SUMÁRIO:
a) A Requerente não detém o reconhecimento de utilidade pública exigido pelo artigo 10.º, n.º 1, alínea c), do CIRC, nem cumpre os requisitos previstos no n.º 3 desse artigo;
b) As atividades desenvolvidas pela Requerente no exercício de 2021, nomeadamente a testagem à COVID-19, enquadradas no CAE 086901 – Laboratórios de Análises Clínicas, não se inserem nos fins estatutários definidos no artigo 5.º dos seus Estatutos;
c) Não se encontram preenchidos os pressupostos do artigo 54.º, n.º 3, do CIRC para que os subsídios recebidos sejam considerados rendimentos não sujeitos a IRC;
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente), Dr. Manuel Alberto Soares (Vogal) e Dr. João Santos Pinto (Vogal), designados elo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para constituir o presente Tribunal Coletivo, acordam no seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A A..., pessoa coletiva n.º ..., contribuinte fiscal português, (doravante designada por “Requerente”) com sede no ..., ..., ...-... Faro, apresentou em pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Coletivo ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária,(RJAT) em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada “Requerida”), tendo em vista a anulação relativamente ao período de 2021, das liquidações de IRC e juros no valor global de €603.843,39, emitidas pela Exma. Sra. Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA).
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Sr. Presidente do CAAD em 2025-03-26 e automaticamente notificadas, nesse mesmo dia, a Requerente e a Requerida. Em 2025-03-31 a Autoridade Tributária confirmou a respetiva notificação.
2.1. Em 2025-04-29 o CAAD recebeu a informação da Autoridade Tributária relativa à designação como suas representantes no processo as juristas(s) Dr./a(s) ... e ..., jurista(s) da Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso.
2.2. Conforme previsto no Artº 6, nº2 alínea a) do RJAT, foi em 2025-05-16 designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o Tribunal Coletivo de Arbitragem, de entre a lista dos árbitros que compõem o Centro de Arbitragem Administrativa, como Árbitro Presidente a Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, e como Árbitros auxiliares o Dr. Manuel Alberto Soares (Relator) e o Dr. João Santos Pinto.
2.3. Na sequência da aceitação tempestiva do respetivo encargo pelos referidos árbitros, foram a Requerente e a Requerida, em 2025-05-16 notificadas da designação dos árbitros e em 2025-06-03 da constituição do Tribunal Arbitral Coletivo.
2.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
3. A Requerente fundamenta o seu pedido argumentando que:
3.1. É uma associação sem fins lucrativos, constituída com fins de investigação e desenvolvimento científico na área da saúde, conforme os seus estatutos;
3.2. No exercício de 2021 recebeu €3.413.558,99 de subsídios no âmbito de protocolos com o ISS e o IEFP, desenvolvendo atividades de testagem à COVID-19, enquadradas no CAE 086901, com meios próprios;
3.3. Os subsídios recebidos destinavam-se aos fins estatutários e serão isentos ou não sujeitos a IRC;
3.4. Estes rendimentos estão abrangidos pelas exclusões do artigo 54.º, n.º 3, do CIRC ou, em alternativa, pelas isenções do artigo 10.º do CIRC;
3.5. No mesmo ano exerceu a atividades de testagem e análise de resultados, a qual foi excecional e temporária, motivada por interesse público, não se tratando de atividade comercial em sentido próprio;
3.6. O enquadramento jurídico-fiscal aplicável a esta atividade é o previsto para as entidades sem fins lucrativos, pelo que os montantes recebidos não constituem matéria coletável;
3.7 Com o desenvolvimento e execução do protocolo celebrado com o ISS, I.P., a Requerente não concorreu com outros agentes económicos que exercem, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, e que prestem serviços ao nível dos cuidados de saúde;
3.8. Nem a AT logrou demonstrar o contrário;
3.9. A execução do protocolo celebrado com o ISS, I.P. e os projetos MAREESS enquadra-se, inequivocamente, nos fins estatutários da Requerente, e nos objetivos dos seus membros pelo desenvolvimento da atividade do Centro Académico;
3.10. Em face do exposto, a AT não podia requalificar aqueles valores em rendimentos da categoria B de IRS;
3.11. Devendo a liquidação adicional de IRC ser declarada ilegal, por vício de violação de lei.
3.12. A Requerente integrou um programa de testes de diagnóstico à Covid-19 nas respostas
sociais lançado pelo Governo, em colaboração com outros centros de investigação;
3.15. por isso, a Requerente desempenhou um papel essencial no desenvolvimento científico, formação e testagem a nível nacional e regional, tendo-o feito no âmbito e por recurso à atividade académica e científica que desenvolveu, em cooperação com os seus associados fundadores, e na realização dos seus fins estatutários.
