Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 234/2025-T
Data da decisão: 2025-10-15  IRC  
Valor do pedido: € 404.224,60
Tema: dividendos; dupla tributação económica; artigo 51.º do CIRC
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SUMÁRIO: 

a)     O regime fiscal português, de eliminação da dupla tributação económica, na formulação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro e alterações subsequentes, observa integralmente, na sua transposição para a ordem jurídica interna, o disposto na Diretiva 2011/96/EU, do Conselho, de 30-11-2011, relativa a regime fiscal aplicável às sociedades-mães e às sociedades afiliadas de outros Estados membros, assim respeitando, designadamente, os considerandos 3, 7 e 8;

b)    O legislador português consagrou o regime de isenção, em território português, dos dividendos distribuídos por sociedades afiliadas a sociedades-mãe, nomeadamente as que, como é o caso, tenham sede ou direção efetiva num Estado membro da União Europeia, no n.º 3 do artigo 14.º do Código do IRC, subordinando-a à verificação de determinados requisitos materiais e, no n.º 4,  a um especial regime de prova, a efetuar junto da entidade obrigada a efetuar a retenção, tendo em vista a sua não efetivação;

c)     No artigo 51.º do CIRC, com a epígrafe “Eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos”, o legislador consagrou o regime de eliminação da dupla tributação económica, em relação aos sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português; 

d)    No caso da situação da REQUERENTE, que comprovadamente não tem sede nem direção efetiva em território português, não poderia estar em causa eliminar a dupla tributação económica, fundamento da causa de pedir, ao abrigo do disposto no artigo 51.º do CIRC, por impossibilidade de a mesma cumprir o requisito da "residência" nesse mesmo território;

e)     Não se mostrando provado que a Requerente cumpre os requisitos estabelecidos, em conformidade com o direito europeu, pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 14.º do CIRC, ou que só agora se verificando o requisito temporal da detenção da participação social na sua afiliada pode beneficiar do disposto no artigo 95.º do mesmo diploma, devolve-se, à luz da Diretiva 2011/96/EU, para a Finlândia, enquanto Estado onde se encontram localizadas a sua sede e direção efetiva, a solução da eliminação da dupla tributação económica internacional, nomeadamente pela permissão de deduzir à coleta do imposto sobre o rendimento ou similar ali devido o imposto retido em Portugal.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros, Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Prof Doutor Luis Menezes Leitão e Profª. Marisa Isabel Almeida Araújo (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral coletivo, acordam no seguinte:

 

I-RELATÓRIO

1-A..., pessoa coletiva constituída e a operar na Finlândia, com sede em ..., ... Helsínquia, Finlândia, titular do número de registo na Finlândia..., e com o número de identificação fiscal português ... (adiante abreviadamente designada por “Requerente” ou “A...”), vem, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 março, requerer  a Constituição de Tribunal Arbitral Coletivo. Os atos objeto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral são o indeferimento da revisão oficiosa supraidentificada, na componente referente ao IRC retido na fonte sobre dividendos pagos à Requerente entre 18 de maio de 2018 e 31 de outubro de 2021, e (em termos finais ou últimos) os atos de retenção na fonte de IRC incorporados nas guias de retenção na fonte n.ºs ... (neste caso, apenas parte do montante constante da revisão oficiosa), ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., apresentadas pelo B..., relativos aos períodos de tributação de 2018 a 2021, na medida correspondente à liquidação em excesso de IRC sobre os rendimentos efetivamente auferidos pela requerente em território português a título de lucros distribuídos por entidades residentes neste mesmo território entre 18 de maio de 2018 e 31 de outubro de 2021.Neste sentido, pretende a ora Requerente submeter à apreciação do Tribunal Arbitral (i) a legalidade do indeferimento deste procedimento administrativo, na medida em que desatende o reconhecimento da ilegalidade dos atos de retenção na fonte de IRC acima identificados e, bem assim, (ii) a legalidade dos atos de retenção na fonte de IRC referentes aos períodos de tributação de 2018, 2019, 2020 e 2021, mais especificando ilegalidade no que respeita ao montante total de IRC retido em excesso de € 404.224,60.

2-O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

A  REQUERENTE  não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou comos árbitros do Tribunal Arbitral os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação, não tendo arguido qualquer impedimento.

O Tribunal Arbitral foi Constituído em 20 de maio de 2025. 

 

3. A fundamentar o Pedido, alega a REQUERENTE, entre o mais: 

a)     A Requerente é uma companhia de seguros que comercializa produtos de seguros do ramo não-vida, sem participação nos resultados, registada na Finlândia e aí residente para efeitos fiscais, no decurso dos períodos de tributação de 2018, 2019, 2020 e 2021, e em resultado dos investimentos efetuados em várias empresas nacionais – os quais foram afetos a provisões técnicas –, foi beneficiária de dividendos distribuídos por entidades residentes em território português relativamente às participações detidas naquelas entidades tendo-lhe sido  colocados à sua disposição  lucros distribuídos por essas  sociedades, no montante total de € 2.001.487,66;

b)    Sobre os referidos lucros foi liquidado e cobrado, a título definitivo, através do mecanismo de retenção na fonte, à taxa reduzida de 15%, no período de tributação de 2018 e 2019, e à taxa interna de 25% nos períodos de tributação de 2020 e 2021, no valor total de retenção na fonte a título definitivo correspondente ao montante total de € 404.224,60; 

c)     A REQUERENTE discorda destas retenções porquanto nos termos do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRC, os lucros e reservas distribuídos a sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português não concorriam para a determinação do lucro tributável desde que se encontrassem cumpridos determinados requisitos;.

