Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 245/2025-T
Data da decisão: 2025-10-14   Outros 
Valor do pedido: € 107.839,37
Tema: Contribuição Extraordinária sobre o sector enérgico. Incompetência do tribunal arbitral. Inidoneidade do meio processual. Pedido de revisão oficiosa. Impugnação administrativa necessária.
Versão em PDF

 

 

Sumário:

I - Por efeito das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, no Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, que criou o Fundo para Sustentabilidade Sistema do Setor Enérgico (FSSSE), não é possível afirmar que os comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo podem ser considerados responsáveis pela concretização dos objetivos da CESE e presumíveis causadores ou beneficiários das prestações públicas que ao FSSSE incumbe providenciar, pelo que quanto a essas entidades a CESE passou a assumir a natureza de um verdadeiro imposto;

II - Sendo assim, o tribunal arbitral é competente para conhecer do litígio, na medida em que, na situação do caso, está a apreciar uma pretensão relativa a impostos, que se encontra coberta pelo disposto no artigo 2.º, alínea a), da Portaria de Vinculação;  

III – O tribunal arbitral é competente para conhecer do pedido de declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação da CESE, nos termos do artigo 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, independentemente de o pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido ter sido objeto de rejeição liminar por intempestividade; 

III – Nesse condicionalismo, o meio processual próprio é o processo impugnatório, e não a ação administrativa a que se refere o artigo 97.º, n.º 1, alínea p), do CPPT;

IV - Encontrando-se a impugnação de ato de autoliquidação dependente de prévia reclamação graciosa, no prazo de dois anos a contar da apresentação da declaração, conforme o disposto no artigo 131.º, n.º 1, da LGT, a um pedido de revisão apresentado nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 7 do artigo 78.º dessa Lei LGT, apenas pode ser atribuído o mesmo efeito jurídico, caso o pedido seja interposto no mesmo prazo de dois anos;

IV – Não sendo cumprido esse prazo de dois anos, aplicável à reclamação graciosa necessária, o ato de autoliquidação torna-se inimpugnável na via contenciosa.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., S.A., sociedade com morada em ..., ..., ..., ...-... ..., titular do n.º de identificação fiscal ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade da autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (“CESE”), referente ao exercício de 2020, e, bem assim, da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago e a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

 

 Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

 A Requerente é uma operadora do setor do transporte, distribuição e comercialização por grosso e a retalho de biodiesel e seus derivados.

 

A Requerente desenvolve a sua atividade na área de comércio por grosso de produtos petrolíferos (CAE 46711).

 

No cumprimento das suas obrigações fiscais declarativas, nos termos da legislação aplicável, a Requerente submeteu, em 30 de outubro de 2020, a declaração Modelo 27 da CESE relativa ao ano de 2020.

  Na declaração Modelo 27 relativa a 2020, a Requerente indicou nos campos 01, 03 e 13 do quadro 5.3. o montante de € 12.686.984,61, relativo ao valor dos ativos fixos tangíveis afetos à atividade de transporte ou distribuição de energia, tendo apurado um montante de CESE de € 107.839,37, conforme nota de liquidação n.º ... .

Este montante foi pago no dia 02 de novembro de 2020.

Não concordando com o referido pagamento da CESE, em 30 de outubro de 2024, apresentou pedido de revisão oficiosa contra o respetivo ato de autoliquidação, solicitando a sua anulação e o consequente reembolso dos montantes pagos ao Estado, o qual foi objeto de decisão de indeferimento.

 

     No pedido de pronúncia arbitral invoca que a CESE é denominada contribuição extraordinária sobre o setor energético, cujo regime jurídico foi aprovado pelo artigo 228.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n. 83.º -C/2013, de 31 de dezembro de 2013), e que se destina às pessoas singulares ou coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional.

 

 De acordo com o nº   2 do artigo 1.º do regime jurídico da CESE, esta tem como desígnio "financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético".

 

 Neste sentido, foi posteriormente criado, pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 09 de abril de 2014, o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), o qual tinha como principal fonte de receitas o produto da CESE.