4.Argumentos da Requerida (Autoridade Tributária e Aduaneira) e fundamentos:
A Requerida defende a manutenção das liquidações, alegando que:
4.1. As atividades desenvolvidas pela Requerente em 2021, nomeadamente a testagem à COVID-19, foram enquadradas no CAE 086901 – Laboratórios de Análises Clínicas, declarado pela própria Requerida a partir de 26/04/2021;
4.2. Essas atividades foram exercidas com estrutura profissional, em concorrência com laboratórios privados e entidades comerciais, caracterizando-se como atividade de natureza comercial geradora de rendimentos da Categoria B para efeitos de IRC;
4.3. A Requerente não possui reconhecimento de utilidade pública, não se enquadrando na alínea c) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRC;
4.4. As atividades desenvolvidas não se integram no escopo das previstas no artigo 11.º do CIRC (atividades culturais, recreativas ou desportivas);
4.5. Os apoios financeiros recebidos não são automaticamente isentos ou não sujeitos a IRC, pois não se demonstrou que fossem exclusivamente destinados à direta e imediata realização dos fins estatutários, como exige o n.º 3 do artigo 54.º do CIRC;
4.6. Pelo contrário, a atividade de testagem apresentou características de operação economicamente estruturada, com preço de mercado, serviços prestados e receitas geradas;
4.7. Concluindo que, os rendimentos obtidos são tributáveis de acordo com os artigos 3.º, n.º 1, alínea b), 20.º, 22.º, 32.º, 53.º e 54.º do CIRC.
II – SANEAMENTO
1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo pois foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº1 do Artº 10º do RJAT.
2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos Artºs 4º e 10º do RJAT e do Artº 3º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro e suas posteriores alterações.
3. O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.
4. Não foram suscitadas quaisquer exceções de que cumpra conhecer.
5. Não se verificaram nulidades que obstem ao conhecimento do mérito.
III- QUESTÕES DECIDENDAS
Face às posições assumidas pelas partes, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal Arbitral são as seguintes:
1. Enquadramento jurídico-fiscal das atividades de testagem COVID-19 desenvolvidas pela Requerente no exercício de 2021 – determinar se essas atividades se integram nos fins estatutários previstos no artigo 5.º dos Estatutos da Associação AD-ABC ou se configuram atividade de natureza comercial exercida em regime concorrencial.
2. Aplicação da isenção prevista no artigo 10.º do Código do IRC – apurar se a Requerente reúne os requisitos para beneficiar da isenção, designadamente se detém reconhecimento de utilidade pública e se cumpre as condições estabelecidas no n.º 3 do referido artigo.
3. Aplicação do artigo 54.º, n.º 3, do Código do IRC – analisar se os subsídios recebidos se destinam exclusivamente à direta e imediata realização dos fins estatutários, justificando a sua não sujeição a IRC.
4. Qualificação dos rendimentos obtidos – decidir se os montantes recebidos constituem rendimentos empresariais da Categoria B para efeitos de IRC, enquadráveis nos artigos 3.º, 20.º, 22.º, 32.º, 53.º e 54.º do CIRC.
