Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 214/2025-T
Data da decisão: 2025-10-17  IRS  
Valor do pedido: € 29.722,88
Tema: IRS – Mais -Valias; Expropriação por utilidade pública
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SUMÁRIO:
I. A incidência de mais-valias tributáveis em sede de IRS, na Categoria G, limita-se às situações elencadas no n.º 1 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

II – Os ganhos obtidos por expropriação por utilidade pública de bens imóveis não são passíveis de tributação em sede de IRS, em virtude de a respectiva relação juridica não ser subsúmivel ao conceito de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

 

DECISÃO ARBITRAL

A Árbitro Filipa Barros, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar este Tribunal Arbitral Singular, constituído a 14 de Maio de 2025, decide o seguinte:

 

I.               Relatório

 

A..., portadora do cartão do cidadão n.º ... ..., válido até 11-09-2028, contribuinte fiscal n.º..., residente na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Viana do Castelo (doravante a “Requerente”), vem, nos termos conjugados dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”) e 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Requerida ou AT), no qual peticionou:

i.               A apreciação da ilegalidade do indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional n.º 2024... (acerto de contas n.º 2024...), emitida pela AT, em sede de IRS, relativa ao ano de 2023;

ii.              A apreciação da ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento tácito do recurso hierárquico apresentado junto da Direção de Finanças de Viana do Castelo, que correu termos sob o n.º 2024...;

iii.             A declaração de ilegalidade da liquidação de IRS, sob o n.º 2024... (acerto de contas n.º 2024...) com o valor de imposto a pagar de €29.722,88, (documento n.º 1);  

iv.             A condenação da AT na indemnização por prestação de garantia indevida (no caso a constituição de hipoteca voluntária) para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2024... instaurado contra a Requerente; 

 

O Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”) tem como objeto imediato a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento tácito do recurso hierárquico supra identificado que manteve na ordem jurídica a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, e, como objeto mediato, a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato tributário de liquidação de IRS, referente ao exercício de 2023, decorrente da tributação de mais-valias apuradas na sequência de uma expropriação por utilidade pública.  

Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea a), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do presente tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no competente prazo.

Em 24-04-2025, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em consonância com a al. c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 14-05-2025.

Notificada para o efeito por despacho de 16-05-2025, a AT apresentou a sua resposta em 16-06-2025, defendendo-se por impugnação, e pugnando pela improcedência do pedido.

Por despacho de 25-06-2025, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e tendo ambas as Partes deixado bem expressos os seus entendimentos quanto às questões de direito, o Tribunal dispensou a produção de alegações.

 

II.             DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS 

 

A. Posição da Requerente

 

Em 13-01-2023 a Câmara Municipal de Viana do Castelo deliberou por maioria declarar a utilidade pública da expropriação de parcelas de terrenos para a implantação de UOPG 54 (Zona Industrial de ...) sendo uma parcela desse terreno (parcela 38) propriedade da Requerente e de sua irmã em partes iguais, proveniente de uma herança por óbito de seu Pai, herança essa encabeçada pelas filhas. 

 Assim, o imóvel foi efetivamente expropriado pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, por utilidade pública, tendo ambas as proprietárias recebido uma indemnização pelos danos causados pela aludida expropriação, no valor de €259.120,00, tendo cada proprietária recebido metade do valor de indemnização, ou seja €129.560,00. 

Na sequência da apresentação da declaração de IRS relativa ao ano de 2023, a Requerente foi selecionada para análise por força de uma situação de divergência declarativa que culminou na emissão de uma declaração adicional de IRS, relativa à tributação de rendimentos, in casu, mais-valias, apuradas na sequência da indemnização que foi paga pela expropriação por utilidade pública do terreno propriedade da Requerente e de sua irmã. 

 

A liquidação adicional de que a Requerente foi alvo totalizava IRS em falta no valor de €29.722,88. 

Em defesa da ilegalidade da liquidação adicional, sustenta a Requerente que o ato tributário em causa é ilegal porquanto as indeminizações por utilidade pública não são tributáveis em sede de IRS, por inexistir norma de incidência. 

