Sumário
1. O artigo 12.º-A do Código do IRS estabelece uma medida excecional de carácter automático, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT. Porém, depende da declaração do sujeito passivo de beneficiar do regime, o que será feito aquando do preenchimento do modelo 3 da declaração de IRS do ano seguinte ao ano de regresso a Portugal.
2. O sujeito passivo para beneficiar deste benefício fiscal estabelecido no artigo 12.º -A, além de ter sido residente em território português antes de 31 de dezembro de 2015, ter a sua situação tributária regularizada, também terá de não ter sido residente em território português em qualquer dos três anos anteriores ao ano de regresso a Portugal e não ter solicitado a sua inscrição como residente não habitual.
Decisão Arbitral
O árbitro Pedro Guerra Alves, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído em 3 de junho de 2025, decide o seguinte:
1. Relatório
A..., titular do número de identificação fiscal (NIF)..., residente na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa (doravante, abreviadamente designada por Requerente), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), pretendendo a declaração de ilegalidade da demonstração de liquidação de IRS n.º 2024 ... no montante a reembolsar de € 2.999,05, e na sequência do indeferimento expresso da reclamação graciosa, em 18 de dezembro de 2024.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).
O Requerente fundamenta a sua pretensão, em síntese, nos seguintes termos:
a) Até maio de 2017, o Requerente ocupava em Portugal o cargo de Engenheiro, chefe adjunto de departamento, na sociedade B... S.A., localizada no Porto.
b) Nos primeiros meses do ano de 2017, o Requerente recebeu uma proposta de trabalho, para exercer a sua profissão na empresa ‘C..., S.A.U.’, sita em ..., Espanha, a qual aceitou – cfr. cópia do contrato de trabalho que se junta como doc. n.º 3 em anexo.
c) Como decorre do contrato de trabalho assinado pelo Autor, este foi contratado para trabalhar: i) presencialmente, nas instalações da sua nova entidade empregadora, ii) a tempo inteiro; e iii) a partir do dia 19 de junho de 2017 – cfr. cláusulas primeira, terceira e quarta, respetivamente, do contrato já junto como doc. n.º 3 em anexo.
d) Atendendo às características do trabalho a desempenhar, incompatíveis, como é bom de ver, com a sua permanência em Portugal, o Requerente emigrou para Espanha, juntamente com a sua mulher e filhos.
e) Concretamente, e como evidenciam os bilhetes de avião com destino a Madrid e os bilhetes de comboio para o percurso Madrid-Zaragoza, que se juntam como doc. n.º 4 em anexo, o Requerente deixou Portugal, em definitivo, e juntamente com a sua família, em 26 de maio de 2017, com vista a instalar-se e tratar das formalidades inerentes à sua mudança, antes de dar início à nova relação laboral.
f) Tendo passado os primeiros dias da sua permanência em Espanha no Hotel ..., a expensas da sua nova entidade patronal – cfr. doc. n.º 5 que se junta em anexo – o Requerente passou a residir, a partir de 1 de junho de 2017 no endereço ..., ..., ... Zaragoza, Espanha, conforme evidenciam a cláusula primeira do contrato de arrendamento habitacional que se junta como doc. n.º 6 em anexo e a primeira fatura de telecomunicações emitida ao Autor, para o período compreendido entre 5 e 17 de junho de 2017, que se junta como doc. n.º 7 em anexo.
g) Neste contexto, e visto que era seu objetivo desenvolver em Espanha a sua vida pessoal, familiar e profissional, cumprindo com todas as obrigações fiscais exigidas pelo seu novo estatuto de residente naquele país, o Requerente solicitou a alteração da sua residência fiscal para a nova morada em Espanha, tendo recebido confirmação do seu pedido por notificação emitida em 19 de junho de 2017 – cfr. cópia da informação para confirmação de alteração de morada no cartão do cidadão, que se junta como doc. n.º 8 em anexo.
h) Do mesmo modo, e pelo mesmo motivo, o Requerente solicitou igualmente a emissão de Número de Identificação de Estrangeiros espanhol e, bem assim, a sua inscrição no sistema de Segurança Social espanhol – cfr. docs. n.º 9 e n.º 10, que se juntam em anexo.
i) E, como tal, foi tributado: a) Como não residente em Portugal, com referência ao período compreendido entre 1 de julho e 31 de dezembro de 2017 – Declaração de IRS que se junta como doc. n.º 11 em anexo; e, correspondentemente, b) Como residente em Espanha pelos rendimentos auferidos durante todo o tempo em que foi residente nesse país, como evidenciam as declarações de rendimentos apresentadas em Espanha, relativamente aos anos de 2017, 2018 e 2019, que se juntam como doc. n.º 12 em anexo.
j) Conforme se comprovou, o último dia de permanência do Requerente em território nacional foi 25 de maio de 2017 – cfr. doc. n.º 4 já em anexo.
k) Entre 1 de janeiro de 2017 e 25 de maio de 2017 decorreram 145 dias, que equivale ao tempo de permanência do Requerente em Portugal nesse ano.
l) Como igualmente se comprovou, o Requerente e respetiva família mudaram-se ‘de armas e bagagens’ para Espanha, onde passaram a viver, trabalhar, frequentar escolas, pagar impostos e a desenvolver todas as atividades correntes das suas vidas.
m) Com o tal, em 31 de dezembro de 2017, o Requerente também não detinha em Portugal habitação em condições que fizessem supor a sua intenção de a manter e ocupar como sua residência habitual.
n) Por consequência de tudo o exposto, i) tendo passado menos de 183 dias em Portugal no ano de 2017, e ii) não detendo, em 31 de dezembro, habitação em Portugal em condições que fizessem supor a sua intenção de a manter e ocupar como sua residência habitual, o Requerente não pode ser considerado como residente fiscal em Portugal no ano de 2017, nos termos do disposto no artigo 16.º, n.º 1, do Código do IRS, conforme resulta sobejamente dos documentos juntos à presente petição inicial, não cumprindo igualmente, e em face de tudo quanto se demonstrou, qualquer dos demais critérios plasmados no n.º 1, do artigo 16.º do Código do IRS.
o) Ainda que assim não se entenda, sempre terá de reconhecer-se que o Requerente perdeu a qualidade de residente em Portugal em 25 de maio de 2017, último dia da sua permanência em território nacional, ao abrigo do disposto no artigo 16.º, n. 4 do Código do IRS e conforme resulta dos mesmos documentos juntos à presente petição inicial.
