Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 596/2025-T
Data da decisão: 2025-10-07  IRC  
Valor do pedido: € 806.868,44
Tema: Tributação de Dividendos Pagos a Organismos de Investimento Coletivo (OIC) não Residentes – Discriminação e Violação da Livre Circulação de Capitais – Arts. 22.º, n.ºs 1 a 3 e 10 EBF e 63.º do
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Sumário 

  1. A legislação portuguesa de IRC ao tributar por retenção na fonte dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC constituídos ao abrigo da legislação de outro Estado Membro, ao mesmo tempo que permite aos OIC equiparáveis constituídos ao abrigo da legislação nacional beneficiar de isenção dessa retenção na fonte, não é compatível com o direito da União Europeia, por violação da liberdade fundamental de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, AllianzGI-Fonds, com acórdão de 17.03.2022.

    II.         A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade.

  1. As liquidações de IRC por retenção na fonte sobre dividendos distribuídos a um OIC residente noutro Estado-Membro da União Europeia são anuláveis por erro de direito. 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia e Dr. Pedro Guerra Alves (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 26 de Agosto de 2025, acordam no seguinte:

 

            

     I.         Relatório

 

A... (doravante abreviadamente designado como “Requerente”), sub-fundo do B..., com sede social em ..., ... Paris, França, titular do número de identificação fiscal português..., e representado pela C..., na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), na sequência do indeferimento tácito da reclamação graciosa por si apresentada do ato de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) sobre os dividendos que lhe foram distribuídos por sociedades residentes em território português, no ano de 2023, no valor total de € 806.868,44. 

Para tanto, o Requerente invoca o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”. 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 20 de junho de 2025 e, de seguida, notificado à AT.

Após nomeação de todos os árbitros, os mesmos comunicaram, em prazo, a aceitação do encargo. O Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD informou as Partes, por notificação eletrónica registada no sistema de gestão processual em 5 de Agosto de 2025, não tendo sido manifestada oposição. 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 26 de agosto de 2025.

Em 23 de Setembro de 2025, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por exceção e impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”).

Por despacho do Tribunal, de 24 de Setembro de 2025, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e foram dispensada a apresentação de alegações, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (v. artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT). O Requerente foi notificada para se para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias, exclusivamente sobre as exceções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e para pagar a taxa arbitral subsequente, tendo sido fixado o prazo para a decisão até 6 de Novembro de 2025. 

O Requerente apresentou resposta as exceções em 3 de Outubro de 2025. 

 

Posição do Requerente

 

O presente pedido de pronúncia arbitral tem como objeto  imediato o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, e como objeto mediato a retenção na fonte de IRC, a título definitivo,  que foi indevidamente efetuada sobre dividendos auferidos pelo ora Requerente em  Portugal, no período de 2023.

O Requerente, com residência fiscal em França, sub-fundo do B..., é uma pessoa coletiva de direito francês, concretamente um Organismo de Investimento Coletivo de Valores Mobiliários sob a forma de uma Sociedade de Investimento de Capital Variável (“SICAV”), para efeitos da aplicação da Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009 (na redação atualmente em vigor), constituído sob a forma societária e supervisionado pela Authorité des Marchés Financiers (“AMF”), sendo um sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável.

O Requerente é gerido pela sociedade gestora C... e o Banco Depositário é o D... .

No âmbito da sua atividade, o Requerente, no exercício de 2023, na qualidade de acionista de uma sociedade residente em Portugal,  auferiu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos, no âmbito do regime legal da substituição tributária.

Nos termos do n.º 1 do artigo 20.º da LGT, a substituição tributária verifica-se quando a prestação pecuniária é exigida a pessoa diferente do contribuinte (i.e. ao substituto tributário), sendo efetuada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido.

Por não concordar com a retenção na fonte de IRC sofrida em violação dos artigos 63.º e 65.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) (e por consequente violação do disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”)) e em face da inúmera jurisprudência proferida acerca desta temática, o Requerente vem solicitar, por este meio, a anulação daquele ato tributário e, consequentemente, o reembolso do imposto indevidamente retido.

Nos termos do Código de IRC, as entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português – como é o caso do Requerente – apenas são tributadas em Portugal pelos rendimentos que obtenham em território nacional, conforme o disposto no n.º 2 do artigo 4.º do Código do IRC.

Por sua vez, e dado que o Requerente é uma entidade não residente com sede em França, apenas no caso de os rendimentos de fonte portuguesa serem enquadráveis nas alíneas a) a f) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC estarão estes sujeitos a tributação, em sede de IRC.

Sustenta que nos termos da legislação em vigor, Portugal sujeita os dividendos  distribuídos por uma entidade residente a tributação quando colocados à disposição de OIC não residentes, aplicando uma taxa definitiva de 25%. Diversamente, quando estejam em causa os mesmos dividendos distribuídos a OIC residentes, não é aplicável qualquer imposto sobre os mesmos na esfera do OIC, na medida em que se exclui do apuramento do seu lucro tributável os dividendos independentemente da sua fonte, pagos a OIC residentes.