d)    Por seu turno, o n.º 6 daquele normativo, na redação à data dos factos, previa que esta dispensa de tributação fosse igualmente extensível aos rendimentos de participações sociais que tivessem sido aplicados às reservas técnicas das sociedades de seguros e que não fossem imputáveis aos tomadores de seguros, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que tenham permanecido na sua titularidade. Como tal, na medida em que os requisitos constantes do artigo 51.º do Código do IRC se encontrassem cumpridos, as companhias de seguros residentes em território português que recebessem dividendos de entidades com sede ou estabelecimento estável em Portugal, poderiam, na prática, beneficiar de uma isenção de IRC relativamente aos dividendos distribuídos e afetos a reservas técnicas;

e)     Todavia entidades não residentes em território português, ainda que colocadas em situações comparáveis, não beneficiavam do mesmo regime fiscal, o que determinava consequentemente uma discriminação não compatível com o Direito da EU; 

f)     Um dos princípios constantes da ordem jurídica da União Europeia é o da não discriminação em razão da nacionalidade, com assento no artigo 18.º do TFUE e o princípio da liberdade de circulação de capitais, com assento no artigo 63.º do TFUE, nos termos do qual: “(…) são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, significa que conjugados tais preceitos  decorre a eliminação de qualquer imposição fiscal que possa obstar, dificultar ou onerar a livre circulação de capitais em razão da nacionalidade;

g)    No caso em apreço, verifica-se, relativamente aos mesmos rendimentos, a existência de uma tributação efetiva em sede de IRC suportada por uma sociedade de seguros residente num outro Estado-Membro (Finlândia) mais gravosa do que a que é suportada por uma sociedade de seguros que – ainda que nas mesmas condições que aquela – é residente em território português (i.e. taxa de retenção na fonte de IRC de 25% ou 15% versus isenção de IRC), o que viola o mencionado artigo 63.º do TFUE;

h)    A REQUERENTE aponta a este propósito “as conclusões do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia(“TJUE”), relativo ao caso Emerging Markets Series, proferido no âmbito do Processo C‑190/12, no qual aquele Tribunal se pronunciou sobre a (in)compatibilidade da legislação polaca (em face da atribuição exclusiva de uma isenção   de imposto sobre as sociedades aos fundos de investimento na Polónia) com o artigo 63.º do TFUE (…)”;

i)      Uma vez que a legislação polaca produzia efeitos adversos ao nível dos fundos de investimento que pretendessem investir na Polónia (in casu, os dividendos pagos por sociedades estabelecidas na Polónia a um fundo de investimento estabelecido num Estado Terceiro não beneficiavam de isenção fiscal, ao contrário dos fundos deinvestimento estabelecidos no referido Estado-Membro que se encontravam isentos), o TJUE concluiu que a legislação daquele país era contrária ao princípio da livre circulação de capitais;

j)      Neste sentido, por forma a aferir se a restrição em apreço poderá ser justificada por possíveis condicionalismos é necessário apurar: (i) se as situações sob análise são ou não comparáveis, 
(ii) se existem reconhecidas razões de interesse geral que justifiquem essa restrição (iii) e, no caso de as restrições serem justificadas, se a diferença no tratamento não se revela excessiva;

k)     No caso dos autos todas essas condições se encontram verificadas, pelo que o artigo 51.º do Código do IRC é incompatível com a norma europeia que estabelece um princípio geral de livre circulação de capitais (aplicável às relações ente Estados-Membros), na parte em que não permite a sua aplicação a entidades como a Requerente;

l)      No mesmo sentido, a REQUERENTE aponta, a título meramente exemplificativo, as decisões proferidas no âmbito dos Acórdãos Gerritse, de 12 de junho de 2003, no âmbito do Processo C-234/01, Metallgesellschaft e Hoechst, de 8 de março de 2001, no âmbito dos Processos C-397/98 e C-410/98, e Saint-Gobain, de 21 de setembro de 1999, no âmbito do Processo C-307/97. Invoca também a jurisprudência nacional, em especial o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), se pronunciou no sentido da ilegalidade de quaisquer entraves fiscais que promovam situações discriminatórias em razão da nacionalidade, sendo disso apanágio o Acórdão do STA no âmbito do Processo n.º 1502/12-30, de 31 de outubro de 2014.Para tanto a REQUERENTE alega a seu favor aplicação do princípio do primado do Direito da EU consagrado no artigo 8.º da CRP.Para demonstrar a discriminação da situação a REQUERENTE invoca o teor do n.º1 do artigo 51.º do CICR, que tem o seguinte conteúdo “[o]s lucros e reservas distribuídos a sujeitos passivos de IRC com sede ou direcção efectiva em território português não concorrem para a determinação do lucro tributável, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:  a) O sujeito passivo detenha directa ou directa e indirectamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, uma participação não inferior a 10 % do capital social ou dos direitos de voto da entidade que distribui os lucros ou reservas; b)A participação referida no número anterior tenha sido detida, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à distribuição ou, se detida há menos tempo, seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período; c) O sujeito passivo não seja abrangido pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º; d) A entidade que distribui os lucros ou reservas esteja sujeita e não isenta de IRC, do imposto referido no artigo 7.º, de um imposto referido no artigo 2.º da Directiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de Novembro, ou de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC e a taxa legal aplicável à entidade não seja inferior a 60 % da taxa do IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º; e) A entidade que distribui os lucros ou reservas não tenha residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças” (sublinhado da Requerente);.