 

Não obstante a CESE ter sido criada como uma contribuição financeira, e cuja vigência tem sido sucessivamente prorrogada, as alterações legislativas entretanto promovidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, descaracterizaram-na totalmente quanto a um conjunto de sujeitos do setor energético, em relação aos quais deixou de existir o carácter de bilateralidade, significando que a CESE passou a assumir a natureza de um imposto.

 

A Requerente, na qualidade de comercializadora por grosso de produtos petrolíferos, é um dos sujeitos em relação aos quais a CESE passou a constituir um verdadeiro imposto, porquanto não pode ser considerada responsável pela dívida tarifária do setor elétrico nem, consequentemente, ser presumível beneficiária da redução dessa dívida.

 Nesse sentido, entende a Requerente, seguindo a linha jurisprudencial dos acórdãos n.º 196/2024 e n.º 337/2024 do Tribunal Constitucional, que a norma de incidência da CESE de sujeitos titulares de centros eletroprodutores com recurso a fonte renovável constante da alínea b) do artigo 2.º do regime da CESE, aplicada ao seu caso concreto de autoliquidação de CESE de 2020 e de 2021, é inconstitucional, por violação do artigo 13.º da CRP.

Conclui pela procedência do pedido arbitral.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita a exceção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer do pedido, porquanto a CESE constitui uma contribuição financeira e não um imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária por efeito do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pelo qual a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição. 

 

Defende ainda a inidoneidade do meio processual na medida em que o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente foi objeto de rejeição liminar, pelo que não se pronunciou sobre a legalidade dos atos de liquidação e, assim, o meio processual próprio, nos termos das disposições do artigo 97.º, n.º 1, alíneas d) e p), do CPPT, seria a ação administrativa e não o processo de impugnação judicial.

 

Além de que estão excluídas da jurisdição arbitral as pretensões relativas à legalidade das autoliquidações que não tenham sido precedidas de reclamação graciosa, no prazo de dois anos, conforme o disposto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, e, assim, ainda que o procedimento de revisão oficiosa fosse equiparado ao procedimento de reclamação graciosa, para efeitos do cumprimento do ónus da impugnação administrativa necessária previsto nessa disposição, não poderia ser considerado  o pedido de revisão oficiosa, uma vez que foi apresentado para além desse prazo.

 

            Em sede de impugnação, a Autoridade Tributária refere que está em causa, no caso, a desaplicação do regime jurídico da CESE por alegada inconstitucionalidade, e não por qualquer ilegalidade referente aos factos concretos.

  Encontrando-se a Administração Tributária subordinada ao princípio da legalidade, não pode questionar as normas legais com fundamento em inconstitucionalidade, e, nesse sentido, não existe erro imputável aos serviços quando desaplica norma alegadamente inconstitucional, por a sua inconstitucionalidade não ter sido sancionada pelos tribunais. 

Conclui no sentido da procedência das exceções dilatórias, e, se assim se não entender, pela improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, foi determinada a audição da Requerente sobre a matéria de excepção, que veio a pronunciar-se, em síntese, nos seguintes termos.

 

A CESE é, inequivocamente, desde 2018 qualificada como um imposto, pelos Tribunais nacionais, dos quais se destaca o Tribunal Constitucional, pelo que a apreciação da sua legalidade cabe na competência do Tribunal Arbitral. Ainda que a CESE fosse qualificada de contribuição financeira, o CAAD tem competência para apreciar tal pedido, conforme fundamentos das decisões arbitrais proferidas nos processos 248/2019-T, 305/2020-T, 312/2015-T, 826/2021-T, 723/2020 -T e 555/2020-T: a competência em razão da matéria de um tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica apresentada pelo autor na petição inicial, independentemente do mérito ou demérito da pretensão deduzida, e tendo a Requerente configurado a CESE como um imposto, no âmbito da sua causa de pedir, deve improceder a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral, em razão da qualificação jurídica da CESE.   

    

Tendo sido interposto um pedido de revisão oficiosa contra o ato de autoliquidação, a Autoridade Tributária apreciou, sim, os fundamentos de facto e de direito aventados pela aqui Requerente e, por conseguinte, não estamos perante uma mera decisão de intempestividade e arquivamento que afaste a possibilidade de recurso à impugnação judicial.