Face ao exposto, conclui-se que o regime em apreço estabelece expressamente uma distinção de tratamento para efeitos de tributação entre OIC residentes e não residentes em Portugal – uma vez que, tendencialmente, as entidades constituídas noutro Estado-Membro também não terão domicílio fiscal em Portugal – impondo às primeiras um regime claramente mais favorável, através da concessão de uma exclusão de tributação / isenção, enquanto que os dividendos auferidos pelas segundas são tributados à taxa de 25%.

Sendo comparáveis às suas congéneres constituídas ao abrigo da legislação nacional, não se verificam fundamentos capazes de justificar o tratamento diferenciado e menos favorável dos fundos de investimento constituídos noutros Estados-Membros – como é o caso do Requerente – e, consequentemente, a não aplicabilidade do regime mais favorável previsto no n.º 3 do artigo 22.º EBF, o que é passível de consubstanciar uma discriminação arbitrária, proibida pelas normas de Direito da União Europeia, conforme se corroborará infra.

Assim, à luz do referido enquadramento legal, o Requerente sofreu retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 25%, a qual ocorreu no estrito cumprimento dos dispositivos legais mencionados, muito embora, conforme se explanará seguidamente, tal ato tributário de retenção na fonte se repute de ilegal pela sua desconformidade com o Direito Europeu, o que implica, desde logo, a sua anulação e consequente reembolso do montante indevidamente retido de € 806.868,44, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

A regulamentação nacional introduz um tratamento desigual e discriminatório no que respeita aos OIC não residentes, o qual é proibido pelas liberdades fundamentais que enformam o ordenamento jurídico da União Europeia. 

A distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal a um fundo de investimento não residente em Portugal – como é o caso do Requerente – é passível de ser qualificada como movimento de capitais, na aceção do artigo 63.º do TFUE, entendimento reforçado pelo disposto na Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho de 1988

Neste sentido, conclui o Requerente, face à declaração do TJUE, a saber: “O artigo 63º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”, que as normas dos artigos 94º nº 1 alínea c), 94º nº 3 alínea b), 94º nº 4 e 87º nº 4 do CIRC e artigo 22º do EBF (redação em vigor desde 01.07.2015), na medida em que constituem legislação interna portuguesa, onde se prevê a tributação em sede de imposto sobre o rendimento, através de retenção na fonte liberatória, dos dividendos de origem nacional quando são auferidos por OIC não residentes, ao mesmo tempo que prevê uma exclusão / isenção de tributação, quanto ao mesmo imposto e quando os dividendos de origem nacional são auferidos por OIC residentes em Portugal, estão em desconformidade com o artigo 63º do TFUE. 

Face ao primado do Direito da UE, em relação às disposições legais internas que sejam contrárias às disposições comunitárias (que resulta do nº 4 do artigo 8º da CRP), será de concluir que a retenção na fonte de IRC aqui contestada padece de desconformidade de violação da lei comunitária.

Termina o Requerente, peticionando a anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada, bem como a anulação do subjacente ato tributário de retenção na fonte indevidamente suportado, a título definitivo, sobre os dividendos auferidos de fonte portuguesa, em 2023 e o consequente reembolso do montante da referida retenção na fonte de IRC e, bem assim, o pagamento dos respetivos juros indemnizatórios

 

Posição da Requerida

 

Não podemos concluir que a requerente seja um OIC que cumpra as condições das diretivas europeias em igualdade de circunstâncias com os OIC nacionais para efeitos de aplicação do art.º 22.º do EBF, por não apresentar documento emitido no país de origem pela autoridade de supervisão financeira ou regulador do setor de fundos de investimento atestando que além de ser um OIC este cumpra os termos da diretiva 2011/61/UE ou da diretiva 2009/65/CE (o documento apresentado apenas declara que é um OIC - documento 3 junto ao ppa).

O PPA resulta do indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2024... (sem instauração por falta de identificação do objeto) apresentada em 23/12/2024 (cfr. Carimbo aposto na PI, ficheiro PI A... pdf) contra o ato de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), ocorrido no período tributário de 2023 (maio), aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos com origem em Portugal, no montante alegado de €3.227.473,76. Tais rendimentos terão sido sujeitos a  tributação em Portugal, através de retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 25%.

Sucede que a Requerente não identificou o ato objeto da reclamação graciosa na sua petição inicial, mesmo depois de ter sido notificada, na pessoa do seu mandatário, notificada nos termos dos artigos 108 º e 118º do CPPT, através do oficio nº ... de 2025/06/26, impossibilitando a instauração do respetivo procedimento administrativo, só o vindo a fazer com a apresentação do ppa.

