Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 270/2025-T
Data da decisão: 2025-10-15  IRS  
Valor do pedido: € 11.158,31
Tema: residência fiscal; mais valias imobiliárias; reinvestimento (art. 10.º, n.º 5, do CIRS)
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Sumário:

I – A exclusão de imposto do art. 10.º, n.º 5, do CIRS pressupõe que o imóvel de partida (alienado) e de chegada (objeto do reinvestimento) sejam a “habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”.

II – Provou-se nos autos que a habitação própria e permanente do agregado familiar foi no imóvel de partida e depois no de chegada. Mas que apenas ocorreu reinvestimento parcial do valor de realização.

 

DECISÃO ARBITRAL

O Árbitro Tomás Cantista Tavares, em arbitragem singular, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decide o seguinte:

 

I – Relatório

1.A..., casado, contribuinte nº ..., residente na Rua ..., ..., ...-... ..., na União de Freguesias de ... e ... veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade da liquidação com o nº 2024... de IRS do ano de 2023 no montante de € 11.158,31, com data limite de pagamento em 25-12-2024

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro acima identificado, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

4. O Tribunal Arbitral singular ficou constituído em 4 de junho de 2025.

5. A Requerida apresentou a resposta, por impugnação, e juntou o processo administrativo.

6. Foi realizada a reunião do art. 18.º do RJAT e ouvidas as testemunhas arroladas pela requerente, seja no requerimento inicial, seja em requerimento subsequente; e solicitou ainda, na data da diligência para se ouvir o autor, como parte. A AT concordou com todas estas inquirições e declarou que não pretendia ouvir mais ninguém por si arrolado; na diligência, solicitou-se que a AT juntasse, em 10 dias, print informático dos arquivos da AT com a residência da mulher e filhas do requerente, de 2018 à 2023, o que foi deferido, começando o prazo de 10 dias de alegações escritas (para ambas as partes), a contar da data da junção desse documento, tendo a requerente direito a prazo de vista para sobre ele se pronunciar nas suas alegações. As partes alegaram, com argumentos similares aos descrito nos seus articulados anteriores.

7. O tribunal arbitral foi regularmente constituído. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). O processo não enferma de nulidades.

 

A requerente alega, em síntese, o seguinte: alienou imóvel e reinvestiu o produto da venda na aquisição de um outro, não devendo ser tributado em IRS pelas mais valias realizadas, por preenchimento de todos os requisitos da exclusão de tributação do art. 10.º, n.º 5, do CIRS, porque o imóvel de partida e o de chegada seriam a sua habitação própria e permanente ou do seu agregado familiar; por outro lado, alega que não foi notificado dos atos do procedimento, porque enviados para Angola por correio e não para a sua morada em Portugal.

A requerida alega, em síntese, o seguinte: o imóvel de partida só é do requerente e o de chegada é dos dois membros do casal – logo o reinvestimento, a existir, é meramente parcial; o imóvel de partida e chegada não é a habitação própria e permanente do requerente – porque residia em Angola; e não está provado que tivesse sido a residência própria e permanente do seu agregado familiar (sua mulher, entretanto casado e suas filhas). A mulher tinha residência precária em Portugal; perante dúvidas fundadas da AT, o requerente não teria logrado provar que a mulher e filham residiam no imóvel de “partida” e de “chegada” do reinvestimento das mais valias.

 

II – Decisão

A. Matéria de facto

A.1. Factos dados como provados.

a) Em 2002, o requerente adquiriu o prédio inscrito na matriz urbana da freguesia de..., do concelho de Braga, sob o artº..., e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... -O ... . Tal prédio fica situado na Rua ..., nº ..., na freguesia de ..., do concelho de Braga.

b) Em 3 de agosto de 2019, o requerente casou com B..., contribuinte nº..., cidadã de nacionalidade angolana.

c) o requerente trabalha em Angola, desde 2014 a final de 2024; desde 2014 até 2023 não apresentou declarações de IRS em Portugal (é não residente).

d) Pelo menos desde 29/12/2021, a mulher B... (e filhas do casal) tem a residência fiscal na Rua ..., nº ... .

e) Pelo menos desde 13/1/2024, a mulher B... (e filhas do casal); e tem a residência fiscal na Rua  ... ... .