m)   Por sua vez, o n.º 6 do artigo 51.º do Código do IRC estabelecia que [o] disposto no[s] n.o[s] 1 [e 2] é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, à parte dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros (…)” (destaque da Requerente);

n)    Para a REQUERENTE à, exceção feita à residência em território português, preenchia todos os requisitos de cuja verificação dependia a aplicação do regime da eliminação da dupla tributação económica previsto no artigo 51.º do Código do IRC, uma vez que  não está – como nunca esteve – submetida ao regime de transparência fiscal, e detinha, no momento em que lhe foram colocados à disposição os referidos lucros, as participações sociais nas entidades anteriormente referidas afetas às respetivas reservas técnicas e não imputáveis a tomadores de seguros. A única exceção seria a falta de residência em território português.

o)    Termina a REQUERENTE defendendo que se fosse residente em território português, o montante total de € 2.001.487,66 referente a dividendos recebidos e afetos às reservas técnicas não teria sido sujeito a tributação em 2018, 2019, 2020 e 2021, solicitando a devolução do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

4- Por sua vez, a Requerida argumenta, em síntese: 

a)     Começa por invocar a incompetência material por o pedido apresentado não se enquadrar em nenhuma das situações previstas no artigo 2.º do RJAT, uma vez que visa a apreciação de um ato de indeferimento de revisão oficiosa, não consubstanciando um ato de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte, pagamento por conta, nem qualquer dos demais atos previstos no referido artigo, o que constitui exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do artigo 576.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT; 

b)    A REQUERENTE não apresentou, em tempo útil, reclamação graciosa nos termos previstos no artigo 132.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), tendo, assim, decorrido o prazo bienal legalmente estabelecido para a sua interposição, o que determinou a preclusão do direito ao uso deste meio de reação, não podendo  o procedimento administrativo de revisão oficiosa, em caso algum, substituir a reclamação graciosa prevista no artigo 132.º do CPPT, sobretudo quando o pedido é apresentado para além do prazo de dois anos fixado no n.º 1 do referido artigo. Neste sentido, a Requerida aponta o Acórdão Arbitral de 09-11-2012, Proc. 51/2012;

c)     Não tendo o pedido de anulação das retenções na fonte sido precedido, dentro do prazo legal, de reclamação graciosa, o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar a (i)legalidade dos atos em causa, ainda que tenha sido apresentado pedido de revisão oficiosa fora do prazo de dois anos, sendo que esta solução resulta dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação de poderes (cf. artigos 2.º e 111.º da Constituição da República Portuguesa), bem como do princípio da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, da CRP), enquanto corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, consagrado no artigo 30.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, que vinculam tanto o legislador como a atuação da Autoridade Tributária;

d)    E conclui a Requerida que é constitucionalmente vedada, por força dos referidos princípios, bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP), qualquer interpretação extensiva que amplie a vinculação da Autoridade Tributária à tutela arbitral para além dos limites legalmente fixados, por tal implicar, necessariamente, uma dilatação das situações em que esta se encontra obrigatoriamente sujeita ao regime arbitral, com correspondente restrição do recurso jurisdicional pleno (cf. artigos 25.º e 27.º do RJAT);

e)     A incompetência material resulta ainda do facto de tratar-se de retenções efetuadas pelos substitutos tributários – as entidades pagadoras dos dividendos – e não pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não tendo esta praticado qualquer ato de liquidação ou intervenção direta no ato tributário impugnado, pelo que nunca se pronunciou sobre a (i)legalidade das referidas retenções, limitando-se a receber o imposto retido e não tendo praticado qualquer ato administrativo suscetível de ser impugnado diretamente no âmbito da arbitragem tributária;

f)     Por outro lado, nos termos do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado recai sobre quem os alega, incumbindo, assim, à Requerente demonstrar todos os pressupostos de facto e de direito que sustentam o seu pedido, uma vez que com a revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, deixou de operar a presunção de erro imputável aos serviços para efeitos de revisão oficiosa, passando a exigir-se, também nos casos de autoliquidação e retenção na fonte, que o contribuinte faça prova efetiva da imputabilidade do erro aos serviços da AT, nos termos do artigo 12.º do Código Civil e do artigo 78.º, n.º 1. Não tendo a REQUERENTE apresentado reclamação graciosa em tempo útil, precludiu o seu direito de obter a revisão do ato de retenção na fonte, uma vez que não pode beneficiar do prazo de 4 anos do n.º 1 do artigo 78.º, n.º1, do CPPT; 

g)    A Requerida invoca a seu favor as decisões arbitrais n.ºs  997/2024-T e 1000/2023-T.  