Com efeito, é entendimento da Requerente devidamente suportado quer na letra da lei quer na doutrina, quer ainda na jurisprudência, que os ganhos obtidos por expropriação por utilidade pública de bens imóveis não são passíveis de tributação em sede de IRS, uma vez que a relação jurídica não é subsumível ao conceito de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis a que se refere a alínea a), do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS. Defende que o enquadramento e tributação das mais-valias na categoria G limita-se às situações elencadas no artigo 10.º, n.º 1, do Código do IRS, não contemplando expressamente a expropriação. 

Ora, enquadrando-se o caso em apreço numa indemnização por expropriação, situação que segundo a Requerente, não consta, de forma expressa, do elenco do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, não poderá ser qualificado enquanto ganho obtido sujeito a tributação em IRS, ou seja, uma mais-valias para efeitos do Código daquele imposto. Nestes termos, o ato tributário de liquidação adicional de IRS deverá ser declarado ilegal, por violação de lei, bem como, o despacho de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa e a decisão de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico que manteve, por inércia, aqueles atos na ordem jurídica.  

 

B. Posição da Requerida

 

A Requerida começa por pedir a improcedência do pedido, defendendo que a indemnização emergente de expropriação por utilidade pública se enquadra no disposto no artigo 10º, n.º 1, al. a) do Código do IRS e, por conseguinte, os ganhos terão de ser tributados em conformidade. Com efeito, nos termos do referido preceito legal, “1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”.   

Interpretando o sentido e alcance da referida norma, a Requerida remete para a alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º do Código do IRS, no qual se prevê que “1 – Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:

a) …

b) No caso de expropriação, o valor de realização”.

Assim, a AT defende que a tributação de mais-valias decorrentes de expropriações de bens imóveis foi expressamente prevista pelo legislador, muito embora seja questionável a técnica legislativa que foi utilizada. Além disso, remete para a regra 17ª do nº 4 do artigo 12º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) vem estatuir que, para efeitos de IMT, o valor tributável dos bens expropriados por utilidade pública é o montante da indemnização. Caso esta seja estabelecida por acordo, será o correspondente ao valor da indemnização ou o correspondente ao valor patrimonial tributário (VPT) do bem, consoante o que for maior. 

Refere ainda que na parte final do parágrafo 1º do artigo 19º do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD), vigente à data da entrada em vigor do CIRS, cominava que o valor dos bens expropriados por utilidade pública para efeitos de sisa seria o montante da indemnização, salvo se esta tivesse sido estabelecida por acordo ou transação. Todavia, as expropriações não eram expressamente mencionadas nos artigos 2º e 8º do CIMSISSD (relativos à incidência da sisa), tal como ainda hoje não o são no artigo 2º - relativo à incidência do IMT - do CIMT (que sucedeu ao CIMSISSD).

O que só tem uma explicação possível, isto é, que o legislador entendeu que as expropriações se subsumiam à regra geral constante quer do artigo 2º do CIMSISSD, quer do nº 1 do artigo 2º do CIMT, segundo os quais a sisa ou, respetivamente, o IMT “incide sobre as transmissões a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.”.

Ora, atendendo ao elemento sistemático de interpretação das normas jurídicas, plasmado no artigo 9.º do Código Civil, não pode deixar de se entender as expropriações como transmissões onerosas para efeitos de IMT, revestindo idêntica natureza para efeitos de IRS. 

Acresce que também o elemento histórico de interpretação aponta no mesmo sentido, pois, a esse propósito que no CIMSISSD a referência à expropriação surgia só no capítulo dedicado à determinação da matéria coletável e no Código do IRS, entrado em vigor em 01-01-1989, tal referência, surge, igualmente, em capítulo assim epigrafado.

E, por fim, no Código do IMT – entrado em vigor em 01-01-2004 – essa referência surge também no capítulo intitulado “determinação do valor tributável”.

Conclui, considerando que em qualquer destes diplomas, sempre a figura da expropriação foi considerada objeto de tributação, revestindo, assim, a natureza de transmissão onerosa sujeita à regra de incidência relativa a mais-valias contante do Código do IRS.  