f) Da relação entre o casal, que já se verificava anteriormente ao casamento, nasceram três filhas: (i) – C..., nascida em 8/4/2018; (ii) D..., contribuinte nº ..., nascida em 30/3/2020. E (iii) E..., contribuinte nº..., nascida em 17/05/23.

g) As filhas residem com a mãe, nas casas em que viveu: na Rua ..., nº ... e depois na Rua ... ... .

h) Em 2 de outubro de 2023, o requerente alienou o imóvel descrito no facto a) supra por 180 mil euros.

i) Em 6 de outubro de 2023, o requerente e a sua esposa (B...) adquiriram, por 305 mil euros, imóvel, destinado a habitação, na Rua ... ..., sito na união de freguesias de ... e ... inscrito na matriz urbana da citada freguesia sob o artigo nº ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .../... . 

j) Em ambos os imóveis, de “partida” (facto a) supra) e “chegada” (facto i) supra), não houve recurso a créditos bancário.

i) Na correspondente declaração de IRS, o requerente declarou que a mais valia com a venda do imóvel descrito em a) foi objeto de reinvestimento no imóvel descrito em i), pelo que não teria de pagar quaisquer mais valias, por preenchimento dos requisitos do art. 10.º do CIRS.

j) Não foi esse o entendimento da AT, que procedeu à liquidação impugnada nesta arbitragem.

k) A correspondência do procedimento foi enviada por correio registado, para a morada do requerente em Luanda, Angola, declarada pelo requerente – e não apresentou declarações de IRS em Portugal desde 2014 até 2023.

 

A.2. Factos dados como não provados com relevância para a decisão

Não há factos relevantes por provar no processo. 

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Os factos pertinentes para o julgamento são escolhidos em função da sua relevância jurídica (art. 596.º do CPC). 

Muitos factos estão provados por documento, que não foram impugnados e foram aceites pelas partes. Por outro lado, alguns factos decorrem de documentos e comportamentos concludentes das partes – por exemplo, que o requerente tinha a sua residência fiscal em Angola, e por isso não apresentava as declarações de IRS em Portugal. 

O tema factual mais relevante – é a prova ou não de que a sua mulher e filhas (que foram nascendo) residiam ou não no imóvel de “partida” (Rua ..., nº...) e depois no imóvel de “chegada” (Rua ..., ...). Em termos mais precisos, qual a habitação própria e permanente do agregado familiar em 2023 e anos anteriores e posteriores.

Sobre esse tema, o Tribunal deu relevância decisiva à prova documental – declarações da AT no Sistema integrado e registo de contribuintes, situação cadastral, junta aos autos pela AT, a pedido do Tribunal na diligência de inquirição de testemunhas. Aqui se prova, por comprovativo da AT, sob declaração da mulher, que residiu na Rua ...  ... desde 29/12/2021 e na Rua ... desde 15/1/2024 – e note-se que a primeira foi alienada e a segunda adquirida em outubro de 2023. Ou seja, residiu muito tempo antes da venda do primeiro imóvel e mudou-se para a casa objeto de reinvestimento, na sequência da sua aquisição. Como se provou que as filhas residiam com a mãe: seja por presunção natural (por serem muito novas, recém-nascidas algumas), seja por declarações junto da AT nesse sentido, seja ainda, por confirmação da testemunha que era vizinho e amigo (F...), que prestou depoimento considerado credível e isento.

 

B. Do Direito

O requerente indicou à AT como morada em Angola, a sede da empresa onde trabalhava em Angola. E alega que não recebeu a correspondência do procedimento e liquidação deste processo. Uma coisa é não ter recebido; outra coisa é não ter sido enviada. Se livremente optou por indicar essa morada – o requerente indica que não recebeu a correspondência, mas a mesma pode ter sido enviada para a residência da empresa – e a empresa não lha entregou. Logo, informando a AT que remeteu tais cartas para essa morada, não está provado que a AT não as enviou. E improcede o argumento do requerente, neste segmento.  

O art. 10.º, n.º 5, do CIRS prevê uma exclusão das mais valias tributárias, sujeita a determinados requisitos e condições: nomeadamente que o imóvel de partida (onde se fazem as mais valias com a alienação onerosa) e de chegada (objeto do reinvestimento), sejam da mesma pessoa e que sejam ambos “a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”.