p) Todavia, durante o desenrolar da crise pandémica relacionada com o novo Coronavírus, o Requerente tomou a decisão de retornar a Portugal com a sua família, o que efetivamente veio a fazer em 15 de agosto de 2020 – cfr. doc. n.º 13 que se junta em anexo –, tendo posteriormente procedido à alteração da sua residência fiscal para Portugal em 12 de setembro de 2020, conforme constará do cadastro do registo de contribuintes da AT.
q) Assim, e por consequência do seu regresso, o Requerente voltou a ser residente em Portugal em 15 de agosto de 2020, ao abrigo disposto na alínea b), do n.º 1, eno n.º 3, do artigo 16.º do Código do IRS e conforme resulta do doc. n.º 13, já junto em anexo.
r) Nesse sentido, e uma vez que todos os requisitos materiais se achavam reunidos à aplicação do disposto no artigo 12.º-A do Código do IRS, o Requerente submeteu a sua declaração de IRS em 29 de junho de 2023, com referência à opção pela tributação no âmbito do ‘Programa Regressar’.
s) A Requerente alega que ato tributário em crise deve ainda ser considerado ilegal por violação do princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
t) Ora, facilmente se constata que a interpretação que a AT faz do artigo 12.º-A do Código do IRS mostra-se passível de criar situações violadoras do princípio da igualdade, ao implicar o tratamento diferente e com carácter discriminatório de situações substancialmente idênticas entre os indivíduos que, reunindo todas as condições legais previstas no artigo 16.º, n.º 1, para serem considerados não residentes num determinado ano (2017, no caso), apresentaram declarações de rendimentos refletindo o período de tempo que permaneceram em Portugal no ano em que alteraram a sua residência fiscal para o estrangeiro e os indivíduos que, reunindo as mesmíssimas condições legais não o fizeram, pelo motivo formal de terem alterado o seu cadastro com referência a 31 de dezembro do ano anterior, não sendo, assim, considerados residentes, nem residentes parciais, em Portugal na totalidade dos 3 anos.
u) Tal tratamento viola do princípio da igualdade, uma vez que trata de forma diferente (a uns concede o benefício fiscal disposto no artigo 12.º-A do Código do IRS, enquanto a outros não permite a respetiva aplicação), indivíduos em situação igual (indivíduos que para efeitos fiscais, não foram considerados residentes em Portugal nos 3 anos anteriores a 2020 ao abrigo do disposto no artigo 16.º do Código do IRS).
v) Neste sentido, a norma contida no artigo 12.º-A, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, quando interpretada no sentido de excluir da aplicação do regime fiscal aplicável a não residentes os sujeitos passivos que não tenham sido considerados residentes fiscais em Portugal durante os três anos anteriores ao dia do seu regresso, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, inconstitucionalidade que desde já se alega para todos os efeitos legais.
w) A Requerente termina a peticionar, a ilegalidade e anulação do ato de liquidação de IRS referente ao ano de 2023 e, bem assim, do indeferimento que ilegalmente o manteve, na medida em que não reflete o regime fiscal aplicável a ex-residentes, constante do artigo 12.º-A do Código do IRS, do qual o Requerente beneficia, tudo com as devidas consequências legais, nomeadamente, o pagamento ao Requerente do IRS indevidamente suportado, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 24 de março de 2025, e subsequentemente notificado à AT.
O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou o ora signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 14 de maio de 2025, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 3 de junho de 2025, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.
A AT apresentou resposta onde suscitou a exceção de caso julgado, exceção de litispendência, apresentou defesa por impugnação, pedindo julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral, juntou aos autos o processo administrativo (“PA”) em 2 de julho de 2025, alegando, em síntese, o seguinte:
a) Em 2017-07-01, o Requerente, então residente em Portugal, alterou a sua residência para o estrangeiro (Espanha), situação que se manteve até 2020-09-12, data em que alterou a sua residência para Portugal.
b) Em 2020-09-07, já a residir em Portugal desde agosto, o Requerente submeteu junto da Direção de Serviços do IRS pedido de informação vinculativa para saber se a sua situação, respeitante ao ano de 2020, era enquadrável no regime constante do artigo 12.º-A do CIRS – Regime fiscal aplicável a ex-residentes.
c) Em concreto, requereu pronúncia vinculativa para os seguintes factos (cfr. PIV - Documento 2, .AA. 863/21.6BELRS): «1- se para os rendimentos de 2020, a apresentar através de declaração de rendimentos no próximo ano, vai beneficiar do Programa Regressar, por se encontrar abrangido por todos os requisitos previstos no artigo 12.º-A, normativo aditado pela Lei n.º 71/2018m de 31 de dezembro. 2-E, sendo reconhecida a qualidade de beneficiário deste programa, solicita-se desde já esclarecimentos sobre a sua aplicação.»
d) No âmbito desse pedido, foi o Requerente informado, em janeiro de 2021, que «face à situação constante da base de dados dos serviços da AT, ao caso em apreço, por o Requerente ter sido residente, ainda que parcialmente, não reúne os pressupostos do regime fiscal dos ex-residentes, porque não verifica a condição de não ter sido ‘Não Residente’ nos três anos anteriores a 2020, pelo que este regime de benefício não lhe é aplicável.»
e) Em 29-06-2024, o ora Requerente apresentou declaração de IRS respeitante ao IRS do ano de 2023, que, por consulta ao Sistema de Gestão de Divergências, deu origem ao erro Z10 – Regime Fiscal Ex-Residente não Permitido/Residente em PT nos últimos 3 anos, procedimento que findou sem correções.
f) A declaração de rendimentos referida no artigo anterior deu origem à liquidação n.º 2024..., de 2024-07-20, com o valor a receber no montante de € 2.999,05, liquidação esta que não considerou o regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS.
g) Por não concordar com a liquidação, nomeadamente, por considerar que preenche os requisitos previstos na lei para beneficiar do regime aplicável a ex-residentes previsto no artigo 12.º-A do CIRS, o ora Requerente apresentou reclamação da aludida liquidação, que foi autuada com o n.º ... .
h) Analisada a reclamação e apos a realização da condigna audiência dos interessados, foi a mesma indeferida, a coberto do despacho da Sra. Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ..., de 16.12.2024
i) Por não concordar com a decisão proferida, nomeadamente, por considerar que preenche os requisitos previstos na lei para beneficiar do regime aplicável a ex-residentes, veio o Requerente contestar aquela decisão e a precedente liquidação, através de pedido arbitral.