Os dividendos a que se reporta a retenção na fonte em causa foram pagos pela E.., SA sociedade residente em Portugal. 

O Requerente informa que os dividendos auferidos, no montante de €3.227.473,76, foram sujeitos a tributação em Portugal, por retenção na fonte, à taxa de 25%, prevista no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC, resultando uma retenção de € 806.868,44.

A retenção em causa foi, alegadamente, entregue através da guia de RF n.º..., pelo F... SA, NIPC ... . Contudo, apresentando a guia supra identificada valores muito superiores ao reclamado, torna-se impossível a confirmação do pedido.

A “MODELO 30 – RENDIMENTOS PAGOS OU COLOCADOS À DISPOSIÇÃO DE SUJEITOS PASSIVOS NÃO RESIDENTES”, relativa ao período tributário de 2023, entregue pela entidade acima mencionada, revela rendimentos pagos no período indicado, no montante de €3.227.473,76, a que corresponde uma retenção na fonte de € 806.868,44.

Solicitada informação à Direção de Serviços de Relações Internacionais, no sentido de saber se foram pedidos/efetuados quaisquer reembolsos relativos aos rendimentos supra referidos, veio aquela Direção de Serviços esclarecer, o seguinte:

“(…) após consulta efetuada às aplicações informáticas designadas abreviadamente por RELINT e SGRI, aplicações de controlo de processos em utilização nesta Direção de Serviços, que não se conhecem, na presente data, quaisquer procedimentos de reembolso em nome da entidade identificada com o NIF-PT..., conforme decorre dos comprovativos de consulta em anexo.”

A Requerida termina peticionado que deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, com todas as devidas e legais consequências.

 

 

   II.         Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo, para conhecer dos atos de liquidação de IRC por retenção na fonte (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, contado da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida em 23 de Dezembro de 2025, tendo a ação arbitral dado entrada em 19 de Junho de 2025 (v. artigo 279.º do Código Civil, por remissão dos artigos 20.º, n.º 1 do CPPT e 3.º-A do RJAT). 

 

  III.         Fundamentação de Facto

 

1.              Factos  Provados

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

A.     O A..., ora requerente, é, uma entidade jurídica de direito Francês, tem residência fiscal em França e é um sub-fundo do B..., constituído sobre a forma societária, concretamente um Organismo de Investimento Coletivo de Valores Mobiliários sob a forma de uma Sociedade de Investimento de Capital Variável (“SICAV”), supervisionado a AMF. cf. Documento 3 do PPA. 

B.      O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país. – cf. Documento 3 do PPA. 

C.     No ano de 2023, o Requerente era detentor de participações sociais na sociedade residente em Portugal: E...– cf. Documento 4 e 5 do PPA. 

D.     No ano de 2023, o Requerente auferiu, na qualidade de acionista, dividendos distribuídos pela mencionada sociedade no valor de 3.227.473,76€, pagos em 3 de Maio de 2023,  que foram tributados em IRC por retenção na fonte à taxa de 25%, perfazendo o total de imposto retido € 806.868,44, conforme guia de Retenção na Fonte n.º ... . - cf. Documentos 1, 4 e 5, do PPA.

E.      Inconformado com as retenções na fonte acima identificadas, por entender que essa tributação consubstancia uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, em violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE, o Requerente apresentou, em 23 de Dezembro de 2024, reclamação graciosa desses atos de retenção na fonte – cf. Documento 2 do PPA.

F.      Em 23 de Abril de 2025, formou-se a presunção de indeferimento tácito do pedido de reclamação graciosa. cf. Documento 2 do PPA.

G.     A Requerida notificou a Requerente na pessoa do seu mandatário,  através do oficio nº ... de 2025/06/26, do qual consta o seguinte: 

H.     Em discordância das retenções na fonte de IRC sobre os dividendos auferidos em 2023 de fonte portuguesa o Requerente apresentou no CAAD, em 19 de Junho de 2025, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral na origem da presente ação – cf. registo de entrada no SGP do CAAD. 

 

            2.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão. 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.

Não existem factos alegados com relevância para a apreciação da causa que devam considerar-se não provados.

 

 IV.         Questões Prévias

a) Das Exceções Invocadas:

a.1) Incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral

 

Posição da Requerida

A Requerida defendeu-se invocando a incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral, para o efeito alegou em suma: 

Ora, relativamente ao pedido de Reclamação Graciosa importa destacar que, ao consultar as aplicações informáticas internas da AT (SICAT), os serviços informaram a Requerente através do ofício ref.ª ... de 25.06.2025 que o requerimento apresentado em 23.12.2024 não identificou o ato objeto do mesmo, tendo sido concedido um prazo de 10 para proceder à identificação do ato em causa, sob pena de rejeição liminar do mesmo. 