III – MATÉRIA DE FACTO
A) Factos provados
Julgam-se provados os seguintes factos:
i) Por Portaria n.º 75/2016, de 8 de abril, foi criado o B... um consórcio público entre o C..., E.P.E., e a D..., através do seu centro de investigação E... e do seu Departamento de Ciências Biomédicas e Medicina. (cfr .Doc 1)
ii) O referido consórcio teve como objetivos, (cfr. alíneas a), c), d), e), f), g), i) e j) do artigo 6º da Portaria 75/2016, de 8 de abril), designadamente, mas sem excluir:
1) Aproveitamento de forma sinérgica nas várias áreas de atuação e potenciação da partilha de recursos humanos altamente diferenciados;
2) Racionalização e maximização da utilização dos recursos humanos, financeiros e tecnológicos colocados à disposição dos seus membros;
3) Desenvolvimento de ações colaborativas que promovam cuidados de saúde de qualidade com base nas contribuições das ciências médicas básicas e clínicas e dos serviços de ação médica do C..., E. P. E., assim como do E... e do Departamento de Ciências Biomédicas e Medicina da Universidade ...;
4) Desenvolvimento de ações colaborativas que contribuam para o desenvolvimento de cuidados integrados inovadores com base numa crescente articulação entre cuidados primários, hospitalares, continuados e paliativos;
5) Desenvolvimento de projetos colaborativos de investigação básica, clínica e de saúde pública com reforço da cooperação regional, nacional e internacional;
6) Modernização e qualificação da educação médica na dimensão pós-graduada e de educação continuada;
7) Estabelecimento do foco da atividade na promoção da qualidade dos cuidados prestados às populações com base numa resposta adequada às suas diferentes necessidades;
8) Desenvolvimento ao máximo do potencial disponível, tanto ao nível dos recursos humanos como materiais, assegurando a combinação da investigação básica, translacional e clínica e a educação médica que é necessária para alcançar melhorias significativas dos cuidados de saúde.
iii) O consórcio tem ainda como foco o desenvolvimento da investigação, da formação, e a melhoria dos cuidados de saúde visando, em articulação com os C..., E.P.E. e a F..., I.P., atingir a excelência de cuidados de saúde.
1. A Requerente é uma associação de direito privado sem fins lucrativos, de índole académica e científica, tendo sido constituída por escritura pública de 17/07/2018, pelos seus associados fundadores C..., E.P.E., e D..., com o intuito de concretizar a missão do consórcio referido na alínea a) supra. cfr. doc. n.º 2 – escritura e estatutos da Requerente;
2. Tem como objeto a prossecução de objetivos comuns dos seus membros. - cfr. n.º 1 do artigo 5º dos Estatutos da Requerente, junto sob doc. n.º 2;
3. Na prossecução do seu objeto, a Requerente desempenha, nomeadamente, as seguintes
atividades:
i) Desenvolvimento da dimensão académica e da qualificação na medicina clínica;
ii) Contribuir para a modernização e qualificação da educação médica e nas ciências da saúde, em toda a dimensão pós-graduada e de educação médica continuada;
iii) Associar-se ao desenvolvimento de programas de formação académica em medicina, ciências biomédicas e da saúde;
iv) Promover iniciativas para a organização e financiamento de projetos académicos e científicos;
v) Divulgação interna e externa das atividades da AD-ABC e/ou das instituições fundadoras;
vi) Articulação com instituições nacionais e internacionais no âmbito da promoção, organização e financiamento de iniciativas académicas, científicas, clínicas e educacionais;
vii) Integrar a promoção e desenvolvimento da investigação clínica e da translação;
viii) Otimização dos meios financeiros e dos recursos humanos e materiais dos membros;
ix) Aproveitamento das sinergias decorrentes da proximidade no mesmo campus universitário e da elevada diferenciação dos seus recursos humanos das instituições fundadoras;
x) Reforço da cooperação internacional para a investigação e a formação avançada
em biomedicina e medicina clínica. – (cfr. n.º 2 do artigo 5º dos Estatutos da Requerente, junto sob doc. n.º 2);
4. Em março de 2020, a pandemia por Covid-19 causou uma emergência de saúde pública de âmbito internacional, declarada pela Organização Mundial da Saúde;
5. Impunha-se a testagem em larga escala à Covid-19 para conter a disseminação da doença, mas os testes automáticos estavam esgotados no mercado mundial ou eram manifestamente insuficientes para fazer face à elevada procura;
6. Foi neste contexto que vários centros de investigação em Portugal se juntaram e criaram uma task force de testagem à Covid-19, colocando ao dispor os seus meios humanos e materiais;