 

Quanto à inimpugnabilidade do ato tributário de liquidação, a apreciação da existência de “erro imputável aos serviços” constitui uma dimensão da apreciação do mérito do pedido e não uma exceção, pelo que, invoca a Requerente, o presente pedido de pronúncia arbitral é o meio processual adequado.

 

 

3. Pelo despacho arbitral de 3 de setembro de 2025, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas, por não existirem quaisquer novos elementos sobre que as partes se devessem pronunciar. 

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 27 de maio de 2025.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído. 

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

 

O processo não enferma de nulidades e foram invocadas as exceções da incompetência do tribunal, da inidoneidade do meio processual e da inimpugnabilidade do ato tributário.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

 

II - Saneamento

 

Incompetência do tribunal arbitral

 

5. A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita a exceção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer do pedido, porquanto a CESE constitui uma contribuição financeira e não um imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária por efeito do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pelo qual a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição. 

 

Em resposta à matéria de exceção, a Requerente alega que: a CESE é, inequivocamente, desde 2018, qualificada como um imposto pelos Tribunais nacionais, os quais se destaca o Tribunal Constitucional, pelo que a apreciação da sua legalidade cabe na competência do Tribunal Arbitral. A competência em razão da matéria de um tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica apresentada pelo autor na petição inicial, e, assim, tendo a Requerente configurado a CESE como um imposto, no âmbito da sua causa de pedir, deve improceder a exceção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral.  

 

É esta a questão que primeiramente cabe analisar.

 

Sendo embora certo que a competência do tribunal deve ser aferida pelos termos da relação jurídico-processual, tal como é apresentada em juízo pelo autor, independentemente da idoneidade do meio processual utilizado, tal não significa que à  Requerente  basta que qualifique a CESE, na petição inicial, como um imposto para que deva improceder a exceção dilatória (cfr. acórdãos do Tribunal de Conflitos de 25 de janeiro de 2007, Proc. n.º 19/06, do TCA Sul de 12 de fevereiro de 2009, Processo n.º 3501/08, e de 5 de março de 2009, Processo n.º 3480/08).

 

Como se depreende do artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), subsidiariamente aplicável, “o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”.

 

A consideração dessas matérias como de ordem pública implica, por um lado, a insusceptibilidade de as regras legais relativas à competência do tribunal serem afastadas por vontade das partes e, por outro lado, a oficiosidade do seu conhecimento. Ou seja, no contencioso administrativo, a questão da competência do tribunal, seja qual for a sua espécie, é sempre de conhecimento oficioso, e o tribunal não pode ficar limitado na apreciação dessa questão pela qualificação efetuada pelas partes quanto à natureza jurídica do tributo que está em causa.

 

Nada obsta, por conseguinte, a que o tribunal aprecie a questão de acordo com as regras aplicáveis ao caso.

 

O artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, veio criar a Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, com o objetivo de financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente através do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental e de medidas relacionadas com a eficiência energética. Esta contribuição visa igualmente contribuir para a redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN), designadamente, através da minimização dos encargos decorrentes de custos de interesse económico geral (CIEG), indo ao encontro dos princípios de apoio e proteção do consumidor de eletricidade (cfr. artigo 1.º, n.º 2, do Regime Jurídico da CESE).

 

A jurisprudência arbitral, perante a redação originária do regime jurídico da CESE, tal como aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, começou por qualificar a CESE como uma contribuição financeira, julgando o tribunal arbitral incompetente ratione materiae para a apreciação do litígio que envolvesse esse tributo (cfr., entre outras, as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 478/2020-T e 714/2020-T). Nesse mesmo sentido se pronunciou o STA no acórdão de 13 de julho de 2021 (Processo n.º 03037/16), ao considerar que a CESE não tem a natureza de imposto, mas de contribuição financeira. O Tribunal Constitucional tomou posição sobre a inconstitucionalidade do regime jurídico da CESE, pela primeira vez, no acórdão n.º 7/2019, em que concluiu que a CESE tinha a natureza de uma contribuição financeira, sujeita ao princípio da equivalência.                                                                

Entretanto, o Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, criou o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), ao qual ficou consignada a receita obtida através da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, deixando inalterado o regime jurídico dessa contribuição, mormente no tocante aos seus objetivos, e passando a estabelecer, por via da alocação da receita proveniente da CESE ao FSSSE, os critérios de  repartição da receita (artigo 4.º).

Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, com o fundamento de que os critérios de distribuição da receita obtida com a cobrança da CESE «se têm vindo a revelar demasiadamente rígidos, impedindo que, em cada ano, se possam ajustar os valores aos objetivos do FSSSE que se mostrem mais prementes» (cfr. o preâmbulo do diploma), foram alterados os n.os 2 e 4 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 55/2014, que passou a dispor o seguinte:

                                                        Artigo 4.º

Despesas

1 - Constituem despesas do FSSSE as que resultem de encargos decorrentes da aplicação do presente decreto-lei, designadamente:

a) Encargos necessários ou decorrentes da realização dos seus objetivos, conforme definidos no artigo 2.º;

b) Encargos de liquidação e cobrança da contribuição extraordinária sobre o setor energético incorridos pela AT, correspondentes a uma percentagem de 3 % da receita referida na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior.

2 - As verbas do FSSSE são afetas aos seguintes fins:

a) Cobertura de encargos decorrentes da realização do objetivo definido na alínea a) do artigo 2.º no montante até um terço da receita referida na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior;

b) Cobertura de encargos decorrentes da realização do objetivo definido na alínea b) do artigo 2.º no montante remanescente.

3 - O montante referido na alínea a) do número anterior inclui o montante referido na alínea b) do n.º 1.

4 - A percentagem da alocação de verbas prevista na alínea a) do n.º 2 é definida por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da energia.

 

Deste modo, como se esclarece no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 101/2023, ficou o Governo habilitado a decidir, com a mais larga discricionariedade, a percentagem de receita da CESE afeta ao financiamento das políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, no intervalo de 0% a 33%, visto que a lei não define nenhum limite mínimo nem fixa critérios de decisão.

 

Na sua configuração inicial, a CESE destinava-se a resolver o défice tarifário do Sistema Elétrico Nacional, e principalmente a financiar políticas do setor energético de cariz social e ambiental, ações de regulação e medidas relacionadas com a eficiência energética (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2014).

 

A nova redação do artigo 4.º desse diploma, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, implicou uma alteração profunda dos pressupostos de facto e de direito em que assentaram as decisões judiciais proferidas sobre a CESE no período entre 2014 e 2017, por um lado, porque se verificava uma tendência firme de redução da dívida tarifária, e, por outro, porque o financiamento de medidas de regulação, de apoio às empresas e de cariz social e ambiental, relacionadas com a eficiência energética, deixou de corresponder ao destino legal das receitas da CESE.

 

Segundo jurisprudência do Tribunal Constitucional, um tributo tem a natureza de contribuição financeira quando, cumulativamente, tiver como pressuposto uma relação bilateral entre uma entidade pública e um grupo homogéneo de sujeitos − que se presumem causadores ou beneficiários de determinadas prestações administrativas −, e quando tiver por finalidade angariar receitas destinadas a compensar os inerentes custos ou benefícios presumivelmente gerados ou aproveitados pelos elementos desse grupo (cfr. os acórdãos n.os 539/2015, 7/2019, 344/2019 e 268/2021). 

 

Tal como se assinalou no acórdão n.º 268/2021, “o critério de distinção das contribuições financeiras em relação às demais categorias tributárias assenta no tipo de relação jurídica que se estabelece entre o sujeito passivo e os benefícios ou utilidades que para este decorrem do tributo (critério estrutural, pressuposto), com especial destaque para a incidência e a natureza do aproveitamento esperado (geral, difuso, concreto, efetivo ou presumido). A contribuição financeira emerge, deste modo, como um tributo coletivo, fixado em função do grupo, pela utilização ou utilidade singular meramente presumida, numa relação de bilateralidade genérica. O mesmo é dizer que a qualidade de sujeito passivo de uma contribuição financeira não pressupõe a compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito, sendo a pertença ao grupo identificado pelo legislador condição necessária e suficiente para tal.”

