Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 486/2025-T
Data da decisão: 2025-10-14  Selo  
Valor do pedido: € 864.864,61
Tema: Imposto do Selo – Verbas 17.3.1 e 17.3.4 da TGIS; Qualificação das SCR e SGFCR.
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Sumário:

1.     Com a revogação do art. 6.º, n.º 1, al. h), do RGICSF, aprovada pelo Dec.-Lei n.º 319/2002, de 28/12, as Sociedades de Capital de Risco (SCR) deixaram de integrar o conceito de «sociedade financeira». E o mesmo se aplicava às Sociedades Gestoras de Fundos de Capital de Risco (SGFCR) porque estas operavam enquanto SCR até à entrada em vigor da Lei n.º 18/2015, de 4/3; mesmo sob a vigência da referida Lei de 2015, as referidas SGFCR não foram equiparadas a «sociedades financeiras» (atendendo à exclusão da sua classificação como «intermediários financeiros», feita no n.º 1 do art. 2.º do Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado [RJCR], anexo à Lei de 2015, número este que viria a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23/9).

2.     A classificação das sociedades gestoras de fundos de investimento como «sociedades financeiras» no art. 6.º do RGICSF [vd. art. 6.º, n.º 1, al. b), vi)] foi revogada pelo referido Decreto-Lei n.º 144/2019, diploma que acrescentou um n.º 5 a esse art. 6.º, segundo o qual “Não são sociedades financeiras as entidades reguladas [...] no [RJCR], aprovado em anexo à Lei n.º 18/2015” – entre as quais se incluem as SGFCR (vd. art. 1.º, al. b), do RJCR).

 

DECISÃO ARBITRAL

            

            Acordam os árbitros que integram este Tribunal Arbitral Coletivo, Jorge Lopes de Sousa (presidente), João Santos Pinto e Miguel Patrício (vogais):

 

I. Relatório

1. A...– SGOIC, S.A., com o número de identificação de pessoa coletiva ..., e com sede na ..., ..., ..., ...-... Lisboa (doravante, “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 do RJAT, requerer, em 19/5/2025, a constituição de tribunal arbitral “tendo por objeto o ato de liquidação de Imposto do Selo n.º 2024..., relativo ao período de tributação de 2021, que apurou um montante de imposto a pagar de €732.645,25 [...], e o ato de liquidação de Imposto do Selo n.º 2024..., relativo ao período de tributação de 2022, que apurou um montante de imposto a pagar de €132.219,36 [...], os quais resultaram das ações inspetivas levadas a cabo pela Unidade dos Grandes Contribuintes («UGC») com base na Ordem de Serviço n.º OI2024... e OI2024..., relativas ao exercício de 2021 e 2022, respetivamente, todos emitidos pela Direção de Serviços de Cobrança e Gestão de Fluxos Financeiros”.    

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

2.1. Nos termos do disposto na al. a) do n.º 2 do art. 6.º, e nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa procedeu à designação dos árbitros que compõem o presente colectivo.

 

2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, pelo que, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 29/7/2025.

 

3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente, alega, em síntese, o seguinte:

  

a)     «O n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo delimita a incidência objetiva deste imposto nos seguintes termos: “O imposto do se/o incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis, e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.”.

 

b)    Ora, resulta do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo que a sujeição a Imposto do Selo por parte de sociedades gestoras de capital de risco depende do enquadramento da sua atividade em algum dos factos ou situações jurídicas previstas na TGIS.

 

c)     No caso em apreço, estão em causa, especificamente, as verbas 17.3 e 17.3.4 da TGIS. Nos termos da verba 17.3.4 da TGIS, estão sujeitas a Imposto do Selo, à taxa de 4%, as “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” – incidência objetiva. Esta verba da TGIS encontra-se inserida na verba geral 17.3, a qual apenas abrange: “Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras” – incidência subjetiva.

 

d)    Neste sentido, é inequívoco que a sujeição a Imposto do Selo prevista naquela verba da TGIS tem como condição essencial que a entidade que cobra a comissão corresponda a uma daquelas tipologias jurídicas. Por outras palavras, a incidência subjetiva encontra-se limitada às seguintes entidades: (i) Instituições de crédito; (ii) Sociedades financeiras; (iii) Outras entidades legalmente equiparadas a sociedades financeiras; e (iv) Quaisquer outras instituições financeiras.

 

e)     Daqui resulta que é devido Imposto do Selo por comissões e contraprestações cobradas por serviços financeiros, desde que se trate de operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou equiparadas e outras instituições financeiras. No entanto, terá de se verificar o elemento subjetivo contido na verba 17.3 (enquanto sociedade gestora de fundo de capital de risco, tem de ser qualificada em alguma das categorias aí elencadas), e cumulativamente, o elemento objetivo, contido na verba 17.3.4 (as comissões cobradas têm de dizer respeito à prestação de serviços financeiros).

 

f)     No que ora releva, no caso em apreço, haverá, por isso, que aferir se as sociedades gestoras de fundo de capital de risco (como a Requerente) qualificam para efeitos de aplicação da aludida regra de incidência de Imposto do Selo.

g)    O Código do Imposto do Selo não apresenta qualquer definição de instituição financeira, sendo que no mesmo é feita referência a instituições financeiras em quatro ocasiões (à data dos factos), para além da Verba 17.3, ora em análise.

 

h)    Contudo, são mencionadas as sociedades de capital de risco (doravante abreviadamente designadas “SCR”) por duas vezes neste Código, sendo que uma delas é precisamente a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º supra citado, onde as mesmas são enumeradas, a par com as instituições financeiras. Em particular, a referida alínea e) dispõe que são isentos de Imposto do Selo: “e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;” (sublinhado negrito da Requerente).”

 

i)      Como se constata, quando o legislador enumera e destaca as SCR na norma em causa, só o faz porque as mesmas não podem ser consideradas “instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras”. Caso contrário, para atribuir a isenção em causa às operações relativas a juros, comissões cobrados, garantias prestadas e utilização de crédito, bastaria fazer referência a estas operações realizadas entre “instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras”.

 

j)      Recorde-se ainda que esta alteração surgiu no âmbito das alterações introduzidas pela Lei do Orçamento do Estado para 2003, conforme Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, com o intuito de criar regimes fiscais benéficos para a atividade de capital de risco em Portugal, tendo por isso sido acrescentada à enumeração das sociedades de capital de risco a isenção de Imposto do Selo prevista naquele artigo (artigo 6.º à data dos factos). Ou seja, confirma-se que o legislador fiscal entendia, desde logo, que as SCR não eram instituições de crédito, nem sociedades financeiras!

 

k)    Importa notar que, no ano imediatamente seguinte, através da Lei do Orçamento de Estado para 2004, conforme Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, este artigo foi novamente alterado, passando a ter a redação que vigora atualmente.

 

l)      Ora, tal significa que foi intenção expressa do legislador, afastar as sociedades de capital de risco do conceito de “instituição de crédito”, “sociedade financeira” e “instituição financeira”, e por razões de segurança jurídica e de uniformização do ordenamento jurídico adicionou, então, as SCR à enumeração da redação do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, onde se encontra prevista a isenção de Imposto do Selo aplicável às operações entre as referidas entidades.

 

m)   Através desta diferenciação entre sociedades de capital de risco e instituições financeiras, no âmbito da enumeração no mesmo normativo fiscal, depreende-se que o legislador fiscal não quis incluir as sociedades de capital de risco entre as instituições financeiras, mas não queria privá-las daquela isenção de Imposto do Selo (elencando-as à parte).