7. A Requerente, em colaboração com o Instituto G... (G...), foi pioneiro a implementar protocolos com diversas entidades que permitissem a utilização de kits de extração de material genético disponíveis nos laboratórios para fins de investigação;
8. A requerente desenvolveu um processo de testagem próprio, que consistia na recolha do ácido ribonucleico (RNA) do vírus para a realização dos testes PCR;
9. Este processo de testagem não era replicável nem comercializável;
10. Em 11/04/2020, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) certificou o processo de testagem manual desenvolvido pela Requerente, que seria implementado em cooperação com a D... (um dos seus associados fundadores). - cfr. doc. n.º 3 e 4;
11. Em 30/04/2020, a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) atribuiu à Requerente uma licença especial provisória para aplicação deste método de testagem. - cfr. doc. n.º 5;
12. Em 01/04/2020, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSS) celebrou com a Requerente um protocolo tendo em vista o desenvolvimento e aplicação de testes de despiste à doença Covid-19, aos utentes e profissionais das estruturas residenciais para pessoas idosas (ERPI) e serviço de apoio domiciliário (SAD) da Comunidade Intermunicipal do ... (CIM do ...), por reconhecer que a Requerente detinha meios e recursos para desenvolver este processo de testagem. - cfr. doc. n.º 6 – Protocolo MTSS+ Doc 7
13. No dia 07/10/2020, o ISS. I.P. celebrou com a Requerente um protocolo que visava estabelecer uma parceria para promover a realização de testes diagnóstico à Covid-19 a profissionais das respostas sociais de estruturas residenciais para idosos, unidades de cuidados continuados integrados na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, e outras respostas dedicadas a pessoas idosas, bem como crianças, jovens e pessoas com deficiência, no contexto de pandemia por Covid-19, como forma de prevenir e mitigar a ocorrência de surtos nestas estruturas de apoio social. - cfr. doc. n.º 6 – Protocolo de 07/10/2020;
14. No dia 12/04/2021, a Requerente celebrou com o ISS, I.P. um protocolo que visava estabelecer uma parceria para promover a realização de testes de diagnóstico à Covid 19 a profissionais das respostas sociais afetos a estruturas residenciais para idosos e respostas residenciais dedicadas a pessoas com deficiência, para prevenir e mitigar a ocorrência de surtos nestas estruturas de apoio social. - cfr. anexo 1 do RIT – cláusula 1ª do Protocolo, doc.nº 6;
15. A Requerente, na qualidade de entidade parceira, obrigava-se a:
a) Executar o protocolo nos seus exatos termos e nos prazos fixados;
b) A execução do protocolo era coordenada, acompanhada e avaliada pelo ISS, I.P. - cfr. anexo 1 do RIT – cláusula 7ª do Protocolo – Doc 6.
16. Terminado o protocolo, a Requerente estava obrigada a entregar à ISS, I.P. um relatório
final onde constassem as ações desenvolvidas, resultados obtidos, demonstração de receitas e custos para cada uma das atividades implementadas, tudo assim com vista ao pagamento do montante remanescente do apoio financeiro estabelecido. - cfr. anexo 1 do RIT – cláusula 7ª do Protocolo;
17. Para a execução do protocolo, o ISS, I.P. atribuiu à Requerente um apoio financeiro no montante máximo de 3.104.900,00 € (1.854.900,00 € provenientes do protocolo então celebrado em 07/10/2020, a que acresce o valor de 1.250.000,00 €). - cfr. anexo 1 do RIT – cláusula 5ª do Protocolo;
18. O apoio financeiro seria pago em três tranches, mas a última dependia do resultado da avaliação ao relatório final a apresentar pela Requerente. - cfr. anexo 1 do RIT – cláusula 5ª do Protocolo;
19. Caso o apoio financeiro adiantado pelo ISS, I.P. excedesse os custos apresentados no relatório final da Requerente, este teria de devolver o montante remanescente. - cfr. anexo 1 do RIT – cláusula 5ª do Protocolo;
20. A Requerente suportou os custos com deslocações, alojamento, alimentação, recursos humanos, kits de testagem e zaragatoas, equipamentos de proteção individual, e outros materiais necessários para a testagem. - cfr. doc. n.º 8 – relatório final ISS, I.P.;
21. Em cumprimento do estipulado no n.º 3 da cláusula 6ª do protocolo, a Requerente entregou ao ISS, I.P. um relatório final referente ao período de 07/10/2020 a 19/06/2021, onde identificou:
i)Receitas no valor de 3.104.900,00 €, que correspondem ao apoio financeiro atribuído pelo ISS, I.P.; ii) Custos em que incorreu no desenvolvimento e execução do protocolo, no valor de 3.124.927,19 €. iii)Resultando num saldo negativo de 20.027,18 €. - cfr. doc. n.º 8 junto.
