Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1379/2024-T
Data da decisão: 2025-10-17  IRC  
Valor do pedido: € 104.408,64
Tema: IRC. Livre Circulação de Capitais. Fundos de Investimento Não-Residentes. Tributação de dividendos. Retenção na Fonte.
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SUMÁRIO

I                A liberdade de circulação de capitais e, consequentemente, a proibição de adopção de medidas restritivas dessa liberdade, encontram-se consagradas nos arts. 63.º e seguintes do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, como concretização do artigo 18.º do mesmo Tratado. 

II              A liberdade de circulação de capitais abarca tanto as relações entre Estados-Membros, como as relações destes com países terceiros. 

III            O art. 63.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que determine que os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um Organismo de Investimento Colectivo não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um Organismo de Investimento Colectivo residente estão isentos dessa retenção. 

IV            Os n.os 1, 3 e 10 do art. 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ao limitarem o regime neles previsto a Organismos de Investimento Colectivo constituídos segundo a legislação nacional, excluindo organismos equiparáveis que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia ou de país terceiro, estabelecem uma discriminação arbitrária não permitida pelo direito da União Europeia, por ser contrária à livre circulação de capitais, estabelecida como uma liberdade fundamental pelo art. 63.º do TFUE.

V              A liberdade de circulação de capitais goza de primazia normativa sobre o direito interno, cabendo aos poderes públicos legislativos e administrativos a tomada das medidas internas de transposição, execução e aplicação, consoante os casos, do direito primário e secundário relevante, de forma a assegurar a efectividade da livre circulação de capitais.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1.     A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito norte-americano, com o NIF português ... e com sede em Colorado, EUA, apresentou, no dia 18 de Dezembro de 2024, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

2.     O Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa por ele apresentada (que recebeu o n.º ...2024...), relativa aos actos de retenção na fonte de IRC referentes aos anos de 2022 e 2023, que incidiram sobre os dividendos por ele auferidos em território nacional, no montante total de € 104.408,64,tendo por objecto mediato a anulação das referidas liquidações, peticionando a restituição do imposto indevidamente retido, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

3.     O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

4.     O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.

5.     As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.

6.     O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 25 de Fevereiro de 2025; foi-o regularmente, e é materialmente competente.

7.     Por Despacho de 27 de Fevereiro de 2025, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar resposta.

8.     A AT apresentou a sua Resposta em 11 de Março de 2025, juntamente com o processo administrativo.

9.     Por Despacho de 18 de Março de 2025, foi o Requerente notificado para pronunciar-se sobre a matéria de excepção contida na resposta, o que o Requerente fez em requerimento de 2 de Abril de 2025.

10.  Por Despacho de 9 de Maio de 2025, foi dispensada a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, e convidadas as partes a apresentar alegações escritas.

11.  O Requerente apresentou alegações em 23 de Maio de 2025, e a Requerida apresentou alegações em 26 de Maio de 2025.

12.  O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objecto do processo.

13.  O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.

14.  As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

15.  A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, depois de instado a fazê-lo por Despacho de 18 de Julho de 2025, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.

16.  O processo não enferma de nulidades.

 

II – Matéria de Facto

 

II. A. Factos provados

 

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

1.     O Requerente é uma entidade constituída e a operar de acordo com o direito norte-americano, com residência fiscal nos Estados Unidos da América.

2.     

A...

 

 

 

 

A...

 

A...

O Requerente é um OIC na forma de fundo de investimento que se encontra inscrito junto da U.S. Securities and Exchange Commission, com o número de identificação (“Series Class/Contract”)...:

 

3.     O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país.

4.     O Requerente detém participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.

5.     Nos anos de 2022 e 2023 o Requerente recebeu, como beneficiário efectivo, dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção desses dividendos, e tais dividendos foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 35%, prevista no art. 87.º do CIRC.

6.     Em Modelo 21 RFI, o Requerente pediu o reembolso do imposto retido na fonte em excesso face à taxa prevista no art. 10.º da Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre o Estado Português e os Estados Unidos da América (“CDT”) – um reembolso correspondente a 20%, pois a taxa prevista no CDT para os dividendos é de 15%.

7.     Em 20 de Maio de 2024, o Requerente apresentou, ao abrigo do disposto no art. 132.º, 3 e 4 do CPPT e no art. 137.º do CIRC, reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos referidos actos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2022 e 2023, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação directa do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal.

8.     Dado o pedido de reembolso de 20% ao abrigo do ADT, o montante das retenções suportadas pelo Requerente em Portugal nos anos de 2022 e 2023 ascende a 15% do valor bruto dos rendimentos auferidos:

Ano da Retenção

Valor Bruto do Dividendo

Data de Pagamento

Taxa de Retenção na Fonte

Guia de pagamento

Valor da retenção (€)

Pedido de reembolso ao abrigo do ADT (20%)

Retenção na fonte (ADT) (€) – 15%

2022

147.108,17

28.04.2022

35%

...

147.108,17

84.061,81

63.046,36

2023

275.748,52

03.05.2022

35%

...

96.511,98

55.149,70

41.362,28

TOTAL

104.408,64

 

9.     Ficam assim discriminados: (i) os montantes brutos dos dividendos recebidos, (ii) a data de pagamento dos referidos rendimentos, (iii) o número das guias de pagamento através das quais o imposto retido na fonte foi entregue junto dos cofres da AT em Portugal, (iv) o imposto suportado por retenção na fonte, (v) o valor do reembolso pedido ao abrigo do ADT e (vi) o imposto objecto da reclamação graciosa, e depois do pedido de pronúncia arbitral.

10.  O Requerente juntou cópia das declarações (vouchers) emitidas pelo B..., atestando a data de distribuição dos dividendos, o montante bruto dos dividendos distribuídos ao Requerente e o imposto retido na fonte em Portugal (conforme declarado na respetiva Modelo 30), bem como o número das guias através das quais foi entregue o imposto retido junto dos cofres da Autoridade Tributária.

11.  Não tendo o Requerente sido notificado de qualquer decisão no procedimento de reclamação graciosa, o decurso do prazo legal faz presumir o indeferimento tácito dessa reclamação graciosa.

12.  A 18 de Dezembro de 2024, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia que deu origem ao presente processo.

 

II. B. Matéria não-provada

 

Com relevância para a questão a decidir, nada ficou por provar.

 

II. C. Fundamentação da matéria de facto

 

1.     Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos e nos documentos juntos ao PPA.

2.     Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).

3.     Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

4.     Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

5.     Além do que precede, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

III. Matéria de Excepção

 

III. A. Na Resposta da AT

 

1.     A Requerida começa por alegar a falta de personalidade e capacidade judiciárias do Requerente, e a consequente irregularidade da sua representação em juízo. Alega que o Requerente é um fundo destituído de personalidade e capacidade jurídicas, que necessita de ser representado por uma sociedade gestora, a quem caberia ter passado a procuração para os presentes autos de pronúncia arbitral – sendo que foi o Requerente que emitiu a procuração junta aos autos.

