Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1423/2024-T
Data da decisão: 2025-10-15  IRS  
Valor do pedido: € 21.819,48
Tema: IRS | “Tonnage Tax” | Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro | Isenção de IRS para tripulantes.
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Sumário:

O artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro, que prevê a isenção de IRS aplicável aos tripulantes, deve ser interpretado no sentido de exigir que os navios ou embarcações se encontrem registados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime de “tonnage tax” português ou por um outro regime análogo em vigor num Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.

 

DECISÃO ARBITRAL

A árbitra, Alexandra Gonçalves Marques, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar tribunal arbitral, em formação singular, constituído em 5 de março de 2025, decide o seguinte: 

I – Relatório

1.      O Requerente, A..., contribuinte fiscal n.º..., com morada na Rua ... n.º ..., ...-... Vila do Conde, veio requerer a constituição de tribunal arbitral singular nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que regula o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e apresentar pedido de pronúncia arbitral (PPA) para apreciar a legalidade do ato de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), respeitante aos anos de 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023, no valor total de 21.819,48 €, bem como da decisão de indeferimento (tácito) do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento das custas no processo.

2.     O Requerente peticiona, também, a restituição do montante do imposto indevidamente pago, e a restituição dos montantes indevidamente cobrados/penhorados, acrescidos de juros indemnizatórios calculados à taxa legal, desde a data do pagamento indevido até ao momento do efetivo e integral reembolso desses montantes.

3.     É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

4.     Em 30-12-2024, o pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e, subsequentemente, notificado à Requerida.

5.     A árbitra designada pelo Conselho Deontológico do CAAD aceitou a designação.

6.     Em 14-02-2025, o Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT.

7.     Decorrido o prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 05-03-2025.

8.     A AT apresentou resposta em 24-04-2025. 

9.     Em cumprimento do despacho arbitral proferido, em 01-09-2025 o Requerente juntou aos autos documentos.

10.   Por despacho de 04-09-2025, a Requerida foi notificada para se pronunciar sobre os documentos juntos pelo Requerente. Nesse mesmo despacho, o tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e as Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas facultativas.

11.    Em 24-09-2025, a Requerida pronunciou-se sobre os documentos juntos e em 29-09-2025 o Requerente apresentou resposta ao mesmo.

 

12.   O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas. 

O processo não enferma de nulidades.

 

 

II – Posição das Partes

13.   O Requerente alega que durante os anos de 2019 a 2023, trabalhou para a empresa “B... A/S”, com sede na Dinamarca e aí abrangida pelo regime especial de determinação da matéria coletável designado por “tonnage tax”.

 

Assim sendo, os rendimentos obtidos pelo Requerente, pelo trabalho prestado naqueles anos, por um período superior a 90 dias, como tripulante (marinheiro de 1.ª classe), nos navios “...” e “...”, estão isentos de tributação, em sede de IRS, ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro.

 

Porém, relativamente aos períodos em causa, a AT promoveu as respetivas liquidações de IRS desconsiderando a isenção prevista naquela norma. Tendo em vista que lhe fosse aplicado o regime de isenção do pagamento de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS) aplicável às remunerações auferidas pelos tripulantes dos navios abrangidos pelo regime especial de determinação da matéria coletável, designado por “tonnage tax”, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa requerendo a anulação das liquidações de IRS para os anos de 2019 a 2023. 

 

No entanto, perante a ausência de uma decisão por parte da AT ao mencionado pedido de revisão oficiosa, o Requerente deu entrada do presente pedido de constituição do tribunal arbitral, tendo em vista a apreciação de legalidade daquelas liquidações de IRS, bem como do pedido de revisão oficiosa contra elas apresentado.

 

Em abono da sua tese invoca as decisões arbitrais proferidas pelo CAAD, no âmbito dos Processos n.ºs 355/2023-T, de 23 de janeiro de 2024 e 667/2023-T, de 24 de abril de 2024.