22. O apoio financeiro atribuído pelo ISS, I.P. no valor de 3.104.900,00 € foi contabilizado pela Requerente em quatro momentos:
1) 741.960,00 € em outubro de 2020, ao abrigo do protocolo inicialmente celebrado entre as partes;
2) 750.000,00 € em abril de 2021;
3) 1.112.940,00 € em abril de 2021;
4) 500.000,00 € em dezembro de 2021. - cfr. RIT.
23. No ano de 2021, a Requerente submeteu candidaturas junto do IEFP no âmbito do MAREESS, (Portaria n.º 82-C/2020, de 31 de março), e viu ser aprovados quatro projetos: MAREESS 13, MAREESS 15, MAREESS 36 e MAREESS 45. - cfr. doc. n.º 13 – quadro resumo projetos MAREESS 9 Cfr. n.º 1 do artigo 2º da Portaria n.º 82-C/2020, de 31 de março;
24. O IEFP assegurou a comparticipação de 90% da bolsa mensal que os destinatários tinham direito, e a Requerente, enquanto entidade promotora, suportou o remanescente da bolsa mensal (10%), o seguro de acidentes, subsídio de alimentação, e o transporte;
25. Nos quatro projetos MAREESS, o IEFP, I.P. aprovou comparticipações no valor total de 308.658,99 € e a Requerente suportou custos no montante total de 372.015,56 €. Resultando um saldo negativo de 63.356,57 €. - cfr. doc. n.º 9 junto.
Segundo fundamentação da Requerida como resulta dos documentos 17 e 18, em anexo, juntos por si, na sequência da denuncia anónima recebida da DSIFAE (GPS...) que continha em anexo o parecer do Conselho Fiscal da Requerente, foi emitido pela Requerida o despacho nº DI2022... para consulta, recolha e cruzamento de elementos dos anos de 2020, 2021 e 2022 da Requerente;
Em cumprimento do despacho nº DI2022... foram analisados pela Requerida os documentos de suporte à contabilidade da Requerente e demais elementos relativos a esses anos;
Na sequência da análise referida no número anterior a Requerida considerou que os subsídios à exploração e ao investimento e os donativos recebido pela Requerente e que se destinaram a atividades desenvolvidas para a operacionalização do apoio ao combate à pandemia SARS-Cov2 (Covid 19), no ano de 2020, poderão encontrar-se incluídos nos fins estatutários da Requerente, designadamente na al.g) do nº2 do artº 5º dos Estatutos (investigação translacional), sendo isentos ou não sujeitos, nos termos do artº 54,nº3 e 4 do CIRC respetivamente;
A Requerida consultou a página eportugal.gov.pt e verificou que a Requerente não possuía o reconhecimento de utilidade pública, tal como impõe o Artº 10º do IRC;
Relativamente ao ano de 2021 a Requerente declarou uma nova atividade: CAE Secundário 1- 086901 – Laboratórios de Análises Clínicas – atividade iniciada em 2021-04-26, pelo que,
A Requerida concluiu que os rendimentos provindos da atividade de análises clínicas provenientes da atividade de testagem e análises desenvolvida pela Requerente ao abrigo dos Protocolos celebrados com o Instituto da Segurança Social, I.P. e com o Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P. deverão ser considerados rendimentos da categoria B previstos no artigo 3.º do CIRS, e deverão fazer parte do Rendimento Global do ano de 2021, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRC;
E apurou uma nova Matéria Coletável tendo em conta as seguintes componentes:
Gastos previstos no n.º 7 do artigo 53.º do CIRC - € 547.048,47 (Centro de Custos Investigação) - Gastos Comuns (Centro de Custos Apoio Administrativo), previstos e calculados nos termos do artigo 54.º do CIRC = (Total de rendimentos brutos sujeitos e não isentos / (Total de rendimentos brutos sujeitos e não isentos + Rendimentos não sujeitos ou isentos)) x Gastos comuns ligados à obtenção de rendimentos sujeitos e não isentos e dos não sujeitos ou isentos.