2.     Além disso, assinala que procuração e substabelecimento juntos aos autos pelo Requerente não mencionam poderes para se fazer representar em juízo.

3.     Por ambas as razões, entende a Requerida verificar-se a excepção de irregularidade da representação em juízo do Requerente.

 

III. B. No requerimento do Requerente de 2 de Abril de 2025

 

4.     No seu requerimento de 2 de Abril de 2025, o Requerente começa por esclarecer que a personalidade judiciária tributária resulta da personalidade tributária, como estabelece o art. 3.º, 1 do CPPT, que a personalidade tributária é uma simples susceptibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias (art. 15.º da LGT), e que tem capacidade tributária quem tiver personalidade tributária (art. 16.º, 2 da LGT).

5.     Em apoio da ideia de que um OIC, seja qual for a forma que assume, tem personalidade e capacidade tributárias, o Requerente começa por invocar a autoridade de Jorge Lopes de Sousa:

têm também personalidade tributária entidades sem personalidade jurídica, como resulta do art. 2.º, n.ºs 1, alíneas b) e c), e 2, do CIRC, que contém uma fórmula ampla com potencialidade para abranger qualquer entidade que seja titular de rendimentos” - Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume I, Áreas Editora, 6.ª Edição, 2011, pág. 73.

6.     E cita igualmente o STA, que já clarificou que uma entidade tem personalidade tributária

desde que possa ser considerada um centro de imputação de actividades económicas para efeitos tributários e os factos económicos respectivos sejam tributáveis. É o que resulta do artº.18, nº.3, da L.G.T., na parte em que inclui entre os sujeitos passivos de imposto as organizações de facto que, nos termos da lei (cfr.artº.2, nº.1, al.b), do C.I.R.C.), estejam vinculadas ao cumprimento de obrigações tributárias (…) Em resumo, a personalidade tributária independe da consideração de determinada entidade como pessoa civil, bastando apenas a verificação, em referência a esta, de um facto previsto na lei como obrigando ao pagamento de tributo (facto constitutivo da relação ou facto tributário). Se tal se verificar - a junção do facto e da lei - nasce uma obrigação tributária, e, consequentemente, está-se perante uma entidade com personalidade tributária (porque sujeito de uma relação desta natureza), seja uma pessoa propriamente dita, um simples património ou uma realidade de facto (cfr. Joaquim Freitas da Rocha e Hugo Flores da Silva, Teoria Geral da Relação Jurídica Tributária, Almedina, 2017, págs.67)” – acórdão do STA de 4 de Maio de 2022, Proc. n.º 02587/18.2BEBRG.

7.     Invocando ainda a jurisprudência arbitral, que, quanto a organismos de investimento constituídos de acordo com o direito norte-americano, têm concluído consistentemente que gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

8.     Estabelecido que pode ser sujeito de relações jurídicas tributárias, é titular de direitos e obrigações tributárias, e por isso possui personalidade judiciária tributária (art. 3.º do CPPT), o Requerente sustenta que está regularmente representado em juízo, visto a procuração conferir poderes forenses gerais, já que o fundo declara que concede ao representante “full and unconditional authorization to act on my behalf in dealing with all aspects of filing foreign withholding tax refund claims”.

9.     Conclui o Requerente que não se verifica nenhuma das duas excepções formuladas pela Requerida, e que, portanto, o Requerente está regularmente representado em juízo nos presentes autos.

 

III. C. Apreciação da matéria de excepção

 

10.  Quanto à ausência de capacidade tributária e judiciária do Requerente, a conjugação do art. 2.º, 1, c) e 2 do CIRC com os arts. 15.º e 16.º, 2 da LGT não permite alimentar quaisquer dúvidas quanto ao facto de o Requerente ter, à luz da própria lei portuguesa, personalidade tributária e capacidade tributária.

11.  E o art. 3.º, 1 do CPPT remove, igualmente, quaisquer dúvidas de que, tendo personalidade tributária e capacidade tributária, o Requerente tem também personalidade judiciária tributária.

12.  Quanto à falta de menção de poderes para representação em juízo na procuração e substabelecimento juntos aos autos pelo Requerente, foi lavrado, em 18 de Julho de 2025, o seguinte Despacho:

Examinados os autos, verifica-se que a procuração junta pelo Requerente, e que está subjacente ao substabelecimento também junto, não confere poderes forenses, visto que, tanto em jurisdições de “Civil Law” como em jurisdições de “Common Law”, um “Power of Attorney” que se limite a autorizar que o representante “file claims” não subentende poderes de representação em juízo, os quais têm de ser explícitos – quanto à representação em tribunal, quanto ao poder de demandar e de defender em juízo, e quanto à prática dos demais actos necessários àquela representação.

Tendo em atenção os princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da cooperação e boa fé processual (art. 16.º, c) e f) do RJAT), defere-se o peticionado no n.º 17 do requerimento apresentado em 2 de Abril de 2025 pelo Requerente, concedendo-lhe o prazo de 20 dias para juntar nova procuração com “judicial powers” e com ratificação do processado.

13.  Em requerimento de 11 de Agosto de 2025, o Requerente entregou novas procuração e substabelecimento que sanaram as insuficiências assinaladas.

14.  Pelo que, também por essa via, não se verifica a excepção de irregularidade da representação em juízo do Requerente.

 

IV. Sobre o Mérito da Causa

 

IV. A. Posição do Requerente

 

1.     O Requerente começa por convocar, em seu apoio, a jurisprudência inaugurada pelo acórdão do TJUE de 17 de Março de 2022, Proc. n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), que estabelece que a sujeição a retenção na fonte em IRC dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia, simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal, viola o art. 63.º do TFUE.

2.     Lembrando que a jurisprudência tem sido unânime no reconhecimento da aplicação da mesma liberdade de circulação de capitais nas relações com países terceiros (Acórdãos do TJUE de 15/12/1994, Sanz de Lera, Procs. apensos C-163/94, C-165/94 e C-250/94, de 12/12/2006, FII Group Litigation, Proc. C-446/04, e de 10.04.2014, Emerging Markets Series, Proc. C-190/12).

3.     E que isso deveria ter bastado para que fosse procedente a reclamação graciosa anteriormente apresentada, anulando os actos de retenção de IRC – também por força do primado do Direito da União, decorrente do art. 8.º, 4 da CRP.

4.     Como, nos termos do Regime Geral dos OIC (Lei n.º 16/2015, alterada pelo Decreto-Lei n.º 124/2015, de 7 de Julho), a constituição de um fundo de investimento de acordo com a ordem jurídica nacional implica a sua residência em Portugal, estando, assim, vedada a possibilidade de um OIC residente noutro Estado Membro da EU, ou em país terceiro, beneficiar da norma de isenção prevista no art. 22.º do EBF.

5.     Não se aplicando tal isenção, nos casos de distribuição de dividendos por parte de sociedades residentes em Portugal a OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa, os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25%, nos termos dos arts. 94.º, 1, c), 3, b) e 4, e 87.º, 4 do CIRC.