Mesmo depois de ter sido notificada, na pessoa do seu mandatário, notificada nos termos dos artigos 108 º e 118º do CPPT, através do oficio nº ... de 2025/06/26, não foi efetuada a identificação do ato, o que Impossibilitou a instauração do respetivo procedimento administrativo. Assim, constata-se que a requerente – na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT. Situação esta que está fora da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. 

Ora, o PPA não pode substituir a reclamação graciosa prevista no artigo 132.º do CPPT, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no nº 1 de tal artigo. 

Deste modo, verifica-se a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Posição da Requerente

A Requerente, respondeu a exceção invocada, sustentando: 

Ora, sem discutir sequer a data exata da notificação, a qual apenas ocorreu, naturalmente, em data posterior ao do Ofício, à data do próprio  Ofício já o indeferimento tácito havia ocorrido e a petição inicial sido entregue junto do tribunal arbitral (no dia 19 de junho de 2025).

A não resposta à solicitação da AT apenas se deveu ao simples fato de qualquer análise da AT, na fase em questão, ser completamente inútil, tendo o ato tributário sido já devidamente identificado em sede de petição inicial.

Se faltasse informação à AT para responder no prazo de 4 meses estipulado no artigo 57.º da LGT para o exercício do procedimento administrativo, a notificação à Requerente não poderia ter sido efetuada após o mesmo e, naturalmente, após a presunção de indeferimento tácito.

Em segundo lugar, a Requerente entende que a reclamação se deve considerar completa, na medida em que se identifica o montante de retenção na fonte indevidamente efetuada e a data em que a mesma ocorreu, sendo que qualquer informação adicional quanto o nº do ato tributário em concreto é algo que, por natureza, a Requerente desconhece, salvo se tal informação lhe for fornecida pela entidade responsável pela retenção na fonte em Portugal, com a qual a Requerente nem tem uma relação contratual direta, cabendo à AT confirmar nos seus sistemas, através dos inúmeros reportes de informação que lhe são fornecidos pelas entidades responsáveis pela retenção na fonte em Portugal, a informação concreta que necessita para validar os fatos apresentados pela Requerente. 

Em terceiro lugar, também se deve considerar a referência expressa  da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» como reportando-se apenas aos casos em que tal recurso seria obrigatório. 

Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (artigo 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do artigo 132.º do mesmo Código), como é o caso, se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efetuada, o que, no caso, até foi, por via de reclamação graciosa.

 

Atendendo a posição das partes, cumpre apreciar a exceção invocada. 

 

Sinteticamente, a Requerida vem alegar a incompetência do tribunal por entender que a Requerente aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, por não foi efetuada a identificação do ato, o que impossibilitou a instauração do respetivo procedimento administrativo.

Atenta a factualidade dada como provada, a Requerida notificou a Requerente do ofício 3579 de 2025/06/26, para esta vir prestar esclarecimento sobre a reclamação graciosa e vir identificar o ato de retenção na fonte. 

Ressalte-se que, na referida data, a Requerente já havia interposto o presente PPA, com fundamento no indeferimento tácito da mencionada reclamação graciosa..

Conforme resulta dessa notificação, já transcrita no ponto G dos factos, o oficio da AT é fundamentado nos termos dos artigos 108 º e 118º do CPPT. 

Os normativos identificados para suportar o ofício pela AT, não tem aplicação em sede de procedimento de reclamação graciosa, são aplicáveis à impugnação judicial. Em sede de procedimento de reclamação graciosa, aplica-se as regras da dispensa de formalidades essenciais, prevista na alínea b) do artigo 69.º do CPPT. 

Por força da aplicação desse normativo de dispensa de formalidade essências, e de acordo com o princípio da colaboração previsto nos artigos 59.º, n.º 3, al, d) da LGT e 48.º, n.º 1 CPPT, a AT pode notificar o sujeito passivo para prestar esclarecimento sobre as suas declarações ou documentos.

Dessa forma, uma vez decorrido o prazo de quatro meses para a formação da presunção de indeferimento tácito, e, inclusive, a Requerente já interposto o presente pedido de pronúncia arbitral, a ausência de suprimento da alegada deficiência da reclamação graciosa é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que não tomou as diligências necessárias, como lhe competia.

Por outro lado, o indeferimento tácito presume-se basear-se em razões substantivas e não por razões formais (essencialmente neste sentido podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 2-2-2005, processo n.º 1171/04; de 8-7-2009, processo n.º 306/09; de 23-9-2009, processo n.º 420/09; e de 12-11-2009, recurso n.º 681/09).

Assim, na linha da jurisprudência referida, é de entender que o ato ficcionado quando ocorre indeferimento tácito de pedido de reclamação graciosa é um ato que comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação cuja reclamação foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral. 