 

n)    Conforme acima demonstrado, entende a Requerente que no Código do Imposto do Selo os normativos legais aplicáveis ao caso em apreço, desde logo, remetem para a exclusão das sociedades de capital de risco do âmbito de incidência da verba 17.3.4 da TGIS. Neste sentido, as sociedades de capital de risco, ao não configurarem instituições financeiras, para efeitos de incidência de Imposto do Selo, nos termos das verbas 17.3 e 17.3.4 da TGIS, não podem considerar-se sujeitas a Imposto do Selo, relativamente às comissões cobradas por atividades de gestão dos fundos de capital de risco.

 

o)    [...] [I]mporta referir que as SCR [Sociedades de Capital de Risco] e as SGFCR [Sociedades Gestoras de Fundos de Capital de Risco] não integram qualquer uma das tipologias previstas nas espécies de “instituições de crédito” tipificadas no artigo 3.º do RGICSF [Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras].

 

p)    Relativamente ao conceito de “sociedades financeiras” (cfr. o artigo 6.º do RGICSF, na redação à data dos factos em análise), importa esclarecer que as “sociedades de capital de risco” deixaram de integrar o conceito de “sociedade financeira” em dezembro de 2002, após revogação da alínea h) do artigo 6.º do RGICSF, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 319/2002, de 28 de dezembro, operada pelo artigo 51.º, alínea a), do referido Decreto-Lei n.º 319/2002.

 

q)    É, ainda, de destacar neste âmbito a menção feita no preâmbulo do diploma no sentido de o fim desta qualificação se ter devido ao facto de as SCR terem deixado de estar autorizadas a praticar atividades exclusivas das instituições de crédito e sociedades financeiras, situação que levou também a que a supervisão das SCR deixasse de estar sob a tutela do Banco de Portugal, passando para a esfera da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.

 

r)     [...] [O] enquadramento jurídico-financeiro acima referido de as SCR não configurarem sociedades financeiras desde 2002 é aplicável, mutatis mutandis, às sociedades gestoras de fundos de capital de risco (como é o caso da Requerente), porquanto à data estas operavam como sociedades de capital de risco e, como tal, confundiam-se com estas.

 

s)     Ainda que assim não fosse, note-se que também as “sociedades gestoras de fundos de investimento” deixaram de integrar o conceito de “sociedade financeira” em dezembro de 2022, após a revogação do ponto vi) da alínea b) do artigo 6.º do RGICSF, aprovada pelo Decreto-Lei 144/2019, de 23 de setembro. Para que não haja dúvidas, o legislador esclarece no n.º 5 do artigo 6.º do RGICSF que não são sociedades financeiras as entidades reguladas pelo RJCR, onde se enquadram, quer as sociedades de capital de risco, quer as sociedades gestoras de fundos de capital de risco – conforme redação introduzida pelo já referido Decreto-Lei 144/2019, de 23 de setembro.

t)      Importa acrescentar que as SCR foram configuradas pelo RGICSF como sociedades financeiras e não como instituições financeiras, tendo, a partir da revogação desta qualidade, sido regidas por diplomas autónomos do RGICSF. Pelo que não fará sentido tentar subsumir as SCR (ou as SGFCR) a instituições financeiras por esta via.Nos termos da referida norma [art.º 2-A, alínea z) do RGICSF], o legislador português socorre-se do Direito da União Europeia, fazendo depender a classificação de instituição financeira nomeadamente do desempenho de uma ou mais das atividades elencadas nos pontos 2 a 12 e 15 do anexo I à Diretiva 2013/36/EU, ou das alíneas b) a h), j) e r) do n.º 1 do artigo 4.º do RGICSF, aplicáveis conforme estejam em causa operações antes ou após 1 de fevereiro de 2022, respetivamente.

 

u)    Ora, nenhuma das atividades acima referidas (na Diretiva ou no RGICSF) corresponde à atividade de gestão de fundos de capital de risco.

 

v)    Refira-se, aliás, para que fique esclarecida a não inclusão das SCR (ou das SGFCR) no conceito de “instituição financeira”, que o RGICSF trata separadamente as SCR das instituições financeiras no n.º 3 do artigo seu 101.º [...]. [...] [U]ma vez mais, da análise da norma supra retira-se a conclusão de o legislador pretender equiparar sociedades de capital de risco e sociedades gestoras de fundos de capital de risco, dando-lhes um enquadramento distinto do enquadramento jurídico das instituições financeiras (bem como de outras realidades financeiras, como as sociedades financeiras, em linha com o exposto supra).

 

w)   Adicionalmente, à data dos factos em análise, importa esclarecer que as SCR e as SGFCR se encontravam reguladas pelo Regime Jurídico de Capital de Risco, do Empreendedorismo Social e Investimento Especializado ou RJCR (Lei n.º 18/2015), onde não existia qualquer equiparação das sociedades de capital de risco a instituições financeiras e se esclarecia, aliás, expressamente (no seu artigo 2.º n.º 1), que tais sociedades não eram intermediários financeiros. Como tal, também não lhes era aplicável o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado em anexo à Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, na sua redação à data dos factos, pelo que as SGFCR não podem ser comparáveis às Sociedades Gestoras de Organismos de Investimento Coletivos (“SGOIC”) – entidades sujeitas a regimes jurídicos distintos.

 

x)    Tal como ficou demonstrado, é inequívoco que o legislador procurou afastar as SCR e, consequentemente, as SGFCR, do âmbito da atividade financeira e do enquadramento jurídico enquanto tal e, consequentemente, dos conceitos de instituição de crédito, sociedade financeira e/ou instituição financeira. Sendo o RGICSF o diploma legal que estabelece o regime basilar do sistema financeiro nacional, nada será mais sensato do que chamar a este a prerrogativa de qualificação de qualquer entidade como sendo, ou não, sociedades ou instituições financeiras.Ainda assim, mesmo que se procure estender essa análise ao Código dos Valores Mobiliários [CVM], aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro, julga a Requerente que o RGICSF deverá ter preponderância e ser privilegiado enquanto regime jurídico que estabelece as bases do sistema financeiro.

 

y)    Como tal, não vale o argumento de que o CVM inclui as SCR entre as “(o)utras instituições financeiras autorizadas ou reguladas”, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 30.º do mesmo. Esta conclusão decorre do facto de o preceito em causa não servir o propósito de qualificar, ou não, entidades como instituições financeiras, mas apenas e tão só de contribuir para a concretização do conceito de investidor qualificado. [...]. Acresce o facto de o RGICSF, na sua versão à data dos factos, ser mais recente do que o preceito constante do CVM, pelo que ainda que o artigo 30.º do CVM não servisse o propósito específico já referido, este nunca corresponderia à posição mais recentemente manifestada pelo legislador.

 

z)     Como acontece com o Anexo II da DMIF, o propósito do artigo 30.º do CVM é o de identificar quais as entidades que devem ser consideradas como investidores qualificados para efeitos da regulação do mercado de capitais e não estabelecer qualquer qualificação sobre a tipologia da sociedade ou delinear o perímetro do sistema financeiro.

 

aa)  Importa assim concluir que as SGFCR (e as SCR) não qualificam, objetivamente, como instituições de crédito, sociedades financeiras ou instituições financeiras, nos termos do RGICSF. Aliás, esta é a posição de diversa jurisprudência arbitral, que já se pronunciou no sentido de que as SCR não são consideradas instituições financeiras.