 

III.            Saneamento 

 

O Tribunal foi regularmente constituído face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

IV.          Decisão da matéria de facto

IV.1 Factos provados

 

  1. Em 13-01-2023, a Câmara Municipal de Viana do Castelo deliberou, por maioria, declarar a utilidade pública da expropriação de parcelas de terrenos para a implantação da UOPG 54 (Zona Industrial de ...); - (cfr. pág. 43 e seguintes da ata da Câmara Municipal de Viana do Castelo de 13-01-2023, junta como Doc. n.º 2 do PPA);
  2. Uma das parcelas de terreno, nomeadamente a parcela 38 do terreno rústico sito no lugar ..., Viana do Castelo, artigo ..., com a área de 12.640,00 m2, é propriedade da Requerente e de sua irmã em partes iguais, proveniente da herança por óbito de seu pai, B..., falecido em 15-05-1992, herança essa encabeçada pelas filhas (i.e., a Requerente e sua irmã); - (cfr. PPA, facto não contestado pela AT); 
  3. Em 03-03-2023 foi celebrada, no Notariado Privativo da Câmara Municipal de Viana do Castelo, escritura de expropriação amigável do Imóvel; – (cfr. cópia certificada da escritura de expropriação, junta como Doc. n.º 3 do PPA).
  4. O Imóvel foi expropriado pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, por utilidade pública, tendo ambas as proprietárias recebido uma indemnização pelos danos causados pela aludida expropriação; - (cfr. Doc. n.º 2 do PPA);
  5. O Imóvel foi objeto de uma expropriação por utilidade pública, nos termos do disposto no n.º 7, artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 168/99 de 18 de Setembro (o “Código das Expropriações); 
  6. Na escritura de expropriação foi declarado o valor total de indemnização de € 259.120,00 (duzentos e cinquenta e nove mil, cento e vinte mil euros), tendo, cada proprietária (i.e., a Requerente e sua irmã) recebido metade do referido valor de indemnização; - (cfr. PPA, facto não contestado pela AT);
  7. O valor total da indemnização da Requerente foi de €129.560,00 (cento e vinte e nove mil, quinhentos e sessenta euros); - (cfr. PPA e Processo Administrativo instrutor (doravante “PA”); 
  8. Em 24-06-2024, a Requerente apresentou a sua declaração de IRS relativa ao ano de 2023; - (cfr. PA);
  9. Em 01-07-2024, na sequência da apresentação da Declaração de IRS, a Requerente foi surpreendida com uma notificação da AT (“1.ª Notificação”), informando que a Declaração havia sido selecionada para análise em virtude de ter sido detetada uma alineação de imóveis não declarada; – (cfr. 1.ª Notificação, junta como Doc. n.º 4 do PPA);
  10. Na sequência da 1.ª Notificação, a Requerente endereçou o tema através do e-balcão, com o objetivo de compreender a questão e identificar a forma adequada para solucionar a aludida divergência; – (cfr. comunicação com o e-balcão, junta como Doc. nº. 5 do PPA);
  11. Em 12-07-2024, a Requerente apresentou uma declaração de substituição de IRS, referente ao ano de 2023, tendo incluído no Anexo G os valores relativos à indemnização recebida decorrente da expropriação do imóvel, seguindo as indicações da AT; – (cfr. Doc n.º 6 junto com o PPA);
  12. A informação declarada pela Requerente na declaração de substituição foi a seguinte: 

- Data da aquisição do Imóvel: 26-06-2013;

- Valor de aquisição do Imóvel: € 28,16;

- Data da realização: 03-03-2023;

- Valor da realização: € 129.564,50.