6.     Existe, portanto, uma discriminação de tratamento fiscal, como foi reconhecido no § 38 do acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19; e essa discriminação traduz-se numa restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º do TFUE, em especial quando as situações sejam objectivamente comparáveis e inexista uma razão imperiosa de interesse geral (acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, §§ 39 e 42).

7.     Ora, a jurisprudência tem sustentado que a comparabilidade de situações decorre desde logo da circunstância de um Estado Membro optar por exercer o seu poder de tributação sobre ambas as situações (acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, §§ 67 e 74); afastando, numa situação igual à dos autos, a possibilidade de a invocação de uma necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional ser utilizada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela própria legislação nacional.

8.     Dessa incompatibilidade resulta, para o Requerente, a necessidade de anulação dos actos de retenção na fonte impugnados, por força do primado do Direito da União Europeia, que tem como consequência jurídica a não aplicação, em caso de conflito entre leis, das disposições internas contrárias à disposição comunitária, bem como a proibição da introdução de disposições de direito interno contrárias à legislação comunitária – e, suplementarmente, que a doutrina prevista em acórdãos do TJUE que declare a desconformidade de normas nacionais dos Estados Membros se aplica também aos factos tributários que tenham ocorrido em momento anterior.

9.     Daí que o Requerente peticione, além da anulação do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa, a anulação dos actos tributários a que essa reclamação se reportou, e a restituição do imposto indevidamente suportado, no montante de €104.408,64, acrescido de juros indemnizatórios.

10.  Em alegações, o Requerente reitera a argumentação apresentada no pedido de pronúncia arbitral.

11.  Reportando-se às “questões prévias” suscitadas na resposta da Requerida:

a)     O Requerente sustenta que foi feita prova de que ele é um genuíno Organismo de Investimento Colectivo (OIC), na forma de Fundo de Investimento;

b)    O Requerente esclarece que é irrelevante a prova de impossibilidade de recuperação de imposto no Estado de residência ou na esfera dos investidores, como o esclareceu o acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, §§ 49, 52, 56, 66 e 67, e o manteve o STA no acórdão uniformizador de jurisprudência de 28 de Setembro de 2023, no Proc. n.º 93/19.7BALSB. Especificamente, no que respeita à situação fiscal dos investidores, é inequívoco que a fiscalidade mais elevada a que os detentores de unidades de participação em OIC não residentes estão sujeitos não está minimamente correlacionada com a sujeição, em Portugal ou no seu país de residência, a qualquer tributação sobre os dividendos recebidos – porque essa tributação mais gravosa resulta unicamente da circunstância de se tratar de um OIC não residente, que, por esse facto, está sujeito a retenção na fonte em Portugal, ao passo que, se se tratasse de um OIC português, estaria isento de tributação; uma solução determinada exclusivamente em razão da residência do OIC, independentemente de quem sejam os detentores de unidades de participação nesses OIC, independentemente do regime fiscal a que estejam sujeitos;

c)     O Requerente insiste que está feita a prova (no doc. n.º 2 anexo ao PPA) de que tem legitimidade na sua condição de beneficiário efectivo dos dividendos, visto que estão em causa declarações idóneas emitidas por entidades financeiras (aliás corroboráveis por confronto com declarações Modelo 30 apresentadas pelo substituto tributário).

12.  Quanto à argumentação da Requerida na resposta, o Requerente lembra que o STA confirmou o entendimento jurisprudencial dominante em acórdão de 14/1/2025, no Proc. n.º 02465/21.8BELRS – um processo em que estava em causa um fundo residente, para efeitos fiscais, nos EUA.

13.  E volta a esclarecer que os investidores do Requerente não são partes no processo, e apenas o próprio Requerente; e que a própria aplicação do benefício previsto no art. 22.º, 3, do EBF não está dependente de qualquer prévia aferição de quem são os investidores de um OIC ao qual o regime se aplique.

14.  Lembra que a comparabilidade objectiva resulta da subordinação a um mesmo regime legal e a um mesmo poder de tributação, e não pode resultar de outras comparações e critérios – como já o estabeleceu a jurisprudência do TJUE, nomeadamente a propósito da não-susceptibilidade de invocação do Imposto do Selo (acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, §53).

15.  Quanto à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal, o Requerente observa que não se vislumbra, e não foi invocada, qualquer vantagem fiscal susceptível de compensar o tratamento desfavorável que é dado aos OIC não residentes em Portugal – sendo que as razões que se prendem com a coerência do regime fiscal só podem ser invocadas quando exista uma relação directa entre o benefício fiscal concedido a um contribuinte e uma cobrança fiscal compensatória ao mesmo contribuinte.

 

IV. B. Posição da Requerida

 

15.  A Requerida suscita três questões prévias relativas a uma alegada insuficiência de prova.

a)     Quanto à qualificação do Requerente como verdadeiro Organismo de Investimento Colectivo, ou seja, quanto à sua natureza jurídica e enquadramento legal, para efeitos do disposto no art. 22º do EBF (como é que o Requerente se qualifica para efeitos fiscais pelo direito norte-americano, e se está sujeito a uma regulamentação comparável àquela que os OIC têm no ordenamento jurídico Português, para efeitos da necessária comparabilidade).

b)    Quanto ao recebimento do imposto nos EUA, a Requerida sublinha que não está feita a prova de que não houve dedução, nos EUA, do imposto retido em Portugal, nomeadamente por crédito de imposto por dupla tributação internacional, tanto na esfera do Requerente como na esfera dos seus investidores.

c)     Quanto à legitimidade do Requerente enquanto beneficiário efectivo dos dividendos, visto que não se identificam as participações sociais a que corresponderiam os dividendos, não se discriminam montantes, nem sequer se esclarece se os montantes correspondem efectivamente a distribuição de dividendos.

16.  Sendo que a falta de demonstração desta factualidade, cujo ónus da prova recai sobre o Requerente por força do disposto no art. 74º da LGT, seria determinante, no entender da Requerida, da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, conduzindo à absolvição do pedido.

17.  Em seguida, a Requerida recapitula a génese do regime do art. 22.º do EBF, para estabelecer que esse regime não é aplicável ao Requerente, pessoa coletiva constituída de acordo com a legislação norte-americana.

18.  Reconhecendo as implicações da posição assumida pelo TJUE no acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, a Requerida contrapõe que não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável – acrescentando que aos OIC fica sempre aberta a possibilidade de operarem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado.

19.  Lembra a Requerida que o “alívio” de IRC que resulta do regime do art. 22.º do EBF para os OIC residentes é contrabalançado pela sujeição a uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o activo global líquido desses OIC – dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira. E contrabalançado igualmente pela tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do art. 88.º, 11 do CIRC e do art. 22.º, 8 do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando tal tributação seja aplicável.

20.  No que respeita a juros indemnizatórios, a Requerida sustenta que, a serem atribuídos, só deveriam ser calculados a partir do trânsito em julgado da decisão arbitral que vier a ser proferida nos presentes autos, de acordo com o disposto no art. 43.º, 3, d) da LGT – uma vez que não se pode imputar à AT o retardamento no reconhecimento do direito do Requerente à restituição do imposto ora controvertido quando a AT está vinculada à lei, sendo-lhe vedado, por força do princípio da legalidade, recusar a aplicação da lei quando esta esteja em desconformidade com o direito comunitário ou com a CRP.