 

Deste modo, como se afirma ainda no citado acórdão n.º 101/2023, “uma adequada conformação normativa, em especial, das regras que definem a incidência subjetiva, objetiva e as finalidades de um tributo deste tipo deve, pois, tornar apreensível o necessário nexo entre a ação pública e os seus destinatários, que permita afirmar a existência, não apenas de uma homogeneidade de interesses, mas sobretudo de uma responsabilidade de grupo, que justifica que sobre os sujeitos que o integram – e não sobre toda a comunidade – recaia a respetiva ablação patrimonial.”

 

Nesse sentido,  o citado aresto julgou inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, o artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2018, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural.

 

Isso porque se entendeu, em primeiro lugar, que a maior parcela da receita se destinaria, a partir de 2018, a reduzir a dívida tarifária do setor elétrico, sem que sejam claras as razões pelas quais o legislador teve por adequado exigir a operadores não integrados nesse subsetor que participassem nos encargos daí advenientes, quando lhes não deram causa alguma, nem se vê que daí extraiam um especial benefício. 

 

Mais tarde, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 196/2024, de 12 de março de 2024, estes mesmos argumentos valeram, mutatis mutandis, relativamente à norma da alínea k) do artigo 2.º do regime jurídico da CESE, aplicável à ora Requerente na qualidade de comercializadora grossista de petróleo bruto e de produtos de petróleo. No entender do Tribunal Constitucional “quanto a estas […] deixou de ser possível afirmar que […] podem ser consideradas responsáveis pela [concretização dos objetivos da CESE, agora fortemente reduzidos], e muito menos presumíveis causadoras ou beneficiárias das prestações públicas que ao FSSSE incumbe providenciar”. 

 

Em necessária decorrência, o acórdão n.º 196/2024, confirmado até hoje como se demonstra pelo recente acórdão n.º 860/2025, de 1 de outubro de 2025 no mesmo sentido, também julgou inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, a norma contida no artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, de sujeitos titulares que sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro).

 

Nesta conformidade, relativamente a estas entidades (e diferentemente do que sucede hoje com os centros electroprodutores de energia renovável), inicialmente integradas no âmbito subjetivo da CESE, mas cujo nexo comutativo desapareceu com as alterações impostas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, não é possível qualificar a CESE como uma contribuição financeira.

 

E, em consequência, torna-se necessário concluir que, quanto a essas entidades, nas quais se inclui a ora Requerente, a CESE passou a assumir a natureza de um verdadeiro imposto.

 

Sendo assim, o tribunal arbitral é competente para conhecer do litígio, na medida em que, na situação do caso, está a apreciar uma pretensão relativa a impostos, que se encontra coberta pelo disposto no artigo 2.º, alínea a), da Portaria de Vinculação.  

 

Em consequência, a exceção dilatória de incompetência o tribunal mostra-se ser improcedente. 

 

Inidoneidade do meio processual

 

6. A Requerida defende ainda a inidoneidade do meio processual na medida em que o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente foi objeto de rejeição liminar, pelo que não se pronunciou sobre a legalidade dos atos de liquidação e, assim, o meio processual próprio seria a ação administrativa e não o processo de impugnação judicial.

 

Neste contexto, entende que as questões tributárias que constituem o objeto do pedido não comportam a apreciação da legalidade da liquidação, pelo que o tribunal arbitral é materialmente incompetente para conhecer do pedido e o meio judicial adequado é a ação administrativa a que se refere a alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

 

 Tal como vem colocada, a questão prende-se com a distinção, no âmbito do processo judicial tributário, entre a impugnação judicial e a ação administrativa segundo a nomenclatura que resulta do artigo 97.º do CPPT.

 

Nos termos do artigo 95.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária “o interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o ato lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos segundo as formas de processo prescritas na lei”. Por sua vez, o artigo 97.º, n.º 1, do CPPT distingue entre a impugnação judicial e a ação administrativa de acordo com o objeto do processo, considerando impugnáveis “os atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação” (alínea d)), e reservando a ação administrativa para “atos administrativos relativos a questões tributárias, que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação” (alínea p)).

