Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 225/2025-T
Data da decisão: 2025-10-23  IRC  
Valor do pedido: € 20.634,94
Tema: Artigo 13º nº 3 e artigo 24º nº 4 do Regime Juridico da Arbitragem Tributária – a revogação do acto tributário; a liquidaçã de acerto de iRC e o conceito de “factos novos”
Versão em PDF

 

SUMÁRIO

I – Nos termos do nº 3 do artigo 13º do RJAT “...... os factos que podem fundamentar um desvio à regra da manutenção ou da alteração da situação juridico-tributária do contribuinte, devem ter ocorrido em data posterior ao acto tributário em discussão”.

II – Os factos invocados pela Requerida para fundamentar o novo acto tributário, não podem ser considerados, utilizando a terminologia adoptada no artigo 13º nº 3 do RJAT, como “factos novos”

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro, João Marques Pinto, designado em 29.04.2025, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 19.05.2025, acorda no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., sociedade de direito maltês, com sede social em ..., ..., ..., ... Malta, com o número de identificação fiscal português ..., doravante designada apenas por “Requerente”, veio, no dia 7 de Março de 2025, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 2º e no artigo 10º do Decreto-Lei 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante identificado apenas pelas iniciais RJAT), requerer a constituição de TRIBUNAL TRIBUTÁRIO para Pronúncia Arbitral, solicitando em concreto:

a)     A Anulação das liquidações de acerto do IRC de 2022 com os nºs 2024..., e 2025..., no valor de € 4.132,83 e de € 16.502,11, respectivamente;

b)    A restituição da quantia de € 20.634,94 (quatrocentos e cinquenta e seis mil euros), acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante, quando for o caso, identificada apenas pelas iniciais AT).

A Requerente optou por não designar Árbitros, ficando essa designação a cargo do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerente e à Requerida em 10.03.2025.

Em 13.03.2025, a AT, na qualidade de entidade Requerida, foi notificada da apresentação do pedido.

Em 29.04.2025, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 7 do Artigo 11º do RJAT.

Desta forma, em face do disposto no nº 8 do artigo 11º do RJAT, decorrido o prazo estabelecido no nº 11 do mesmo artigo 11º, e sem que as Partes se pronunciassem, o Tribunal ficou devida e formalmente constituído em 19.05.2025, 

Na mesma data, foi proferido despacho a notificar a Requerida para apresentar resposta ao Pedido de Pronuncia Arbitral formulado pela Requerente e para juntar aos autos o correspondente processo administrativo, despacho este que foi notificado às Partes em 20.05.2025.

A AT apresentou a sua resposta em 23 de Junho de 2025, requerendo a improcedência do pedido formulado pela Requerente, com as devidas e legais consequências.

Na sequência da resposta apresentada pela Requerida, foi proferido, dia 28 de Julho de 2025, pelo Juiz Árbitro, um despacho arbitral, com o seguinte teor:

 

“Não sendo requerida a produção de prova testemunhal, não se vê utilidade na realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT.

Considera-se ainda que as questões estão suficientemente debatidas nas peças processuais apresentadas pelas Partes, pelo que, tendo em consideração o disposto no art. 113º do CPPT, aplicável, de forma subsidiária, pelo estabelecido no art. 29º nº 1 alinea c) do RJAT, não haverá necessidade na apresentação de alegações pelas Partes.

Nesse sentido, indica-se a data de 07.09.2025 para prolação da decisão.

Até essa data, a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.”

 

No seguimento deste despacho, o Juiz Árbitro proferiu em 28 de Agosto, um novo despacho com o seguinte teor:

No despacho proferido no dia 28.07.2025, foi indicado o dia 07.09.2025 como data para a prolação da decisão final. Constatou-se, agora, que a data indicada é um domingo. Assim sendo, rectifica-se, neste ponto, o despacho anterior indicando-se como data para a prolação da decisão o dia 12.09.2025.

 

Em 29.08.2025, a Requerente apresentou um Requerimento, solicitando que fosse dado sem efeito, o despacho de 28 de Julho para que fosse ordenada extração de certidão do processo arbitral n.º 228/2024-T e que fosse junto, pela Requerida, o Processo Administrativo.