Ou seja, aplicou o método da imputação proporcional nos termos do artigo 54.º do CIRC para o apuramento das correções aos gastos comuns que totalizou €309.037,48 em 2021;
Apurando para 2021, uma correção à Matéria Coletável total no montante de €2.619.128,94.
Essa correção foi resumida na seguinte demonstração,
dando lugar, relativamente a esse ano de 2021, às liquidações de IRC e juros respetivamente com o n.º 2024..., liquidação de juros compensatórios com o n.º 2024..., liquidação de juros de mora com o n.º 2024... . (cf. Docs 10 e 11, juntos);
Todas constantes na demonstração de acerto de contas n.º 2024..., no valor global de €603.843,39 como já referido anteriormente (cfr.doc 10).
B- Factos não Provados
Não existem quaisquer outros factos, com relevância para a decisão arbitral, a julgar como não provados.
C. Motivação quanto à matéria de facto
Relativamente ao julgamento da matéria de facto, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas partes em sede de facto, do teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e do processo administrativo.
IV. MATÉRIAS DE DIREITO
i) A primeira questão de direito a considerar neste processo Arbitral gira em torno de saber se a Requerente beneficia da isenção prevista no artigo 10.º do Código do IRC por reunir os requisitos para beneficiar da isenção nomeadamente por deter o reconhecimento de utilidade pública e por cumprir as condições estabelecidas no n.º 3 do referido artigo.
ii) Uma segunda questão reporta-se à aplicação do artigo 54.º, n.º 3, do Código do IRC e não sujeição a IRC dos subsídios recebidos no que se refere ao seu destino em exclusivo à direta e imediata realização dos fins estatutários.
iii) A terceira questão tem a ver como o enquadramento nos artigos 3.º, 20.º, 22.º, 32.º, 53.º e 54.º do CIRC dos rendimentos obtidos e se os montantes recebidos constituem rendimentos empresariais da Categoria B para efeitos de IRC,
iv) Por último importa aferir da Legalidade das liquidações impugnadas, isto é, se a liquidação de IRC n.º 2024..., a liquidação de juros compensatórios e de mora, e a demonstração de acerto de contas n.º 2024..., no montante global de €603.843,39, foram efetuadas de acordo com a lei.
Vejamos:
1. No que se refere á primeira e segunda questões, para a Requerente, os subsídios recebidos destinavam-se a fins estatutários e são isentos ou não sujeitos a IRC por estarem abrangidos pelas exclusões do artigo 54.º, n.º 3, do CIRC ou, em alternativa, pelas isenções do artigo 10.º do CIRC.
2. Para a Requerida, o facto de a Requerente não possuir o reconhecimento de utilidade pública, tal como impõe o Artº 10º do IRC, tais subsídios não poderão estar isentos ou não sujeitos a IRC.
3. Os critérios para aplicação da isenção prevista no artº 10º do CIRC são:
i) A existência de ato formal de reconhecimento (nº 2), pois tal isenção não é automática, exigindo-se também a aderência aos fins (nº3);
ii) A prossecução exclusiva/predominante dos fins estatutários;
iii) A exclusão de rendimentos empresariais fora dos fins estatutários (n.º 3).
iv) Caso uma entidade sem fins lucrativos exerça atividade económica concorrencial sem o reconhecimento previsto no nº2, tais rendimentos não beneficiam de isenção.
4. Relativamente à não sujeição de tais subsídios a tributação em IRC (Artº 54º, nº1 e 2 e 3):
i) exige-se prova que esses subsídios financiam diretamente os fins estatutários;
ii) se forem componente do preço ou contrapartida ou,
iii) se a entidade beneficiária for comercial a título principal, então a norma não opera.
iv) para o nº3 do Artº 54º operar, a finalidade estatutária tem de estar demonstrada (destinação direta e imediata).
v) se a entidade é comercial a título principal (artº 3º nº1,1 al.a) ou b)) do CIRC, ou o subsídio é contrapartida de serviços/atividades de mercado, então deverão entrar na base do imposto e a não sujeição a IRC não poderá ser invocada.