Em conformidade com o que vem exposto, conclui-se que o indeferimento tácito ficciona um ato de indeferimento expresso pela AT, ambos impugnáveis por recurso à ação de impugnação judicial ou à apresentação de constituição de tribunal arbitral. 

O Requerente cumpriu com a sua obrigação decorrente da alínea a) do artigo 2.º da  Portaria n.º 112-A/2011 e art. 132.º do CPPT, que impõem que as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação sejam precedidas de recurso à via administrativa.

Resulta da lei, e assim tem sido interpretado pela doutrina e jurisprudência há vários anos, que basta que tenha sido pedida à administração a apreciação da legalidade dos actos de retenção na fonte, independentemente da forma que esse pedido revista, para que os Tribunais Arbitrais sejam competentes à luz do artigo 2.º, 1 do RJAT e do art. 2º, a) da “portaria de vinculação”, isto é, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Efetivamente, esta posição foi expressamente reconhecida pelo CAAD no acórdão proferido no processo 630/2014-T.

Assim, estamos perante uma situação em que o sujeito passivo cumpriu o seu ónus de apresentar reclamação, presumindo-se o indeferimento por razões substantivas, pelo que não se verifica a incompetência do Tribunal Arbitral.

Neste sentido considerar-se que o acto de retenção na fonte são impugnáveis perante este Tribunal Arbitral, e que este tem competência para apreciar a sua legalidade, na sequência de decisão de indeferimento tácito de pedido de reclamação graciosa, assim se julgando improcedente esta exceção.

 

a.2. Exceção por inimpugnabilidade dos atos tributários

 

Posição da Requerida

A Requerida defendeu-se invocando inimpugnabilidade dos atos tributários, para o efeito alegou em suma: 

No caso em análise, o que se constata é que o Requerente impugna atos de retenção na fonte realizados em 13 de maio de 2019, 12 de maio de 2020 e 22 de abril de 2021, e apresentou um pedido de revisão oficiosa em 18 de maio de 2023, e, fê-lo, portanto, para além do prazo de dois anos de que dispunha para interpor a reclamação graciosa. Verifica-se a exceção dilatória de inimpugnabilidade dos atos tributários de retenção na fonte, suscitada oficiosamente pelo tribunal arbitral, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para além do prazo de dois anos, e, por conseguinte, a impugnação judicial não foi precedida de impugnação administrativa necessária, conforme impunha o artigo 132.º, n.º 3, do CPPT).»

 

Posição da Requerente

A Requerente, respondeu a exceção de inimpugnabilidade, sustentando, que apenas tem a referir que o meio administrativo precedente apresentado foi uma reclamação graciosa, pelo que não entende todo o relambório apresentado pela Requerida acerca de um suposto “pedido de revisão oficiosa” precedente, entregue, alegadamente, fora de prazo”. Pelo que não sendo nada disto o caso, refuta, desde logo, a exceção invocada pela Requerida.

 

Atendendo ao exposto, cumpre apreciar a exceção invocada. 

 

A AT vem alegar a inimpugnabilidade dos atos tributários, por entender que a  Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa em 18 de maio de 2023, e, fê-lo, portanto, para além do prazo de dois anos de que dispunha para interpor a reclamação graciosa.

Apenas se pode presumir, que a AT por lapso, veio invocar a presente exceção, não só porque procedeu a incorreta identificação dos períodos de imposto em questão e datas dos pedidos apresentados pelo sujeito passivo, e em especial, pela referência a um pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo de dois anos do pedido de reclamação graciosa. 

Ora, nos presentes autos, conforme resulta da factualidade, a Requerente apresentou o seu pedido de reclamação graciosa em 23 de Dezembro de 2024, respeitantes a ato de retenção na fonte de IRC de 3 de maio de 2023, não tendo apresentado um pedido de revisão oficiosa ou feito um pedido sobre retenções de fonte de 2019 a 2021 como sustentou a Requerida.

Nos termos do n.º 2 e 3 do artigo 132.º do CPPT, nos casos de retenção na fonte, o prazo para impugnação graciosamente é de dois anos a contar do termo do prazo de pagamento do imposto, que no presente caso ocorreu em 3 de maio de 2023, consequentemente a reclamação graciosa apresentada pela Requerente em 23 de Dezembro de 2024 é manifestamente tempestiva.

Face a todo o exposto, não assistindo razão à Requerida nesta matéria, julga-se desprovida de provimento a exceção arguida pela Requerida, improcedendo-a.

 

 

   V.         Do Direito

 

1.     Retenção na Fonte de IRC aos OIC não Residentes – Violação da Liberdade de Circulação de Capitais – Artigo 63.º do TFUE

 

A questão de direito a decidir respeita à compatibilidade com o direito da União Europeia, especificamente com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, do regime de tributação diferenciado que o artigo 22.º do EBF estabelece, nos seus n.ºs 1, 3 e 10, para os dividendos distribuídos por sociedades portuguesas (de fonte portuguesa, portanto) a OIC constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, por comparação com os mesmos dividendos quando recebidos por OIC constituídos noutro Estado-Membro, no caso na França, com observância dos requisitos da Diretiva 2009/65/CE. 

