Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 516/2025-T
Data da decisão: 2025-10-13  IMT Selo  
Valor do pedido: € 77.805,01
Tema: IMT – IS – Entradas dos sócios com bens imóveis para a realização do capital
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Sumário:

  1. O IMT, que incide sobre a transmissão de imóveis, está excluído da proibição do art. 5.º da Diretiva 2008/7/CE do Conselho de 12.02.2008, pela al. b) do artigo 6.º .
  2. As entradas em espécie (imóveis) dos sócios no capital social das sociedades não podem ser tributadas em sede de Imposto de Selo.

 

DECISÃO ARBITRAL

I. RELATÓRIO 

I.1

  1. Em 26 de maio de 2025 a contribuinte A..., LDA, com o NIF/NIPC ..., sede na  Rua ..., nº...,  ..., ...-... ..., requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo com designação dos árbitros pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto na al. a), no n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma.

2.     O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 02 de junho de 2025.

3.     A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a) e artigo 6.º, n.º2, al. a) do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.

4.     Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 05.08.2025.

5.     Após o despacho de 05 de agosto de 2025, a Requerente apresentou a sua resposta em 29 de setembro de 2025.

6.     Por despacho de 29.09.2025 a reunião prevista no art. 18º do RJAT e a apresentação de alegações foram dispensadas.

  1. Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade e consequente a anulação das liquidações de  IMT n.º..., com o DUC n.º ... (50.555,84€), IS n.º..., com o DUC n.º ... (13.571,16€), IMT,  n.º..., com o DUC n.º ... (11.330,49€), IS n.º ..., com o DUC n.º ... (2.347,52€) e reembolso das quantias pagas.

 

II.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos: 

 

  1. A liquidação do IMT foi efetuada com base na Art. 2, n.º5, alínea e) do CIMT, a qual dispõe que se consideram transmissões de bens imóveis as entradas dos sócios com bens imóveis para a realização do capital.
  2. Uma vez que a norma de incidência do art. 2, n.º5, al. e) do CIMT pretende onerar com esse imposto ‘as entradas dos sócios com bens imóveis para a realização do capital’ é claro que se trata de um imposto indireto incidente sobre um acto de reunião de capitais. 
  3. Como a entrega de imóveis para a realização das entradas dos sócios foi sujeita à incidência de IMT e de encargos com o registo da propriedade em nome da Requerente, cabe aferir quais desses encargos são permitidos e quais são proibidos pela Diretiva.
  4. Quanto às entradas de imóveis, o artigo 6º da Diretiva n.º 2008/7/CE, do Conselho de 12 de Fevereiro de 2008 apenas permite a incidência dos ‘direitos de transmissão e encargos de registo de propriedade’
  5. Não existindo igual permissão para um imposto indireto com as características do IMT. 
  6. Pelo que se conclui ser ilegal a liquidação do IMT, porque contrária à Diretiva.
  7. Sujeitar a entrega de bens imóveis para realização do capital a tributação em sede de IS, contraria, seja o Direito da União Europeia aplicável (artigo 7.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE), seja a intenção expressa do legislador na Lei n° 3-B/2010, de 28/04, que, com a revogação da verba 26, expressamente assumiu como objetivo a eliminação da tributação indireta, o qual não pode ser contrariado pela tentativa de repristinação da tributação prevista na verba 1.1 da Tabela.  
  8. Conclui-se, assim, que a eliminação da verba 26 da TGIS, implicou a exclusão da operação em causa do âmbito das normas de incidência do IS, sendo ilegal a liquidação efetuada ao abrigo da verba 1.1 da Tabela.

                             

II.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

1.     O objeto da tributação não é uma entrada de capital (artigo 5. °, n.º 1, alínea a), da Diretiva), enquanto tal, mas apenas a alteração do direito de propriedade sobre um bem imóvel, que ocorre por ocasião da entrada dos sócios com bens imóveis para a realização do capital.

2.     O IMT é cobrado como um imposto geral sobre a transmissão do direito de propriedade sobre imóveis, não incidindo sobre umas das operações específicas referidas no artigo 5. ° da Diretiva, enquanto tal, pelo que não se encontra abrangido pela proibição estabelecida na Diretiva 2008/7/CE.