Compreende-se a exclusão de tributação: uma família muda de casa onde vive – tipicamente vende uma mais modesta e, com o produto da venda, adquire uma outra para onde vai habitar, mais adequada ao agregado (usualmente por nascimento, entretanto, de filhos). Aqui, há na realidade uma mais valia jurídica – com a venda da casa de morada de família, mas uma continuidade económica, continuam a viver na casa de morada de família, com a tutela constitucional do agregado familiar. Logo, não faz sentido tributar essa mais valia, pois ocorre uma substituição de casa de morada de família.

Por outro lado, a lei indica que o imóvel de partida e de chegada têm de ser a “habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”. A locução “ou” é aqui propositadamente diversa da “e”. Pode acontecer, sobretudo em emigração do sujeito passivo, ficando o agregado familiar em Portugal na casa em questão, que o sujeito passivo não resida nessa habitação (usualmente porque no estrangeiro) e aí resida, todavia, o agregado familiar, porque continua a viver em Portugal – e assim sendo, continua a aplicar-se a exclusão de tributação, por tutela constitucional da família.

É dado objetivo que o sujeito passivo não residiu em Portugal – trabalhava em Angola, deu às finanças morada nesse país, no seu local de trabalho e não entregou declarações fiscais em Portugal, por ser não residente fiscal em Portugal.

Mas, como se provou a sua mulher e suas filhas (o agregado familiar) residiram no imóvel de partida e passaram depois a residir no imóvel de chegada. Como habitação própria e permanente do agregado familiar. E acontece – e provou-se – que o requerente marido viveu em Angola, para aí trabalhar; mas a mulher e filhas residiam em Portugal, mantendo-se casados e vindo o marido várias vezes a Portugal, algo que não é situação isolada nos agregados do nosso país, na emigração de um membro do casal, em busca de melhores condições económicas para a família. 

Ou seja, provada a habitação própria e permanente do agregado familiar do sujeito passivo, verifica-se o reinvestimento e aplicação do disposto no artigo 10.º, n.º 5, do CIRS.

Apesar da divergência concetual entre domicílio e residência, para efeitos do art. 10.º, n.º 5, do CIRS importa aferir a habitação própria e permanente do agregado familiar, e isso perante todas as provas apresentadas no processo – conclui-se ter sido na morada de partida e de chegada. Interessa sobretudo a conclusão de que a mulher e as filhas viviam em Portugal, em ambas essas moradas, que o fizeram não para obterem o benefício fiscal (mudança pouco tempo antes), mas com tempo anterior significativo. E foi feita tal prova, independentemente de insuficiências declarativas nesse sentido na documentação, nomeadamente contratos sobre os imóveis. Prevalece a prova da verdade material, e não a insuficiência declarativa em documentos acessórios e não fiscais.

Porém, a exclusão de tributação não é completa, porque não existe reinvestimento total do requerente na aquisição na nova habitação.

A “casa de partida” era apenas do marido (requerente) – como consta da escritura e foi adquirida antes do casamento – e foi alienada por 180 mil euros; e a “casa de chegada” foi adquirida por 305 mil euros, por ambos os membros do casal, já casados – sem recurso a crédito bancário.

Logo, o requerente não reinvestiu a totalidade do produto da venda do imóvel de partida (180 mil euros) na aquisição do imóvel de chegada (152.500 euros, que corresponde ao imóvel de chegada, pois detém apenas metade desse imóvel). Há apenas reinvestimento parcial, e exclusão parcial de tributação, como se prevê no art. 10.º, n.º 5, al. a), e 9, do CIRS. E assim, proceder-se-á à anulação parcial da liquidação impugnada, cabendo à AT proceder a reliquidação com base nesta decisão.

 

III – Decisão 

Termos em que se decide julgar:

a)     Parcialmente procedente o pedido arbitral;

b)    declarar a ilegalidade parcial dos atos tributários objeto desta ação arbitral, pois houve apenas reinvestimento parcial do valor de realização do móvel vendido;

 

Valor da causa

Fixa-se o valor do processo em € 11.158,31, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária

 

Custas

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 918,00, que apenas para efeito de custas, se fixa em 20% a cargo da Requerente e 80% a cargo da requerida.

 

Notifique.

Porto, 15 de outubro de 2025

 

Tomás Cantista Tavares