 

bb) Até 13 de abril de 2016, a Requerente operou enquanto sociedade de capital de risco, sob a firma de B..., S.A..Com a entrada em vigor da Lei n.º 18/2015, de 4 de março – i.e. RJCR [Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado], a Requerente passou a operar enquanto sociedade gestora de fundos de capital de risco, regularmente constituída em Portugal, tendo como atividade gerir fundos de capital de risco. Esta alteração jurídica resulta do facto de a Requerente, à data da entrada em vigor do RJCR, manter ativos sob gestão que excediam os limiares previstos no n.º 2 do artigo 6.º do Regime Jurídico, o que exigiu que fossem tomadas as medidas necessárias para cumprir o disposto no Regime Jurídico, em conformidade com as Disposições Transitórias previstas no artigo 3.º da Lei n.º 18/2015, de 4 de março.

 

cc)  [...] [I]mporta referir que a Requerente se manteve como SGFCR até 26 de abril de 2022, data em que passou a operar enquanto sociedade gestora de organismos de investimento coletivo (“SGOIC”), qualidade que mantém até à data. Posto isto, a Requerente era, à data a que reportam os factos em contestação, uma SGFCR regularmente constituída em Portugal.

 

dd) Ora, no seu melhor entendimento da norma de incidência prevista no artigo 1.º do Código do Imposto do Selo e na verba 17.3.4 da TGIS já mencionada, a Requerente não procedeu a qualquer liquidação de Imposto do Selo, por considerar que não configurava uma instituição de crédito, sociedade financeira ou outra entidade legalmente equiparada, nem qualquer outra instituição financeira. 

 

ee)  Aliás, em abril de 2022, logo que alterou o seu contrato de sociedade passando a operar como SGOIC, por entender que passava a enquadrar-se na definição de instituição financeira (e apenas nessa data!) passou a liquidar Imposto do Selo sobre as comissões de natureza equivalente àquelas que se discutem.

 

ff)   Face ao supra exposto, nestes termos, e nos melhores de Direito, devem ser anulados os atos de liquidação impugnados, na parte que respeita às referidas comissões, com base na violação das normas acima elencadas, i.e., por erro nos pressupostos de direito, que constitui vício de lei».

 

3.1. A Requerente termina as suas alegações finais pedindo que «o presente Pedido de Pronúncia Arbitral se[ja] julgado procedente, por provado, e, em consequência, [sejam] anulados, por vício de violação de lei, os atos de liquidação de Imposto do Selo, referentes aos períodos de tributação de 2021 e 2022, nos termos e com os fundamentos acima expostos, com todas as consequências legais, sendo a Requerente ressarcida dos montantes de imposto indevidamente pagos, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios.»

 

4. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “Requerida” ou “AT”) invocou, na sua resposta, o seguinte:

 

a)     «Constitui objeto dos presentes autos os atos de liquidação de Imposto do Selo n.º 2024 ... e n.º 2024..., no montante de € 732.645,25 e € 132.219,36, respetivamente, referentes a operações de cobrança de comissões de gestão, desempenho e subscrição, cobrança de juros por coinvestimento e concessão de crédito a colaboradores.Os atos impugnados tiveram origem nas ações inspetivas levadas a cabo com base nas Ordens de Serviço OI2024... e OI2024..., relativas aos exercícios de 2021 e 2022. Pede a requerente a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação, a restituição do montante pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

b)    [“Questão Prévia – quanto ao valor”] A Requerente reage contra o total do imposto correspondente às correções efetuadas, as quais incidiram sobre operações de cobrança de comissões de gestão, desempenho e subscrição, sujeitas a IS – Verba 17.3.4 da TGIS, operações de cobrança de juros por coinvestimento sujeitas a IS – Verba 17.3.1 da TGIS e operações de concessão de crédito a colaboradores sujeitas a IS – Verba 17.1.3 da TGIS, ou seja, o montante cuja anulação se requer, compreende igualmente, o imposto liquidado relativo nas operações de concessão de crédito a colaboradores.

 

c)     Todavia, e quanto a esta matéria a Requerente não apresenta qualquer fundamento que suporte o pedido efetuado, sendo certo que a questão colocada relativamente à incidência subjetiva (se é ou não instituição financeira) não tem qualquer cabimento no que se refere à verba 17.1.3 em questão, a qual incide sobre qualquer utilização de crédito em virtude da sua concessão (independentemente de quem sejam os mutuantes e mutuários).

 

d)    A liquidação n.º 2024 ... de 2024.12.30, relativa aos períodos de imposto 01/03/04/06/07/09/10/12 do ano de 2021, no montante total de € 644.905,14, não discrimina o tipo de operações financeiras previstas nas verbas 17.1.3, 17.3.1 e 17.3.4 da TGIS e parcela de imposto a que cada uma respeita, informação essa obtida no RIT. O mesmo se diga da liquidação n.º 2024 ..., relativa ao ano de 2022, com o valor de € 118.813,61.

 

e)     Nestes termos, consequentemente, para os efeitos peticionados deverá ser corrigido o valor do pedido subtraindo-se-lhe a parcela relativa ao imposto liquidado da verba 17.1.3 da TGIS referente ao ano de 2021 no montante de € 7.328,72 (€ 644.905,14 - € 7.328,72 = € 637.576,42), totalizando a quantia de € 763.718,75 (€ 644.905,14 - € 7.328,72 + € 118.813,61).

 

f)     [“Defesa por impugnação”] Primeiramente cumpre analisar o pedido tendo como foco as correções e imposto liquidado correspondente às verbas 17.3.1 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo. Prevê a verba 17.3 da TGIS que incide imposto do selo sobre as operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras, tendo optado o legislador por separar na verba 17.3.1 da TGIS: “As operações de cobrança de juros”. Na verba 17.3.4 da TGIS: As “outras comissões e contraprestações” por serviços financeiros, cobradas por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras, aplicando, em ambos os casos, a mesma taxa de imposto de 4%.”

 

g)    Deverá entender-se, como pretende a Requerente ao colocar o cerne da questão decidenda na sua natureza subjetiva, que não se pode qualificar esta SGFCR como sendo qualquer uma das entidades elencadas na verba 17.3 da TGIS com a consequente não sujeição a imposto do selo das verbas 17.3.1 e da verba 17.3.4 das operações por si realizadas? A resposta deve ser negativa [...].

 

h)    Subscrevendo o conteúdo dos Relatórios de Inspeção Tributária elaborados no decurso das Ordens de Serviço OI2024... e OI2024..., que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, e onde se concluiu estarem preenchidos os elementos de natureza objetiva e subjetiva, previstos nas verbas 17.3.1 e 17.3.4 da TGIS, importa, igualmente, ter em conta o entendimento divulgado pela AT relativamente ao elemento subjetivo da norma de sujeição: a verba 17.3 da TGIS e as “instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”. 

 

i)      A Requerente é uma sociedade gestora de fundos de capital de risco, regularmente constituída em Portugal, tendo como atividade gerir fundos de capital de risco, cobrando aos referidos fundos uma comissão de gestão. Até à entrada em vigor do Decreto Lei n.º 319/2002, de 28 de dezembro, não se questionava se as SCR se deviam ou não qualificar de sociedades financeiras, uma vez que o RGICSF assim o determinava expressamente.

 

j)      A qualificação feita de que as sociedades de capital de risco são efetivamente sociedades financeiras mantem-se após essa data, como de seguida se demonstrará. À data dos factos (2021 e 2022), o Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado (Lei n.º 18/2015, de 04 de março – ainda não tinha sido revogado pelo Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de Abril), definia, no artigo 3.º, investimento em capital de risco como sendo “a aquisição, por período de tempo limitado, de instrumentos de capital próprio e de instrumentos de capital alheio em sociedades com elevado potencial de desenvolvimento, como forma de beneficiar da respetiva valorização” (n.º1); acrescentando o n.º 2 que “as sociedades de investimento em capital de risco e os fundos de capital de risco são organismos de investimento alternativo fechados que em conjunto se designam «organismos de investimento em capital de risco»”.