h)    Acresce que, no presente caso, o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa resultando unicamente do decurso do prazo legal, sem qualquer apreciação expressa da legalidade do ato de retenção na fonte, tal indeferimento, neste contexto, consubstancia necessariamente uma rejeição por extemporaneidade, não permitindo o acesso à apreciação do mérito do ato tributário em sede arbitral;

i)      Em suma, segundo a Requerida, considerando que o presente pedido de pronúncia arbitral não visa a apreciação direta ou indireta de uma liquidação adicional, mas apenas a apreciação do indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, resulta evidente que a questão central a decidir é se a Requerente ainda se encontrava em prazo para apresentar tal pedido, nomeadamente se se verificava a existência de erro imputável aos serviços da AT, pelo que o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral se limita ao controlo dos pressupostos de aplicação do artigo 78.º da LGT, em particular quanto à tempestividade do pedido e à existência de erro imputável à Administração Tributária; 

j)      Em consequência, verifica-se a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do Tribunal Arbitral para o conhecimento do pedido, o que obsta ao conhecimento do mérito e deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, nos termos dos artigos 576.º, n.º 1, e 577.º, alínea a), do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

5- A REQUERENTE respondeu por escrito à matéria de exceção. 

 

6-Por despacho do Tribunal, de 12 de julho de 2025, foi dispensada a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, nos termos que se dão por reproduzidos. Mais foram as partes notificadas para produzirem alegações escritas, tendo-se designado o dia 21 de novembro de 2025 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

 

7- A REQUERENTE apresentou alegações. A Requerida não alegou expressamente tendo-se limitado a remeter para a Resposta. 

 

 

II- SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente, o processo é próprio e as partes legítimas, capazes e devidamente representadas.

Como vimos, a Requerida suscitou as seguintes exceções:

a)1 Incompetência material por o pedido apresentado não se enquadrar em nenhuma das situações previstas no artigo 2.º do RJAT, uma vez que se trata de retenções efetuadas pelos substitutos tributários – as entidades pagadoras dos dividendos – e não pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não tendo esta praticado qualquer ato de liquidação ou intervenção direta no ato tributário impugnado, pelo que nunca se pronunciou sobre a (i)legalidade das referidas retenções.com efeito o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa assume natureza meramente tácita, resultando unicamente do decurso do prazo legal, sem qualquer apreciação expressa da legalidade do ato de retenção na fonte;

a)2 Incompetência material por o pedido de anulação das retenções na fonte sido precedido, dentro do prazo legal, de reclamação graciosa, ainda que tenha sido apresentado pedido de revisão oficiosa fora do prazo de dois anos, sendo que esta solução resulta dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação de poderes (cf. artigos 2.º e 111.º da Constituição da República Portuguesa), bem como do princípio da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, da CRP), enquanto corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, consagrado no artigo 30.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, que vinculam tanto o legislador como a atuação da Autoridade Tributária. Para a Requerida é constitucionalmente vedada, por força dos referidos princípios, bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP), qualquer interpretação extensiva que amplie a vinculação da Autoridade Tributária à tutela arbitral para além dos limites legalmente fixados, por tal implicar, necessariamente, uma dilatação das situações em que esta se encontra obrigatoriamente sujeita ao regime arbitral, com correspondente restrição do recurso jurisdicional pleno (cf. artigos 25.º e 27.º do RJAT).

Por outro lado, nos termos do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado recai sobre quem os alega, incumbindo, assim, à Requerente demonstrar todos os pressupostos de facto e de direito que sustentam o seu pedido, uma vez que com a revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, deixou de operar a presunção de erro imputável aos serviços para efeitos de revisão oficiosa, passando a exigir-se, também nos casos de autoliquidação e retenção na fonte, que o contribuinte faça prova efetiva da imputabilidade do erro aos serviços da AT, nos termos do artigo 12.º do Código Civil e do artigo 78.º, n.º 1. 

a)4 Não tendo a REQUERENTE apresentado reclamação graciosa em tempo útil, precludiu o seu direito de obter a revisão do ato de retenção na fonte, uma vez que não pode beneficiar do prazo de 4 anos do n.º 1 do artigo 78.º, n.º1, do CPPT. 

 

Vejamos:

 

Em exercício do contraditório veio a REQUERENTE alegar entre o mais: 

 

O que se discute nos presentes autos é a legalidade dos referidos atos de liquidação de IRC que foram contestados junto da AT através do procedimento de Revisão Oficiosa, conforme, aliás, se refere no Pedido, onde se pode ler que o Tribunal Arbitral é solicitado “com vista à declaração de ilegalidade dos atos tributários de retenção na fonte de IRC com natureza definitiva, referente aos períodos de tributação de 2018, 2019, 2020 e 2021” . Acresce que o pedido da REQUERENTE inclui períodos de tributação de 2020 e 2021 que ainda se enquadram no prazo de dois anos previsto no n.º 3 do artigo 132.º da LGT.