21.  Entendendo a Requerida não ser defensável o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do indeferimento tácito da reclamação graciosa, como pretende o Requerente, até porque a retenção na fonte não é um acto praticado pela AT mas sim pelo substituto tributário, e porque este não seguiu qualquer instrução ou informação vinculativa veiculada pela AT sobre a matéria em apreço.

22.  Em alegações, a Requerida retoma os argumentos já expendidos na sua resposta.

 

IV. C. Fundamentação da decisão

 

IV. C.1. Objecto

 

1.     A questão a decidir no presente processo é idêntica a outras sobre as quais a arbitragem do CAAD tem sido chamada a pronunciar-se, e reconduz-se a saber se o art. 63º do TFUE deve, ou não, ser interpretado no sentido de vedar que a legislação de um Estado‑Membro imponha a retenção na fonte da tributação correspondente a juros e dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não-residente, ao passo que os juros e dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

2.     No caso, devemos apreciar a legalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, e, mediatamente, a legalidade das liquidações de IRC, por retenção na fonte, que incidiram sobre os dividendos de fonte portuguesa auferidos pelo Requerente em 2022 e 2023, para efeitos de se saber se deve seguir-se a restituição do imposto retido, acrescido de juros indemnizatórios.

 

VI.C.2. Questões prévias

 

3.     A Requerida suscita três questões prévias relativas a uma alegada insuficiência de prova.

a)     Quanto à qualificação do Requerente como verdadeiro OIC, ou seja, quanto à sua natureza jurídica e enquadramento legal, para efeitos do disposto no art. 22º do EBF (como é que o Requerente se qualifica para efeitos fiscais pelo direito norte-americano, e se está sujeito a uma regulamentação comparável àquela que os OIC têm no ordenamento jurídico Português, para efeitos da necessária comparabilidade);

b)    Quanto ao recebimento do imposto nos EUA, sublinhando que não está feita a prova de que não houve dedução, nos EUA, do imposto retido em Portugal, nomeadamente por crédito de imposto por dupla tributação internacional, tanto na esfera do Requerente como na esfera dos seus investidores.

c)     Quanto à legitimidade do Requerente enquanto beneficiário efectivo dos dividendos, visto que não se identificam as participações sociais a que corresponderiam os dividendos, não se discriminam montantes, nem sequer se esclarece se os montantes correspondem efectivamente a distribuição de dividendos.

4.     O Requerente teve a oportunidade de esclarecer essas três questões prévias:

a)     Sustentando que foi feita prova de que ele é um genuíno Organismo de Investimento Colectivo (OIC), na forma de Fundo de Investimento;

b)    Esclarecendo que é irrelevante a prova de impossibilidade de recuperação de imposto no Estado de residência ou na esfera dos investidores, como o esclareceu o acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, §§ 49, 52, 56, 66 e 67, e o manteve o STA no acórdão uniformizador de jurisprudência de 28 de Setembro de 2023, no Proc. n.º 93/19.7BALSB.

c)     Insistindo que está feita a prova (no doc. n.º 2 anexo ao PPA) de que tem legitimidade por ser beneficiário efectivo dos dividendos, estando a comprovação assente em declarações idóneas emitidas por entidades financeiras, corroboráveis, de resto, pelas declarações Modelo 30 apresentadas pelo substituto tributário, às quais a Requerida tem acesso.

5.     Abordemos estas questões, separando as que dizem respeito à natureza e legitimidade do Requerente, por um lado (questões a) e c)), e a que respeita à recuperação do imposto pelo OIC não-residente, nomeadamente por um mecanismo de crédito de imposto, ou similar (questão b)).

6.     Consideramos ultrapassadas as questões relativas à natureza e legitimidade do Requerente: demos como provado que ele é um OIC, com a documentação que foi junta ao Pedido de Pronúncia, e foi reforçada em Alegações; e não nos oferece dúvidas, e demo-lo igualmente como provado, o facto de o Requerente ter sido o beneficiário efectivo dos dividendos – porque entender de modo diverso poderia conduzir a uma contradição flagrante, que consistiria em sujeitar-se o Requerente a tributação e ao mesmo tempo não lhe reconhecer legitimidade para reclamar dela, ou impugná-la.

7.     Além disso, a conjugação do art. 2.º, 1, c) e 2 do CIRC com os arts. 15.º e 16.º, 2 da LGT não permite alimentar quaisquer dúvidas quanto ao facto de o Requerente ter, à luz da própria lei portuguesa, personalidade tributária e capacidade tributária; e o art. 3.º, 1 do CPPT remove, igualmente, quaisquer dúvidas de que, tendo personalidade tributária e capacidade tributária, o Requerente tem também personalidade judiciária tributária.

8.     No que respeita à recuperação do imposto por um OIC não-residente, nomeadamente através de um mecanismo de crédito de imposto, concordamos com o Requerente que a jurisprudência do TJUE (nomeadamente no acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, §§ 49, 52, 56, 66 e 67), retomada na jurisprudência do STA (acórdão uniformizador de jurisprudência de 28 de Setembro de 2023, no Proc. n.º 93/19.7BALSB), torna irrelevante o tema de uma alegada recuperação de imposto no Estado de residência do OIC, ou na esfera dos seus investidores – dispensando, assim, quanto a esse ponto específico, qualquer prova negativa a cargo do Requerente.

9.     Torna-se assim irrelevante, para o caso, a hipótese de eventual “neutralização” do tratamento discriminatório – por exemplo, pela via de um crédito de imposto por dupla tributação internacional, parcial ou total, tanto na esfera do Requerente como na esfera dos investidores do Requerente, aplicado no Estado de Residência do OIC, ou dos investidores.

10.  O TJUE tem sido consistente em rejeitar a neutralização do tratamento discriminatório no Estado da Fonte através da atribuição unilateral de uma vantagem no Estado da Residência; rejeitando, assim, a noção de que o tratamento discriminatório no Estado da Fonte dependa de uma análise integrada da situação global do contribuinte, ou seja, de uma análise que combine a tributação resultante da legislação nacional do Estado da Fonte e do Estado da Residência.

11.  Trata-se de um entendimento que radica no princípio de que os Estados-Membros não podem exercer a sua soberania fiscal de forma a introduzir uma discriminação contrária às regras do Direito da União, não podendo valer-se de pretextos de “simetrias” ou de “neutralizações” entre regimes fiscais de Estados diversos.