(cfr. Doc n.º 6 junto com o PPA);

 

  1. O valor de realização declarado no Anexo G (€ 129.564,50), respeita à indemnização que a Requerente recebeu, correspondente a metade, enquanto expropriada por utilidade pública; - (cfr. PPA, facto não contestado pela AT); 
  2. Em 17-07-2024, foi a Requerente notificada da demonstração de liquidação de IRS de 2023, acompanhada da nota discriminativa da liquidação do imposto, com o valor a pagar de €29.722,88; - (cfr. doc. n.º 1 supra identificado); 
  3. Em 21-08-2024 a Requerente deduziu reclamação da graciosa da liquidação adicional de imposto, pugnando pela ilegalidade e anulabilidade da liquidação por assentar em erro na aplicação do direito, uma vez que os referidos rendimentos decorriam de uma indemnização resultante de uma expropriação por utilidade pública e, consequentemente, não seriam passíveis de tributação em sede de IRC; - (cfr. Reclamação Graciosa, junta como Doc. n.º 7 do PPA); 
  4. Em 13-09-2024, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento proferida pela AT; - (cfr. decisão junta como Doc. n.º. 8 do PPA);
  5. No essencial, a AT fundamenta a Decisão de Indeferimento da Reclamação nos seguintes termos:

a)     De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, as mais-valias incluem os ganhos resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, abrangendo também transmissões impostas unilateralmente, como no caso de expropriações.

b)    A alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º do Código do IRS estabelece que, no caso de expropriações, o valor da indemnização é considerado como o valor de realização para determinação das mais-valias tributáveis.

c)     Considera que a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º do Código do IRS complementa a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, sustentando que as expropriações estão incluídas no conceito de alienação onerosa.

d)    Defende que a liquidação adicional foi realizada em conformidade com a legislação aplicável e tendo por base a declaração de rendimentos apresentada pela Requerente.

e)    Entende que as indemnizações por expropriação constituem ganhos patrimoniais sujeitos a IRS, de acordo com os artigos 9.º e 44.º do Código do IRS.

f)      É entendimento da AT que a expropriação, amigável ou litigiosa, implica a extinção do direito de propriedade sobre o imóvel, constituindo um direito a favor da entidade expropriante e enquadrando-se no âmbito das mais-valias tributáveis em IRS.

  1. A AT dispensou o direito de audição prévia sustentando a inexistência de impacto na decisão final, por se tratar de uma questão relativa à interpretação da lei, e não a elementos factuais que poderiam ser objeto de alterações; - (cfr. PA).
  2. Em 14-10-2024, na sequência da Decisão de Indeferimento da Reclamação Graciosa, a Requerente apresentou recurso hierárquico através do e-balcão; – (cfr.  Doc. n.º 9 junto com o PPA); 
  3. Em 15-10-2024, a AT confirmou, através do e-balcão que o pedido da Requerente deu lugar à instauração do competente processo de recurso hierárquico a ser remetido à entidade competente para decisão; - (cfr. PA).  
  4. Em 26-11-2024, a mandatária da Requerente solicitou através do e-balcão, informações sobre o estado da análise do recurso hierárquico; – (cfr. comunicação da AT com a mandatária da Requerente, junta como Doc. n.º 10 do PPA). 
  5. No mesmo dia, a AT veio informar, que, em 16-10-2024, o Recurso Hierárquico havia sido remetido para a Direção de Serviços de Justiça Tributária para decisão, encontrando-se o mesmo em instrução; – (cfr. Doc. n.º 10 do PPA).
  6. A Requerente não obteve qualquer resposta da AT dentro do prazo legal estipulado para resposta (i.e., 16-12-2024), tendo presumido, para todos os efeitos legais, o indeferimento tácito do Recurso Hierárquico.
  7. A Requerente não pagou a Liquidação Adicional de imposto no prazo de pagamento voluntário e a AT instaurou um processo de execução fiscal para cobrança coerciva da dívida de IRS em análise; - (cfr. citação junta como Doc. n.º 11 do PPA). 
  8. Para obter a suspensão do referido processo de execução fiscal, foi constituída, pela Requerente, em 24-01-2025, hipoteca voluntária sobre imóvel da sua titularidade a favor da AT, inscrito sob o número..., fração “...” da União de Freguesias de Viana do Castelo (... e ...).
  9. Em 16-01-2025 a AT proferiu despacho de aceitação da garantia oferecida pela Requerente; - (cfr. Doc. n.º 12 junto com o PPA); 
  10. Em 24-01-2025 a Requerente outorgou escritura pública de constituição de hipoteca; - (cfr. Doc. n.º 13 junto com o PPA); 
  11. Perante o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a Requerente apresentou no CAAD, em 05-03-2025, o presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

IV.2 Factos não provados

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que, todos os factos relevantes para a apreciação do mérito da causa foram considerados provados.