j) Verifica-se a exceção perentória de caso julgado porquanto, nos processos arbitrais n.ºs 202/2022-T e 740/2022-T, foram proferidas decisões de mérito, transitadas em julgado, que determinaram que o Requerente não poderá beneficiar do regime aplicável a ex-residentes previsto no artigo 12.º-A do CIRS a partir de 2020 – ano em que voltou a adquirir residência fiscal em Portugal – por considerar que o Requerente foi residente fiscal num “dos três anos anteriores” (2017), não preenchendo assim o requisito constante do n.º 1, alínea a) daquele artigo.
k) Ora, apesar de o presente processo ter por objeto a liquidação de IRS referente aos rendimentos de 2023, a verdade é que as decisões proferidas n.º 202/2022-T e 740/2022-T resolveram a mesma questão que está agora a ser suscitada pelo Requerente, e que consiste em saber se, tendo o Requerente tido residência parcial 2017, deverá ser considerado residente “nos três anos anteriores”, para efeitos do pressuposto do benefício fiscal constante do artigo 12.º-A, n.º 1, al. a) do CIRS.
l) E, tendo resolvido essa questão, as decisões proferidas nos aludidos PPA projetam efeitos sobre os anos subsequentes em que o Requerente entende ter direito ao regime aplicável a ex-residentes, porquanto o Tribunal Arbitral já estabeleceu, com força de caso julgado, que a residência parcial em Portugal do Requerente no ano de 2017 fez precludir a possibilidade de aceder àquele benefício fiscal.
m) Termos em que, verificando-se a exceção perentória de caso julgado, prevista nos arts. 580º e 581º do CPC, deverá a Requerida ser totalmente absolvida do pedido, nos termos do artigo 576.º do CPC, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
n) Resulta dos factos acima descritos que o Requerente já havia submetido à AT, através de PIV, a questão sobre a sua aptidão para se prevalecer do regime aplicável a ex-residentes ao seu IRS de 2020.
o) E que, perante a resposta negativa da AT, o Requerente dela interpôs recurso contencioso, nos termos do artigo 20.º do artigo 68.º da LGT, através de ação administrativa especial com vista a condenar a AT a emitir informação vinculativa consonante com qualificação jurídico tributária constante do PIV.
p) Estando aquela ação administrativa atualmente a correr termos no Tribunal Tributário de Lisboa (UO 3) com o n.º de processo 863/21.6BELRS.
q) O que implica que a decisão a proferir no presente processo poderá colidir com o sentido da decisão do Tribunal Tributário, fazendo coexistir na ordem jurídica duas decisões jurisdicionais que produzem efeitos, sobre a mesma situação jurídica, irreconciliáveis e com sentidos opostos, o que resulta numa situação de litispendência.
r) A litispendência constitui uma exceção dilatória cuja verificação obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância – artigos. 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea i), do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 89.º, n.º 4, alínea l) do Código de Processo nos Tribunais Tributários (CPTA).
s) Termos em que, verificando-se exceção dilatória por litispendência, a qual impede o conhecimento do mérito da causa, se deverá determinar a absolvição da entidade requerida da instância, atento o disposto no artigo 89.º, n.º 4, alínea l) do CPTA e nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea i) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
t) Caso se entenda não existir litispendência, o que se concebe sem conceder, deverá o Tribunal ordenar a suspensão da instância, nos termos do artigo 269.º nº 1 alínea c) do CPC, porquanto não poderá deixar de se considerar prejudicial a apreciação jurisdicional em curso da informação vinculativa cujos efeitos se projetarão na validade da liquidação impugnada na presente ação arbitral.
A Requerida, defendeu-se igualmente por impugnação, na qual alegou:
u) Com efeito, em causa está a aplicação de um benefício fiscal a rendimentos obtidos em 2023, que tem como condição, no caso concreto, não ter o contribuinte tido residência fiscal em Portugal em 2017.
v) O que releva, portanto, é que o Requerente tenha concretamente sido considerado residente fiscal em Portugal em 2017, tendo assim sido enquadrado à luz das normas internas portuguesas e como tal tendo sido tributado - que o foi.
w) Note-se que tão-pouco, em momento algum no presente processo, é posta em causa a matéria coletável do imposto, nem do ano de 2017 nem do ano 2023.
x) Razão por que, a questionar-se o estatuto do Requerente como residente fiscal em Portugal no ano de 2017 (que nenhuma das partes contesta e aproveita da presução de veracidade declarativa), o critério a aplicar para se determinar o estatuto de residente no Requerente seria necessariamente o que resulta do regime previsto no artigo 16.º do CIRS.
Por despacho de 2 de julho de 2025, foi concedida a possibilidade de o Requerente responder às exceções invocadas pela Requerida, e agendada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.
O Requerente pronunciou-se sobre as exceções em 23 de julho de 2025.
No dia 9 de setembro de 2025, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido inquiridas as testemunhas apresentadas pelo Requerente. As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas finais e o Tribunal indicou a data previsível para prolação da decisão arbitral, com advertência da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente pelo Requerente até essa data (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).
O Requerente e a Requerida apresentaram as suas alegações em 25 de setembro de 2025, reafirmando, no essencial, as posições assumidas nos respetivos articulados.
Por despacho arbitral de 26 de Setembro, a Requerida foi notificada para, querendo, exercer o direito ao contraditório no prazo de 10 dias quanto ao documento junto pelo Requerente com as Alegações. A Requerida nada disse.
O tribunal entende que a restrição de junção de prova documental fora do prazo, ie, após a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT não é um princípio absoluto, permitindo ao tribunal a sua aceitação desde que esta não cause perturbação considerável da tramitação normal do processo, à luz do princípio da celeridade (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2, do RJAT), nestes termos o Tribunal admite a junção da prova documental adicional por contribuir para a boa decisão da causa.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
Importa apreciar previamente as exceções suscitadas, começando pela de incompetência, de harmonia com o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
2. Matéria de facto
§3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:
A. Até maio de 2017, o Requerente ocupava em Portugal o cargo de Engenheiro, chefe adjunto de departamento, na sociedade B... S.A., localizada no Porto.
B. O Requerente recebeu uma proposta de trabalho, para exercer a sua profissão na empresa ‘C..., S.A.U.’, sita em Zaragoza, Espanha, a qual aceitou, este foi contratado para trabalhar: i) presencialmente, nas instalações da sua nova entidade empregadora, ii) a tempo inteiro; e iii) a partir do dia 19 de junho de 2017. cfr. doc. n.º 3 do PPA.