12.  Isso não significa que o TJUE não reconheça a necessidade de se ponderar o regime resultante das CDTs para se poder tirar conclusões rigorosas sobre o tratamento discriminatório – e isto porque as CDTs são, elas próprias, parte do sistema fiscal do Estado da Fonte, pelo que a respectiva consideração é crucial para se determinar se o Estado da Fonte exerceu a sua soberania fiscal de forma conforme às regras do Direito da União. Como se consagrou no Acórdão do TJUE de 7 de Outubro de 2005, Amurta v. Inspecteur van de Belastingdienst, Proc. C-379/05:

80. Na medida em que o regime fiscal resultante de uma convenção destinada a evitar a dupla tributação faz parte do quadro jurídico aplicável ao processo principal e que foi apresentado como tal pelo órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça deve tomá-lo em consideração a fim de dar uma interpretação do direito comunitário que seja útil ao juiz nacional (…)

84. Há assim que responder à segunda questão que um Estado-Membro não pode invocar a existência de um crédito integral de imposto, concedido unilateralmente por outro Estado-Membro a uma sociedade beneficiária estabelecida neste último Estado-Membro, a fim de se eximir à obrigação de evitar a dupla tributação económica dos dividendos resultantes do exercício do seu poder de tributação, numa situação em que o primeiro Estado-Membro evita a dupla tributação económica dos dividendos distribuídos às sociedades beneficiárias estabelecidas no seu território. Quando um Estado-Membro invoca uma convenção celebrada com outro Estado-Membro, destinada a evitar a dupla tributação, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção no litígio no processo principal e, sendo caso disso, verificar se esta convenção permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais”.

13.  A mesma orientação de que as CDTs devem ser consideradas para determinar a existência de um tratamento discriminatório tem sido seguida, com elevado grau de consistência, pelo TJUE, como fica exemplarmente consignado no acórdão de 14 de Dezembro de 2006, Denkavit Internationaal BV v. Ministre de l’Économie, Proc. C-170/05.

14.  Assim, no caso vertente, a aplicação da CDT entre Portugal e os EUA, nos termos da qual parte dos dividendos auferidos pelo Requerente foi sujeita a uma taxa de retenção na fonte reduzida (15%), não resultou na neutralização da diferença de tratamento, resultante da legislação nacional portuguesa, entre os dividendos auferidos por OICs com residência fiscal em Portugal e os dividendos auferidos pelo Requerente. E, sendo irrelevante para a existência de discriminação violadora da liberdade de circulação consagrada pelo Direito da União a existência de eventuais compensações internas concedidas ao OIC ou aos seus investidores pelo sistema fiscal norte-americano, subsiste em aberto, nos precisos termos de afronta ao disposto no art. 63.º do TFUE, o problema suscitado pelo Requerente, primeiro na Reclamação Graciosa, e agora no presente Processo.

 

IV. C.3. O art. 22º do EBF

 

15.  Regressados à questão principal que é objecto deste Processo, lembremos que ela se centra no artigo 22.º do EBF: o n.º 1 dessa norma dispõe que “são tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”, excluindo, portanto, do âmbito do regime aí previsto os OIC como o Requerente, que não foram constituídos de acordo com a legislação nacional. 

16.  O art. 22.º do EBF estabelece um regime consideravelmente mais favorável do que o regime geral de tributação em IRC, visto que, nos termos do seu n.º 3, não considera os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do CIRS (juros, dividendos, rendas, mais-valias) para efeitos do apuramento do lucro tributável – excepto quando esses rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças –, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do CIRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1, e a isenção de derramas, estadual e municipal.

17.  O n.° 10 do mesmo artigo dispensa as empresas que distribuem dividendos aos OIC da obrigação de reter e de entregar esse imposto à Fazenda Pública.

18.  Importa saber se a retenção na fonte em IRC sobre os dividendos distribuídos, por sociedades residentes em Portugal, a OIC estabelecidos em Estados terceiros face à União Europeia (no caso, os EUA) – ao mesmo tempo que se isenta de tributação a distribuição de dividendos a OIC residentes em Portugal, e se sujeita os mesmos a tributação trimestral em IS, pela verba 29 da TGIS, e à eventual aplicação da tributação autónoma, designadamente a prevista no artigo 88.º, 11 do CIRC – é conforme, ou não, com o art. 63º do TFUE.

19.  Trata-se, em suma, de aferir da conformidade com este artigo, à data dos factos relevantes, das pertinentes normas do CIRC e do EBF respeitantes ao regime de tributação dos dividendos auferidos pelo Requerente.

 

IV. C.4. A liberdade de circulação de capitais

 

20.  O art. 26.º do TFUE estabelece uma conexão substantiva entre a criação do mercado interno e a liberdade de circulação de capitais, elevada esta, pelo art. 63.º do TFUE, ao estatuto de liberdade fundamental do mercado interno, dotada de relevância constitucional no âmbito do Direito da União Europeia.

21.  A mesma goza da primazia normativa sobre o direito interno dos Estados-Membros, cabendo aos tribunais nacionais, na sua qualidade de tribunais europeus em sentido amplo, assegurar a primazia de aplicação do direito da União Europeia, desaplicando o direito nacional de sentido contrário.

22.  A criação de um mercado interno supõe, por definição, a gradual e efectiva abolição dos diferentes mercados nacionais, em favor de um único mercado interno, de forma a potenciar o crescimento económico à escala europeia, através da mais fácil disponibilização de capital.

23.  O objectivo dos OIC, cujo enquadramento jurídico é definido pela Directiva 2009/65/CE, consiste em facilitar a participação dos investidores privados num mercado de valores mobiliários, idealmente integrado a nível da UE. 

24.  O TJUE desempenha uma função interpretativa decisiva, nomeadamente em sede de acções por incumprimento e de reenvios prejudiciais, devendo os tribunais nacionais conformar-se com o entendimento sobre as normas dos Tratados que venha a ser vertido na jurisprudência daquele Tribunal, sob pena de incumprimento do direito da União Europeia e de responsabilidade por parte do Estado-Membro. 

25.  A liberdade de circulação de capitais, consagrada no art. 63.º do TFUE, implica a proibição de discriminação entre capitais de um dado Estado-Membro, e capitais provenientes de fora desse Estado.

26.  Trata-se de uma norma directamente aplicável aos Estados-Membros, que devem abster-se de restringir o seu alcance por via legislativa, administrativa ou jurisdicional, embora isso não impeça os Estados-Membros de regularem em alguma medida a circulação de capitais, desde que o façam em termos compatíveis com o direito da União Europeia.  

27.  A autonomia fiscal permite aos Estados‑Membros regularem soberanamente as condições de tributação aplicáveis, desde que o tratamento das situações transfronteiriças não seja discriminatório em comparação com o das situações nacionais.

28.  Não obstante a fiscalidade directa ser da competência dos Estados‑Membros, o respectivo regime jurídico deve respeitar o direito da União Europeia, sem qualquer discriminação em razão da nacionalidade ou da residência.

29.  O TJUE tem sustentado que a existência de meras “divergências” entre os sistemas fiscais nacionais não é suficiente para declarar a existência de uma tal restrição.

30.  Na ausência de harmonização no plano da União Europeia, as desvantagens que podem resultar do exercício paralelo de competências dos diferentes Estados‑Membros, desde que o exercício não seja discriminatório, não constituem restrições às liberdades de circulação. 