 

IV.3 Motivação da Matéria de Facto

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal e a sua convicção (relativamente à matéria de facto) resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos, do processo administrativo junto pela AT, os quais não foram impugnados, bem assim como da posição assumida pelas Partes nas respetivas peças processuais.

Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

V. Objeto dos autos – Matéria de Direito 

 

A questão de direito centra-se em determinar se existe ou não existe no Código do IRS uma norma de incidência real que inclua, no âmbito da tributação das mais-valias, os ganhos resultantes de expropriação.  

 

Matéria de Direito

 

A Requerente pede que se aprecie legalidade da liquidação de IRS, relativa ao ano 2023, na qual viu ser sujeita a tributação a indeminização que auferiu emergente de uma expropriação por utilidade pública de um terreno de que era proprietária, em partes iguais com sua Irmã.   

Considerando a matéria de facto dada como provada, importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a questão supra identificada.

Vejamos a questão atendendo às disposições legais aplicáveis.

 

Dispõe o artigo 10.º do Código IRS o seguinte:

“Artigo 10.º

Mais-valias

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

(...)

3 - Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:

a) Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato;

b) Nos casos de afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida pelo seu proprietário, o ganho só se considera obtido no momento da ulterior alienação onerosa dos bens em causa ou da ocorrência de outro facto que determine o apuramento de resultados em condições análogas;

(...)

4 - O ganho sujeito a IRS é constituído:

a)    Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1.

 

Assim, as mais-valias constituem incrementos patrimoniais integrando os rendimentos da categoria G (artigo 9.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS), conforme supra estabelecido no artigo 10.º do Código do IRS.

Ora, importa neste contexto determinar se a indeminização recebida pela Requerente gera um incremento patrimonial resultante de uma alienação onerosa para efeitos do disposto no artigo 10.º do Código do IRS, sendo certo que segundo a AT, a situação em apreço tem enquadramento no disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, sendo, por conseguinte, sujeita a tributação em sede daquele imposto.

 

Salvo devido respeito, desde já se antecipa que a AT não tem razão. 

Vejamos, em seguida, o disposto no Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, na versão atualmente em vigor, que prevê no artigo 1.º o seguinte:

Os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização (...)”.

A justa indemnização, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do referido Código, “(...) não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.

 

O recurso à expropriação só se justifica depois de esgotados os meios de aquisição pelo direito privado, salvo em casos de urgência ou outras situações particulares, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Código das Expropriações.

Assim, a expropriação é considerada como uma restrição ou limitação de direito público ao direito de propriedade.

A este respeito, referiu Marcelo Caetano (vide, in Princípios Fundamentais do Direito Administrativo) “… expropriar ou desapropriar são antónimos de apropriar. A apropriação consiste na criação do direito de propriedade de alguém sobre certa coisa. A desapropriação será a extinção desse direito. (…) Com o pagamento da indemnização ficam extintos todos os direitos do expropriado sobre os bens. (...) E se os direitos foram extintos, está claro que não podem ser transmitidos”.

De igual entendimento comungaram, J. E. Figueiredo Dias e Fernanda Paula Oliveira, in Noções Fundamentais do Direito Administrativo, 2.ª Ed., p. 349. “(...) Por como referimos, a expropriação corresponder a uma forma de aquisição originária de direitos, procedendo à extinção de todos aqueles que incidem sobre o bem objeto de expropriação”.

Por conseguinte, a expropriação acarreta para o expropriado a extinção do seu direito de propriedade plena e, embora se materialize numa contrapartida pela extinção do seu direito, não configura, segundo a doutrina e a jurisprudência dos Tribunais superiores, uma transmissão ou alienação onerosa de direitos reais sobre o imóvel.  

No sentido da expropriação corresponder a uma forma de aquisição originária de direitos, já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, designadamente, nos doutos Acórdãos proferidos em 06/12/89, proc. nº 610397, 15/11/90, proc. nº 005769, 17/01/96, proc. nº 0219846 e 19/.06/96, proc. nº 015056, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Neste contexto, e de acordo com a jurisprudência citada, o pagamento de uma indeminização ao expropriado não configura um preço de aquisição pelo bem, mas o ressarcimento de um prejuízo causado pela extinção forçada de um direito. 