 

k)    Da jurisprudência arbitral relativa a sociedades de capital de risco resulta de forma unânime que, por força do artigo 11.º, n.º 2, da LGT, a classificação das mesmas como sociedades financeiras, entidades legalmente equiparadas a sociedades financeiras, ou instituições financeiras, para efeitos das Verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, depende essencialmente da classificação contida no artigo 6.º do RGICSF, na redação em vigor à data da cobrança das comissões de gestão pelas sociedades de capital de risco. Segundo esta orientação jurisprudencial, após a alteração do RGICSF pelo Decreto-Lei n.º 319/2002, de 28 de dezembro, as sociedades de capital de risco deixaram de constituir sociedades financeiras para efeitos do RGICSF e, consequentemente, para efeitos das Verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

l)      Não obstante o exercício da atividade de investimento das sociedades de capital de risco e das sociedades gestoras de fundos de capital de risco ser regulado pela Lei n.º 18/2015, de 4 de março (cf. respetivo artigo 1.º, alíneas a) e b)), a verdade é que, em abril de 2017 (quando a Requerente cobrou as comissões de gestão que deram origem às autoliquidações de Imposto de Selo impugnadas), as sociedades gestoras de fundos de investimento continuavam a ser consideradas como sociedades financeiras no artigo 6.º do RGICSF.

 

m)   De facto, o Decreto-Lei n.º 319/2002, de 28 de dezembro, apenas revogou a alínea h) do n.º 1 do artigo 6.º do RGICSF relativa a sociedades de capital de risco (cf. respetivo artigo 51.º, alínea a)). A classificação das sociedades gestoras de fundos de investimento como sociedades financeiras no artigo 6.º do RGICSF apenas foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de Setembro (cf. respetivo artigo 2.º), ou seja, depois da Requerente ter cobrado as comissões de gestão que deram origem às autoliquidações de Imposto de Selo impugnadas.

 

n)    Neste contexto, cumpre notar que a designação “sociedades gestoras de fundos de investimento” constava na versão originária do artigo 6.º do RGICSF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, e que, a essa data, estava já em vigor o Decreto-Lei n.º 187/91, de 17 de maio (que criou os fundos de investimento de capital de risco como um novo tipo de fundos de investimento mobiliário com o traço característico de o seu património ser preferencialmente composto por quotas de capital e ações e obrigações não admitidas à cotação em bolsa de valores).

 

o)    Este diploma remetia expressamente para o Decreto-Lei n.º 299-C/88, de 4 de julho, que estabelecia o quadro geral dos fundos de investimento mobiliários e imobiliários, abertos e fechados, e das respetivas sociedades gestoras (cf. artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 187/91, de 17 de maio). Não restam assim dúvidas de que o termo “sociedades gestoras de fundos de investimento” no artigo 6.º do RGICSF deve ser interpretado como incluindo não só as sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário e as sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário, mas também as sociedades gestoras de fundos de investimento de capital de risco.

p)    Conclui-se, assim, que não será de transpor para as sociedades gestoras de fundos de capital de risco a conclusão contida na jurisprudência relativa às sociedades de capital de risco supra referida (segundo a qual, deixando as sociedades de capital de risco de constituir sociedades financeiras para efeitos do artigo 6.º do RGICSF, deixam as mesmas sociedades de estar sujeitas a Imposto de Selo ao abrigo das Verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo), bem como que, em abril de 2017, as sociedades gestoras de fundos de investimento de capital de risco constituíam sociedades financeiras para efeitos do artigo 6.º do RGICSF.

 

q)    Transpondo a tese central da jurisprudência relativa às sociedades de capital de risco supra referida para as sociedades gestoras de fundos de capital de risco, a conclusão lógica é a de que, em abril de 2017, as sociedades gestoras de fundos de capital de risco constituíam sociedades financeiras para efeitos do artigo 6.º do RGICSF e que as comissões de gestão por elas cobradas estavam sujeitas a Imposto de Selo ao abrigo das Verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

r)     Mas existem outros argumentos, talvez de natureza menos formalista, que suportam a conclusão de que as comissões de gestão cobradas por sociedades gestoras de fundos de capital de risco (em abril de 2017) se encontram sujeitas a Imposto de Selo ao abrigo das Verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, e que interessa analisar.

 

s)     Tendo em consideração a atividade das sociedades gestoras de fundos de capital de risco descrita supra [“termos conjugados dos artigos 45.º, n.º 3, e 66.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro (na versão em vigor em 2017)”], resulta claro as mesmas constituem instituições financeiras para efeitos do RGICSF e do Direito da União Europeia.

 

t)      Tendo em conta a natureza e tipologia da atividade das sociedades gestoras de fundos de capital de risco descrita no artigo 45.º do Regime Jurídico do Capital de Risco, do Empreendedorismo Social e do Investimento Especializado, resulta claro que as mesmas constituem instituições financeiras para efeitos do RGICSF e do Direito da União Europeia. Assim sendo, as comissões de gestão cobradas por sociedades gestoras de fundos de capital de risco encontram-se também com este fundamento sujeitas a Imposto de Selo, nos termos das Verbas 17.3. e 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo. A mesma conclusão é extraída quando se reconstitui o pensamento do legislador aquando da introdução na legislação do Imposto do Selo dos conceitos posteriormente integrados nas Verbas 17.3. e 17.3.4 na Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

u)    Tal como referido supra, as sociedades de capital de risco, inicialmente formalmente classificadas como sociedades financeiras (cf. alínea h) do n.º 1 do artigo 6.º do RGICSF), deixaram de o ser com a aprovação do Decreto-Lei n.º 319/2002, de 28 de dezembro. Por sua vez, as sociedades gestoras de fundos de investimento, também inicialmente formalmente classificadas como sociedades financeiras (cf. alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º do RGICSF), deixaram de o ser com a aprovação do Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de setembro. Será razoável concluir que, com estas alterações, a intenção do legislador for excluir primeiro as sociedades de capital e risco, e depois as sociedades gestoras de fundos de investimento, do âmbito de incidência do Imposto de Selo (i.e., das Verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo), sem haver qualquer indicação nesse sentido no preâmbulo dos referidos diplomas?

 

v)    [N]o caso em apreço a questão que se impõe apreciar e decidir é a de saber se a Requerente, enquanto Sociedade Gestora de Fundos de Capital de Risco (FCR), por si geridos, constitui uma sociedade financeira, uma entidade legalmente equiparada a sociedade financeira, ou a quaisquer outras instituições financeiras, para efeitos do disposto nas verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

 

w)   A Requerente, aponta, no essencial, como causa de pedir, que não se encontram preenchidos os elementos objetivo e subjetivo de incidência previstos na verba 17.3.4 da TGIS do Código do Imposto do Selo (CIS), porquanto nem a atividade por si exercida constitui a prestação de um serviço financeiro, nem as sociedades de capital de risco (SCR) são instituições de crédito, sociedades financeiras nem instituições financeiras, atenta a revogação da alínea h) do n.º 1 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, que aprovou o RGICSF, pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de Setembro, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2020, o qual deixou de qualificar expressamente essas sociedades como “sociedades financeiras” e, consequentemente, como “instituições financeiras” (elemento subjetivo de incidência). A apoiar a sua tese a Requerente fundamenta-se na jurisprudência do CAAD.