31.  Um dos domínios do âmbito e do programa normativo da liberdade de circulação de capitais do art. 63.º do TFUE diz especificamente respeito ao tratamento fiscal dos movimentos de capitais.

32.  A densificação do âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais tem sido levada a cabo pelo TJUE, acolhendo e sublinhando o valor enumerativo, mas não exaustivo, da Directiva n.º 88/361/CEE, de 24 de Junho de 1988, incluindo o respectivo Anexo I número IV, no qual se integra, no conceito de liberdade de circulação, um amplo conjunto de operações e transacções transfronteiriças sobre certificados de participação em organismos de investimento colectivo, nas quais se incluem as que estão em causa nos presentes autos: razão pela qual a distribuição de dividendos efectuados ao Requerente por sociedades residentes em Portugal deve ser qualificada como “movimento de capital”, na acepção do art. 63.º do TFUE e da própria Directiva 88/361/CEE.

33.  Comecemos por esclarecer que a questão do tratamento fiscal da distribuição de dividendos tem ocupado um lugar central na jurisprudência europeia, incluindo não apenas o TJUE, mas também o Tribunal EFTA[1].

34.  Este último órgão, no caso Focus Bank, e o TJUE, em casos como, entre outros, ACT GLODenkavitAmurtaTruck CenterAberdeen PropertyComissão v. Países BaixosComissão v. Portugal, Santander Asset Management e Sofina SA, a despeito das diferenças factuais e jurídicas nas respectivas decisões, apontam globalmente no sentido de dever considerar-se que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não-residentes – por exemplo imputando aos investidores residentes um crédito de imposto e sujeitando as entidades não-residentes a retenção de imposto sem imputação; ou retendo imposto sobre dividendos pagos a não-residentes e não retendo no caso de dividendos pagos a residentes – configura, em princípio, uma violação da liberdade de circulação de capitais, e nalguns casos também da liberdade de estabelecimento, pondo em causa o funcionamento do mercado interno.

35.  Confirmando a existência de uma área apreciável de divergências interpretativas neste domínio, as conclusões da Advogada Geral (AG) Kokott, apresentadas a propósito de um reenvio prejudicial apresentado num processo arbitral do CAAD (Processo n.º 93/2019-T), vieram sustentar uma leitura menos “formalista” do art. 63º do TFUE, reconhecendo uma maior amplitude aos Estados-Membros na conformação do regime fiscal dos OIC residentes e não-residentes, concluindo que esse artigo não se opõe à aplicação de retenção na fonte aos dividendos distribuídos por uma sociedade residente, quando esses dividendos sejam distribuídos a um OIC não-residente que não esteja sujeito ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas no seu Estado de residência.

 

IV. C.5. A decisão do caso AllianzGI-Fonds AEVN no TJUE

 

36.  Os argumentos sustentados pela AT foram rebatidos na decisão do Processo (CAAD) n.º 166/2021-T, tendo sido posteriormente rejeitados pelo TJUE, na sua decisão do caso AllianzGI-Fonds AEVN, de 17 de Março de 2022 (Processo n.º C-545/19), que entendeu que

o artigo 63.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

37.  Como esta decisão considerou expressamente o regime fiscal em causa no presente processo, e estando os tribunais nacionais juridicamente obrigados a seguir a jurisprudência do TJUE, impõe-se seguir a sua argumentação, e é o que faremos a partir daqui. 

38.  No caso AllianzGI-Fonds AEVNo TJUE reiterou o seu entendimento de que, embora não estejam sempre numa situação comparável, residentes e não-residentes são colocados nessa posição a partir do momento em que um Estado-Membro, unilateralmente ou por convenção, opte por tributar os accionistas ou obrigacionistas não-residentes de maneira menos favorável do que os residentes, relativamente aos juros e dividendos que uns e outros recebam de sociedades residentes.

39.  Especialmente relevante, em sede das liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais – a liberdade que o TJUE entendeu ser pertinente neste caso –, é o facto de o tratamento fiscal menos favorável dos não-residentes os dissuadir, na qualidade de accionistas ou obrigacionistas, de investirem no Estado da residência das empresas pagadoras de juros e distribuidoras de dividendos, e constituir, igualmente, um obstáculo à obtenção de capital no exterior, por parte dessas empresas.

40.  Para o TJUE, é significativo o facto de que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro, ou num Estado terceiro, não podem beneficiar dessa isenção.

41.  No entender do TJUE, ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não-residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não-residentes, susceptível de dissuadir, por um lado, os OIC não-residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal, e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC – constituindo, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo art. 63.º do TFUE. 

42.  No entendimento do TJUE, o facto de o art. 65.º, 1, a) do TFUE estabelecer que o disposto no art. 63.º do TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação, no que se refere ao seu lugar de residência, ou ao lugar em que o seu capital é investido, não isenta um Estado-Membro de cumprir as suas obrigações jurídicas decorrentes das liberdades fundamentais do mercado interno, nem o exonera pela simples circunstância de esse Estado poder pensar que outro Estado-Membro, ou um Estado terceiro, se encarregará de compensar, de alguma maneira, o tratamento desfavorável gerado pela sua própria legislação[2].

43.  É entendimento do TJUE, portanto, que as liberdades de circulação de capitais e de estabelecimento requerem a igualdade de tratamento fiscal dos juros e dividendos pagos a residentes e não-residentes pelo Estado da Fonte, no caso de ambos estarem sujeitos a tributação de tais rendimentos. 

44.  O TJUE tem sustentado que, quando se trata de interpretar e aplicar as liberdades fundamentais do mercado interno, prevalece o entendimento segundo o qual a liberdade é a regra, e as restrições à liberdade são a excepção: pelo que o art. 65.º, 1, a) do TFUE, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita.

45.  Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre contribuintes, em função do lugar em que residam, ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais, é automaticamente compatível com o TFUE.

46.  Com efeito, a derrogação prevista no art. 65º, 1, a) do TFUE é, ela própria, limitada pelo disposto no nº 3 do mesmo artigo, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o nº 1 desse artigo não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos: ou seja, as restrições têm como limite a garantia da própria liberdade de circulação de capitais[3].

47.  No entender do TJUE, plasmado na decisão AllianzGI-Fonds AEVN, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo art. 65.º, 1, a) do TFUE, das discriminações proibidas pelo nº 3 do mesmo artigo.

48.  Para que o regime fiscal nacional possa ser considerado compatível com as disposições do TFUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objectivamente comparáveis, ou que ela se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral.

49.  Sobre a questão de saber se a situação dos fundos de investimento residentes e não residentes em Portugal é objectivamente comparável, o TJUE, depois de ponderados os argumentos do Estado Português (em tudo idênticos aos aqui expostos pela AT), reiterou o seu entendimento segundo o qual, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não-residentes, relativamente aos juros ou dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não-residentes passa a assemelhar-se à dos contribuintes residentes. 

50.  No caso AllianzGI-Fonds AEVN, o TJUE considerou que a legislação nacional em causa no processo principal – o mesmo regime fiscal aqui em análise – não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de juros e dividendos de origem nacional; mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos rendimentos que onera apenas os OIC não-residentes.