C. O Requerente emigrou para Espanha, juntamente com a sua mulher e filhos, e viajou de Portugal para Espanha em 26 de maio de 2017. Cfr. Doc 5 a 7 do PPA.
D. Em 2017-07-01, o Requerente, comunicou a AT a sua alteração de residência para Espanha. Cfr. PA.
E. Em 2020-09-12, o Requerente, comunicou a AT a sua alteração de residência para Portugal. Cfr. PA.
F. Em 2020-09-07, o Requerente submeteu junto da Direção de Serviços do IRS pedido de informação vinculativa com o seguinte teor: «1- se para os rendimentos de 2020, a apresentar através de declaração de rendimentos no próximo ano, vai beneficiar do Programa Regressar, por se encontrar abrangido por todos os requisitos previstos no artigo 12.º-A, normativo aditado pela Lei n.º 71/2018m de 31 de dezembro. 2-E, sendo reconhecida a qualidade de beneficiário deste programa, solicita-se desde já esclarecimentos sobre a sua aplicação.» cfr. PA.
G. A AT respondeu ao pedido de pedido de informação vinculativa com o seguinte teor: «face à situação constante da base de dados dos serviços da AT, ao caso em apreço, por o Requerente ter sido residente, ainda que parcialmente, não reúne os pressupostos do regime fiscal dos ex-residentes, porque não verifica a condição de não ter sido ‘Não Residente’ nos três anos anteriores a 2020, pelo que este regime de benefício não lhe é aplicável.». Cfr. PA
H. O Requerente impugnou a informação vinculativa no Tribunal Tributário de Lisboa (UO 3) ação administrativa com o n.º 863/21.6BELRS. cfr. PA.
I. Em 22-03-2022, o Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral impugnando a liquidação de IRS referente ao período de 2020, no âmbito do processo arbitral n.º 202/2022-T, e em 30-01-2023, no sentido da improcedência total do pedido. Cfr. PA e disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=ex-residentes&s_artigos=&s_texto=&id=6866
J. Em 02-12-2022, o Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral impugnando a liquidação de IRS referente ao período de 2021, no âmbito do processo arbitral n.º 740/2022-T, e em 10-10-2023, no sentido da improcedência total do pedido. Cfr. PA e disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=740&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=7404
K. Em 19-12-2023, o Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral impugnando a liquidação de IRS referente ao período de 2022, no âmbito do processo arbitral n.º 1011/2023-T, e em 05-05-2024, tendo sido julgando procedente a exceção da inimpugnalidade do ato suscitada. Cfr. PA e disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=1011&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=ex-residentes&s_artigos=&s_texto=&id=8183
L. Em 29-06-2024, o oro Requerente apresentou declaração de IRS respeitante ao IRS do ano de 2023, que, por consulta ao Sistema de Gestão de Divergências, deu origem ao erro Z10 – Regime Fiscal Ex-Residente não Permitido/Residente em PT nos últimos 3 anos, procedimento que findou sem correções. Cfr. PA.
M. A declaração de rendimentos referida no artigo anterior deu origem à liquidação n.º 2024..., de 2024-07-20, com o valor a receber no montante de € 2.999,05, liquidação esta que não considerou o regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS. Cfr. PA.
N. O Requerente apresentou reclamação graciosa da aludida liquidação, que foi autuada com o n.º ... . Cfr. PA.
O. O Requerente foi notificado para exercer o seu direito de audição. Cfr. PA.
P. O Requerente foi notificado do indeferimento expresso da reclamação graciosa em 16 de Dezembro de 2024. Cfr. PA.
2.1. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes a decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos e prova testemunhal junto pelo Requerente.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto, relevante para apreciação da questão de incompetência.
§3.3. Fundamentação da matéria de facto
Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e da prova testemunhal.
No âmbito da prova testemunhal, destaca-se o valor do depoimento de D..., que, enquanto cunhado e vizinho do Requerente, residiu no mesmo edifício durante o período relevante dos factos, o que lhe confere conhecimento direto das circunstâncias em análise. Esta testemunha relatou ter conhecimento direto e profundo sobre o Requerente e a sua família residirem em Portugal até maio de 2017, tendo imigrado com a sua família para Espanha, fruto de o Requerente ter recebido uma proposta de trabalho em Zaragoza, que aceitou. Mais referiu que o Requerente, no ano de 2017 visitou Portugal de ferias para visitar a família. E que o Requerente e a sua família, regressaram definitivamente para Portugal em 2020.
D..., vizinho do Requerente demonstrou ter conhecimento direto e profundo sobre o período em questão. Relatou que o Requerente e a sua família residiram em Portugal até abril, ou, maio de 2017, tendo imigrado para Espanha com a sua família, e regressou em 2020. Mais referiu que se cruzou com Requerente, no ano de 2017 na época de Natal, não o tendo encontrado mais no ano de 2017. Mais referiu que sabe que o Requerente regressou para Portugal no ano de 2020, para a cidade de Lisboa, não sabe precisar a concreta data.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
Matéria de Direito
§4.1. Delimitação das questões a decidir:
Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:
a) Da exceção suscitada pela Requerida de litispendência e suspensão por causa prejudicial.
b) Da exceção suscitada pela Requerida de caso julgado porquanto, no processo arbitral n.º 202/2022 e 740/2023, foi proferida decisão, transitada em julgado, que determinou que o Requerente não poderia beneficiar do regime aplicável a ex-residentes previsto no artigo 12.º-A do CIRS;
c) Da ilegalidade suscitada pelo Requerente da liquidação de IRS impugnada, por não considerar o benefício fiscal estabelecido no 12.º-A, do CIRS, nomeadamente, se estavam verificadas as condições para a sua aplicação.
a) Da violação suscitada pelo Requerente do princípio constitucional da igualdade.
b) E do direito peticionado pelo Requerente, a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.
A matéria de facto está fixada e provada, razão pela qual vamos agora determinar o direito aplicável aos factos controvertidos, dando prioridade, em cumprimento do disposto na alínea a) do nº 2 do artº 124º do CPPT, aos vícios cuja procedência determine uma mais estável e eficaz tutela dos interesses do Requerente.
§4.2. Sobre a Exceção de litispendência e suspensão por causa prejudicial.