 

Entretanto, o n.º 2 desse artigo 97.º esclarece que recurso contencioso dos atos administrativos em matéria tributária que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos, o que remete para o disposto no artigo 191.º do CPTA. Determina este preceito que “as remissões que, em lei especial, são feitas para o regime do recurso contencioso de anulação de atos administrativos consideram-se feitas para o regime da ação administrativa”, o que significa que a remissão efetuada pelo artigo 97.º, n.º 1, alínea p), do CPPT se considera agora feita para a forma de processo que lhe corresponde no CPTA. O que conduziria, em tese geral, a considerar aplicável a ação de condenação à prática de ato devido quando estivesse em causa a omissão ou recusa da prática de ato administrativo.

 

Havendo de notar-se que, com a revisão do CPTA aprovada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, as pretensões materiais deduzidas em juízo que se reportam à prática ou omissão de ato administrativo ou à prática ou omissão de norma administrativa - que anteriormente correspondiam à forma da ação administrativa especial - seguem agora o regime da ação administrativa como única forma de processo declarativo aplicável quando não estejam em causa processos urgentes (cfr. artigo 37.º). 

 

A utilização da ação administrativa, em aplicação do artigo 97.º, n.º 1, alínea p), do CPPT e por efeito da remissão constante do n.º 2 desse artigo, prende-se, portanto, com a caracterização da questão tributária que está em causa, e terá lugar quando a questão não comporte apreciação da legalidade do ato de liquidação.

 

Ora, a Requerente deduziu um pedido de constituição de tribunal arbitral para a apreciação da legalidade de ato de autoliquidação da CESE, e, precedentemente, deduziu um pedido de revisão oficiosa contra o mesmo ato de autoliquidação, visando obter a sua anulação pela via administrativa. 

 

O efeito útil e relevante do indeferimento do pedido de revisão oficiosa traduz-se na manutenção na ordem jurídica do ato tributário de liquidação, pelo que é esse mesmo indeferimento que torna justificável e necessário o recurso à jurisdição arbitral visto não ter sido possível obter a anulação administrativa ainda na fase pré-judicial. A decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui, neste contexto, o objeto mediato do pedido e tem em vista assegurar a eliminação da ordem jurídica dessa decisão caso se venha a concluir pela ilegalidade dos atos tributários de liquidação.

 

E, nesse sentido, a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, por efeito de um dos fundamentos invocados, comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação e cabe no âmbito de aplicação do artigo 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.

 

Nestes termos, a invocada exceção da inidoneidade do meio processual mostra-se ser improcedente e o meio processual adotado em vista à anulação das liquidações é o próprio.

 

Inimpugnabilidade do ato de autoliquidação

 

7. A Requerida considera ainda que o ato de autoliquidação da CESE está excluído da jurisdição arbitral quando não tenha sido precedida de reclamação graciosa, no prazo de dois anos, conforme o disposto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, e, assim, ainda que o procedimento de revisão oficiosa fosse equiparado ao procedimento de reclamação graciosa, para efeitos do cumprimento do ónus da impugnação administrativa necessária previsto nessa disposição, não poderia ser considerado  o pedido de revisão oficiosa, uma vez que foi apresentado para além desse prazo. 

 

Em causa está a interpretação do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, diploma que, em aplicação do artigo 4.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), regulamenta o âmbito de vinculação da administração tributária aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. Nos termos dessa disposição, os serviços e organismos que integram a Administração Tributária vinculam-se à jurisdição arbitral no tocante a qualquer dos tipos de pretensões identificadas o n.º 1 do artigo 2.º desse Regime, com exceção das relativas à “declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

No caso de erro na autoliquidação, o artigo 131.º especifica que a impugnação judicial “será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos a contar da apresentação da declaração”. Essa disposição, tem o sentido inequívoco de tornar exigível a prévia impugnação administrativa do ato tributário como condição de acesso à via jurisdicional, e constitui um requisito de impugnabilidade contenciosa.