51.  Por exemplo, no que respeita ao Imposto do Selo (IS), o TJUE entendeu serem decisivos o facto de, por um lado, a sua matéria colectável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, sendo esse IS um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas; e, por outro lado, a legislação fiscal portuguesa distinguir, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido IS.

52.  Com efeito, observa o TJUE, mesmo considerando que esse mesmo IS possa ser equiparado a um imposto sobre os juros ou dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação procedendo ao seu pagamento ou distribuição imediatos, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não-residente.

53.  Quanto ao imposto específico previsto no art. 88º, 11 do CIRC, o TJUE, na decisão do caso AllianzGI-Fonds AEVN, considerou significativo o facto de este imposto só incidir sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição, e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.

54.  Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objecto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não-residentes.

55.  Por conseguinte, a circunstância de os OIC não-residentes não estarem sujeitos ao IS e ao imposto específico previsto no art. 88º, 11 do CIRC não os coloca numa situação objectivamente diferente da situação dos OIC residentes, no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa. 

56.  Quanto à alegada necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, o TJUE, na decisão do caso AllianzGI-Fonds AEVN, entendeu que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objectivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas.

57.  No caso em apreço, no que diz respeito ao objecto, ao conteúdo e ao objectivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, o TJUE entendeu que o referido regime foi concebido numa lógica de “tributação à saída”, ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando dele isentos os detentores de participações sociais não-residentes.

58.  Para o TJUE, se se concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, deve entender-se que, se o objectivo da legislação nacional em causa é comprovadamente o de deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o accionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos accionistas que devem ser consideradas determinantes, e não a técnica de tributação utilizada.

59.  O Fundo gerido pelo Requerente, residente nos EUA, pode ter investidores estrangeiros, incluindo portugueses, e os fundos fiscalmente residentes em Portugal podem ter investidores estrangeiros, incluindo norte-americanos.

60.  Mas a presente acção não foi intentada pelos investidores, nem os mesmos são partes nela, nem é lícito chamar à colação a posição dos referidos investidores.

61.  Por seu lado, o art. 22º do EBF não estabelece nenhuma ligação entre o tratamento fiscal dos juros ou dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC, residentes ou não residentes, e a situação fiscal dos seus detentores de participações.

62.  Da mesma forma, a AT não afere da posição dos investidores em OIC residentes para efeitos fiscais em Portugal, para reconhecer a estes o regime fiscal previsto no art. 22º do EBF. 

63.  Seria administrativamente impraticável, e excessivamente oneroso, proceder-se a uma determinação caso a caso, totalmente particularizada, para cada OIC não-residente, ou investidor individual, com o único fito de aumentar as receitas tributárias dos Estados-Membros. É que tanto os fundos residentes em Portugal, como os não-residentes, podem ter titulares institucionais e individuais de todos os Estados da União Europeia, e de Estados terceiros: será, portanto, administrativamente mais praticável, e muito menos oneroso, circunscrever a análise ao nível da situação fiscal dos fundos residentes e não-residentes a quem são pagos juros ou distribuídos dividendos, obtendo-se a informação relevante numa única determinação, sem necessidade de particularizar as situações de benefício económico último. 

64.  Por outras palavras: considerando que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não-residentes a uma retenção na fonte dos rendimentos de capital que recebem, o que deve relevar é o impacto directo que as normas tributárias têm na actividade dos fundos, e não na situação fiscal dos investidores individualmente considerados. Estes não têm necessariamente a mesma nacionalidade dos fundos, o que deve ser considerado normal, até porque os investimentos transfronteiriços são um dos objectivos do mercado interno e da liberdade de circulação de capitais no âmbito da União Europeia.

65.  Em suma, o rastreamento de investidores individuais espalhados por todo o mundo, e a aplicação de um conjunto diferente de regras a cada um deles, dependendo de seu Estado de Residência, apresentaria uma situação impraticável para os tribunais que, no futuro, fossem chamados a analisar a conformidade da legislação fiscal nacional em causa com as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais. 

66.  Regressando ao plano dos Fundos: a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não-residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia.

67.  Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa, que tem por critério o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objectiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não-residentes.

68.  Logo, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não-residentes diz respeito a situações objectivamente comparáveis.

69.  Por outro lado, como reconheceu o TJUE no caso caso AllianzGI-Fonds AEVN, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objectivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objectivo, sendo tais razões, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre Portugal e outro Estado-Membro da UE, ou um Estado terceiro, como os EUA.

70.  Quanto à primeira razão, sempre se poderia alegar que essa coerência só seria garantida se a entidade gestora do OIC não-residente operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excepcionais, orientados por considerações ligadas ao facto de evitar o planeamento fiscal, junto dos detentores de participações sociais não-residentes.

71.  Contudo, para que um argumento baseado nessa justificação pudesse ser acolhido, seria necessário que estivesse demonstrada a existência de uma relação directa entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal.

72.  Ora, a garantia da coerência do sistema fiscal português também não pode ser invocada para justificar a diferenciação de regime da retenção, visto que a isenção da retenção na fonte dos juros e dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os rendimentos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes, e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte; não se podendo, pois, falar de uma relação directa, na acepção da jurisprudência do TJUE, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.

73.  No tocante ao objectivo de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre Portugal e outro Estado-Membro da UE, ou de um Estado terceiro, o mesmo só pode ser admitido quando o regime em causa vise prevenir comportamentos susceptíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro de exercer a sua competência fiscal em relação às actividades realizadas no seu próprio território; pelo que, se Portugal optou por não tributar os OIC residentes beneficiários de juros e dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros, ou relativamente a Estados terceiros, para justificar a tributação dos OIC não-residentes beneficiários desses rendimentos.

74.  A esta luz, o art. 63.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que estabeleça que os juros e dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não-residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os juros e dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção – sendo esta a principal conclusão que, com firmeza, se alcança na decisão do TJUE no caso AllianzGI-Fonds AEVN, de 17 de Março de 2022 (Processo n.º C-545/19).

75.  E note-se que a norma decisiva é o art. 63.º do TFUE, que no seu n.º 1 é muito claro ao proibir “todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros” (sublinhado nosso); o que nos permite subscrever a conclusão a que se chegou no Proc. n.º 12/2023-T do CAAD:

não altera os dados do problema a circunstância de, no caso, estar em causa um residente em país terceiro. 

Nesse sentido, é elucidativo o acórdão do TJUE de 18 de Janeiro de 2018, no Processo n.º C-45/17 (acórdão Jahin).

Aí se refere que o artigo 63º do TFUE estabelece a livre circulação de capitais entre Estados Membros, por um lado, e entre Estados Membros e países terceiros, por outro, de onde decorre que o âmbito de aplicação territorial da livre circulação de capitais prevista no artigo 63º do TFUE não se limita aos movimentos de capitais entre Estados Membros, mas estende se igualmente aos movimentos de capitais entre Estados Membros e Estados terceiros (parágrafos 19 e 21)[4].