Subsidiariamente, e para o caso de não ser dado provimento aos pedidos efectuados, a Requerente apresentou as suas Alegações.

Em 09.09.2025, a Requerida juntou aos autos o Processo Administrativo, que, por lapso, não tinha juntado anteriormente, quando notificada para esse efeito.

Em 01.10.2025, foi proferido novo despacho arbitral com o seguinte teor:

Na sequencia do solicitado pela Requerente, requer-se ao CAAD que seja extraida certidão do processo arbitral 228/2024-T.

Mais se informa que não será necessário solicitar novamente à Requerida o envio do Processo Administrativo, uma vez que essa formalidade já foi cumprida.

Notifique-se

 

Sendo que, no dia seguinte, em complemento deste despacho, foi proferido um outro com a seguinte redacção:

Em complemento do despacho anterior proferido no dia de ontem (01.10.2025), declara-se que o despacho proferido no dia 28 de Julho de 2025, fica sem efeito.

Mais se declara que a decisão final será proferida até ao dia 31 de Outubro de 2025.

Notifique-se

 

Em 06.10.2025, foi junta aos autos, pelo CAAD, a certidão extraida do Processo 228/2024-T, conforme solicitado pela Requerente e no cumprimento do despacho proferido em 01.10.2025.

Em 10.10.2025, a Requerente procedeu ao pagamento da taxa arbitral subsequente, tendo enviado o respectivo comprovativo para o CAAD.

 

1.2. Saneamento 

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. 

O processo não enferma de nulidades.

1.3. Factos considerados provados:

 

 - Em 16.02.Em 16.02.2024, a Requerente efectuou um pedido de pronuncia arbitral junto do CAAD, ao qual foi atribuido o nº 228/2024-T.

2º - Esse pedido de pronuncia arbitral visou o acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida do acto de liquidação adicional de IRC de 2022 a que tinha sido atribuido o nº 2023 ... . 

3º - Em 28.05.2024 foi proferido, pela Sub-Directora Geral da Área do Imposto sobre o Rendimento (IR), um despacho de revogação total do acto de liquidação de IRC indicado no ponto 2º supra.

4º - E, também, a revogação parcial do acto de liquidação de IRC a que tinha sido atribuido o nº 2023... .

5º - Em 18.06.2024, foi proferida decisão arbitral a julgar extinta aquela instância com fundamento em inutilidade superveniente da lide.

 - Mais tarde e ainda relativamente ao exercicio de 2022,  a AT veio  a abrir um novo procedimento inspectivo à Requerente, credenciado pela OI2022..., e relativamente ao respectivo IRC, procedimento esse iniciado em 03.09.2024 e do qual foi emitido o correspondente relatório em 17.12.2004.

7º - No âmbito deste novo procedimento inspectivo, foi corrigida a matéria colectável da Requerente, tendo sido fixada matéria colectável no valor de € 570.489,86 e, em consequencia, um IRC de € 142.622,46.

 - A correcção efectuada pela Requerida à matéria colectável da Requerente resultou da não aceitação de parte das despesas e encargos inerente ao imóvel alienado, num total de €75.603,83, o que deu lugar a uma liquidação adicional de IRC no valor de € 16.502,11.

 - A Requerente pagou o correspondente IRC, no montante de € 20.634,94, no dia 05.02.2025.

 

 

1.4. Fundamentação da decisão sobre matéria de facto

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pela Requerente e no que consta do processo administrativo enviado pela Requerida.

 

1.5. Factos não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que releve para a decisão.

 

2. Matéria de Direito

 

2.1. Fundamentos das posições das Partes

 

De uma forma resumida, as Partes vêm, no pedido de pronuncia arbitral da Requerente e na subsequente resposta da Requerida, sustentar as suas posições nos seguintes argumentos:

 

2.1.1. Posição do Requerente

 

1.     Refere a Requerente que, findo o prazo de 30 dias estabelecido no artigo 13º nº 1 do RJAT, a AT fica “... impossibilitada de praticar um novo acto tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e periodo de tributação, a não ser com fundamento em factos novos.” (o sublinhado é da responsabilidade da Requerente).