Para a REQUERENTE a jurisprudência do Supremo Tribunal de Administrativo (“STA”) tem vindo a seguir esta linha de raciocínio assente na ideia de que é irrelevante para a questão do meio processual adequado, saber se a decisão administrativa chegou ou não a pronunciar-se sobre as ilegalidades imputadas à liquidação. O que revela é, unicamente, e conforme aqui se reitera, saber se a petição do contribuinte tem por objeto a apreciação da legalidade de uma liquidação de imposto. Em caso afirmativo, o meio processual de reação a um indeferimento pela AT não é a ação administrativa, mas sim, a impugnação judicial (ou a arbitragem tributária). Por sua vez, o requisito de prévio recurso à via administrativa exigido pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112/-A/2011, de 22 de março, com remissão para o artigo 131.º do CPPT, deve considerar-se preenchido caso tenha sido concretizado o procedimento de revisão oficiosa, como sucede na situação vertente. Com efeito, o procedimento de revisão é, neste âmbito, equiparado à apresentação prévia de reclamação graciosa, prevista no artigo 131.º, n.º 1 do CPPT.

 

Ora, afigura-se que a REQUERENTE tem razão.

 

Com efeito, nesse sentido vai a jurisprudência uniforme e reiterada, quer do STA, quer do CAAD. A título de exemplo veja-se o Acórdão do STA, de 13 de janeiro de 2021, proferido no Processo n.º 0129/18.9BEAVR, onde se pode ler que “a impugnação judicial é o meio processual adequado quando se pretende discutir a legalidade da liquidação, ainda que seja interposta na sequência do indeferimento do meio gracioso e independentemente do(s) seu(s) fundamento(s) (formais ou de mérito)”. No mesmo sentido pode ler-se que “A impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação – artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito - acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18. E visa a anulação total ou parcial do ato tributário (a liquidação). Ao invés, a ação administrativa, meio contencioso comum à jurisdição administrativa e tributária, será o meio processual a usar quando a pretensão do interessado não implique a apreciação da legalidade do ato de liquidação. Assim, se na sequência do indeferimento do meio gracioso, o interessado pedir ao tribunal que aprecie a legalidade da liquidação e que, em consequência, a anule (total ou parcialmente), o meio processual adequado é a impugnação judicial (…)”  

No mesmo sentido, cfr., a título de exemplo, o consignado na Decisão arbitral proferida no proc 347-2024-T :

“Neste contexto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem entendido o conceito de erro imputável aos serviços de forma ampla, considerando que desde que o erro não seja imputável a conduta negligente do sujeito passivo será imputável à AT (vide o Acórdão de 28-11-2007, proferido no âmbito do processo 0532/07, o Acórdão de 12-12-2002, proferido âmbito do processo 26.233, e, mais recentemente o Acórdão de 09-11-2022, proferido no âmbito do processo 087/33.5 BEAVR).

“E, no caso dos autos, o erro da autoliquidação em questão não é imputável a qualquer conduta negligente do sujeito passivo, ativa ou omissiva, determinante da liquidação, nos moldes em que foi efetuada. 

“Neste mesmo sentido se pronunciou o STA, a propósito de atos de retenção na fonte, por Acórdão de 9 de novembro de 2022, proferido no âmbito do processo n.º 087/22.5BEAVR, de que se transcreve o ilustrativo sumário:  

“I - Mesmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Administração Tributária tem o dever de revogar actos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no art. 78.º da L.G.T. 

“II - O dever de a Administração efectuar a revisão de actos tributários, quando detectar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei. 

“III - A revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efectuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, mas, como se conclui do n.º 7 do art. 78º da L.G.T., o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que Administração tributária o pode exercer. 

“IV - O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em que não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa, mas dentro dos limites temporais em que a Administração tributária pode rever o acto com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da L.G.T.]. 

“V - A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do artº 132.º do CPPT, pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial. 

“VI - O meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação). 

“VII – Assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é susceptível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do nº1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária.” No mesmo sentido, a decisão arbitral do CAAD, de 15/04/2024, proferida no âmbito do processo 560/2023-T.

 

Finalmente, quanto ao argumento da Requerida por a REQUERENTE, ao não ter respeitado o prazo de contestação de dois anos, conforme artigos 131.º a 133.º do CPPT, não poder beneficiar do prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º da LGT, porquanto não existiu qualquer pronuncia por parte dos serviços relativamente ao ato de retenção na fonte em apreço.

 

 

Alega, no essencial, a REQURENTE que é tema pacífico na jurisprudência nacional que a previsão de prazo para utilização do mecanismo da reclamação graciosa não afasta o meio complementar da revisão oficiosa acionável no prazo de quatro anos (artigo 78.º da LGT).