3.     Ainda que, por mera hipótese académica, se admitisse que o IMT consubstancia um “imposto indireto sobre reuniões de capitais” – o que, como demonstrado na presente Resposta, não se verifica - e, nessa medida, pudesse, em abstrato, subsumir-se no âmbito da Diretiva 2008/7/CE e, concretamente, na proibição consagrada no seu artigo 5.º, sempre se teria de concluir que tal imposto beneficia da derrogação prevista no artigo 6.º, n. º1, alínea b), da mesma Diretiva, a qual permite aos Estados-Membros a cobrança de direitos de transmissão, designadamente sobre a entrada de bens imóveis no capital de uma sociedade.

4.     A eliminação da verba 26 não teve como efeito necessário a exclusão da operação sub judice do âmbito de incidência do Imposto do Selo, uma vez que persistem fundamentos normativos bastantes, em sede de incidência objetiva e subjetiva, para sustentar a legalidade das liquidações impugnadas.

5.     A verba 1.1 da TGIS prevê que se encontram sujeitas à taxa de 0,8% as aquisições onerosas ou por doação do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis.

6.     A operação em causa respeita à aquisição do direito de propriedade, por parte da ora Requerente, sobre bens imóveis, em virtude da entrada de imóveis para realização do seu capital social.

7.     Trata-se, pois, de facto jurídico distinto das meras entradas de capital social, integrando o conceito de aquisição onerosa do direito de propriedade e, portanto, sujeito à tributação em sede de IS previsto na verba 1.1. da TGIS.

8.     A revogação da verba 26 “Entradas de capital”, operada Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, deve, pois, ser interpretada no sentido de eliminar custos de contexto associados aos aumentos de capital, desde que estes não envolvam a transmissão de bens imóveis.

9.     Por outro lado, como resulta do anteriormente articulado, a própria Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro, admite expressamente, no seu artigo 6.º, 1, alínea b), que os Estados Membros cobrem direitos de transmissão, incluindo os encargos de registo de propriedade que incidem sobre a entrada, numa sociedade de capitais, de bens imóveis.

 

III. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. 

O processo é o próprio.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo. 

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO    

IV.1. Factos provados 

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:                                

 

  1. Em 2025-04-02, mediante escritura pública de constituição de sociedade, B... E C... constituíram a sociedade A..., LDA. tendo, na qualidade de sócios, realizado entradas de capital, parte delas através da entrega de bens imóveis, aos quais foi atribuído o valor global de €1.989,835.43, e o remanescente em numerário, no valor de €10.164,57.
  2. Em 2025-03-25, foram entregues, junto do Serviço de Finanças de Lisboa ..., as declarações Modelo 1 n.º 2025/... e n.º 2025/..., respeitantes, respetivamente, à transmissão dos prédios detidos pela sócia B... e pelo sócio C... . 
  3. Nestas declarações Modelo 1 foi assinalado o facto tributário ”19 - Entradas com imóveis para o capital social de sociedades comerciais, civis sob forma comercial ou civis com personalidade jurídica”. 
  4. Em consequência, foram emitidas pela AT as seguintes liquidações 

 

  • (i)Liquidação de IMT n.º ..., relativa à transmissão dos prédios pertencentes à sócia B..., no valor de € 50.555,84 (DUC N.º ...), cujo prazo de pagamento terminou em 2025-03-26.  
  • (ii)Liquidação de IS (Verba 1.1) n.º..., DUC n.º ..., relativa à mesma transmissão, no valor de € 13.571,16 (DUC n.º ...), cujo prazo de pagamento terminou em 2025-03-26.
  • (iii)Liquidação de IMT n.º..., DUC n.º..., relativa à transmissão dos prédios pertencentes ao sócio C..., no valor de € 11.330,49 (DUC n.º ...), cujo prazo de pagamento terminou em 2025-03-26. 
  • (iv)Liquidação de IS (Verba 1.1) n.º..., relativa à mesma transmissão, no valor de € 2.347,52 (DUC n.º...), cujo prazo de pagamento terminou em 26/03/2025. 

 

  1. O valor total das liquidações, no montante de €77.805,01, foi pago pela Requerente.  

 

IV.2. Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram considerados provados. 

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos. 