2.     Refere ainda a Requerente que, em idêntico sentido, dispõe o artigo 24º nº 4 também do RJAT.

3.     Da factualidade invocada, entende a Requerente que a liquidação adicional de IRC, objecto deste pedido de pronuncia arbitral, tal como todos os actos de inspecção em que a mesma se baseou, ocorreram já depois de decorrido o prazo de 30 dias previsto no nº 1 do artigo 13º do RJAT.

4.     Na medida em que o procedimento inspectivo teve inicio no dia 03.09.2024 e a decisão do âmbito do Processo 228/2024-T tinha sido proferida em 18.06.2024.

5.     A liquidação objecto da presente contestação não foi fundamentada em factos novos ou diferentes dos que motivaram a decisão proferida no referido Processo 228/2024-T, pois a AT já tinha, desde a interposição deste processo, conhecimento do teor, natureza e valor das despesas e encargos suportados pela Requerente, quer com a aquisição, quer com a alienação do imóvel.

6.     Como o indica a referencia expressa a essa informação e a anexação da correspondente documentação de suporte no pedido de pronuncia arbitral que deu origem ao Processo 228/2024-T.

7.     E que, aliás, a própria AT veio a utilizar, de forma expressa, conforme pontos 24 e 25 do despacho que fundamentou o acto de revogação das liquidações de IRC da Sub Directora Geral de 28.05.2025 e já referido supra nos pontos 2º e 3º no capitulo 1.3 deste decisão (sob o titulo de “Factos considerados provados”).

8.     Não se fundamentando a liquidação ora em discussão, em novos factos, verifica-se, no entendimento da Requerente, um claro vicio de violação de lei, nomeadamente da previsão constante nos já citados nº 3 do artigo 13º e no nº 4 do artigo 24º, ambos do RJAT.

9.     Este entendimento da Requerente foi reforçado nas alegações apresentadas em 29.08.2025, tendo citado, para este efeito, os comentários feitos pela Senhora Profª Carla Costa Trindade e pelo Juiz Conselheiro Dr. Jorge Lopes de Sousa ao Regime Juridico da Arbitragem Tributária (RJAT), ao citado artigo 13º do RJAT.

 

2.1.2. Posição da Requerida

 

Na sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral, a Requerida não invocou qualquer excepção, tendo apenas apresentado defesa por impugnação. 

 

Essa defesa fundamentou-se essencialmente, no seguinte:

 

1.     Entende a Requerida que a decisão proferida no âmbito do Processo 228/2024-T se limitou à apreciação de uma alegada situação de duplicação de colecta, a qual, depois de analisados os autos e os factos subjacentes, se veio a verificar efectiva.

2.     Em consequencia, na sequencia do despacho de revogação acima citado, foi anulada  integralmente a liquidação de IRC nº 2023... de 19.07.2023 e parcialmente a liquidação, igualmente de IRC, com o nº 2023...), neste ultimo caso, em resultado da aplicação do coeficiente de actualização correcto.

3.     Neste sentido, deve-se referir que a discriminação só se verifica quando se está perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas.

4.     Deste modo, considera a Requerida, que “Inexistiu, portanto, qualquer validação dos elementos de suporte aos valores declarados na primeira declaração Modelo 22 de IRC entregue, quanto aos encargos suportados na aquisição e na venda do imóvel em apreço e da respectiva dedutibilidade fiscal....”.

5.     Porque, segundo a Requerida, a Requerente não arguiu qualquer ilegalidade nesse segmento da autoliquidação do IRC.

6.     Assim, considera a Requerida que se manteve o direito a liquidar o imposto em face de não ter decorrido ainda o prazo de caducidade de 4 (quatro) anos previsto no artigo 45º da Lei Geral Tributária (LGT).

7.     Pelo que o procedimento de inspecção e a subsequente liquidação adicional de IRC são tempestivas porque emitidas dentro do referido prazo de cadicidade de 4 (quatro) anos.