 

Por outro lado, a exigência legal de uma impugnação administrativa necessária tem em vista obter, por via de um procedimento de segundo grau, a reapreciação da legalidade do ato impugnado, permitindo que a Administração possa ainda tomar uma posição definitiva sobre a questão antes de o interessado poder ser suscitar um litígio judicial.

 

É ainda de fazer notar que a lei permite que o sujeito passivo, por sua iniciativa, possa solicitar a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou dentro do prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 78.º, n.º 1, da LGT).

 

O pedido de revisão constitui igualmente um procedimento de segundo grau, que tem o mesmo efeito jurídico da reclamação necessária a que se refere o artigo 131.º do CPPT, na medida em que permite o reconhecimento pela Administração da existência de ilegalidade na prática do ato tributário, e que pode ser deduzido no mesmo prazo e desencadear, em idênticos termos, em caso de indeferimento, o recurso à via contenciosa.

 

Conferindo a lei ao interessado dois meios alternativos de reação administrativa contra o ato tributário, dentro do mesmo prazo e com idênticos efeitos de direito, nenhum motivo existe para que não possa estabelecer-se a equiparação entre esses meios para o efeito de sujeitar o litígio à arbitragem.

 

A questão em análise foi já dirimida nesse mesmo sentido por jurisprudência amplamente maioritária dos tribunais arbitrais (entre muitos, os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 617/2015-T, 429/2020-T e 840/2021-T, e veio a ser sufragada pelo acórdão de 27 de abril de 2017 do TCA Sul, no Processo n.º 08599/17).

 

Tendo sido apresentado, no caso vertente, um pedido  revisão oficiosa contra atos de autoliquidação, e sendo esse um meio administrativo equiparável à reclamação graciosa, a questão está na limitação que a lei estabelece quanto aos prazos que resulta dos dois segmentos normativos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT: o sujeito passivo, por sua iniciativa, pode solicitar a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou dentro do prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1, primeira parte); a Administração Tributária, por sua iniciativa, pode proceder à revisão oficiosa no prazo de quatro anos após a liquidação, com fundamento em erro imputável aos serviços, possibilidade que se torna extensiva ao contribuinte por força do n.º 7 do artigo 78.º da LGT.

 

No caso em análise, o que se constata é que a Requerente, no cumprimento das suas obrigações fiscais declarativas, submeteu, em 30 de outubro de 2020, a declaração Modelo 27 da CESE relativa ao ano de 2020 (documento n.º 1 junto ao pedido arbitral) e apresentou pedido de revisão oficiosa contra os mesmos atos de autoliquidação, em 30 de outubro de 2024 (documento n.º 2 junto ao pedido arbitral), e fê-lo, portanto, para além do prazo de dois anos de que dispunha para interpor a reclamação graciosa. 

E ainda que se atribua ao pedido de revisão oficiosa o mesmo efeito jurídico da reclamação graciosa, essa equivalência apenas pode ser reconhecida quando o pedido de revisão oficiosa tenha sido apresentado dentro do prazo previsto para aquela forma de impugnação administrativa, isto é, dentro do prazo de dois anos - artigo 131.º, n.º 1, do CPPT (cfr., neste sentido, entre outros, o acórdão proferido no Processo CAAD n.º 840/2021-T).

 

Sendo assim, é de concluir que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado intempestivamente, para efeito de poder ser considerado como correspondendo à impugnação administrativa necessária a que se refere o artigo 131.º do CPPT, pelo que se verifica a inimpugnabilidade dos atos tributários que constituem objeto do pedido arbitral por falta de precedência de impugnação administrativa necessária dentro do prazo legalmente previsto.

 

Não se põe em dúvida, e constitui jurisprudência pacífica do STA, que a revisão dos atos tributários por iniciativa da Administração Tributária, no prazo de 4 anos após a liquidação, pode ser suscitada pelo contribuinte, com base em erro imputável aos serviços (cfr. acórdãos de 20 de março de 2002, Processo n.º 026580, de 12 de julho de 2006, Processo n.º 0402/06, e de 29 de maio de 2013, Processo n.º 0140/13). No entanto, numa interpretação conforme a unidade do sistema jurídico, uma tal possibilidade não pode inutilizar a exigência legal de impugnação administrativa necessária que consta do artigo 131.º, n.º 1, do CPTT, dentro do prazo aí previsto, e que constitui um requisito de impugnabilidade dos atos de autoliquidação.