Como resulta da leitura do artigo 10.º do CIRC, no caso dos autos, sem o reconhecimento de utilidade pública e no âmbito de atividade concorrencial, não se permite que haja isenção. Como resulta da matéria de facto dada como provada, a Requerente não possui o reconhecimento de utilidade pública, tal como impõe o Artº 10º do IRC, pelo que os subsídios recebidos não poderão estar isentos ou não sujeitos a IRC.
Neste sentido aponta a jurisprudência do CAAD, como se pode ver, a título de exemplo o Proc 341/2023-T.
No mesmo sentido, vai a jurisprudência do STA, como se pode ler no Acórdão, de 5.5.2010. Este Acórdão reafirma que a isenção do art. 10.º do CIRC é tipicamente pessoal e depende do enquadramento legal expresso (PCUP/IPSS/equiparações) e observância dos requisitos do n.º 3.
Por sua vez, o Acórdão do STA (17.6.2015) reitera o elenco de destinatários do art. 10.º e a natureza estrita da isenção, realçando que outras entidades (p. ex., ensino particular) têm regime próprio e não o art. 10.º sem o devido reconhecimento.
Também o TCA Sul (30.9.2020) - sobre estatuto de utilidade pública/isenção — sublinha a distinção entre rendimentos diretamente derivados de atividades dos fins e rendimentos empresariais fora do âmbito estatutário (não abrangidos).
Quanto à aplicação do artigo 54º do IRC - os rendimentos recebidos pela Requerente relativamente às atividades de testagem e análise de resultados são contrapartidas de serviços/atividades de mercado, e por isso, tributáveis em IRC. No mesmo sentido, vai a jurisprudência do CAAD - Proc. 24/2016-T (8.9.2016) e Proc. 211/2020-T (5.11.2020).
Além do mais, é de concluir, quanto à legalidade forma da liquidação adicional e IRC e juros relativos que a Requerida respeitou as etapas formais e materiais, previstas no Código do IRC (CIRC), no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e na Lei Geral Tributária (LGT), pelo que se conclui pela inexistência de vício de violação de lei e pela legalidade de todos os seus atos. Com efeito, a fundamentação é clara e suficiente de facto e de direito, de forma a permitir ao contribuinte conhecer as razões que motivaram a correção da matéria coletável e a poder reagir, contra a mesma, como aconteceu.
Em suma:
d) A Requerente não detém o reconhecimento de utilidade pública exigido pelo artigo 10.º, n.º 1, alínea c), do CIRC, nem cumpre os requisitos previstos no n.º 3 desse artigo;
e) As atividades desenvolvidas pela Requerente no exercício de 2021, nomeadamente a testagem à COVID-19, enquadradas no CAE 086901 – Laboratórios de Análises Clínicas, não se inserem nos fins estatutários definidos no artigo 5.º dos seus Estatutos;
f) Não se encontram preenchidos os pressupostos do artigo 54.º, n.º 3, do CIRC para que os subsídios recebidos sejam considerados rendimentos não sujeitos a IRC;
g) Os rendimentos auferidos configuram rendimentos da Categoria B, sujeitos a tributação em IRC, nos termos dos artigos 3.º, n.º 1, alínea b), 20.º, 22.º, 32.º, 53.º e 54.º do CIRC.
V – DECISÃO
Com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação de IRC n.º 2024..., a liquidação de juros compensatórios e de mora, e a demonstração de acerto de contas n.º 2024..., no valor global de €603.843,39;.
b) Condenar a Requerente nas custas do processo.
VI – VALOR DA CAUSA
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 603.843,39, (seiscentos e três mil oitocentos e quarenta e três euros e trinta e nove cêntimos), tal como consta do Pedido.
VII- CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, as custas, a cargo da Requerente, nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, no montante de € 9.180,00, nos termos da Tabela I anexa à Portaria n.º 342/2011, de 30 de dezembro.
Notifique-se.
Lisboa, 25 de outubro de 2025
Os Árbitros
Presidente - Fernanda Maçãs
Vogal - Dr.Manuel Alberto Soares (Relator)
Vogal - Dr.João Santos Pinto