Igualmente neste sentido, veja-se os Acórdãos mais recentes proferidos pelo STA: 

VI - A expropriação por utilidade pública é uma forma de aquisição originária.

VII - Assim, não é subsumível ao conceito de transmissão, relevante para efeitos do artigo 10.°do Código do IRS em virtude de a sua tipicidade evidenciar o carácter selectivo da tributação das mais-valias, dando o elenco exaustivo ou taxativo dos factos geradores de imposto, não sendo tributáveis outras mais-valias que não sejam as previstas no elenco deste normativo.

VIII- Dessa norma de incidência real das mais-valias tributáveis na categoria G do IRS, não consta a indemnização por expropriação de utilidade pública, nem a expropriação pode ser reconduzida à alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, prevista na alínea a) do n.° 1, do artigo 10.° do Código do IRS.” (Acórdão do STA de 07-04-2021, Proc. n.º 01260/11.7BEPRT e em 10-11-2021, Proc. n.º 01260/11.7BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt ).  

 

Ora, não restam dúvidas quanto ao acerto da tese defendida pela Requerente, segundo a qual, o valor da indemnização por expropriação de utilidade pública não é passível de enquadramento no artigo 10.º, n. º 1, alínea a), do Código IRS, como ganho proveniente de uma alienação onerosa de direitos reais.

Com efeito, o enquadramento e tributação das mais-valias na categoria G limita-se às situações elencadas no artigo 10.º, n.º 1, do Código IRS. 

O artigo 10.º do Código do IRS mostra o carácter seletivo da tributação das mais-valias, dando um elenco exaustivo ou taxativo dos factos geradores de imposto, não sendo tributáveis outras mais-valias que não sejam as previstas no elenco deste normativo.

Dessa norma de incidência real das mais-valias tributáveis na categoria G do IRS, não consta a indemnização por expropriação de utilidade pública, nem a expropriação pode ser reconduzida à alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, prevista na alínea a) do n.º 1, do artigo 10.º do Código do IRS.

Ademais, no art. 4.º n.º 2, g), da Lei n.º 106/88, de 17 de Setembro, que autorizou o Governo a aprovar o Código do IRS, previu-se quanto a “mais-valias - os ganhos resultantes de transmissão onerosa de bens imóveis ou de partes sociais e outros valores mobiliários, da cessão do arrendamento e de outros direitos e bens afectos, de modo duradouro, ao exercício de actividades profissionais independentes, da transmissão onerosa da propriedade intelectual ou industrial ou de experiência adquirida no sector comercial, industrial ou científico, quando o transmitente não for o seu titular originário”.

E, como antedito, a expropriação por utilidade pública não se encontra abrangida pela norma de incidência da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, nem na alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º do mesmo código, pois tal redundaria em inconstitucionalidade orgânica, para além de que violaria o princípio da tipicidade.

Com efeito, o artigo 44.º do Código do IRS, sob epígrafe “Valor de Realização” não é uma norma de incidência tributária nem poderá alargar o âmbito de incidência objetiva do artigo 10.º do Código do IRS. Este preceito legal, visa antes determinar a matéria tributável, pressupondo que a expropriação se encontre prevista na base de incidência das mais-valias. 

A AT invoca, em apoio da sua tese, a regra n.º 17ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) a respeito da determinação do valor tributável dos bens expatriados por utilidade pública, sendo este apurado por referência ao valor da indemnização.  Contudo, importa referir que esta não é uma regra de incidência objetiva em sede de IRS, não se devendo confundir a determinação do valor tributável de um imóvel objeto de expropriação, como a sujeição em sede de mais-valias, pois uma regra do código do IMT não poderia assumir tal propósito, em sede de IRS, sob pena de reputar-se inconstitucional.  

Com efeito, por força do disposto no n. º 2 do artigo 103.º da Constituição da Républica Portuguesa, “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.”