 

Nesse sentido aponta o acórdão do STA de 9 de novembro de 2022 (Processo n.º 087/22), onde se consigna, na situação paralela do artigo 132.º do CPPT, que a formulação de pedido de revisão oficiosa do ato tributário pode ter lugar relativamente a atos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, mas esta é necessária para efeitos de dedução de impugnação judicial.

 

Procede, por conseguinte, a exceção de inimpugnabilidade do atos de autoliquidação que constituem objeto do pedido arbitral.

 

   Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

8.  Não sendo de tomar conhecimento do pedido arbitral de declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação da CESE e da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, fica necessariamente prejudicado o conhecimento dos pedidos acessórios de reembolso do imposto liquidado e do pagamento de juros indemnizatórios. 

 

III – Decisão  

 

Termos em que se decide: 

 

a)     Julgar improcedentes as exceções de incompetência do tribunal arbitral e de inidoneidade do meio processual; 

b)    Julgar procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato de autoliquidação da CESE; 

c)     Absolver a Autoridade Tributária da instância quanto ao pedido principal; 

d)    Absolver a Autoridade Tributária do pedido acessório de reembolso do imposto pago e de juros indemnizatórios.  

 

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 107.839,37, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, que fica a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 14 de outubro de 2025,

   

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

 

A Árbitro Vogal

 

 

Catarina Belim

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

António Manuel Melo Gonçalves 

 

(com declaração de voto)

 

Concordo com o sentido decisório, no sentido de que a atual redação da CESE, no que respeita à incidência sobre os operadores do setor de transporte. distribuição e comercialização por grosso e a retalho de biodiesel, se configura como um imposto. 

Não escamoteando as projeções das crises energéticas resultantes de conflitos regionais, de qualquer modo, os operadores de produção e comercialização de biocombustíveis dificilmente serão compensados pela diminuição da atividade em resultado da transformação da motorização do mercado de automóveis, em que os combustíveis por eles transportados e vendidos estão gradualmente a ser substituídos por consumo de eletricidade, donde a sua comparticipação no sistema não ser comutativa. 

Todavia, sendo considerado um imposto, a meu ver, à luz das normas que estatuem a vinculação da AT à arbitragem tributária, o mesmo não estará abrangido pela vinculação.   

O FSSSE tem como despesas os encargos de liquidação e cobrança da CESE incorridos pela AT, correspondentes a uma percentagem de 3% do produto da CESE, conforme prevê a alínea b) do artigo 4.º, tendo a AT a possibilidade de corrigir erros ou omissões que verifique determinarem a exigência de um maior valor de contribuição.

Por seu turno, nos artigos 6.º e 7.º encontram-se identificadas as entidades gestoras e previstas as respetivas competências. 

Pese embora a AT tenha competência material para alterar declarações dos sujeitos passivos, quando esteja em causa um maior valor contributivo, decorrente do facto de ter acesso a bases de dados com informação contabilística relevante, uma vez que cobra os impostos tradicionais aos sujeitos passivos, e não se cinja a uma mera e única disponibilização dos sistemas informáticos e dos recursos humanos necessários à cobrança, não interpreto tal faculdade como lhe conferindo a qualidade de administradora de impostos na aceção que lhe é dada na lei orgânica e regulamentação subsequente relativamente às competências específicas que cabem a cada direção de serviços relativamente aos impostos de que são responsáveis. 

Trata-se de uma receita cuja base de cobrança cabe na alínea o), do artigo 8.º da Portaria n.º 320-A/2011, segundo a qual são receitas próprias da AT «As receitas que por lei, contrato ou outro título lhe sejam atribuídas».  

Assim, mesmo afastada a natureza de contribuição financeira e a CESE seja concetualizada como imposto, faltar-lhe-á o nexo de inclusão exigido pelo artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, «apreciação das pretensões relativas a impostos, cuja administração lhes esteja cometida», segregado «dos atos de liquidação dos tributos» a que se refere a alínea a), do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

António Manuel Melo Gonçalves