Na primeira hipótese, de OIC residentes, aqueles dividendos não são tributados por retenção na fonte em IRC. No segundo pressuposto, de OIC não residentes constituídos num outro Estado-Membro da União Europeia, nos termos da Diretiva 2009/65/CE, os dividendos são sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, nos termos do disposto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.ºs 5 e 7 e 87.º, n.º 4, todos do Código do IRC. 

Tal como assinalado pelo Requerente, o problema jurídico equacionado foi objeto de pronúncia do Tribunal de Justiça, no acórdão de 17 de março de 2022, proferido no processo de reenvio prejudicial C-545/19, numa situação factual com características idênticas às dos presentes autos, respeitante a rendimentos de capitais (precisamente dividendos), suscitada pelo Tribunal Arbitral Tributário constituído no CAAD (processo n.º 93/2019-T), sob o mesmo enquadramento legislativo. 

Conclui o Tribunal de Justiça que o “artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

Sobre a mesma questão, também o Supremo Tribunal Administrativo proferiu Acórdão uniformizador no âmbito do processo n.º 93/19.7BALS, publicado na 1.ª série do Diário da República, de 26 de fevereiro de 2024, nos seguintes termos:

1 - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;

2 - O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado -Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;

3 - A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.

Nos presentes autos também está em causa a apreciação da tributação de rendimentos de capitais, em concreto, de dividendos[1], auferidos por um OIC não estabelecido em Portugal.

O tratamento fiscal conferido a uma situação desse tipo tem de respeitar as disposições dos Tratados e, em particular, as liberdades europeias, entre as quais se encontra a liberdade de circulação de capitais.

Ora, a liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.º do TFUE, abrange toda e qualquer transferência de capital, onerosa ou não, de um Estado para outro. Esta liberdade impede quaisquer restrições aos movimentos de capitais suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir ou transacionar em certo Estado-Membro e, pese embora o TFUE reconheça, em geral, os elementos de conexão do Direito tributário internacional – residência e fonte –, aceitando o tratamento diferenciado de entidades nacionais e não nacionais[2], a admissibilidade de tal diferenciação está restrita aos casos em que as mesmas (i) não se encontram em situações objetivamente comparáveis, ou (ii) em que a diferença de tratamento é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral[3].

Dado o manifesto paralelismo, não pode deixar de aplicar-se também no presente caso a conclusão interpretativa alcançada pelo Tribunal de Justiça no processo assinalado [C-545/19], no sentido de que o artigo 63.° do TFUE se opõe a uma legislação de um Estado-Membro [como a portuguesa], por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de  retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. 

Com efeito, à semelhança da situação analisada no processo de reenvio prejudicial C-545/19, o Requerente:

−      é um OIC constituído ao abrigo da legislação de um outro Estado-Membro com observância do disposto na Diretiva 2009/65/CE; 

−      é gerido por uma entidade gestora com sede nesse outro Estado-Membro; 

−      não é residente nem dispõe de estabelecimento estável em território nacional; e 

−      foi sujeito a tributação por retenção na fonte sobre dividendos recebidos de entidades residentes em Portugal.  

Neste âmbito, segundo a interpretação do Tribunal de Justiça no aresto em referência, a situação é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais constante do artigo 63.º, n.º 1 do TFUE que proíbe “todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, resultando de jurisprudência constante que as medidas proibidas “incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln-Aktienfonds Deka, C-156/17, EU:C:2020:51, n.º 49 e jurisprudência referida).” – v. pontos 33 e 36 do acórdão no processo C-545/19. 

Prossegue o Tribunal de Justiça nos seguintes moldes, com plena aplicabilidade à situação em análise: 

“37   No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38   Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39    Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).

40    Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41      Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OIC), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].

42    O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OIC), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].

É, pois, indiscutível que a legislação fiscal portuguesa trata de modo desfavorável os OIC não residentes face aos OIC residentes, em relação à tributação sobre o rendimento, sob a forma de retenção na fonte, dos dividendos distribuídos por sociedades estabelecidas em Portugal (v. o artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF conjugado com os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.ºs 5 e 7 e 87.º, n.º 4 do Código do IRC). 

Esta discriminação, nos termos enunciados pelo Tribunal de Justiça, é desconforme ao direito da União Europeia exceto se, de duas uma: i) respeitar a situações que não sejam objetivamente comparáveis; ou (ii) for justificada por uma razão imperiosa de interesse geral. 

Importa, assim, aquilatar sobre estes dois motivos de exclusão, no que se continua a acompanhar o aresto em referência na parte relevante para a matéria em discussão nestes autos [C-545/19], como se transcreve:

“ Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis

44   O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes – a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.

45   Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.°-A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).