A Requerida, na sua resposta, vem sustentar a exceção de litispendência, invocando, que o Requerente submeteu junto da AT, um pedido de informação sobre a sua aptidão para se prevalecer do regime aplicável a ex-residentes ao seu IRS de 2020. E que, perante a resposta negativa da AT, o Requerente dela interpôs recurso contencioso, nos termos do artigo 20.º, do artigo 68.º da LGT, através de ação administrativa especial com vista a condenar a AT a emitir informação vinculativa consonante com a qualificação jurídico tributária constante do PIV. Estando aquela ação administrativa atualmente a correr termos no Tribunal Tributário de Lisboa (UO 3) com o n.º de processo 863/21.6BELRS. O que implica que a decisão a proferir no presente processo poderá colidir com o sentido da decisão do Tribunal Tributário, fazendo coexistir na ordem jurídica duas decisões jurisdicionais que produzem efeitos, sobre a mesma situação jurídica, irreconciliáveis e com sentidos opostos, o que resulta numa situação de litispendência. E que tal constituiu litispendência, cuja verificação obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância – artigos. 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea i), do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 89.º, n.º 4, alínea l) do Código de Processo nos Tribunais Tributários (CPTA).
A Requerida mais peticiona a suspensão da instância, por entender que caso se entenda não existir litispendência, deverá o Tribunal ordenar a suspensão da instância, nos termos do artigo 269.º nº 1 alínea c) do CPC, porquanto não poderá deixar de se considerar prejudicial a apreciação jurisdicional em curso da informação vinculativa cujos efeitos se projetarão na validade da liquidação impugnada na presente ação arbitral.
O Requerente, devidamente notificado, respondeu à exceção da seguinte forma:
Por mera análise dos pedidos e causas de pedir dos respetivos processos, resulta notória a falta de identidade entre a referida ação administrativa, por um lado, onde se pede a anulação de informação vinculativa e a emissão de uma nova com conteúdo diverso e a presente ação, por outro, onde o que se requer é a anulação de um ato de liquidação de imposto ilegalmente praticado pela AT.
Nestes termos, por ser inquestionável a ausência dos pressupostos para que esteja verificada a exceção de litispendência no caso concreto, o Requerente não pode concordar com tal entendimento, uma vez que as referidas ações cuidam de objetos totalmente distintos, assentando consequentemente em causas de pedir distintas, como aliás reconheceu este CAAD ao proferir decisão de fundo relativamente ao processo em que se impugnaram as liquidações relativas ao IRS de 2020.
Com efeito, em bom rigor, apesar de pressuporem a análise das mesmas normas, estamos perante duas causas de pedir diferentes, daí que deva, também por este motivo, improceder a invocada exceção de litispendência.
Face ao exposto, bem se vê que dos pressupostos cumulativos previstos no n.º 1 do artigo 581.º do CPC, apenas existe uma identidade de sujeitos, que não permite per se a verificação da exceção de litispendência.
Sustenta ainda, que não estamos perante uma litispendência, muito menos haverá causa prejudicial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 272.º, do CPC ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. Ora no caso específico dos autos não se antolha necessidade/utilidade na suspensão da instância porquanto ambas as ações – a arbitral e administrativa – com causas de pedir e pedidos diversos, não constituem, reciprocamente, causa prejudicial uma da outra na medida em que a decisão de uma dessas ações não vai acarretar efetivamente consequências para a outra.
Neste sentido cumpre decidir:
Com efeito, a exceção dilatória da litispendência obsta ao conhecimento do mérito da causa e implica a absolvição da Requerida da presente instância, nos termos do disposto no artigo 577.º, i) e 278.º, n.º 1, e) do CPC, pelo que se torna necessário analisar a sua procedência, a qual terá consequências no conhecimento do mérito do pedido arbitral. E estas normas do Código de Processo Civil são aplicáveis ao processo arbitral tributário, ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. A exceção de litispendência nos termos do n.º 1 do artigo 581.º do CPC ex vi do artigo 29.º e) do RJAT, pressupõe a repetição de uma causa: se uma causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência.
De acordo com o referido pela Requerida, o Requerente impugnou a informação vinculativa, nos termos alínea c) do n.º 20 do artigo 68.º do artigo da Lei Geral Tributária (LGT), correndo atualmente termos no Tribunal Tributário de Lisboa (UO 3) ação administrativa com o n.º 863/21.6BELRS, na qual o Requerente solicita a anulação da informação vinculativa e a sua substituição por outra que reconheça o direito do Requerente a beneficiar do regime fiscal aplicável a ex-residentes, constante do artigo 12.º- A do Código do IRS. Como referido, a litispendência pressupõe a repetição da mesma ação em dois processos, dependendo da verificação cumulativa da identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir, de modo a evitar contradizer ou reproduzir decisão anterior.
Esta mesma questão já havido sido objeto de apreciação nos autos do processo n.º 202/2022-T e 770/2022-T, tendo-se em ambas as instâncias decidido pela improcedência da exceção dilatória de litispendência.
Diz-nos o n.º 1 do artigo 581.º do CPC, estabelece que a causa se repete “quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”. Ademais, os números subsequentes da mesma disposição legal estabelecem a concretização dos respetivos requisitos. O n.º 2 do n.º 1 do artigo 581.º do CPC refere que “Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”. Quanto a este primeiro requisito estando em causa a presença do Requerente e da Requerida em ambos os processos, o mesmo mostra-se verificado.
Por seu lado, os n.ºs 3 e 4 do artigo 581.º do CPC, estabelecem, respetivamente, que “Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” e que “Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico”.
Retomando o caso, as referidas identidades não se verificam quanto aos processos em questão. Efetivamente, como o Tribunal Central Administrativo Norte já teve oportunidade de se pronunciar “haverá identidade de pedidos se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objeto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a ação, se pretende obter e que a identidade da causa de pedir pressupõe que o acto ou o facto jurídico de onde o autor pretende ter derivado o direito é idêntico. Há identidade de pedidos quando numa e noutra ação se pretende obter o mesmo efeito jurídico, ou seja, terá de ser o mesmo direito subjetivo cujo reconhecimento se pretende, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada.” – Cfr. Acórdão proferido pelo TCAN, no âmbito do processo n.º 00498/11.1BEVIS, em 04.11.2004.
Ora, nos presentes autos pretende-se a anulação do ato de liquidação de IRS, referente ao ano de 2023, enquanto na ação administrativa referenciada o Requerente pretende tão só a revogação do despacho proferido pela Requerida e obter a condenação à prática de uma nova decisão no âmbito do referido pedido de informação vinculativa.
