dir-se-á, sumariamente, que não tem fundamento na medida em que, para que tal inconstitucionalidade pudesse ser fundadamente invocada, ter-se-ia de surpreender a Administração Fiscal a induzir a Requerente  a um comportamento (no caso, a realização das obras empreitadas) com garantia de aplicação da taxa reduzida de IVA, o que, desde logo, pressuporia a obtenção de informação vinculativa relativa às obras a efetuar. O que manifestamente não sucedeu.

41.  Não fazendo uso desse instrumento legal (a Informação Vinculativa) que existe precisamente para tutelar a boa fé e confiança dos sujeitos passivos de imposto quanto a futuras alterações na interpretação da Lei pela Administração Fiscal, não se antolha qualquer outro fundamento que permita a invocação do princípio da confiança.

42.         Quanto à inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade no tratamento diferenciado entre sujeitos passivos em situações iguais, invoca a Requerente a diferenciação de tratamento entre aqueles que construíram após aprovação das ORU’s, com taxa reduzida, ao contrário de outros, como a Requerente, que por ainda não terem ORU aprovada, ficaram sujeitos à taxa normal de IVA,

43.        Não tem novamente razão a Requerente pelo simples e cristalino motivo de que não há a invocada violação quando, como é o caso, se aplica a taxa reduzida a quem preenche os respetivos pressupostos legais e não se aplica a quem não os reúne. Violação do princípio haveria sim se se aplicasse indistintamente a redução a quem reúne os requisitos e a quem não os reúne.  

 

 

 

IV - Decisão

 

Pelo exposto, decide este Tribunal julgar totalmente improcedentes as questões suscitadas pela Requerente e o pedido formulado e, em consequência:

a)  Mantém na ordem jurídica o indeferimento (tácito) da reclamação graciosa deduzida contra os atos de liquidação adicional e respetivos juros compensatórios referentes a 2022 e 2023;

b)  Mantém na ordem jurídica os sobreditos atos de liquidação adicional; 

c)   Julga improcedente o pedido de pagamento de juros;

d)  Condena a Requerente nas custas, atento o seu total decaimento.

 

Valor do processo

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT [« 1- Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende (...)]», e no artigo 3, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária [«O valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário»], fixa-se o valor do processo em € 124.678,16 indicado pela Requerente sem contestação pela Autoridade Tributária. 

 

Custas

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22, n.º 4 do RJAT, no artigo 4.º, n.º 4 e na Tabela I (anexa) do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante de custas é fixado em € 3.060,00, a cargo da Requerente conforme decidido supra.

  • Notifique-se. 

 

Lisboa, 27 de outubro de 2025

 

 

José Poças Falcão

(árbitro presidente)

 

 

Rita Guerra Alves

(árbitra-adjunta)

 

 

Arlindo José Francisco

(arbitro-adjunto)

 

 

 



[1] 2024.../ 2024..., 2024 ... / 2024..., 2024.../ 2024..., 2024.../ 2024..., 2024 ... / 2024 ..., 2024 ... / 2024 ..., 2024 ... / 2024..., 2024 ... / 2024..., 2024.../ 2024..., 2024 ... / 2024..., 2024 ... / 2024..., 2024 ... / 2024..., 2024 .../ 2024..., 2024 ... / 2024..., 2024..., 2024.../ 2024..., ... / 2024..., 2024 ... / 2024..., 2024 ... / 2024..., 2024 ... / 2024 ..., 2024.../ 2024 ..., 2024 ... / 2024... .

[2] OI2023... (€ 199.823,92), OI2023... (€ 111.060,05) e OI2024... (€ 39.749,92).

[3] Não são objeto do presente pedido de pronúncia arbitral os atos tributários na parte respeitante à correção proposta no subcapítulo V.1.4 do Relatório de IVA de 2023, relativo a uma dedução indevida de imposto, no valor de € 1.314,67.

[4] Seguiu-se o Aviso n.º 7412/2023, de 22 de março de 2023, com a alteração da delimitação da ARU da Cidade de Gaia.

[5] Todos estes elementos constam do portal da GAIURB, disponível em: ARU Cidade de Gaia | Gaiurb.

[6] Seguiu-se o Aviso n.º 10127/2024/2, de 24 de abril, com a delimitação da ARU do Bonfim.

[7] Seguiu-se o Aviso n.º 10126/2024/2, de 24 de abril, com a delimitação da ARU da Baixa.

[8] Na redação dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, anterior à Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro. 

[9] Tomamos como referência uma certidão emitida pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, sendo o seu conteúdo em tudo similar à emitida pela Câmara Municipal do Porto.

[10] Neste sentido veja-se Jorge Lopes de Sousa – Código de Procedimento e de Processo Tributário. Vol. II. 6ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, págs. 131-136.

[11] Cfr também, da autoria desta reputada especialista em IVA, “O Conceito de Reabilitação Urbana para Efeitos da Aplicação da Taxa Reduzida do IVA” in Revista Eletrónica de Fiscalidade da AFP, Ano V, nº 1.

[12] Ver ainda Fernanda Paula Oliveira, “O IVA na Reabilitação Urbana”, in Revista de Direito Administrativo, Ano VI, nº 17 - 2517