Os factos que constam dos números 1 a 5 são dados como assentes pela análise do processo administrativo, pelos documentos 1 a 5 juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral (doravante apenas ppa.), pelos documentos 1 a 3 juntos pela Requerida com a resposta e pela posição assumida pelas partes em relação à matéria de facto.

 

V – MATÉRIA DE DIREITO

 

1. Questões a decidir

 

A primeira questão submetida à apreciação deste Tribunal é a de aferir se as liquidações de IMT violam, ou não, a Diretiva n.º 2008/7/CE de 12.02.2008.

A segunda questão que deve ser apreciada é se as liquidações de IS violam a mesma diretiva comunitária e a legislação nacional.

 

 2. IMT 

 

Cumpre começar por fazer o respetivo enquadramento jurídico.

O imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) incide sobre as transmissões previstas nos artigos 2º e segs. do CIMT, qualquer que seja o título por que se operem (artigo 1º nº 1 do CIMT) e incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional (artigo 2º nº 1 do CIMT).

Para o que aqui releva, o art. 2º, n.º5, al. e)  do CIMT tem a seguinte redação: 

5 - Em virtude do disposto no n.º 1, são também sujeitas ao IMT, designadamente:

(..)

e) As entradas dos sócios com bens imóveis para a realização do capital e para a realização de prestações acessórias à obrigação de entrada de capital das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial ou das sociedades civis a que tenha sido legalmente reconhecida personalidade jurídica, as entregas de bens imóveis dos participantes no ato de subscrição de unidades de participação de fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular;  (Redação da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho)”

 

A Diretiva 2008/7/CE, atualmente em vigor, veio reformular (e alterar) o regime que anteriormente constava da Diretiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de julho de 1969 («Diretiva 69/335/CEE»), relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais e que se manteve em vigor até ao dia 31 de Dezembro de 2008.

A Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (Diretiva Reunião de Capitais), visa a harmonização dos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, designadamente a eliminação de eventuais discriminações e distorções à livre circulação de capitais, a qual constitui uma liberdade fundamental inscrita nos Tratados europeus. Este propósito é realçado no seu preâmbulo: 

“Não deverão ser aplicados impostos indiretos às reuniões de capitais, exceto o  imposto sobre as entradas de capital. Em especial, não deve ser aplicado imposto  de selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência.”

 

 

O art. 5º, n.º1, al. a) da diretiva estipula o seguinte: 

“1 - Os Estados-Membros não devem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indireto sobre:  

a) Entradas de capital;  

(…)”

 

O art. 6º, n.º1, al. b) da diretiva prevê a seguinte exceção: 

“1.   Em derrogação ao disposto no artigo 5.o, os Estados-Membros podem cobrar os seguintes impostos e direitos:

(…)

b)Direitos de transmissão, incluindo os encargos de registo de propriedade que incidem sobre a entrada, numa sociedade de capitais, de bens imóveis ou de estabelecimentos comerciais sitos no respectivo território;”

 

Para aplicação da mesma Diretiva, consideram-se como sociedades de capitais de direito português as sociedades anónimas, as sociedades em comandita por ações e as sociedades por quotas (cf. artigo 2º, nº 1, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE e ponto 22. do Anexo I à mesma Diretiva ). Sendo a Requerente uma sociedade por quotas enquadra-se no conceito de sociedade de capitais para este efeito.

O IMT é um imposto que se caracteriza como um imposto indireto, o qual visa tributar as operações de despesa efetuadas na transmissão de bens imóveis.

Para efeitos da presente diretiva são consideradas «entradas de capital» o aumento do capital social de uma sociedade de capitais mediante a entrada de ativos de qualquer espécie, incluindo imóveis (art. 3º, al. c) da Diretiva).

O artigo 5.º, n.º 1 da Diretiva estabelece que os Estados-Membros não podem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indireto sobre as entradas de capital.

Para efeitos da presente diretiva são consideradas «entradas de capital» o aumento do capital social de uma sociedade de capitais mediante a entrada de ativos de qualquer espécie, incluindo imóveis (art. 3º al. c), como ocorreu no caso em apreço.