Igualmente, a jurisprudência do CAAD já teve oportunidade de o referir, nomeadamente, no processo nº 340/2017-T, de 10 de janeiro de 2018, “Não existe, porém, litispendência, pelo facto de não haver identidade nem nos pedidos nem na causa de pedir (na ação administrativa pede-se a anulação duma decisão vinculativa da AT; nesta ação arbitral pede-se a anulação de liquidação adicional de IRC; no primeiro caso, a causa de pedir é a emissão do parecer vinculativo alegadamente ilegal; nesta ação arbitral é a liquidação, alegadamente ilegal, de um tributo)”.
Efetivamente, embora os sujeitos em ambos os processos sejam os mesmos, o pedido e a causa de pedir não são idênticos, dado que no Processo que corre os seus termos no Tribunal Tributário de Lisboa, ação administrativa com o n.º 863/21.6BELRS, é pedida a anulação da informação vinculativa sobre a sua aptidão para se prevalecer do regime aplicável a ex-residentes ao seu IRS de 2020. Por seu lado, nos presentes autos o Requerente pede a anulação dos atos de liquidação de IRS referentes ao ano de 2023.
Termos em que improcede a alegada exceção de litispendência e o pedido de suspensão por causa prejudicial.
§4.3. Da Exceção Caso Julgado
A Requerida, na sua resposta, vem também sustentar a exceção de caso julgado, alegando, que no âmbito dos processos arbitrais n.ºs 202/2022-T e 740/2022-T, foram proferidas decisões de mérito, transitadas em julgado, que determinaram que o Requerente não poderá beneficiar do regime aplicável a ex-residentes previsto no artigo 12.º-A do CIRS a partir de 2020 – ano em que voltou a adquirir residência fiscal em Portugal – por considerar que o Requerente foi residente fiscal num “dos três anos anteriores” (2017), não preenchendo assim o requisito constante do n.º 1, alínea a) daquele artigo. Ora, apesar de o presente processo ter por objeto a liquidação de IRS referente aos rendimentos de 2023, a verdade é que as decisões proferidas n.º 202/2022-T e 740/2022-T resolveram a mesma questão que está agora a ser suscitada pelo Requerente, e que consiste em saber se, tendo o Requerente tido residência parcial 2017, deverá ser considerado residente “nos três anos anteriores”, para efeitos do pressuposto do benefício fiscal constante do artigo 12.º-A, n.º 1, al. a) do CIRS. Pelo que uma decisão proferida no presente processo que respondesse positivamente à presente pretensão do Requerente violaria a autoridade de caso julgado que decorre das decisões proferidas nos ppa n.º 202/2022-T e 740/2022-T. Termos em que, verificando-se a exceção perentória de caso julgado, prevista nos arts. 580º e 581º do CPC, deverá a Requerida ser totalmente absolvida do pedido, nos termos do artigo 576.º do CPC, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
O Requerente, devidamente notificado, respondeu a esta exceção da seguinte forma:
Com efeito, as decisões proferidas nos referidos processos arbitrais vieram decidir (desfavoravelmente) sobre o enquadramento do Requerente no chamado Programa Regressar, cujas normas enformadoras constam do artigo 12.º-A do Código do IRS e que positivam um regime fiscal favorável aplicável a indivíduos que mudem a sua residência fiscal para Portugal desde que não hajam sido residentes fiscais em Portugal nos três anos anteriores. O artigo 581.º do CPC exige que, para que se verifique a exceção de caso julgado, haja, entre os processos em causa, identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir, considerando-se, quanto ao pedido, que haverá identidade de pedido «quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico», que haverá identidade da causa de pedir «quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico». Assim, resulta claro que de modo nenhum se pode aceitar a argumentação aduzida pela Requerida na sua Resposta, no sentido de se encontrarem preenchidos os pressupostos legais para a verificação da exceção do caso julgado, uma vez que, pese embora a similitude das matérias objeto de discussão, o pedido e a causa de pedir são materialmente e formalmente distintos, não podendo aqui alcançar-se uma identidade entre os mesmos. Assim, não se poderá nunca considerar que entre as decisões proferidas nos processos arbitrais 202/2022-T e 740/2022-T e o caso sub júdice exista identidade de pedido e causa de pedir, devendo a exceção de caso julgado ser considerada totalmente improcedente.
Neste sentido cumpre apreciar a exceção invocada.
O artigo 581.º, do CPC, exige como requisitos para a exceção de caso julgado que se verifique entre os processos em causa, identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir. O caso julgado exerce duas funções: uma função positiva, que se manifesta através da autoridade do caso julgado, que visa impor os efeitos da decisão transitada, e uma função negativa, que se manifesta através da exceção do caso julgado, que impede que uma causa já julgada seja novamente apreciada pelo tribunal. Assim, conforme referido a exceção do caso julgado exige identidade de sujeitos, de pedidos e de causa de pedir em ambas as ações. Nestes termos, há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade do pedido quando em ambas as ações, se pretende o mesmo efeito jurídico; e há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico – simples ou complexo.
De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça “III – Para averiguar o preenchimento do requisito da identidade de sujeitos, deve atender-se, não a critérios formais ou nominais, mas a um ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte concretamente atuou e atua no processo.” [Acórdão proferido pelo STJ, no âmbito do processo n.º 915/09.0TBCBR.C1.S1, em 24.02.2015]. Alberto dos Reis sob o significado da expressão “qualidade jurídica” refere que “[a]s partes são as mesmas sob o aspeto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial. O que conta, pois, para o efeito da identidade jurídica, é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial (…)”. (in CPC Anotado, 3.ª ed., 1981, pp. 101 e seguintes).
Neste caso, para efeitos processuais, quanto às Partes aqui em confronto, Requerente e Requerida, verifica-se a existência de identidade de sujeitos, atenta a posição substantiva que ocupam em ambos os processos, em que assumem a mesma qualidade jurídica.
Por seu lado, no processo 202/2022-T estava em causa o pedido de declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação de IRS, referentes ao ano de 2020, bem como do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada. E no processo 740/2022-T, estava em causa o pedido de declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação de IRS, referentes ao ano de 2021, bem como do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.