Assim, o elenco das mais-valias constante do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS é taxativo e não contempla a expropriação, pelo que, de acordo com o disposto nos artigos 11.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 9.º do Código Civil, não pode interpretar-se o pensamento legislativo de outra forma senão a que resulta da letra da lei e do seu preâmbulo, em cumprimento, ainda, do princípio da legalidade e da tipicidade que vigoram em matéria de incidência dos impostos. 

Como refere o STA no recente Acórdão de 7 de Abril de 2021, proferido no Processo n° 0813/16.1BEAVR: “O conceito de “alienação onerosa” a que se refere o art. 10.º n.°1, a), do Código do I.R.S. (...) não é substancialmente diverso do de “transmissão onerosa” a que se referia o n.º 1 do art. 1º do Cód. de Imp. de Mais-Valias, sobre o qual a doutrina e a jurisprudência se pronunciou em termos de estar excluída a expropriação por utilidade pública.II - (...) III- A expropriação por utilidade pública não se encontra abrangida pela norma de incidência da alínea a) do n.º 1 do artigo 10° do Código do I.R.S., nem na alínea b) do n.° 1 do artigo 44° do mesmo código, pois tal redundaria em inconstitucionalidade orgânica, para além de que violaria o princípio da tipicidade.” (vide, no mesmo sentido, Acórdão do STA de 13-12-2023, proc. n.º 0280/16.OBEAVR).  

Ora, em linha com a doutrina citada e a abundante jurisprudência do STA, o caso sub judice enquadra-se numa indemnização decorrente de expropriação por utilidade pública, situação que não consta do elenco do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, como ganho sujeito a tributação em IRS, não restando dúvidas que o ato de indeferimento do recurso hierárquico e a liquidação contestada padecem de erro de direito, pelo que devem ser anulados.

Termos em que se conclui que os atos tributários impugnados enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a sua anulação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, ex vi artigo 29.º do RJAT.

 

VI.  Pedido de indemnização por prestação de garantia indevida

 

A Requerente formula um pedido de indemnização por garantia indevida, referindo que não pagou a Liquidação Adicional de imposto no prazo de pagamento voluntário e a AT instaurou processo de execução fiscal para cobrança coerciva da dívida de IRS em análise. Ora, visando suspender o processo de execução fiscal, foi constituída, pela Requerente, em 24-01-2025, a favor da AT, hipoteca voluntária sobre imóvel da sua titularidade inscrito sob o número..., fração “...”, da união das freguesias de Viana do Castelo (...e ... e ...), vide ponto 25.º do probatório. 

A Requerente incorreu em custos de constituição da hipoteca voluntária e respetivo registo junto da Conservatória, pedindo a condenação da AT no pagamento de indemnização correspondente à totalidade dos custos suportados com a constituição da hipoteca voluntária sobre o seu imóvel. 

 O n.º 1 do artigo 171.º do CPPT, aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, estabelece que “[a] indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda”.

Na verdade, há que atender a que o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário a discussão da “legalidade da dívida” que poderá estar já em cobrança coerciva, i.e, exequenda, pelo que, atendendo ao disposto no supra transcrito n.º 1 do artigo 171.º do CPPT, será no processo arbitral que adequadamente se deverá apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

 Assim, estabelece o artigo 53.º da Lei Geral Tributária sob a epígrafe “Garantia em caso de prestação indevida” que:

 

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida. 

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo. 

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente. 

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”

 

Desta norma resulta que o direito à indemnização por garantia indevida depende da verificação dos seguintes pressupostos de facto:

a) a prestação da garantia bancária ou equivalente - com vista à suspensão da execução fiscal que tenha por objeto a cobrança de dívida emergente da liquidação impugnada, ainda que a execução fiscal seja questionada através de oposição – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0208/11, de 02 -11-2011;

b) a existência de prejuízos emergentes da prestação dessa garantia;

c) o vencimento na reclamação graciosa, impugnação judicial, ou oposição onde seja verificado o erro imputável aos serviços (no caso no pedido de constituição do tribunal arbitral). 