46  Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.

47  Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.

48  Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu‑se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.

49  Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).

50  Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, n.° 41).

51  Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek  (C‑252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.

52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).

53  A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54  Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek  (C‑252/14, EU:C:2016:402).

55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56   Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57  Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

58  Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.

59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida).

60  Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).

61   No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.

62  Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.

63  Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 79).

64  Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado‑Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 53 e jurisprudência referida).

65  Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes.

66   Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida).

67  Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o.,  C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida).

68  Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 60).

69  Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado‑Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra‑se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 61).

70   É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 62).

71   No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

72   Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).

73   Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

74  Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

 Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral  

75  Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OIC), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida].

76   No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.

77   No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.

78   A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C‑375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).

79  Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 93).

80   Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.

81  A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.

82  No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).

83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida).

84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida.

85  Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

 

Resulta, em síntese, da apreciação do Tribunal de Justiça que o tratamento diferenciado da legislação portuguesa não é admissível por se verificar, por um lado, a comparabilidade dos OIC residentes e não residentes (constituídos num Estado-Membro da União Europeia), não ocorrendo, por outro lado, uma razão imperiosa de interesse geral que o justifique. 

Neste âmbito, sublinha-se, tal como a decisão arbitral no processo n.º 99/2019-T, de 22 de julho, que o Tribunal de Justiça ponderou “(i) quer o facto de os OICs Residentes serem alvo de uma diferente modalidade de tributação/de técnicas de tributação diferentes (a saber, em IS e em TAs), (ii) quer o facto de o regime tributário em questão ter sido concebido numa lógica de tributação à saída e de, assim, os dividendos serem tributados na esfera dos Participantes”.

Acresce que, como salienta a decisão no processo arbitral n.º 370/2021-T:

Por outro lado, o Estado português não compensa aos titulares de unidades de participação em OICs estrangeiros residentes em território português ao imposto português retido a estes em Portugal, o que é suficiente para que se considere a tributação desses residentes não estar salvaguardada pela doutrina do Acórdão [do Tribunal de Justiça] C-282/07.  

Segundo o nº 23 daquele Acórdão, a possibilidade de reservar a  isenção da retenção na fonte  aos  OICs residentes, como fez o legislador nacional, não  pode ir além do  necessário para garantir a coerência do regime fiscal em causa, o que deve ser determinado caso a caso, o que não acontece no presente caso: a coerência do sistema fiscal não justifica a abdicação pelo Estado português do poder de tributação dos não residentes titulares de unidades de participação  em OICs nacionais, nem o não reconhecimento aos residentes titulares de unidades de participação em OICs estrangeiros de crédito do imposto retido em Portugal .

Tendo o legislador optado por isentar os rendimentos redistribuídos por OICs nacionais a não residentes, a retenção aos OICs estrangeiros mas que respeitem as exigências impostas pela lei nacional aos OICs violaria o princípio da equivalência de tratamento, já que a sua única justificação seria a garantia da cobrança de um imposto à qual, em situações equiparadas, renunciou.

Com efeito, de  acordo com o nº 28 do  Acórdão do TJUE C-338/11 a 347/11[3],  apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela regulamentação nacional da tributação dos OICs devem ser tidos em conta para efeitos de apreciar se a diferença de tratamento resultante de tal regulamentação reflete uma diferença de situações objetiva.

Quando um Estado-Membro escolha   exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OICs beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações dos OICMVs  seria  desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação: a apreciação da comparabilidade das situações para fins de determinar o caráter discriminatório ou não da referida regulamentação deve ser realizada apenas ao nível do veículo de investimento, o OIC, e não ao nível do investidor.”

 

À face do exposto, tendo em conta a interpretação do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, que versa sobre uma situação em tudo similar à dos presentes autos, regida pelo mesmo quadro legislativo, impõe-se concluir pela desconformidade ao artigo 63.º do TFUE do regime de tributação por retenção na fonte que foi aplicado aos dividendos distribuídos ao Requerente, na qualidade de OIC não residente, previsto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b) e n.º 5, e 87.º, n.º 4, todos do Código do IRC, uma vez que os OIC residentes não estão sujeitos a essa retenção ao abrigo do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF. 

Em linha com a decisão do processo arbitral n.º 133/2021-T, de 21 de março de 2022, interessa sublinhar que constitui corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º TFUE, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça “tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11- 2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593). A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Termos em que deve ser julgado procedente o pedido de declaração de ilegalidade e de anulação, por erro de direito, das liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas, bem como a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa que as manteve, com a consequente restituição do imposto pago (v. artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e artigo 100.º da LGT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT). 

 

 

 

2. Sobre o pedido de Reenvio Prejudicial para o TJUE

O Requerente peticiona o reenvio prejudicial para o TJUE, nos termos do artigo 267.º do TFUE.