8.     Logo, as liquidações em apreciação são, ao contrário do sustentado pela Requerente, no seu pedido de pronuncia arbitral, totalmente legitimas.

 

 

3.     Apreciação da questão               

 

3.1.         Do Mérito

 

Importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões acima enunciadas.

Como resulta do exposto, entende este Tribunal que a questão central deste Processo se prende com a interpretação que deve ser feita do conceito de “factos novos” previsto no artigo 13º do RJAT, tendo em particular consideração o acto de revogação realizado pela AT, no âmbito do Processo 228/2024-T, que anulou, total e parcialmente, as liquidações de IRC identificadas, supra, no ponto 1.3., items 3º e 4º, e a subsequente decisão tomada neste processo.

Contudo, antes de se analisar esta questão fundamental, deve ser apurado se o prazo de  30 dias, previsto no citado e já transcrito artigo 13º nº 1 do RJAT para “proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada” foi, ou não, respeitado pela Requerida.

Ou seja, cabe verificar , em primeiro lugar, se o âmbito do novo acto tributário, que se traduziu no procedimento inspectivo e na correspondente correcção à matéria colectável da Requerente, pode ser considerado idêntico ao âmbito do acto tributário que consistiu na liquidação inicial de IRC, cuja impugnação, deu lugar ao Processo 228/2024-T.

Considera este Tribunal, tendo em consideração a factualidade apresentada e dada como provada, que o âmbito destes dois actos tributários é exactamento o mesmo, pois trata-se, claramente, (i) do mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, (ii) do mesmo tributo (IRC) e (iii) do mesmo periodo tributário (exercicio de 2022).

Assim sendo, o “segundo” acto tributário (de “revogação, ratificação, reforma ou conversão”), para não ter que ser suportado em factos novos, teria que ter sido praticado pela Autoridade Tributária até 30 dias após o termo do primeiro acto tributário.

Ora, tendo ainda em consideração a factualidade apresentada, entende este Tribunal que o acto tributário que se consubstanciou no procedimento inspectivo do IRC do exercicio de 2022 – tendo tido o seu inicio em 03.09.2024, foi praticado para além do prazo de 30 dias previsto no citado artigo 13º nº 1 do RJAT.

Pois, a decisão arbitral tomada no Proc. 228/2024-T, foi proferida em 18.06.2024, isto é, 77 dias antes do inicio do referido procedimento inspectivo.

Neste sentido, para que este novo acto tributário não ficasse ferido de ilegalidade, os fundamentos invocados pela Requerida, teriam que ser considerados como “factos novos”.

Caberá, pois, a este Tribunal verificar se os factos invocados pela AT no âmbito do referido procedimento inspectivo e subsequente liquidação adicional de IRC, podem ser considerados como “factos novos”.

A este propósito, considera a Professora Carla Costa Trindade, nos comentários feitos ao artigo 13º nº 3 do RJAT (cf. Regime Juridico da Arbitragem Tributária Comentado, pags 339 e seguintes), “que factos novos não são factos que já existiam e que não eram conhecidos pela Administração Tributária”

Assim, a imposição consagrada no nº 3 do artigo 13º do RJAT é a de “.. que os factos que podem fundamentar um desvio à regra da manutenção ou da alteração da situação juridico-tributária do contribuinte, devem ter ocorrido em data posterior ao acto tributário em discussão”, não podendo, por isso, a AT vir defender que não os conhecia nem os podia conhecer na data em que emitiu o acto em apreciação (sublinhado nosso)

Ou, por outras palavras, a expressão “factos novos” reporta-se, no entendimento da Professora Carla Costa Trindade, a factos objectivamente supervenientes, entendendo-se, como tal, “a situação em que o facto novo ocorreu temporalmente depois do evento de referencia”.

A este propósito, cita a referida Professora, o Acordão de 22.09.2009, Proc. 161/05, segundo o qual os factos “se ocorridos posteriormente aos prazos de apresentação dos articulados a superveniencia é objectiva, mas será subjectiva se já tinham ocorrido mas a parte os desconhecia.”.