No presente processo, o Requerente pede a declaração de “ilegalidade e anulação do ato de liquidação de IRS referente ao ano de 2023, na medida em que não reflete o regime fiscal aplicável a ex-residentes, constante do artigo 12.º-A do Código do IRS, do qual o Requerente beneficia”. Ora, quanto ao pedido a identidade é perspetivada em função da posição das partes quanto à relação material: existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado, sem que seja de exigir uma adequação integral das pretensões, nem sequer do ponto de vista quantitativo.
Assim sendo, haverá de concluir que no caso em apreço não existe identidade de pedidos entre ambos os processos, visto que num se discutiu a ilegalidade das liquidações de IRS, referentes ao ano de 2020 e 2021, bem como o indeferimento das reclamações graciosas apresentadas, enquanto nos presentes autos se discute a ilegalidade da liquidação de IRS, referente ao ano de 2023. Pois, conforme decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra “a identidade de pedidos pressupõe que em ambas as ações se pretende obter o reconhecimento do mesmo direito subjetivo, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada, não sendo de exigir, porém, uma rigorosa identidade formal entre os pedidos.”. No caso sub judice o efeito jurídico pretendido é manifestamente distinto, uma vez que o Requerente pretende ver anulada uma liquidação de IRS, e no caso a respeita a decisão já transitada em julgado, pretendia apenas ver reconhecido o seu direito a aceder a determinado benefício fiscal.
Neste sentido, veja-se o entendimento expresso pelo TCAN, proferido no âmbito do processo n.º 00498/11.1BEVIS, de 04.11.2004:
“haverá identidade de pedidos se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a ação, se pretende obter e que a identidade da causa de pedir pressupõe que o acto ou o facto jurídico de onde o autor pretende ter derivado o direito é idêntico. Há identidade de pedidos quando numa e noutra acção se pretende obter o mesmo efeito jurídico, ou seja, terá de ser o mesmo direito subjectivo cujo reconhecimento se pretende, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada.”
No que concerne há causa de pedir, em que a lei impõe que a pretensão deduzida nas duas ações proceda do mesmo facto jurídico, nos presentes autos resultam de factos jurídicos distintos, uma vez que nos presentes autos o facto jurídico é somente um ato de liquidação de IRS, e no processo em que foi proferida a decisão anterior não havia um facto gerador per se, sendo uma ação que apenas pretendia um reconhecimento de direito a favor do Requerente. Na realidade, ainda que a questão de direito seja substancialmente idêntica no processo em causa e nos processos 202/2022-T e 740/2022-T, este tribunal arbitral entende que não se verifica identidade de pedido e de causa de pedir.
Termos em que é julgada improcedente a exceção de caso julgado.
§4.4. Da ilegalidade suscitada pelo Requerente da liquidação de IRS impugnada, por não considerar o benefício fiscal estabelecido no 12.º-A, do CIRS,
Face à factualidade em análise nos presentes autos e aos articulados das partes, a questão que se impõe conhecer é à aplicação do regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS a rendimentos que auferidos em território nacional, por sujeito passivo que regressou a Portugal em 12-08-2020 e que residiu em Espanha desde 27.05.2017, tendo alterado a residência fiscal em 01-07- 2017.
Iniciamos pela análise do regime fiscal aplicável a ex-residentes, o artigo 258.º da Lei n.° 71/2018, de 31/12 (OE 2019), aditou o artigo 12.°-A ao Código do IRS, consagrando um novo regime fiscal respeitante a ex-residentes, o qual, por força do disposto no artigo 259.º da mesma lei, é aplicável aos rendimentos auferidos no primeiro ano em que o sujeito passivo reúna as condições para ser abrangido pelo regime e nos quatro anos seguintes. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do IRS, estão excluídos de tributação, em 50% do respetivo montante.
O artigo 12.º-A, do Código do IRS, foi aditado pelo artigo 258.º, da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2019, com a seguinte redação:
“Artigo 12.º - A Regime fiscal aplicável a ex-residentes
1 - São excluídos de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º em 2019 ou 2020:
a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores;
b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015;
c) Tenham a sua situação tributária regularizada.
2 - Não podem beneficiar do disposto no presente artigo os sujeitos passivos que tenham solicitado a sua inscrição como residente não habitual.”
O artigo 12.º-A do Código do IRS estabelece uma medida excecional de carácter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT. Porém, depende da declaração do sujeito passivo de pretender beneficiar do regime, o que será feito aquando do preenchimento do modelo 3 da declaração de IRS do ano seguinte ao ano de regresso a Portugal. Como tal trata-se de um benefício fiscal, na medida em que preenche os pressupostos estabelecidos no artigo 2.º, n.º 1 do EBF.
E, como benefício fiscal os seus fundamentos são extrafiscais, tendo o objetivo de atrair cidadãos que abandonaram o país em consequência da crise financeira de 2008 e o aumento da população ativa. Este benefício fiscal, que se traduz na exclusão de tributação de 50% dos rendimentos ativos dos sujeitos passivos, o legislador pretendeu assim, atrair para o território português pessoas que pretendam exercer uma atividade das Categorias A e B previstas no CIRS, que de outro modo voltariam para residir e trabalhar em território português.
Nesse sentido, tal como faz a decisão proferida no âmbito do processo 202/2022-T e 740/2022-T, é de seguir o entendimento sustentado no Processo n.º de 168/2021-T, de 2021-10-22, quando refere que “Trata-se de uma norma que, embora inserida no Código do IRS, consubstancia um benefício fiscal automático e temporário, enquanto medida de caráter excecional instituída tendo em vista incentivar o regresso “daqueles que tiveram de sair do país em consequência da crise económica que afetou Portugal”, enquadrada no Programa Regressar (de acordo com as “Medidas Fiscais de Apoio às Famílias” incluídas no Relatório do Orçamento do Estado para 2019 – pág. 42), interesse público extrafiscal, cuja proteção o legislador considerou superior ao da própria tributação que impede”.
Assim sendo, tal como sufragado pela decisão adotada no processo 202/2022-T, e a que se adere, “consagrando uma medida de caráter excecional, também aquela norma do artigo 12.º-A, do Código do IRS, é, ela própria, excecional, na medida em que contraria os efeitos decorrentes das normas de incidência, exonerando os respetivos beneficiários do pagamento de IRS sobre “50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais”, nas condições ali definidas”.