 

x)    Acontece que, salvo o devido respeito, não podemos acompanhar a tese vertida nas decisões arbitrais mencionadas, por a mesma assentar numa interpretação estritamente formalista (revogação da alínea h) do n.º 1 do art.º 6.º do RGICSF), sem atender, em especial: a) A outros elementos de hermenêutica relevantes de ordem sistemática e coerente do ordenamento jurídico, em especial, do direito da União Europeia (EU), direito fundador do sistema financeiro Europeu, que não sofreu alterações suscetíveis de repercussão na qualificação jurídica destas entidades; b) À natureza jurídica da atividade material prosseguida por estas entidades; c) Ao setor de atividade económico financeira onde se inserem.”

 

y)    Caso o tribunal, o que por mera hipótese se admite, julgar a ação procedente, não deverá ser fixado o valor do montante a reembolsar pois o tribunal não possui todos os elementos necessários para o efeito. Ou seja, a quantificação do montante devido, deve ser apurado em sede de execução da decisão arbitral, o que desde já se peticiona.

 

z)     Vem ainda peticionado o pagamento de juros indemnizatórios, sem que, contudo, lhe assista razão, uma vez que, à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei, vinculadamente pois como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, donde necessariamente se conclui que não se verídica nenhum erro imputável aos serviços da Requerente, não estando assim preenchido o requisito previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.»

 

4.1. A Requerida conclui as suas alegações finais pedindo que o pedido de pronúncia arbitral seja «julgado improcedente por não provado e, consequentemente, absolvida a requerida de todos os pedidos.»

 

5. Por despacho de 30/9/2025, o Tribunal arbitral decidiu, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º, alínea c), 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT, a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a produção de alegações. O Tribunal informou, ainda, que o Sujeito Passivo poderia pronunciar-se, querendo, no prazo de 10 dias, sobre a questão do valor da causa suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Por fim, o Tribunal indicou o dia 2/11/2025 para a prolação da decisão arbitral.

 

II. Saneamento

 

6. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.

 

7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3).

 

8. Pelo exposto, e não havendo nulidades, impõe-se o conhecimento do mérito do pedido.

 

III. Questão prévia

 

9. A AT, na sua Resposta e a título de questão prévia quanto ao valor (vd. §§ 5.º e segs.), alega que “o montante cuja anulação se requer compreende, igualmente, o imposto liquidado relativo nas operações de concessão de crédito a colaboradores. Todavia, e quanto a esta matéria, a Requerente não apresenta qualquer fundamento que suporte o pedido efetuado, sendo certo que a questão colocada relativamente à incidência subjetiva (se é ou não instituição financeira) não tem qualquer cabimento no que se refere à verba 17.1.3 em questão, a qual incide sobre qualquer utilização de crédito em virtude da sua concessão (independentemente de quem sejam os mutuantes e mutuários). Consequentemente, a AT solicita, “para os efeitos peticionados, [que seja] corrigido o valor do pedido subtraindo-se-lhe a parcela relativa ao imposto liquidado da verba 17.1.3 da TGIS referente ao ano de 2021 no montante de 7.328,72 (€ 644.905,14 - € 7.328,72 = € 637.576,42), totalizando a quantia de € 763.718,75 (€ 644.905,14 - € 7.328,72 + € 118.813,61).”  

 

10. Com efeito, lendo o PPA, constata-se que o Sujeito Passivo não imputou qualquer vício à liquidação quanto à correcção relativa à concessão de crédito a trabalhadores, no ano de 2021, no montante de € 7.328,72 (vd. § 27.º do PPA) – ao invés do que sucedeu quanto às correcções relativas à cobrança de comissões de gestão, desempenho e subscrição, e às relativas à cobrança de juros por coinvestimento. O Sujeito Passivo vem dizer que, por lapso, não subtraiu aquele valor ao valor do pedido.

 

11. No entanto, não é caso para proceder à redução do valor, ao contrário do que refere a AT (vd. § 9.º da Resposta), pois o Sujeito Passivo termina pedindo a anulação total das liquidações (incluindo, portanto, a de 2021 acima referida) e indica que o valor a reembolsar «ascende ao montante de € 864.864,61», pelo que o valor indicado corresponde ao que pediu. Pelo que a consequência de não imputar qualquer vício a essa liquidação no montante de € 7.328,72 será a improcedência, nessa parte, quanto à liquidação de 2021.

 

IV. Questões a decidir

 

12. Na petição arbitral, a Requerente alega, em síntese, o seguinte: i) Que “é devido Imposto do Selo por comissões e contraprestações cobradas por serviços financeiros, desde que se trate de operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou equiparadas e outras instituições financeiras. No entanto, terá de se verificar o elemento subjetivo contido na verba 17.3 (enquanto sociedade gestora de fundo de capital de risco, tem de ser qualificada em alguma das categorias aí elencadas), e cumulativamente, o elemento objetivo, contido na verba 17.3.4 (as comissões cobradas têm de dizer respeito à prestação de serviços financeiros). [Razão pela qual] haverá [...] que aferir se as sociedades gestoras de fundo de capital de risco (como a Requerente) qualificam para efeitos de aplicação da aludida regra de incidência de Imposto do Selo.”; ii) Que “as sociedades de capital de risco, ao não configurarem instituições financeiras, para efeitos de incidência de Imposto do Selo, nos termos das verbas 17.3 e 17.3.4 da TGIS, não podem considerar-se sujeitas a Imposto do Selo, relativamente às comissões cobradas por atividades de gestão dos fundos de capital de risco; iii) Que “as SCR [Sociedades de Capital de Risco] e as SGFCR [Sociedades Gestoras de Fundos de Capital de Risco] não integram qualquer uma das tipologias previstas nas espécies de ‘instituições de crédito’ tipificadas no artigo 3.º do RGICSF [Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras] [, e que,] [r]elativamente ao conceito de “sociedades financeiras” (cfr. o artigo 6.º do RGICSF, na redação à data dos factos em análise), [...] as “sociedades de capital de risco” deixaram de integrar o conceito de “sociedade financeira” em dezembro de 2002, após revogação da alínea h) do artigo 6.º do RGICSF [...], operada pelo artigo 51.º, alínea a), do [...] Decreto-Lei n.º 319/2002. [Sendo que o] enquadramento jurídico-financeiro acima referido de as SCR não configurarem sociedades financeiras desde 2002 é aplicável, mutatis mutandis, às sociedades gestoras de fundos de capital de risco (como é o caso da Requerente), porquanto à data estas operavam como sociedades de capital de risco e, como tal, confundiam-se com estas.”

            

13. Pelo exposto, a ora Requerente pede que se dê como provada a presente acção arbitral “e, em consequência, [sejam] anulados, por vício de violação de lei, os atos de liquidação de Imposto do Selo, referentes aos períodos de tributação de 2021 e 2022, nos termos e com os fundamentos acima expostos, com todas as consequências legais, sendo a Requerente ressarcida dos montantes de imposto indevidamente pagos, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios.” 

 

14. Por seu lado, a Requerida considera, em síntese, o seguinte: i) Que [“Questão prévia – quanto ao valor”] “[a] Requerente reage contra o total do imposto correspondente às correções efetuadas, as quais incidiram sobre operações de cobrança de comissões de gestão, desempenho e subscrição, sujeitas a IS [...], ou seja, o montante cuja anulação se requer, [mas tal valor] compreende igualmente, o imposto liquidado relativo nas operações de concessão de crédito a colaboradores. Todavia, e quanto a esta matéria a Requerente não apresenta qualquer fundamento que suporte o pedido efetuado” [, razão pela qual se solicita ao Tribunal que] se[ja] corrigido o valor do pedido subtraindo-se-lhe a parcela relativa ao imposto liquidado da verba 17.1.3 da TGIS referente ao ano de 2021 no montante de € 7.328,72 [...]”; ii) Que [“Defesa por impugnação”], “em abril de 2017, as sociedades gestoras de fundos de capital de risco constituíam sociedades financeiras para efeitos do artigo 6.º do RGICSF e que as comissões de gestão por elas cobradas estavam sujeitas a Imposto de Selo ao abrigo das Verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo.”