É de salientar que a superveniencia subjectiva se verifica quando o facto é novo apenas em relação à parte, neste caso, se o facto considerado, sendo já existente, era, porém, desconhecido da Autotidade Tributária.

Esta tese, por seu lado, no que se refere ao âmbito de aplicação do artigo 13º nº 3 do RJAT é perfilhada pelo Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa na obra “Comentário ao Regime Juridico da Arbitragem Tributária”.

No caso em apreciação considera este Tribunal que a questão não se deve colocar ao nível conceptual de saber se a disposição do artigo 13º nº 3 do RJAT se refere a superveniencia objectiva ou subjectiva, pois, em face dos factos apontados, parece evidente e inequivoco, que a Requerida, à data em que foi proferida a decisão do Proc. 228/2024-T, que ocorreu no dia 18.06.2024 e que resultou do acto de revogação proferido pela AT em 28.05.2024, já tinha total e pleno conhecimento dos factos que deram origem ao processo inspectivo iniciado em 03.09.2024 e à fundamentação da correcção da matéria colectável da Requerente, no âmbito do qual foi proferido o acto de acerto de liquidação em apreciação.

Esses factos, que seriam do conhecimento da Requerida, referem-se ao conjunto de despesas e encargos inerentes à aquisição e à posterior alienação do imóvel que era sua propriedade e suportados pela Requerente.

Ora, a Requerida teve oportunidade de tomar conhecimento desses factos, porque os mesmos foram, desde logo, invocados, no Pedido de Pronuncia Arbitral que deu origem ao Processo 228/2024-T, tendo, inclusive, sido anexados a esse pedido, com os nºs 4 e 5, os respectivos documentos comprovativos.

Sendo que, no âmbito do próprio despacho de revogação datado de 28.05.2024, a Requerida veio mencionar e referir, expressamente, estes mesmos factos (cf. pontos 24 e 25 desse despacho).

Desta forma, entende este Tribunal que os factos invocados pela Requerida não podem ser considerados, utilizando a terminologia do artigo 13º nº 3 do RJAT, de forma alguma como “factos novos”.

Pelo que a Requerida ficou ficou “... impossibilitada de praticar um novo acto tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e periodo de tributação.”

Nestes termos, verifica-se uma manifesta ilegalidade do acto impugnado,  por violação de lei, nomeadamente do nº 3 do artigo 13º e do nº 4 do artigo 24º, ambos do RJAT, pelo que se conclui pela total procedência do presente pedido de pronuncia arbitral.

 

3.2. Do pedido de juros indemnizatórios

 

O artigo 24.º, n.º 5 do RJAT determina que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que permite concluir pelo reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no âmbito de um processo arbitral.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, para o que aqui interessa, o seguinte: 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos; 

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

Entende este Tribunal que o acto de liquidação ora em apreço, constituiu um erro plena e exclusivamente imputável à AT, sendo, como tal, enquadrável no nº 1 do artigo 43º da LGT, acima transcrito.

Desta forma, serão devidos juros indemnizatórios pela Requerida, a contar da data do pagamento da quantia de € 20.634,94 (vinte mil seiscentos e trinta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos), que foi o dia 05.02.2025.

 

4. Decisão

Termos em que se decide, julgar procedente o pedido arbitral, e em consequência:

(i)             Anular as liquidações de acerto do IRC de 2022 com os nºs 2024..., e 2025..., e no valor de € 4.132,83 e de € 16.502,11, respectivamente;

(ii)            Condenar a Requerida a restituir a quantia de € 20.634,94 (vinte mil seiscentos e trinta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos;

(iii)          Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor, desde 05.02.2025 (data do pagamento da quantia de € 20.634,94 (vinte mil seiscentos e trinta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos);

(iv)           Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

5. Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 20.634,94 (vinte mil seiscentos e trinta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos), que não foi contestado pela Requerida, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

6. Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em 1.224.00 € (mil duzentos e vinte e quatro euros), que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 23 de Outubro de 2025

 

O Juiz Árbitro Sigular

 

 

(João Marques Pinto)