 

Ensina JORGE LOPES DE SOUSA, in Código do Procedimento e do Processo Tributário, anotado e comentado, Volume III, 6ª edição 2011, a pág. 242, quanto ao conceito de “garantia equivalente a garantia bancária” o seguinte:

Equivalente à garantia bancária, para efeitos deste artigo, serão todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida. 

Dos meios de garantia expressamente previstos no art. 199.º do CPPT será o caso do seguro-caução, cujo regime está previsto nos arts. 6.º e 7.º do DL n.º 183/88, de 24 de Maio.”

 

Esclarece o Acórdão do STA proferido no processo n.º 0469/14.6BELRS 033/18, de 10-10-2018 que:

(…) tendo a garantia sido prestada através de hipoteca não se verifica o primeiro requisito a que se refere o preceito por nós citado o qual se refere apenas a “garantia bancária ou equivalente”, tendo vindo a entender-se que cabe nesta equivalência o seguro caução (este é também uma forma de garantia que implica para o interessado o suporte de uma despesa que vai aumento constantemente em função do período de tempo durante o qual é prestado/mantido). 

Assim sendo não se inclui na previsão legal de indemnização por prestação de garantia indevida o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (ver, por exemplo, a constituição de penhor ou hipoteca legal), o que resulta segundo os doutrinadores da ocorrência “de uma maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efetivo sofrido pelo executado nesse tipo de circunstâncias, o que não significa que tal não possa ocorrer devendo, então, o ressarcimento do lesado fazer-se pelos meios indemnizatórios gerais” (Lei Geral Tributária, anotada, página 254, Lima Guerreiro. Em idêntico sentido, Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 2015, página 555, José Maria Fernandes Pires e Outros e Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, III volume, página 241, Jorge Lopes de Sousa).

 

Pelo que, sumariando o entendimento que acompanhamos, no sentido de que:

I - No caso concreto dos autos, em que a garantia prestada para suspender a execução, foi uma hipoteca, esta garantia real não pode ser entendida como uma garantia equivalente à garantia bancária para efeitos dos artºs 53.º n.º 1 da LGT e 171º do CPPT.

II - Com efeito, esta hipoteca voluntária, em princípio só terá custos emolumentares, de constituição e registo. Assim, não pode dizer-se que estejamos perante uma garantia equivalente à garantia bancária.

Assim sendo, tendo em consideração que, no caso em apreço, foi constituída uma garantia mediante hipoteca voluntária - facto dado como provado nos pontos 25.º, 26.º e 27.º do probatório – no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2024..., em que a Requerente é executada, e não é a mesma considerada garantia equiparada ou equivalente à garantia bancária para os efeitos do disposto nos artigos 53.º, n.º 1 da LGT e artigo 171.º do CPPT, pelo que, não tem a Requerente, apesar de o presente pedido de constituição arbitral proceder, direito a indemnização por prestação de garantia indevida nos termos pedidos.

 

VII.  Decisão

 

Nestes termos e nos demais de direito, decide o Tribunal Arbitral o seguinte: 

 

i.               Julgar procedente o pedido de anulação do ato tributário de IRS impugnado, correspondente à declaração de liquidação de IRS, sob o n.º 2024 ... (acerto de contas n.º 2024 ...) com o valor de imposto a pagar de €29.722,88, e, em consequência:

a.     Anular o indeferimento tácito do recurso hierárquico apresentado junto da Direção de Finanças de Viana do Castelo, que correu termos sob o n.º 2024...;

b.    Anular a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional n.º 2024... (acerto de contas n.º 2024...), emitida pela AT, em sede de IRS, relativa ao ano de 2023;

ii.              Julgar improcedente o pedido de condenação da AT na indeminização por prestação de garantia indevida.

 

VIII.        Valor do Processo

 

Fixa-se, em conformidade com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), que remete expressamente para o artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), e n.º 3, do CPPT, e tendo em conta o artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, este último aplicável por força da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT, o valor do processo em € 29.722,88 (vinte e nove mil, setecentos e vinte e dois euros, e oitenta e oito cêntimos).

 

IX.            Custas

 

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e nos artigos 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 4.º, n.º 5, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.530,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 17 de outubro de 2025

Notifique-se.

 

A Árbitro do Tribunal Singular,

 

 

Filipa Barros