            

15. Pelo exposto, a Requerida pede que o presente pedido de pronúncia arbitral seja «julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado».

 

16. Atendendo ao acima referido, conclui-se que, para além da questão prévia acima referida, a questão essencial a decidir nos presentes autos diz respeito à avaliação da conformidade legal das correcções respeitantes à cobrança de comissões de gestão, desempenho e subscrição, e de juros por coinvestimento, à ora Requerente, quanto aos períodos de tributação de 2021 e 2022.

 

V. Mérito

 

V.1. Matéria de facto

 

17. Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A. A Requerente operou, de 2016 até 26/4/2022, como Sociedade Gestora de Fundos de Capital de Risco ou SGCFR (art. 1.º, al. b), do RJCR) – tendo, após essa data, passado a operar na qualidade de Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo ou SGOIC (v. § 157.º do PPA). Também após 26/4/2022, a Requerente passou a liquidar IS sobre as comissões de natureza equivalente às aqui em causa (v. § 161.º do PPA)

B. Os procedimentos de inspeção tributária relativos aos períodos de tributação de 2021 e 2022, que deram origem às liquidações adicionais contestadas pela Requerente, tiveram o seu início no dia 10/7/2024, conforme as Ordens de Serviço n.º OI2024... e OI2024..., de 8/4/2024, respetivamente.

C. As inspeções tributárias em apreço tiveram um âmbito parcial, e foram conduzidas no sentido de avaliar, em exclusivo, os procedimentos adoptados em sede de Imposto do Selo (IS), por referência aos acima referidos períodos de tributação de 2021 e 2022.

D. Após efectuar a análise e a validação da informação disponibilizada no decurso das inspecções, os SIT remeteram à ora Requerente, no dia 27/11/2024, as notificações contendo os projetos de relatório de inspeção, nos termos dos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPITA, propondo correções ao IS considerado em falta nos valores de € 644.905,14 e de € 118.813,61, relativos aos períodos de tributação de 2021 e 2022, respetivamente. 

E. A Requerente não exerceu o competente direito de audição que lhe assistia relativamente ao conteúdo dos referidos projectos de relatório, e, deste modo, as correções propostas naquela sede foram mantidas, nos seus precisos termos, no Relatório de Inspeção. 

F. A Requerente foi, assim, notificada, a 23/12/2024, dos Relatórios de inspeção, tendo os SIT confirmado as correções efectuadas em sede de IS nos montantes supra referidos, conforme quadro infra (vd. § 27.º do PPA):

 

 

 

 

G. Na sequência do acima exposto, a Requerente foi notificada, no dia 2/1/2025, da nota de liquidação adicional de IS n.º 2024..., de 19/12/2024, relativa à demonstração de liquidação de IS n.º 2024..., no valor total de € 732.645,25, a qual inclui o IS considerado em falta com referência às operações praticadas no período de tributação de 2021, bem como os correspondentes juros compensatórios (vd. Doc. 1 apenso aos autos). Também na mesma data, foi a Requerente notificada da nota de liquidação adicional de IS n.º 2024..., de 19/12/2024, referente à demonstração de liquidação de IS n.º 2024..., no valor total de € 132.219,36, a qual inclui o IS considerado em falta nas operações praticadas no período de tributação de 2022, bem como os correspondentes juros compensatórios (vd. Doc. 2 apenso).

H. A Requerente pede, no seu PPA, a anulação total das liquidações acima referidas, no montante global de € 864.864,61 (= € 732.645,25 + € 132.219,36) – pelo que esse é o valor da causa.

I. A Requerente procedeu ao pagamento da totalidade dos valores de cada uma das referidas liquidações (vd. Documentos 3 e 4 apensos). Mas, estando inconformada com a situação, apresentou PPA contra os referidos actos de liquidação no dia 19/5/2025.

J. No PPA apresentado, a Requerente não imputa qualquer vício à liquidação no que diz respeito à concessão de crédito a trabalhadores (parcela do imposto liquidado da verba 17.1.3 da TGIS), no ano de 2021, no montante de € 7.328,72 (vd. § 27.º do PPA).                

 

V.2. Factos não provados 

 

18. Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

V.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

19. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). 

 

20. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

21. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes bem como dos documentos que foram juntos aos autos, não contestados.

 

V.4. Matéria de direito

 

22. Como se disse acima (vd. IV16.), a questão essencial a decidir nestes autos diz respeito à avaliação da conformidade legal das correcções respeitantes à cobrança de comissões de gestão, desempenho e subscrição, e de juros por coinvestimento, à ora Requerente, quanto aos períodos de tributação de 2021 e 2022.

 

23. Ou, como bem resume a AT, na sua Resposta, “no caso em apreço a questão que se impõe apreciar e decidir é a de saber se a Requerente, enquanto Sociedade Gestora de Fundos de Capital de Risco (FCR), por si geridos, constitui uma sociedade financeira, uma entidade legalmente equiparada a sociedade financeira, ou a quaisquer outras instituições financeiras, para efeitos do disposto nas verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).” 

 

24. Na petição arbitral, a Requerente alega, em síntese, o seguinte: i) Que “é devido Imposto do Selo por comissões e contraprestações cobradas por serviços financeiros, desde que se trate de operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou equiparadas e outras instituições financeiras. No entanto, terá de se verificar o elemento subjetivo contido na verba 17.3 (enquanto sociedade gestora de fundo de capital de risco, tem de ser qualificada em alguma das categorias aí elencadas), e cumulativamente, o elemento objetivo, contido na verba 17.3.4 (as comissões cobradas têm de dizer respeito à prestação de serviços financeiros). [Razão pela qual] haverá [...] que aferir se as sociedades gestoras de fundo de capital de risco (como a Requerente) qualificam para efeitos de aplicação da aludida regra de incidência de Imposto do Selo.”; ii) Que “as sociedades de capital de risco, ao não configurarem instituições financeiras, para efeitos de incidência de Imposto do Selo, nos termos das verbas 17.3 e 17.3.4 da TGIS, não podem considerar-se sujeitas a Imposto do Selo, relativamente às comissões cobradas por atividades de gestão dos fundos de capital de risco; iii) Que “as SCR [Sociedades de Capital de Risco] e as SGFCR [Sociedades Gestoras de Fundos de Capital de Risco] não integram qualquer uma das tipologias previstas nas espécies de ‘instituições de crédito’ tipificadas no artigo 3.º do RGICSF [Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras] [, e que,] [r]elativamente ao conceito de “sociedades financeiras” (cfr. o artigo 6.º do RGICSF, na redação à data dos factos em análise), [...] as “sociedades de capital de risco” deixaram de integrar o conceito de “sociedade financeira” em dezembro de 2002, após revogação da alínea h) do artigo 6.º do RGICSF [...], operada pelo artigo 51.º, alínea a), do [...] Decreto-Lei n.º 319/2002. [Sendo que o] enquadramento jurídico-financeiro acima referido de as SCR não configurarem sociedades financeiras desde 2002 é aplicável, mutatis mutandis, às sociedades gestoras de fundos de capital de risco (como é o caso da Requerente), porquanto à data estas operavam como sociedades de capital de risco e, como tal, confundiam-se com estas.”