E, na verdade, nesse sentido aponta, entre o mais, o acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 02683/14.5BELRS, de 3 de fevereiro de 2021, que afirma, “(…) ainda que esteja em causa um acto de autoliquidação, a admissibilidade do pedido de revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT, não depende da prévia reclamação graciosa prevista no artigo 131.º n.º 1 do CPPT enquanto pressuposto prévio e necessário, precisamente por a revisão oficiosa dos actos de liquidação constituir um meio autónomo reforço das garantias dos contribuintes.” (…)”

No mesmo sentido, aponta a REQURENTE  o Acórdão do STA, proferido a respeito do processo n.º 087/22.5BEAVR, de 9 de novembro de 2022, o qual afirma que, “[n]este conspecto, propendemos a considerar que em tal situação se justifica que os erros praticados no acto de retenção sejam imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no nº1 do artigo 78º da LGT, pois se afigura inviável responsabilizar o contribuinte pela actuação do substituto, sob pena de violação dos seus direitos garantísticos” (  )” “[é] esse o ponto de vista do Ministério Público apoiado no acórdão deste tribunal de 12/07/2006, tirado no recurso nº 402/06, em que se doutrinou que «A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do art. 152.º do CPT (ou 132.º do CPPT), pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial».”

No mesmo sentido, a REQUERENTE aponta, ainda, a decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 940/2023-T, de 23 de maio de 2023, onde o Coletivo Arbitral conclui, relativamente a este tema, que “[t]ambém no caso dos autos e não obstante o pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado para além do prazo da reclamação administrativa, mas dentro do prazo em que a AT poderia ter revisto os atos de retenção na fonte indevida, estamos perante uma situação de substituição tributária, concretizada através de retenção na fonte a título definitivo, em que não houve intervenção do Requerente, e em que o substituto atuou por imposição legal, devendo o erro na retenção na fonte ser imputado aos serviços” (…).

Termos em que não oferece dúvida de que a exceção de incompetência material suscitada pela Requerida não pode proceder, por ter contra ela a jurisprudência reiterada e maioritária, quer do STA, quer do CAAD.

Quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerida a este respeito, também já o Tribunal Constitucional veio concluir “pela não inconstitucionalidade norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD”, conforme Acórdão n.º 244/18, de 11 de maio de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 636/17 .

Acresce que a Requerida se limita a afirmar que outra interpretação seria contrária a diversos princípios constitucionais, tais como o do Estado de Direito, o da separação de poderes e indisponibilidade dos créditos, mas fá-lo de forma abstrata sem indicar quais as normas jurídicas que são inconstitucionais e os respetivos fundamentos.

Já à possibilidade de a REQUERENTE beneficiar do prazo de quatro anos com fundamento em erro imputável aos serviços, previsto no n.º 1 do art.º 78.º da LGT in fine, após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, cumpre evidenciar que, conforme consta do Processo Instrutor e, mais adiante, no probatório, tendo o pedido de revisão oficiosa a data de 18 de outubro de 2022 todas as liquidações se encontram cobertas pelo referido prazo.

  

Termos em que improcede a alegada exceção de incompetência em relação a todas as liquidações ora impugnadas. 

 

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

 

III-I- MATÉRIA DE FACTO 

 

§1.º Factos dados como provados 

 

a)     A REQUERENTE é uma companhia de seguros que comercializa produtos de seguros do ramo não vida, sem participação nos resultados (conforme evidenciado no Documento n.º 2), registada na Finlândia e aí residente para efeitos fiscais (cfr. Documentos n.º 3 a 6);

b)    No âmbito da sua atividade, a A... tem vindo a investir em vários mercados internacionais, incluindo o mercado nacional, tendo concretizado investimentos no capital das seguintes entidades portuguesas: i) C..., S.A.; ii) D... SGPS, S.A.; e iii) E..., SGPS, S.A;

c)     No decurso dos períodos de tributação de 2018, 2019, 2020 e 2021, a A... foi beneficiária de dividendos distribuídos por entidades residentes em território português relativamente às participações detidas naquelas entidades, no montante total de € 2.001.487,66, conforme descrito em seguida (e tal como evidenciado nos Documentos n.º 7 e 8);

d)    Sobre os referidos lucros colocados à disposição da REQUERENTE, incidiu Imposto sobre o Rendimento das Pessoas coletivas (IRC), o qual foi liquidado e cobrado, a título definitivo, através do mecanismo de retenção na fonte, à taxa reduzida de 15% no período de tributação de 2018 e 2019, e à taxa interna de 25% nos períodos de tributação de 2020 e 2021, tal como evidenciado na tabela supra;

e)     Conforme evidenciado na tabela supra, tendo tal procedimento resultado da retenção do imposto a título definitivo no montante total de €404.224,60; 

f)     Nestes termos, e por entender ter sido objeto de um tratamento discriminatório, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, em 2022/10/18 ( cfr. data aposta ao Pedido arbitral e que consta do Processo  Instrutor, nos termos do art.º 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), da retenção na fonte de IRC a título definitivo efetuada nos anos de 2018 a 2021, conforme guias identificadas no Anexo I (Processo Instrutor ), sustentando que “o regime fiscal aplicável a entidades residentes e estabelecimentos estáveis em Portugal usufruem de um regime mais favorável comparativamente com entidades não residentes e estabelecidos e Estados Membros da EU”; 

g)    A notificação do projeto de decisão foi remetida à Requerente em 29-10-2024, por carta registada, conferindo-lhe o prazo de 15 dias, a contar da concretização da notificação, para, querendo, se pronunciar sobre a proposta de decisão, no exercício do direito de audição prévia. Atendendo a que a Requerente não possui estabelecimento estável em território português, foi concedido um prazo adicional de 15 dias para o exercício desse direito;.