 

Assim, conforme resulta da lei e das decisões jurisprudenciais invocadas, as remunerações auferidas pelo Requerente, durante o período 2019-2023, encontram-se isentas de IRS. 

 

Conclui requerendo que se julgue procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, se declare a ilegalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e da liquidação de imposto subjacente referente ao IRS de 2019, 2020, 2021 e 2022, bem como que seja declarada a ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2023, e dos juros compensatórios respeitantes ao ano de 2023. 

 

14.   A Requerida, pela sua parte, opõe-se à aplicação do denominado “tonnage tax” aos rendimentos do trabalho dependente auferidos pelo Requerente no estrangeiro. A Requerida sublinha que o Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro define um novo enquadramento para a marinha mercante nacional com o propósito de fortalecer a competitividade da bandeira portuguesa, que assente num regime opcional de determinação da matéria coletável baseado na tonelagem líquida dos navios. Feita esta opção, o diploma preceitua a isenção da tributação dos rendimentos obtidos por tripulantes das embarcações elegíveis, se estiverem a bordo pelo menos 90 dias num período de tributação (artigo 4º), sendo esta aplicável aos tripulantes de navios ou embarcações, registados no registo convencional português, ou num outro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu. Apoiando-se no preambulo do diploma, a AT entende que o mesmo impõe a opção pelo regime especial de determinação da matéria coletável, afetos às atividades previstas neste regime. E que não há dúvidas acerca da “da obrigatoriedade de sujeição a imposto em Portugal, por parte das entidades responsáveis pelas atividades elegíveis no “tonnage tax”, conforme resulta da Lei n.º 42/2018, de 9 de agosto (lei de autorização legislativa para criação de um regime especial de tributação para a atividade de transporte marítimo).

 

Porém, a AT entende que o Requerente não demonstra, nem alega, que os navios em que foi tripulante optaram pelo regime especial de determinação da matéria coletável previsto no Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro. Não o tendo feito, o pedido formulado nos autos deve improceder. A AT sustenta que o pedido deve improceder porquanto os documentos juntos pelo Requerente “relativamente ao período de tributação de 2019” não são suficientes para prova da aplicação do regime “tonnage tax”. Na ótica da AT, o Requerente junta aos autos uma declaração da administração fiscal dinamarquesa que assevera a sujeição da “B... A/S” ao regime do “tonnage tax” dinamarquês, mas, tão-somente, para os anos de 2020, 2021 e 2022. Esses documentos não cobrem os anos de 2019 e 2023. Na ótica da AT, os requisitos para aplicação do “tonnage tax” aos rendimentos do Requerente não se encontram demonstrados nos autos para os anos 2019 e 2023.

 

Conclui, assim, pela improcedência do pedido formulado no PPA.

III – Matéria de facto

 

15.   Com relevância para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

A.    Durante os anos de 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023, o Requerente prestou a sua atividade profissional de marinheiro de primeira classe, ao abrigo de um contrato individual de trabalho com a empresa “B... A/S” (Documentos n.º 1 e 2 juntos com o PPA).

B.     A “B... A/S” tinha, à data dos factos tributários, sede na Dinamarca, onde era residente fiscal (documento n.º 1 a 3 juntos com o PPA).

C.     A empresa, no período 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023, encontrava-se abrangida pelo regime especial de determinação da matéria coletável designado por “Tonnage Tax” (documentos 1 a 3 juntos com o PPA e documento n.º 1 a 3 juntos com o requerimento de 01-09-2025).

D.    O Requerente exerceu a sua atividade profissional a bordo dos navios “...” e “...”, por um período superior a 90 dias, relativamente a cada um dos anos em causa (Documento n.º 1 e 2 junto com o PPA).

E.     O Requerente entregou declaração de IRS, referente ao ano de 2019, que deu origem à liquidação n.º 2022 ..., com valor a pagar de 4.409,53 € (Documento n.º 4 junto com o PPA).

F.     O Requerente entregou declaração de IRS, referente ao ano de 2020, que deu origem à liquidação n.º 2022..., com valor a pagar de 2 584,04 € (Documento n.º 5 junto com o PPA).