Em igual sentido, considerou na decisão arbitral proferida no processo n.º de 168/2021-T, de 2021-10-22 “Trata-se de uma norma que, embora inserida no Código do IRS, consubstancia um benefício fiscal automático e temporário, enquanto medida de caráter excecional instituída tendo em vista incentivar o regresso “daqueles que tiveram de sair do país em consequência da crise económica que afetou Portugal”, enquadrada no Programa Regressar (de acordo com as “Medidas Fiscais de Apoio às Famílias” incluídas no Relatório do Orçamento do Estado para 2019 – pág. 42), interesse público extrafiscal, cuja proteção o legislador considerou superior ao da própria tributação que impede.
Consagrando uma medida de caráter excecional, também aquela norma do artigo 12.º-A, do Código do IRS, é, ela própria, excecional, na medida em que contraria os efeitos decorrentes das normas de incidência, exonerando os respetivos beneficiários do pagamento de IRS sobre “50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais”, nas condições ali definidas”.
Consequentemente, para poder beneficiar deste regime excecional de tributação em IRS, dos rendimentos da Categoria A, o Requerente teria de ter cumprido com o cumprimento de todos os requisitos estabelecidos no art.º 12-A do CIRS. Assim, o Requerente além de ter sido residente em território português antes de 31 de dezembro de 2015, e ter a sua situação tributária regularizada, requisitos que se mostram cumpridos, também teria de não ter sido residente em território português em qualquer dos três anos anteriores ao ano de regresso a Portugal e não ter solicitado a sua inscrição como residente não habitual.
Em face dos elementos de facto dados como provados nos autos, é de considerar que o requisito que não é preenchido para poder usufruir deste regime fiscal aplicável a ex-residentes. Não restam dúvidas que o Requerente não poderia ser considerado residente em território português em qualquer um dos três anos anteriores, uma vez que em 2017 foi residente em Portugal, onde auferiu rendimentos do trabalho por conta de outrem até ao dia em que deixou o território português, para se deslocar para Espanha.
Será de entender, tal como o fez o tribunal coletivo, no âmbito do processo 202/2022-T, “que o legislador no art.º 12.º -A, n.º 1 a) ao mencionar “Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores” está a referir-se a 3 anos civis e não a 36 meses. E para justificar esse nosso entendimento é de considerar o artigo 143.º do CIRS que determina: “Para efeitos do IRS, o ano fiscal coincide com o ano civil”. Refira-se que, quando o legislador pretende que o prazo seja contado em meses faz expressa referência a esse facto, como sucede para efeitos de reinvestimento das mais-valias realizadas na alienação de imóveis destinados a habitação própria e permanente. A esta propósito o artigo 10.º, n.º 5, alínea b) estabelece que “O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização”.
É incontroverso, fazendo parte da matéria de facto assente, admitido por ambas as Partes, que o Requerente como viveu e trabalhou em Portugal até 26 de maio de 2017 e no dia seguinte deixou o país para ir trabalhar para o estrangeiro, é considerado residente em território português desde 1 de janeiro de 2017 até à mudança da sua residência para Espanha. Assim, no ano de 2017 o Requerente foi residente em Portugal, e aqui auferiu efetivamente rendimentos pelo que não cumpre com o requisito estabelecido no artigo 12.º-A do CIRS, por não ter sido considerado residente em qualquer dos últimos três anos, não obstante ter resido durante 36 meses fora do território português.
O Requerente não reúne todos os requisitos para poder beneficiar do regime aplicável a ex-residentes, uma vez que não cumpre com o requisito relativo à não residência em território português em qualquer dos três anos anteriores ao ano em que regressou (2020), consequentemente a liquidação em apreço é legal.
§4.5. Da violação suscitada pelo Requerente do princípio constitucional da igualdade
O Requerente alega, que o ato tributário em crise deve ainda ser considerado ilegal por violação do princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, o princípio da igualdade tem previsão legal no artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa, aí se estabelecendo que:
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
O Tribunal Constitucional vem uniformemente entendido o princípio da igualdade, como limite à discricionariedade legislativa, mas não exige o tratamento igual de todas as situações, mas antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do TC Nº 592/2024 de 24 de setembro de 2024 , que nos diz:
Especificamente em relação à proibição do arbítrio, que é a vertente ou dimensão do princípio da igualdade que, para já, aqui nos interessa, o Tribunal Constitucional tem reiteradamente reconhecido, em vasta jurisprudência sobre esta matéria, que o princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, atua como um princípio negativo de controlo da atividade do legislador:
«Ora, o princípio da igualdade não proíbe o legislador da realização de todas e quaisquer distinções, mas apresenta-se aqui, como decorrência do artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, como limite objetivo da discricionariedade legislativa, proibindo o arbítrio. Assim, pode o legislador, no âmbito da sua liberdade de conformação, estabelecer diferenciações de tratamento, desde que fundadas racional e objetivamente e ditadas pela razoabilidade. Pode considerar-se não existir censura constitucional, por outras palavras, quando ocorre um fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada (cfr., v.g., os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 335/94, Plenário, ponto III. 2.1., n.º 563/96, Plenário, ponto III. 1.2., n.º 546/2011, 3.ª Secção, ponto 12, n.º 641/2013, Plenário, ponto 10, n.º 93/2014, Plenário, ponto 17 n.º 173/2014, Plenário, ponto 7, e n.º 526/2016, 1.ª Secção, ponto 6). Como refere o Acórdão n.º 437/2006, 3.ª Secção, ponto 7:
«Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cfr. por todos Acórdão n.º 232/2003, (…)».
Isto porque, ao legislador ordinário cabe o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação, a qual, na espécie, assume necessariamente amplitude considerável. Estando-se num domínio reservado à margem de conformação do legislador, há que apenas apreciar se tal diferença de regime legislativo se poderá ter por desrazoável» (acórdão n.º 545/2019, de 16 de outubro, negrito nosso).
Perante o exposto, a interpretação conferida ao artigo 12.º-A, do CIRS, não é violadora do princípio da igualdade.
Termos que este tribunal arbitral entende ser de improceder a alegada violação do princípio da igualdade.
5. Decisão
Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito que supra ficaram expostos, decide o Tribunal Arbitral julgar:
a) improcedentes as exceções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
b) indeferir o pedido de suspensão por causa prejudicial;
c) improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente e, em conformidade, absolvendo-se a Requerida do pedido, com as legais consequências.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º -A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.999,05 (dois mil, novecentos e noventa e nove euros e cinco cêntimos), indicado pelo Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612.00 (seiscentos e doze euros) , nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.
Lisboa, 15 de Outubro de 2025
O Árbitro
(Pedro Guerra Alves)