h)    Uma vez que o direito de audição não foi exercido no prazo fixado na notificação, o projeto de decisão foi convertido em definitivo, tendo sido elaborada a Informação n.º 825/2024, datada de 2024-10-12. Sobre esta, recaiu despacho da Diretora de Serviços da DSIRC, proferido por subdelegação de competências e datado de 2024-11-12, que concluiu pela rejeição, por intempestividade, do pedido de revisão oficiosa relativamente ao ato de retenção na fonte de IRC, efetuado em 2018-02-05, no montante de €59.359,54, bem como pelo indeferimento do pedido de revisão oficiosa referente aos atos de retenção na fonte de IRC, a título definitivo, incidentes sobre o pagamento de dividendos efetuados por sociedades residentes em território nacional nos períodos compreendidos entre 2018-05-30 e 2021-09-16;

i)      A REQURENTE foi notificada de tal decisão pelo ofício n.º ... de 2024-12-12 por carta registada com aviso de receção entregue em 2024-12-20;

j)      Mantendo-se inconformada com a decisão em apreço, a REQUERENTE veio solicitar a constituição de Tribunal Arbitral com vista à correção dos atos tributários de retenção na fonte de IRC referente aos períodos de tributação de 2018, 2019, 2020 e 2021 e consequente restituição dos montantes indevidamente liquidados, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios.

 

§2.º Factos dados como não provados 

Não se revelam outros factos essenciais, provados ou não provados, sendo a questão a dirimir essencialmente de direito.

 

§3.º Fundamentação da matéria de facto  

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e pertinente à análise da secção da incompetência material e tendo em conta a posição assumida pelas partes. 

 

III- 2- DO DIREITO 

 

§1.º Quanto à ilegalidade das liquidações 

 

A REQUERENTE parte de pressuposto errado, para não apelidar de falacioso, quanto ao enquadramento da sua situação tributária à luz da lei de Portugal, o Estado da fonte dos rendimentos obtidos.

Com efeito, começa por afirmar que, reunindo todos os requisitos previstos no artigo 51.º do IRC, ainda que sem o demonstrar, está em situação de igualdade de circunstâncias com as seguradoras com sede ou direção efetiva em território português, razão pela qual lhe deve ser aplicado o mesmo regime - in casu, o regime de eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos, sob pena de a Requerida incorrer em discriminação em função da nacionalidade, refração do princípio da liberdade de circulação de capitais, consagrado no artigo 63.º do TFUE.   

A Requerente avança para a invocação da violação do direito comunitário sem antes efetivar o verdadeiro enquadramento jurídico da sua situação fiscal. Antecipa-se, desde já, que o regime fiscal português, de eliminação da dupla tributação económica, na formulação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro e alterações subsequentes, observa integralmente, na sua transposição para a ordem jurídica interna,  o disposto na Diretiva 2011/96/EU, do Conselho, de 30-11-2011, relativa a regime fiscal aplicável às sociedades-mães e às sociedades afiliadas de outros Estados membros, assim respeitando, designadamente, os considerandos 3, 7 e 8:

(3) O objectivo da presente Directiva é isentar de retenção na fonte os dividendos e outro tipo de distribuição de lucros pagos pelas sociedades afiliadas às respectivas sociedades-mãe, bem como suprimir a dupla tributação de tais rendimentos ao nível da sociedade-mãe.

(7) Quando uma sociedade-mãe recebe, na qualidade de sócia da sociedade sua afiliada, lucros distribuídos, o Estado-Membro da sociedade-mãe deve abster-se de tributar estes lucros, ou tributá-los autorizando simultaneamente a sociedade-mãe a deduzir do montante do imposto devido a fracção do imposto sobre as sociedades paga pela sociedade afiliada sobre esses lucros.

(8) Além disso, para garantir a neutralidade fiscal, torna-se necessário isentar de retenção na fonte os lucros que uma sociedade afiliada distribui à sua sociedade-mãe.

 

Relativamente ao Considerando (3): (i) o legislador português consagrou o regime de isenção, em território português, dos dividendos distribuídos por sociedades afiliadas a sociedades-mãe, nomeadamente as que, como é o caso, tenham sede ou direção efetiva num Estado membro da União Europeia, no n.º 3 do artigo 14.º do Código do IRC, subordinando-a à verificação de determinados requisitos, nomeadamente o requisito da detenção direita ou indireta de, pelo menos, 10% de capital social ou dos direitos de voto da entidade que distribui os lucros, estabelecendo a seguir no n.º 4 o regime de prova a efetuar junto da entidade obrigada a efetuar a retenção, tendo em vista a sua não efetivação; (ii) e no artigo 51.º do CIRC,  com a epígrafe “Eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos”, consagrou o regime de eliminação da dupla tributação económica, em relação aos sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português. O preceito, fruto do poder de soberania fiscal de Portugal, corolário do princípio da tributação da universalidade dos rendimentos obtidos, independentemente do lugar onde o sejam (lucros e reservas distribuídos), por sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português, elimina a dupla tributação económica desde que verificados os pressupostos e requisitos estabelecidos nas várias alíneas do seu n.º 1, demais regime aí previsto.