G.    O Requerente entregou declaração de IRS, referente ao ano de 2021, que deu origem à liquidação n.º 2022..., com valor a pagar de 4.260,05 € (Documento n.º 6 junto com o PPA).

H.    O Requerente entregou declaração de IRS, referente ao ano de 2022, que deu origem à liquidação n.º 2023..., com valor a pagar de 5.492,36 € (Documento n.º 7 junto com o PPA).

I.      O Requerente entregou declaração de IRS, referente ao ano de 2023, que deu origem à liquidação n.º 2024..., com valor a pagar de 5.073,50 € (Documento n.º 8 junto com o PPA).

J.      Em 21 de junho de 2024, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade das liquidações de IRS, referentes aos anos de 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023, à qual foi atribuído o número CRM n.º..., pelo Serviço de Finanças de Vila do Conde (Documento n.º 9 junto com o PPA e processo administrativo). 

K.     A AT não decidiu o pedido de revisão oficiosa deduzido pelo Requerente. 

L.     Em 29 de dezembro de 2024, o Requerente apresentou o presente PPA.

 

Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Inexiste matéria de facto não provada com relevância para a decisão da causa.

 

Os factos foram dados como provados com base no exame crítico dos documentos constantes dos autos, em especial, os documentos juntos pelo Requerente com o pedido de pronúncia arbitral (PPA) e com o requerimento de 1-09-2025, bem como no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, tudo de acordo com o indicado em cada um dos pontos dos factos provados. 

 

A controvérsia quanto à matéria de facto cinge-se à prova de que a empresa para a qual o Requerente prestou a sua atividade se encontra sujeição ao regime do “tonnage tax” dinamarquês (cf. ponto C da matéria de facto provada). Com efeito, na resposta apresentada, a Autoridade Tributária colocou em causa que, nos períodos de tributação de 2019 e 2023, a “B... A/S” houvesse optado pelo regime do “Tonnage Tax” dinamarquês. Salientava a AT que a declaração da administração fiscal dinamarquesa junta como documento n.º 3 com o PPA apenas cobria os anos de 2020, 2021 e 2022. As dúvidas que se poderiam colocar quanto à sujeição ao “Tonnage Tax” dinamarquês relativamente aos anos de 2019 e 2023 foram afastadas pelo Requerente (cf. requerimento de 01-09-2025) com a junção aos autos dos documentos n.º 1 a 4 (fls ... dos autos), em especial, com o documento n.º 4, emitido pelas autoridades fiscais da Dinamarca, os quais revelam que, por referência aos anos de 2019 a 2023, a “B...” optou pelo regime especial de tributação designado “Tonnage Tax” dinamarquês. 

 

No mais, não existe controvérsia entre as Partes quanto à matéria de facto.

 

IV – Matéria de Direito

16.   A questão que se coloca é a de saber se as remunerações auferidas pelo Requerente se encontram isentas de pagamento de IRS, nos temos do artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro.

17.   Importa, para o efeito, ter presente o disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro

CAPÍTULO III

Benefícios fiscais e contributivos dos tripulantes

Artigo 4.º

Regime fiscal

1 - Estão isentas do pagamento de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS) as remunerações auferidas, nessa qualidade, pelos tripulantes dos navios ou embarcações consideradas para efeitos do regime especial de determinação da matéria coletável. 

2 - Não obstante o disposto no número anterior, quando estejam em causa navios que efetuam serviços regulares de passageiros entre portos do Espaço Económico Europeu, só podem beneficiar do regime previsto no presente artigo os respetivos tripulantes que tenham nacionalidade de um Estado-Membro da União Europeia ou de um Estado parte do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu.

3 - A isenção prevista no número anterior está condicionada à permanência do tripulante a bordo pelo período mínimo de 90 dias em cada período de tributação.

4 - O disposto no número anterior não prejudica o englobamento dos rendimentos isentos, para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 22.º do Código do IRS.