 

IV. C.6. A Uniformização de Jurisprudência: o Acórdão nº 7/2024 do STA

 

76.  Decidindo de um recurso por oposição entre acórdãos arbitrais, o STA, em Acórdão de 28 de Setembro de 2023, no âmbito do processo n.º 93/19.7BALSB (publicado em 26 de Fevereiro de 2024), uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:

Conclusões:

1 — Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;

— O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado -Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;

— A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.

77.  Acolhendo expressamente, pois, a orientação adoptada pelo TJUE na sua decisão do caso AllianzGI-Fonds AEVN, de 17 de Março de 2022 (Processo n.º C-545/19), o STA remove, deste modo, as últimas dúvidas que pudessem subsistir quanto à consagração jurisprudencial da referida orientação.

78.  E isso não pode, evidentemente, deixar de repercutir-se no mérito da presente causa, e na decisão a que este Tribunal chega.

79.  Conduzindo à conclusão de que os actos de retenção na fonte objecto dos presentes autos, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que se lhes reportou, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no art. 163.º, 1 do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do art. 2.º, c), da LGT e do art. 29º, 1, d) do RJAT.

 

IV. C.7. O direito aos juros indemnizatórios

 

80.  O Requerente peticiona o pagamento de juros indemnizatórios, relativamente ao montante indevidamente retido na fonte.

81.  Dispõe o art. 24.º, b) do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto no art. 29º, 1, a) do RJAT) que estabelece que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

82.  É hoje consensual que os tribunais arbitrais abarcam nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, até porque o processo arbitral foi desenhado como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Por sua vez, o processo de impugnação admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como resulta do teor do art. 43.º, 1 da LGT, em que se dispõe que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, e do art. 61.º, 4 do CPPT, que estabelece que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

83.  Igualmente o art. 24.º, 5 do RJAT, ao estabelecer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser interpretado e aplicado como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. 

84.  No caso em apreço, a AT aplicou as normas jurídicas nacionais em vigor, a despeito de as mesmas violarem o direito da União Europeia tal como ele tem sido interpretado pelo TJUE, e agora é interpretado pelo STA.

85.  Sendo a primazia do direito da União Europeia relativamente ao direito nacional uma primazia de aplicação e não uma primazia de validade, cabe ao presente Tribunal Arbitral desaplicar o direito nacional contrário ao direito da União Europeia, declarando a respectiva ilegalidade. 

86.  Nos termos dos artigos 61.º do CPPT e 43º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando, anulados os actos por vício de violação de lei, se apure que a culpa do erro subjacente à anulação do acto é imputável aos serviços da Administração Tributária, ou, em bom rigor, não é imputável ao contribuinte.

87.  Uma vez verificado o erro, e ordenada judicialmente a sua anulação, é manifesto que, para além da devolução dos montantes ilegalmente retidos, o Requerente tem direito a que lhe sejam pagos os juros vencidos sobre esses valores (ilegalmente retidos) até integral restituição, sendo indiferente, ao reconhecimento desse direito, que o erro decorra especialmente da violação de normas da União Europeia, e não apenas de normas nacionais. 

88.  Estamos assim, neste caso, perante uma actuação por parte da AT que se traduz num “erro imputável aos serviços”, para efeitos da aplicação art. 43º da LGT.

89.  Lembremos que, de acordo com a jurisprudência do STA:

¾   “em geral, pode afirmar-se que o erro imputável aos serviços, que operaram a liquidação, entendidos estes num sentido global, fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou impugnação dessa mesma liquidação” – acórdãos de 31/10/2001, Proc. n.º 26167, e de 24/04/2002, Proc. n.º 117/02; 

¾   “Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária pelo art. 43.º da LGT, havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. [§] Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado” – acórdão de 07/11/2001, Proc. n.º 26404; 

¾   “há erro nos pressupostos de direito, imputável aos serviços, de modo a preencher o pressuposto da obrigação da Administração de indemnizar aquele a quem exigiu imposto indevido, quando na liquidação é aplicada uma norma nacional incompatível com uma Directiva comunitária” – acórdão de 21/11/2001, Proc. n.º 26415; 

¾   “os juros indemnizatórios previstos no art. 43.º da LGT são devidos sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo e sem necessidade de mais, pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da correspondente liquidação” – acórdãos de 28/11/2001, Proc. n.º 26223, e de 16/01/2002, Proc. n.º 26508. 

90.  À luz desta jurisprudência, não sendo os erros que afectam as retenções na fonte imputáveis ao Requerente, eles são imputáveis à Requerida. O facto de se tratar de actos de retenção na fonte, não praticados directamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não afasta essa imputabilidade, pois a ilegalidade da retenção na fonte, quando não é baseada em informações erradas do próprio contribuinte, não lhe é imputável, mas sim aos serviços, devendo entender-se que se integra neste conceito a entidade que procede à retenção na fonte, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da AT na liquidação e cobrança do imposto.

91.  O Pleno do STA uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no acórdão de 29/6/2022, Proc. n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos: 

Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs.1 e 3, da L.G.T.

92.  Assim, segundo essa jurisprudência uniformizada do STA, que por isso deve ser acatada, em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa, os juros indemnizatórios devem ser contados, não desde a data do pagamento indevido do imposto – como dispõe o art. 61º, 5 do CPPT – mas desde a data do indeferimento da reclamação graciosa, momento em que se consuma o “erro imputável aos serviços”.

93.  Logo, os juros indemnizatórios contam-se a partir da data do indeferimento tácito, ou presumido, da reclamação graciosa. Atendendo ao estabelecido no art. 61º do CPPT, tais juros são calculados à taxa legal, e contados até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos.

 

IV. C.8. Questões prejudicadas

 

94.  Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria, por isso, inútil – art. 608.º do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT.

 

V. Decisão

 

Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)     Julgar improcedentes as excepções apresentadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

b)    Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando a ilegalidade dos actos tributários de retenção na fonte ora sindicados, por erro nos pressupostos de direito, especificamente por violação da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63º do TFUE, e declarando a ilegalidade do indeferimento tácito, ou presumido, da reclamação graciosa apresentada contra tais actos tributários;

c)     Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira à restituição da quantia relativa a essas retenções na fonte;

d)    Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do indeferimento tácito, ou presumido, da reclamação graciosa, até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos;

e)     Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo. 

 

VI. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 104.408,64 (cento e quatro mil, quatrocentos e oito euros e sessenta e quatro cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT). 

 

VII. Custas

 

Custas no montante de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros) a cargo da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira(cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).

 

Lisboa, 17 de Outubro de 2025

 

Os Árbitros

 

 

 

Fernando Araújo

 

 

 

Adelaide Moura

 

 

 

Marta Vicente

 



[1] Cfr., sobre esta matéria, Christiana Hji Panayi, European Union Corporate Tax Law, Cambridge, 2013, 253 ss. 

[2] Case E – 1/04, Focus Bank ASA v. The Norwegian State, 23-11-2004. 

[3] C-358/93, C-416/93, Bordessa, 23-02-1995. 

[4] Ver também a decisão no Proc. n.º 777/2024-T, do CAAD.