Relativamente ao considerando (7), tanto o não cumprimento dos requisitos de que depende a eliminação da dupla tributação económica dos dividendos, como a opção do sujeito passivo pela inclusão dos dividendos recebidos na sua matéria coletável, determina a sua sujeição a IRC em território português, mas a sociedade-mãe deve, por convenção de eliminação da dupla tributação jurídica ou por medida unilateral, deduzir à coleta o imposto retido na fonte, se o houver, regime este que se encontra consagrado no artigo 91.º-A do CIRC.

Finalmente, e quanto ao Considerando (8), é o já citado n.ºs 4 do artigo 14.º do CIRC que estabelece o mecanismo que conduz à isenção da retenção na fonte, aplicada pela entidade distribuidora dos dividendos quando munida da prova da verificação dos requisitos de que depende a isenção dos dividendos.

Sublinha-se que o legislador português foi ainda mais longe quando dispôs, no artigo 95.º, subordinado à epígrafe "Retenção na fonte - Direito Comunitário", a suscetibilidade de, devendo efetuar-se a retenção na fonte por, à data da distribuição dos dividendos, se não verificar o requisito temporal de detenção da participação mínima, previu a possibilidade de restituição do imposto retido logo que feita a prova desse mesmo requisito.

Ora, no caso da situação da REQUERENTE, que comprovadamente não tem sede nem direção efetiva em território português, não poderia estar em causa eliminar a dupla tributação económica, fundamento da causa de pedir, ao abrigo do disposto no artigo 51.º do CIRC, por impossibilidade de a mesma cumprir o requisito da "residência" nesse mesmo território.

Não se mostrando provado que a Requerente cumpre os requisitos estabelecidos, em conformidade com o direito europeu, pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 14.º do CIRC, ou que só agora se verificando o requisito temporal da detenção da participação social na sua afiliada pode beneficiar do disposto no artigo 95.º do mesmo diploma, devolve-se, à luz da Diretiva 2011/96/EU, para a Finlândia, enquanto Estado onde se encontram localizadas a sua sede e direção efetiva, a solução da eliminação da dupla tributação económica internacional, nomeadamente pela permissão de deduzir à coleta do imposto sobre o rendimento ou similar ali devido o imposto retido em Portugal.

Em suma, o regime jurídico do artigo 51.º do CIRC é apenas aplicável a sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português, pelo que não é aplicável, como bem conclui a Requerida, à situação da REQUERENTE.

Termos em que se conclui, perante a factualidade dada como provada, que a retenção efetuada em Portugal sobre os dividendos que lhe foram distribuídos pela sua afiliada não sofre de qualquer ilegalidade, pelo que deve manter-se com todos os efeitos e, nessa medida, improcede o pedido. A eliminação da dupla tributação económica internacional, neste caso, repete-se, é da competência da Finlândia enquanto território da sede e direção efetiva da Requerente, se não à luz do seu direito interno, no quadro da invocação da Diretiva 2011/96/EU, cujas normas pertinentes permitem a invocação do seu efeito direto, caso não tenha havido transposição para o ordenamento jurídico tributário finlandês ou se possa considerar que, tendo havido transposição, esta não respeito os objetivos visados por aquele normativo europeu.

Improcedendo o pedido principal improcede, nesta sequência o relativo aos juros indemnizatórios. 

 

 

IV-DECISÃO

            Termos em que, pelos fundamentos expostos, acordam os árbitros que compõem o presente Tribunal Arbitral Coletivo:

a)    Julgar improcedente a exceção de incompetência em razão da matéria; 

b)    Julgar improcedente o pedido de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e, nessa sequência, o de anulação dos atos tributários impugnados referentes ao IRC retido na fonte sobre dividendos pagos à Requerente entre 18 de maio de 2018 e 31 de outubro de 2021;

c)    Condenar a REQUERENTE no pagamento das custas do presente proces­so.

 

 

V- VALOR DA CAUSA

De harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC), fixa-se o valor do processo em € 404.224,60, correspondente ao valor do ato de autoliquidação impugnado pela REQUERENTE e por si indicado no Pedido Arbitral .

 

VI- CUSTAS

O valor das custas é fixado em € 6.732,00  ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da REQUERENTE, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT e 4.º, n.º 5 do RCPAT.

 

Notifiquem-se as partes e o Ministério Publico .

 

Lisboa, 015 de outubro de 2025

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

 

 

Fernanda Maçãs

(Presidente)

 

 

 

(Luís Menezes Leitão)

 

 

 

(Marisa Almeida Araújo)