 

25. Por seu lado, alega a AT, em síntese: i) Que “em abril de 2017, as sociedades gestoras de fundos de capital de risco constituíam sociedades financeiras para efeitos do artigo 6.º do RGICSF e que as comissões de gestão por elas cobradas estavam sujeitas a Imposto de Selo ao abrigo das Verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo.”; ii) Que “encontram-se verificados os requisitos objetivo e subjetivo da verba 17.3.4 da TGIS.”

 

26. Vejamos, então. 

 

27. Refere a AT, no § 78.º da sua Resposta, que a “Requerente aponta, no essencial, como causa de pedir, que não se encontram preenchidos os elementos objetivo e subjetivo de incidência previstos na verba 17.3.4 da TGIS do Código do Imposto do Selo (CIS), porquanto nem a atividade por si exercida constitui a prestação de um serviço financeiro, nem as sociedades de capital de risco (SCR) são instituições de crédito, sociedades financeiras nem instituições financeiras, atenta a revogação da alínea h) do n.º 1 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, que aprovou o RGICSF, pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de Setembro, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2020, o qual deixou de qualificar expressamente essas sociedades como ‘sociedades financeiras’ e, consequentemente, como ‘instituições financeiras’ (elemento subjetivo de incidência).”

 

28. Não há dúvida de que a revogação operada em 2019 (mas não da referida alínea h) do n.º 1 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31/12 [RGISF], antes do art. 6.º, n.º 1, al. b), vi), desse diploma) constitui elemento fundamental para a devida análise do presente caso.

 

29. Com efeito, com a revogação da alínea h) do n.º 1 do art. 6.º do RGICSF (Dec.-Lei n.º 298/92, de 31/12), aprovada pelo Dec.-Lei n.º 319/2002, de 28/12, as Sociedades de Capital de Risco (SCR) deixaram de integrar o conceito de «sociedade financeira». E o mesmo se aplicava às Sociedades Gestoras de Fundos de Capital de Risco (SGFCR) porque estas operavam enquanto SCR até à entrada em vigor da Lei n.º 18/2015, de 4/3; mesmo sob a vigência da referida Lei de 2015, as referidas SGFCR não foram equiparadas a «sociedades financeiras» (atendendo à exclusão da sua classificação como «intermediários financeiros», feita no n.º 1 do art. 2.º do Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado [RJCR], anexo à Lei de 2015, número este que viria a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23/9).

 

30. Tendo presente o que foi acima referido, constata-se que a AT labora em erro na Resposta (vd. § 35.º) ao partir do pressuposto de que as liquidações se reportam ao ano de 2017, quando as operações em causa são relativas aos anos de 2021 e 2022: “Não obstante o exercício da atividade de investimento das sociedades de capital de risco e das sociedades gestoras de fundos de capital de risco ser regulado pela Lei n.º 18/2015, de 4 de março (cf. respetivo artigo 1.º, alíneas a) e b)), a verdade é que, em abril de 2017 (quando a Requerente cobrou as comissões de gestão que deram origem às autoliquidações de Imposto de Selo impugnadas), as sociedades gestoras de fundos de investimento continuavam a ser consideradas como sociedades financeiras no artigo 6.º do RGICSF.”

 

31. E, mesmo na tese defendida pela AT (segundo a qual em 2017 as sociedades gestoras de fundos de investimento ainda eram consideradas como «sociedades financeiras» – o que, como se disse acima, não era o caso, dada a exclusão feita no n.º 1 do art. 2.º do RJCR anexo à Lei de 2015), considera-se que (vd. § 37.º da Resposta) «[a] classificação das sociedades gestoras de fundos de investimento como sociedades financeiras no artigo 6.º do RGICSF [...] foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de Setembro». I.e., por outras palavras: mesmo no próprio entendimento da AT, considera-se que essa classificação já estaria revogada em 2021 e 2022, períodos de tributação aos quais dizem respeito as liquidações colocadas em causa.

 

32. Com efeito, a classificação das referidas sociedades gestoras de fundos de investimento como «sociedades financeiras» no art. 6.º do RGICSF [vd. art. 6.º, n.º 1, al. b), vi)] foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23/9 (o qual entrou em vigor a 1/1/2020); tendo sido, ainda, acrescentado, pelo diploma de 2019, um n.º 5 ao mencionado art. 6.º, no qual se afirma que “Não são sociedades financeiras as entidades reguladas [...] no [RJCR], aprovado em anexo à Lei n.º 18/2015” – entidades entre as quais se incluem as SGFCR (vd. art. 1.º, al. b), do RJCR), como a ora Requerente (situação em que a Requerente se manteve até 26/4/2022, altura em que passou a operar na qualidade de Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo – SGOIC: vd. § 157.º do PPA; tendo passado, a partir dessa data, a liquidar IS sobre as comissões de natureza equivalente às aqui em causa: vd. § 161.º do PPA).

 

33. O referido acrescento ao art. 6.º mostra-se relevante porque, como se disse acima, mesmo sob a vigência da Lei n.º 18/2015, de 4/3 (que contém, em anexo, o Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado, ou RJCR), as SGFCR não foram equiparadas a «sociedades financeiras» (atendendo à exclusão da sua classificação como «intermediários financeiros», feita no n.º 1 do art. 2.º do RJCR, um número que, posteriormente, viria a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23/9). Assim, com esse acrescento, fica claro que, também à luz do referido Dec.-Lei de 2019, as SGCFR não podem ser consideradas «sociedades financeiras».  

 

34. Em resumo: afigura-se evidente a conclusão de que a ora Requerente, na sua qualidade de SGFCR à data dos factos em análise, não se integrava no conceito de «sociedade financeira», à luz da legislação aplicável e em vigor nos anos de 2021 e 2022 (anos aos quais dizem respeito as liquidações colocadas em causa), dado que as SGFCR já não constavam, desde a revogação operada pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23/9, do elenco constante do art. 6.º do RGICSF.   

 

35. No mesmo sentido (de considerar que as SCR/SGFCR não são instituições ou sociedades financeiras nem equiparadas), e dando aqui apenas alguns exemplos da jurisprudência arbitral dominante, vd., por ex., as seguintes Decisões arbitrais: de 27/9/2021, no Proc. n.º 757/2020; de 25/11/2019, no Proc. n.º 399/2019-T; de 10/5/2021, no Proc. n.º 791/2019-T; de 10/4/2023, no Proc. n.º 469/2022-T; de 19/10/2023, no Proc. n.º 228/2023-T; de 30/4/2024, no Proc. n.º 616/2023-T; de 6/1/2025, no Proc. n.º 956/2024-T; e de 22/7/2025, no Proc. n.º 53/2025-T. 