O IMT (Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) incide sobre transmissões onerosas de imóveis (art. 1.º CIMT). Quando um sócio entra com um imóvel para uma sociedade, há uma transmissão onerosa de propriedade.

A questão é se essa incidência configura, na prática, uma tributação proibida pela diretiva, por recair sobre uma “entrada de capital”?

Entende este Tribunal que a diretiva não proíbe impostos indiretos que não tenham natureza específica sobre as entradas de capital, como é o caso de impostos gerais sobre transmissões patrimoniais.

O TJUE tem entendido que impostos gerais sobre transmissões patrimoniais (como o imposto sobre transmissões imobiliárias) não são impostos proibidos pela diretiva, desde que não sejam impostos específicos sobre a operação societária em si.

Isto resulta dos Acórdãos do TJUE que passamos a citar:

 

Proc. C-42/96, de 11.12.1997: 

“(…)a diretiva deve ser interpretada no sentido de que não se aplica a uma imposição que incide sobre a mais-valia eventual de um bem imóvel apurada no momento da entrada do referido bem numa sociedade de capitais. Em contrapartida, a diretiva aplica-se ao imposto de registo, ao imposto de transcrição e ao imposto de inscrição no registo predial.”

 

“Essa disposição não faz distinção entre os direitos de transmissão que podem ser cobrados pelos Estados-Membros. Permite, de uma forma geral, aos Estados-Membros cobrarem, além do imposto sobre as entradas de capital, mas por ocasião de uma entrada de capital numa sociedade de capitais, impostos cujo facto gerador esteja objectivamente ligado à transferência de propriedade de bens imóveis ou de estabelecimentos comerciais.”

 

Processo C-487/09, de 06.10.2010, do TJUE

 “No tocante, em primeiro lugar, ao artigo 11.°, alínea a), da diretiva, não resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que um imposto como o que está em causa no processo principal incida sobre uma emissão de valores mobiliários, tal como visada por esta disposição. Não se pode, portanto, considerar que esta se opõe a esse imposto.”[1]

Acresce que, o art. 6º da Diretiva 2008/7/CE do Conselho exceciona diversas situações, designadamente que em derrogação ao disposto no artigo 5º, os Estados-Membros podem cobrar os impostos e direitos de transmissão, incluindo os encargos de registo de propriedade que incidem sobre a entrada, numa sociedade de capitais, de bens imóveis ou de estabelecimentos comerciais sitos no respetivo território.    

Assim, o IMT, que incide sobre a transmissão de imóveis, está excluído da proibição do art. 5.º da Diretiva 2008/7, pela al. b) do artigo 6.º .

Neste sentido cf. Ac. do STA de 22.06.2022, proc. N.º 046/12.6 BEPRT:

“No caso dos autos, a cisão implicou a dissolução da sociedade cindida, de modo que, e linearmente, envolvendo a situação em apreço um bem imóvel sito em território nacional, a aquisição está sujeita a IMT sendo irrelevante que o acto translativo tenha ocorrido em Espanha, até porque o I.M.T. é um imposto sobre a riqueza sendo esta um indicador da capacidade tributária dos contribuintes, daí que o IMT incide sobre a aquisição onerosa de bens imóveis, e se o bem está situado em território nacional é em Portugal que se manifesta tal capacidade.”

Destarte, por aplicação do art. 6º, al. b) da Diretiva, a sujeição a IMT das entradas dos sócios com bens imóveis não viola a Diretiva 2008/7/CE, julgando-se improcedente o pedido de anulação das liquidações de IMT.  

 

3. Imposto de Selo

 

Em Portugal, o designado «imposto sobre as entradas de capital» foi introduzido na Tabela Geral do Imposto do Selo através do Decreto-lei nº 257/81, de 1 de setembro, tendo em vista «ajustar o regime fiscal em matéria de imposto do selo relativo à constituição de sociedades de capitais e à emissão de ações e de outros títulos representativos do capital social ao regime de direito derivado comunitário nesta matéria. A razão de ser do referido regime está ligada a um propósito de liberalização da circulação de capitais, pelo que, a nível da CEE, se eliminou a tributação dos títulos representativos do capital social e se tributa apenas à taxa de 1% o acto constitutivo das sociedades de capitais» (cf. preâmbulo do Decreto-lei nº 257/81, de 1 de setembro).