 

18.   O decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro veio introduzir na ordem jurídica portuguese um regime especial de determinação da matéria coletável com base na tonelagem dos navios e embarcações («tonnage tax»). 

19.   Tonnage Tax constitui um regime especial de tributação que tem como objetivo promover a marinha mercante. A sua introdução em Portugal ocorre com a aprovação daquele diploma, em consonância com o que já acontecia em vários estados da União Europeia (Países Baixos, Bélgica, Alemanha, entre outros), e com os objetivos da política europeia que destacou como uma das prioridades da política de transporte marítimo até 2020 o estabelecimento de regimes fiscais nacionais mais favoráveis, com o propósito de manter a competitividade do shipping europeu.

20.  Este diploma define um novo enquadramento jurídico para a marinha mercante, instituindo um regime especial de determinação da matéria coletável com base na tonelagem de navios («tonnage tax») e um regime fiscal e contributivo específico para a atividade marítima, bem como um registo de navios e embarcações simplificado.

21.   Para os tripulantes o regime fiscal e a fixação de uma taxa contributiva global reduzida constituem uma medida para incentivar o investimento e promover o trabalho no setor do transporte marítimo em Portugal.

22.   Neste contexto, os tripulantes beneficiem de um conjunto de vantagens fiscais que se encontram previstas no Capítulo III – Benefícios fiscais e contributivos dos tripulantes.

23.   As vantagens fiscais atribuídas aos tripulantes são concretizadas no artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro, o qual estabelece a isenção do pagamento de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS).

24.  Para os tripulantes, o regime estabelece que esta isenção “é aplicável aos tripulantes de navios ou embarcações registados no registo convencional português ou num outro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu utilizados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime especial de determinação da matéria coletável e afetos às atividades previstas neste regime.”.

25.   À luz do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro, a isenção de pagamento de IRS está sujeita à verificação de determinados requisitos.

26.  Em primeiro lugar, o artigo 4.º, n.º 1 prevê a isenção de pagamento de remunerações auferidas, nessa qualidade, pelos tripulantes dos navios ou embarcações consideradas para efeitos do regime especial de determinação da matéria coletável. Deste segmento, decorre que para beneficiar da isenção o sujeito passivo de IRS tem de ter a qualidade de tripulante e, tem de prestar o trabalho para um navio ou embarcação que haja optada pelo regime especial de tributação com base na tonelagem dos navios («tonnage tax»).

27.   Em segundo lugar, sempre que estejam em causa navios que efetuam serviços regulares de passageiros entre portos do Espaço Económico Europeu, o tripulante tem de ter nacionalidade de um Estado-Membro da União Europeia ou de um Estado parte do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (cf. artigo 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro).

28.  Em terceiro lugar, para beneficiar da isenção, o tripulante tem de ter permanecido a bordo, em cada período de tributação, pelo período mínimo de 90 dias (cf. artigo 4.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro).

 

29.  Nas várias decisões jurisprudências que se têm debruçado sobre a interpretação e aplicação do artigo 4.º , n.º 1 do Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro tem prevalecido o entendimento no sentido de que ficam abrangidos pela isenção de pagamento de imposto, os tripulantes de navios ou embarcações registados no registo convencional português ou num outro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu utilizados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime especial de determinação da matéria coletável (“tonnage tax”) - neste sentido, decisão do CAAD proferida no Processo 667/2023-T, bem como as Decisões proferidas pelo CAAD, nos Processos n.ºs 1363/2024, de 14 de maio de 2025, 1303/2024, de 16 de maio de 2025, 646/2024-T, de 26 de março de 2025, 290/2024-T, de 29 de Outubro de 2024, 667/2023-T, de 24 de abril de 2024, Processo 355/2023-T, de 23 de janeiro de 2024, entre outras.

 

30.  No presente caso, a questão que se coloca é a de saber se as remunerações auferidas pelo Requerente, enquanto tripulante de um navio, podem beneficiar da isenção de pagamento de IRS, à luz do artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro. Adiante-se, desde já que acompanhamos a posição do Requerente. 