Quanto ao reenvio prejudicial somos igualmente de concluir pela sua desnecessidade, com os seguintes fundamento, estabelece o artigo 267.º do TFUE:

Artigo 267.º

O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:

a)         Sobre a interpretação dos Tratados;

b)         Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal. (…)

Sobre a questão da natureza jurisdicional dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, a mesma já foi apreciada pelo TJUE que decidiu de forma afirmativa: “Resulta das considerações expostas que o organismo de reenvio apresenta todos os elementos necessários para ser qualificado de órgão jurisdicional de um Estado Membro para efeitos do artigo 267.º TFUE”.

Contudo, de acordo com a jurisprudência fixada no Acórdão CILFIT, a obrigação de reenvio admite exceções quando: (i) exista já jurisprudência na matéria e desde que o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicação dessa jurisprudência ao caso concreto; (ii)o correto modo de interpretação da norma jurídica em causa seja inequívoco; (iii)a questão prejudicial não seja necessária nem pertinente para o julgamento do litígio no órgão jurisdicional nacional.

Atenta a solução já adotada e considerando que a questão dos autos foi submetida à apreciação do TJUE,  não subsistem dúvidas sobre a correta interpretação das normas jurídicas em causa nos autos e, por isso, não está já em causa interpretá-las, mas sim aplicá-las, o que é da competência do Tribunal Arbitral, tendo aqui total cabimento a teoria do acto claro.

Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que não há fundamento para proceder ao peticionado reenvio prejudicial para o TJUE sendo, por isso, é indeferido o pedido apresentado pela Requerente.

 

3.     Sobre o Pedido de Juros Indemnizatórios

 

O Requerente peticiona juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT, que, no seu n.º 1, postula que estes são devidos “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro [de facto ou de direito] imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. 

O direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral como resulta do disposto no artigo 24.º, n.º 5 do RJAT e da jurisprudência consolidada. 

Acresce que o Tribunal de Justiça tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência, não só direito ao reembolso, como o direito a juros – v. acórdão de 18.04.2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere que:

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

Compete à ordem jurídica interna dos Estados-Membros prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União.

O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que o erro imputável aos serviços fica demonstrado quando seja procedente a reclamação graciosa ou impugnação da liquidação e o contribuinte não tenha contribuído para aquele [erro]. A imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado. E preconiza ainda que “Resultando a ilegalidade do acto anulado da desconformidade do mesmo com normas de direito da União Europeia, para além da restituição da quantia ilegalmente retida, são devidos juros indemnizatórios, por tal ilegalidade não ser imputável ao contribuinte.” – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.10.2020, processo n.º 01273/08.6BELRS 01364/17. 

Pelo que é de concluir que o Requerente tem apenas direito a juros indemnizatórios desde a data do indeferimento tácito expresso do pedido de reclamação graciosa, ocorrido em 23 de Abril de 2025. 

Nos termos do decido pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, “em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do ato tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efetivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artigo 43, números 1 e 3, da LGT.”

Por isso, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia que deve ser reembolsada, desde a data em que se formou indeferimento tácito, até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

  1. Decisão

 

De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente a ação e, em consequência:

a)    Julgar improcedentes as exceções invocada pela AT.

b)    Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação de IRC, por acto de retenção na fonte, e anular esse acto, bem como a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2024...;

c)    Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias pagas, no montante global de € 806.868,44 (oitocentos e seis mil, oitocentos e sessenta e oito euros e quarenta e quatro cêntimos) e condenar a Administração Tributária a pagar este montante à Requerente;

d)    Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente nos termos referidos.

 

 

VII.         Valor do Processo 

 

Fixa-se ao processo o valor de € 806.868,44 (oitocentos e seis mil, oitocentos e sessenta e oito euros e quarenta e quatro cêntimos) indicado pelo Requerente, respeitante ao montante da retenção na fonte de IRC cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

VIII.         Custas 

 

            Custas no montante de € 11 628,00 (onze mil seiscentos e oito euros), a suportar integralmente pela Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT. 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 7 de Outubro de 2025

Os árbitros,

 

Jorge Lopes de Sousa

Arbitro-Presidente

 

 

 

Jorge Bacelar Gouveia 

Arbitro Vogal,

 

 

 

Pedro Guerra Alves, 

Arbitro Vogal, Relator

 



[1] V. quanto a situações análogas, os acórdãos Verkooijen (Processo C-35/98); Manninen (Processo C- 319/02, ACT 4 (Processo C 374/04) e Denkavit II (Processo C-170/05). 

[2] V. os acórdãos Futura Participations, Processo C-391/97, Marks & Spencer, Processo C-446/03 e Denkavit II, Processo C-170/05.

[3] V. acórdãos X AG, Processo C-40/13, e Felixstowe Dock 

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0. Railway Company, Processo C-80/12.