Com o Decreto-lei n.° 322-B/2001, de 14 de dezembro, foi introduzida na atual Tabela Geral do Imposto do Selo a verba 26, de acordo com a qual « passam a ser tributadas em selo, a uma taxa compreendida dentro do limite fixado no n.º 1 do artigo 7.º da Diretiva n.º 69/335/CEE, as operações a que se referem as várias alíneas do n.º 1 do artigo 4.º da mesma diretiva» (cf. preâmbulo do Decreto-lei nº 322-B/2011, de 14 de dezembro), fixando-se a taxa aplicável em 0,4% e reintroduzindo-se a tributação generalizada das operações de aumento de capital das sociedades de capitais efetuadas através de entradas de bens de qualquer natureza.

A Lei do Orçamento do Estado para 2010 (Lei nº 3-B/2010, de 26 de abril) veio revogar integralmente a verba 26 da Tabela Geral do Imposto do Selo, deixando assim de haver lugar à aplicação de tal imposto em Portugal. A nota explicativa da Lei n.º 3-B/2010, de 28/04, pág. 74, indica: 

«O Governo considera importante a racionalização que assim se traz ao Imposto do Selo e julga sobretudo importante a eliminação de custos de contexto que se produz com a eliminação das verbas incidentes sobre os escritos dos contratos, sobre os actos notariais e sobre as entradas de capital, em benefício das empresas, dos profissionais a quem competia até agora a liquidação do imposto, e em benefício do comum dos cidadãos. // Esta racionalização do imposto do selo afigura-se de especial relevo num contexto de relançamento da economia, ao longo de 2010, e aponta já uma direcção clara para uma reforma global do imposto sobre a qual importa começar a reflectir e a preparar trabalhos».

A sujeição a IS das entradas dos sócios com bens imóveis para a realização do capital já foi apreciada pelo STA, no processo n.º 01111/16.6BEPNF, de 02.04.2025, onde se refere: 

“Do exposto se infere que, na perspectiva do legislador nacional, a verba 26. da TGIS consome a norma de incidência do artigo 1.º/1 e da verba 1.1. da TGSI, dado que o legislador concretizou a operação objecto de tributação, em 2001, através da verba 26. da TGIS e, depois, em 2010, eliminou a mesma, tendo por base considerações de racionalidade económica.”

Porquanto, as entradas em espécie dos sócios no capital social das sociedades não podem ser tributadas em sede Imposto de Selo, conclusão que se alcança pela aplicação da lei interna.

Assim, em cumprimento do art. 8º, n.º3 do CC, resta-nos aderir aos fundamentos deste Aresto do STA citado e considerar, no caso em apreço, ilegal a tributação em sede Imposto de Selo.

 

VI - DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a)       Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade  das liquidações de  IMT n.º ... (50.555,84€) e  n.º ... (11.330,49€); 

b)      Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IS n.º... (13.571,16€) e n.º... (2.347,52€), e condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago;

c)       Condenar a Requerente e a Requerida nas custas do processo, na proporção de 79,54% e 20,46%, respetivamente, face ao decaimento.

 

Fixa-se o valor do processo em € 77.805,01, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida, nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00  nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente €1.947,14 (79,54%) e pela Requerida €500,86 (20,46%) nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de outubro de 2025   

 

 

Os Árbitros

 

___________________

(Árbitro Presidente –  Jorge Lopes de Sousa)

 


_______________________

(Árbitro Adjunto - Luís Menezes Leitão)

 

____________________

(Árbitro Adjunto Relator - André Festas da Silva)

 



[1] Este Acórdão foi proferido no âmbito da ainda então vigente Diretiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de julho de 1969, instrumento comunitário anterior à atual Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, mas com semelhante redação das normas que para o presente caso importam. A atual al. a) do n.º 2 do art.º 5.º da Diretiva correspondia à al. a) do art.º 11.º da Diretiva 69/335/CEE ("os Estados membros não submeterão a qualquer imposição, seja sob que forma for: a) A criação, emissão, admissão em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu") e a atual al. a) do n.º 1 do art.º 6.º da Diretiva correspondia à al. a) do n.º 1 do art.º 12.º da Diretiva 69/335/CEE).