 

36. É de destacar, ainda, pela síntese que é feita dos múltiplos fundamentos que são invocados pelo entendimento maioritário na jurisprudência arbitral (no sentido de que as SCR/SGFCR não são sociedades financeiras) – entendimento ao qual este Tribunal também adere –, o Acórdão de 17/6/2024, proferido no âmbito do Proc. n.º 795/2023-T: “há que concluir que as SCR não se inserem nestas categorias para os efeitos da Verba 17.3 da TGIS, com diversos fundamentos: 1. Desde logo porque as SCR estavam expressamente consagradas como ‘sociedades financeiras’ na alínea h) do art. 6.º do RGICSF, a qual veio a ser revogada pelo DL 319/2002, de 28 de Dezembro, quando, alterando o regime jurídico das SCR que então constava do Decreto-Lei n.º 433/91, de 7 de Novembro, criou o diploma disciplinador da constituição e actividade das SCR, hoje regulado pela já referida Lei 18/2015, de 4 de Março [...] [houve, assim,] um claro propósito legislativo de excluir as SCR do conceito de sociedades financeiras [...]. 2. Por outro lado, porque o art. 2.º, 1 do regime jurídico próprio das SCR (Lei n.º 18/2015, de 4 de Março) dispõe que estas sociedades ‘não são intermediários financeiros’3. Por outro lado ainda, porque, do disposto no art. 9.º, 1 da mesma Lei 18/2015, resulta a fixação legal de um objecto social das SCR, e dele não se chega à sua qualificação como instituições financeiras. 4. Também porque, face ao elemento literal do CAE – Rev. 3, as SCR exercem actividade de “auxiliares de serviços financeiros”, devendo em rigor ser classificadas na Divisão 66 grupo 330 da Secção K do CAE – Rev. 3; e não exercem ‘actividades de serviços financeiros’, pelo que não são, nem instituições de crédito, nem sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, nem quaisquer outras instituições financeiras, pois estas integram a Divisão 64 da Secção K do CAE – Rev. 3 [...]. 5. Adicionalmente, a Lei de Branqueamento de Capitais (Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho), que abrange as SCR e as designa como ‘entidades financeiras’, não regula ela própria a actividade financeira, visando antes estabelecer ‘medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo [...]’. 6. E os arts. 30.º, 1, f) e 359.º do CVM, que permitem considerar as SCR como ‘outras instituições financeiras’ e as sujeitam à supervisão da CMVM, dada a especificidade do seu âmbito de aplicação – que fundamentalmente se cinge a atribuir-lhes o estatuto de ‘investidores profissionais’ enquanto operadores no mercado de valores mobiliários adstritos a especiais deveres de conduta –, não permitem concluir que as SCR devam ser consideradas como instituições financeiras para efeito de incidência de IS7. Quanto à sujeição das SCR aos mecanismos de regulação e supervisão macroprudencial de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras estabelecidos pelo Regulamento (UE) n.º 1092/2010, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Novembro de 2010, e pelo Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, é manifesto que ambos os diplomas não têm qualquer relação com o âmbito de incidência do IS, nem têm a virtualidade, não obstante a sua proeminência na hierarquia das fontes, de transpor a vedação da analogia. [...]. 8. O próprio Código do Imposto do Selo (CIS) aponta no sentido de que as sociedades de capital de risco não estão abrangidas pelo conceito de ‘instituição financeira prevista na legislação comunitária’, para efeitos do referido imposto – quando, no seu art. 7.º, 1, e), contrapõe ‘sociedades de capital de risco’ a ‘instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária’ [...]. 9. Finalmente, por estar em causa uma norma de incidência, cuja aplicação exige cautelas especiais, face ao princípio constitucional da legalidade previsto no artigo 103.º da CRP, pelo que está vedado o recurso à analogia (cfr. também o art. 11.º, 4 da LGT) [...]. 10. Sendo de assinalar que, depois de o art. 51.º, a), do Decreto-Lei n.º 319/2002, de 28 de Dezembro, ter revogado a alínea h) do n.º 1 do artigo 6.º do RGICSF relativa a SCR, o art. 2.º do Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de Setembro veio revogar a classificação das sociedades gestoras de fundos de investimento (incluindo os fundos de investimento de capital de risco) como sociedades financeiras, restringindo ainda mais este conceito, portanto, e afastando a qualificação relativamente a outras entidades com actuação próxima da das SCR. 11. Sendo não menos revelador que a norma do art. 6.º, 1, h), do RGICSF (a tal que consagrava as SCR como ‘sociedades financeiras’) não foi repristinada, mantendo-se a sua revogação até à actual redacção do RGICSF(Lei n.º 23-A/2022, de 9 de Dezembro).” (Sublinhados nossos.) 

 

37. Não podendo a ora Requerente, pelo acima exposto, ser considerada instituição financeira nem equiparada, conclui-se que (com excepção do montante de € 7.328,72 relativo à liquidação de 2021: vd. supra, III.10. e 11.), os actos de liquidação de IS aqui em causa, referentes aos períodos de tributação de 2021 e 2022, devem ser anulados, por vício de violação de lei.   

 

 

Devolução de montantes e pagamento de juros indemnizatórios

 

38. Quanto ao pedido da ora Requerente (vd. § 190.º do PPA) de devolução dos montantes de imposto impugnados e considerados indevidamente liquidados e pagos, bem como quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, não restam dúvidas de que, atendendo ao que foi acima dito, assiste à ora Requerente o direito a tal restituição (com a excepção do valor de € 7.328,72 – parcela do imposto liquidado da verba 17.1.3 da TGIS – relativo à liquidação de 2021) e a tais juros, sendo que a apreciação desses pedidos se contém no âmbito dos poderes reconhecidos aos tribunais arbitrais em matéria tributária. 

 

39. Com efeito, e como refere, por ex., na Decisão arbitral (colectiva) de 9/11/2020 (proferida no Proc. n.º 772/2019-T), «dúvidas não subsistem de que os poderes dos tribunais arbitrais se circunscrevem a poderes de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto impugnado. Porém, não obstante este contencioso ser essencialmente de mera anulação, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estritamente ligados ao poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios, com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia ou com o direito à restituição do imposto indevidamente pago.» (Sublinhado nosso.)

 

40. No mesmo sentido, e especificamente quanto aos peticionados juros indemnizatórios (cujo direito aqui se reconhece, dada a errada aplicação que foi feita das normas legais aplicáveis, como se demonstrou acima), veja-se, por exemplo, a Decisão arbitral (colectiva) de 15/6/2020, proferida no Proc. n.º 702/2019-T: “Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária». O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT [...] e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial) [...]. Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.” (sublinhados nossos).

 

41. Em face do exposto, conclui-se, no caso aqui em apreciação, que a Requerente tem direito à restituição do montante de imposto indevidamente pago (com excepção do valor de € 7.328,72 – parcela do imposto liquidado da verba 17.1.3 da TGIS – relativo à liquidação de 2021), bem como aos também peticionados juros indemnizatórios, ao abrigo dos artigos supracitados, sendo tais juros contados desde a data do pagamento indevido do imposto até ao integral pagamento do montante a devolver, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT, art. 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/03, de 8/4.

 

VI. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, decide-se:

 

- Julgar o pedido de anulação improcedente no que diz respeito ao valor de € 7.328,72 (parcela do imposto liquidado da verba 17.1.3 da TGIS), relativo à liquidação de 2021.

- Julgar, no restante, o presente pedido arbitral procedente, por o Sujeito Passivo não ser instituição financeira nem equiparada.

- Julgar procedente o pedido de restituição da importância indevidamente recebida com base nas liquidações em causa, e o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios (quanto à parte do imposto que foi anulada).

 

VII. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 864.864,61 (oitocentos e sessenta e quatro mil, oitocentos e sessenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VIII. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 12.440,00 (onze mil, novecentos e trinta e quatro euros), a pagar pela Requerida, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao RCPAT, bem como do disposto no n.º 2 do art. 12.º, e do n.º 4 do art. 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1 do art. 4.º, do citado RCPAT, a pagar pela Requerente e pela Requerida, na proporção de 0,85% para a Requerente e 99,15% para a Requerida.

 

Notifique-se.

Lisboa, 14 de Outubro de 2025.

 

Os Árbitros

 

 

Jorge Lopes de Sousa

(Árbitro Presidente)

 

 

 

João Santos Pinto

(Árbitro adjunto)

 

 

 

 

 (Miguel Patrício)

(Árbitro adjunto e Relator)