Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 148/2025-T
Data da decisão: 2025-10-20   Outros 
Valor do pedido: € 301.839,93
Tema: Extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
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SUMÁRIO: 

I- A inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância.

II. Atenta a natureza voluntária da jurisdição arbitral, se o Requerente pede a extinção da instância por inutilidade superveniente é de deferir este pedido, atendendo a que a resolução do litígio deixou de lhe interessar.

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

“A..., S.A. - SUCURSAL EM PORTUGAL”, com o número único de pessoa coletiva ... e local de representação na Rua ..., n.º ..., ..., .. .... Carcavelos, veio apresentar pedido de constituição do Tribunal e pronuncia arbitral, contra o indeferimento integral da Reclamação Graciosa e, mediatamente, dos atos de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (“ASSB”), referentes ao passivo apurado no ano de 2022, autoliquidado e pago em 2023 e ao passivo apurado no ano de 2023, autoliquidado e pago em 2024.

Pede a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada e anulação dos atos subjacentes de autoliquidações do ASSB referentes aos passivos apurados, devendo a AT ser condenada ao reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

1.1- O pedido de constituição do Tribunal foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 14 de fevereiro de 2025.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários da Decisão.

O Tribunal foi regularmente constituído em 23 de abril de 2025 e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (Requerida ou AT).

 

1.2- A 28 de julho de 2025, a Requerente veio requerer que o Tribunal julgue extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e condene a Requerida em custas.

Na base do requerimento apresentado está o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 478/2025, de 3 de junho de 2025, proferido no âmbito do processo n.º 899/2024, que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), todos constantes do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que estabelecia o regime jurídico do ASSB “determinando a eliminação tout court do ASSB da ordem jurídica portuguesa”.

 

2- Matéria de Facto

2.1- Factos provados

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se dão como assentes e provados:

a. A Requerente é a sucursal em Portugal do “B... S.A.”, instituição de crédito de direito espanhol, com sede e efetiva administração em Espanha. “B...…”, assegura a sua presença em Portugal através da Requerente.

b. A 29 de junho de 2023, a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB relativo ao ano de 2022, mediante a submissão da declaração relevante Modelo 57. 

A 27 de junho de 2024, mediante a submissão da respetiva declaração relevante Modelo 57, a REQUERENTE procedeu com a autoliquidação do ASSB relativo ao ano de 2023.

c- Na autoliquidação emitida a 29 de junho de 2023, foi apurado como montante a pagar de ASSB referente ao ano de 2022 o valor de €119.695,09. Na autoliquidação emitida a 27 de junho de 2024, apurou o valor de €182.144,04 como montante a pagar de ASSB referente ao ano de 2023.

d- A Requerente efetuou o pagamento dos respetivos valores.

e- Foi publicado, no Diário da República n.º 131/2025, Série I, no dia 10 de julho de 2025, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 478/2025, de 3 de junho de 2025, proferido no âmbito do processo n.º 899/2024, cujo sumário tem o seguinte teor:

“Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.”

 

2.2- Factos não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto 

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, nomeadamente os factos invocados no RI, que não mereceram contestação, o Requerimento da AT e prova documental constante dos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

3. Matéria de direito

3.1.- QUESTÃO PREVIA – Inutilidade superveniente da lide

3.1.1- Assumimos concordância com a Decisão proferida, em termos similares, no Proc. 1399/2024-T. Que seguiremos de muito perto, pouco havendo a acrescentar.

A respeito da inutilidade superveniente da lide pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 30 de julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 0875/14, no qual referiu que “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.

É também este o sentido que a doutrina tem conferido ao conceito em análise, referindo LEBRE DE FREITAS, RUI PINTO e JOÃO REDINHA, em Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

 

3.1.2- Ora o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 478/2025, de 3 de junho de 2025, proferido no âmbito do processo n.º 899/2024, declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.

 

3.1.3- Na sequência da publicação deste acórdão, no dia 10 de julho de 2025, no Diário da República n.º 131/2025, Série I, o Requerente veio requerer ao Tribunal a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

 

3.1.4- Atenta a natureza voluntária da jurisdição arbitral, se a Requerente pede a extinção da instância por inutilidade superveniente é de deferir este pedido, atendendo a que a resolução do litígio deixou de lhe interessar.

Verifica-se, pois, que é de atender ao pedido da Requerente, com a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido de anulação dos atos tributários objeto do presente processo, o que determina a extinção da correspondente instância, ficando assim prejudicado o conhecimento das demais questões elencadas.

 

3.2- Quanto à responsabilidade pelas custasnos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT), nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide: “a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”.

Dado que no presente caso a inutilidade não é imputável à Requerida, (tendo sido objeto de pedido do Requerente), nos termos do artigo 536.º n.º 3 do CPC, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do Requerente.

 

4. DECISÃO 

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral:

- julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. 

- condenar a Requerente nas custas do processo, por ter dado causa à inutilidade.

 

5. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €301.839,93, valor económico do dissenso e indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

6. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €5.508,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a integral cargo da Requerente.

 

Lisboa, 20out2025

 

Os Árbitros

 

 

Prof. Doutor Victor Calvete (árbitro presidente)

 

 

Dr. José Nunes Barata (árbitro adjunto)

 

Dr. Fernando Miranda Ferreira(árbitro adjunto, relator)