31.   Da matéria de facto provada, resulta que as remunerações auferidas pelo Requerente – nos exercícios de 2019 a 2023 – resultam da prestação de uma atividade, ao abrigo do um contrato individual de trabalho, o exercício de funções inerentes à categoria de marinheiro de primeira classe (cf. pontos A da matéria de facto provada).

32.   Resulta, igualmente, que o trabalho foi prestado para a empresa B... A/S, com sede na Dinamarca e aí sujeita ao “Tonnage Tax” dinamarquês (cf. pontos B e C da matéria de facto provada). 

33.   Com efeito, nos anos em causa, esta empresa optou pela tributação ao abrigo do regime especial de determinação da matéria coletável com base na tonelagem dos navios (“tonnage tax”).

34.  Trabalho este que foi prestado a bordo dos navios “...” e “...”, por um período superior a 90 dias (cf. pontos A e D da matéria de facto provada).

35.   Face ao exposto, entende-se que o Requerente reúne os requisitos legais para beneficiar da isenção de pagamento de IRS.

36.  Refira-se que, contrariamente ao que alegada a Requerida (cf. ponto 19 da resposta), a aplicação do regime de isenção de pagamento de IRS aos tripulantes que reúnam os requisitos previstos na lei, não se aplica apenas quando haja sujeição a imposto em Portugal, por parte das entidades responsáveis pelas atividades elegíveis no “tonnage tax”. Com efeito, podem igualmente beneficiar da isenção aqui prevista os tripulantes de navios ou embarcações considerados para efeitos do regime especial de determinação da matéria coletável em outro Estado-Membro da União Europeia (in casu, Dinamarca).

37.   Com efeito, o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro estabelece no n.º 1 que as disposições do Capítulo II são aplicáveis “aos navios e embarcações que exerçam atividades previstas no regime especial de determinação da matéria coletável, constante do anexo ao presente decreto-lei” e no n.º 2 que as disposições do capítulo III – que contem os benefícios fiscais e contributivos dos tripulantes, onde se insere o já citado artigo 4.º - são aplicáveis “aos tripulantes de navios ou embarcações registados no registo convencional português ou num outro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu utilizados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime especial de determinação da matéria coletável e afetos às atividades previstas neste regime”.

 

38.  Em face do exposto, impõe-se concluir que as remunerações auferidas pelo Requerente, nos anos de 2019 a 2023, estão isentas de pagamento de IRS, ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro.

39.  O que acarreta a ilegalidade das liquidações de IRS referentes aos anos de 2019 a 2023 (cf. pontos E a I dos fatos provados) porquanto as mesmas não consideraram isenção atribuída às remunerações auferidas pelo Requerente.

 

Restituição do Imposto 

40.  Da ilegalidade dos atos de liquidação de IRS, resulta para a AT a obrigação de restabelecer a situação que existiria se os atos não tivessem sidos praticados. 

41.   De acordo com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

42.  Para além do reembolso do imposto indevidamente pago, dispõe o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que: 

“São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. 

43.  Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato de liquidação, há lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia indevidamente paga pelo Requerente, à taxa legal supletiva, desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos conjugados do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT, dos artigos 43.º, n.º 1 e e 100.º, n.º 1 da LGT.

 

V – Decisão

Termos em que se decide:

a)     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade e anulação dos atos tributários de liquidação de IRS, no montante total de 21.819,48 €, relativos aos anos de 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023, bem como a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido.

b)    Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago pelo Requerente e no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

c)     Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.

 

VI – Valor do Processo

Nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do Código de Procedimento e Processo Tributário, conjugado com o artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 21.819,48 €.

 

VII – Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT fixa-se o montante das custas em 1.224,00 €, nos termos que resultam da aplicação da tabela I, ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

CAAD, Lisboa, 15 de outubro de 2025

A Árbitra,

 

Alexandra Gonçalves Marques