Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 468/2025-T
Data da decisão: 2025-10-13  IRC  
Valor do pedido: € 115.886,24
Tema: IRC. Derrama municipal. Rendimentos obtidos fora de Portugal.
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Decisão Arbitral

 

 

              Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Jónatas Machado e Dra. Maria Alexandra Mesquita (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 22-07-2025, acordam no seguinte:

 

              

              1. Relatório

 

A... SGPS, S.A., com o número único de matrícula e identificação fiscal ..., com sede social na Rua ..., n.º..., ...-..., Lisboa, adiante designada por “Requerente” ou “A... SGPS”, sociedade dominante do grupo de sociedades sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”) em que se encontra incluída a B..., S.A. (“B...”), com o número único de matrícula e identificação fiscal..., com sede na Rua..., n.º ..., ..., ...-..., Lisboa, apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2024..., bem como a anulação parcial das autoliquidações de IRC referentes aos períodos de 2019 e 2020, nas partes relativas à derrama municipal que a Requerente considera indevidamente liquidada.

 A Requerente pede reembolso da quantia de € 115.886,24, acrescida de juros indemnizatórios.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 13-15-2025.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 02-07-2025, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 22-07-2025.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que suscitou as excepções de incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria («Revisão Oficiosa tout court»), e defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 24-09-2025, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, com possibilidade de a Requerente responder à excepção.

A Requerente pronunciou-se sobre a excepção.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)   A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao RETGS, do qual faz parte a B...;

B)   Aa B... é uma sociedade anónima residente para efeitos fiscais em Portugal e tem por objeto social o exercício de atividades de seguro e resseguro do ramo Não Vida, para as quais obteve as devidas autorizações da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (“ASF”);

C)    No cumprimento das suas obrigações declarativas, a Requerente procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC (“declaração Modelo 22”) do Grupo sujeito ao RETGS, com o código de identificação n.º..., com referência ao período de tributação de 2019, no dia 31 de julho de 2020 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

D)   Com base nos montantes vertidos naquela declaração, a Requerente apurou um resultado fiscal do Grupo positivo no montante de €20.271.091,96, e uma derrama municipal de €356.618,05, conforme demonstração de liquidação de IRC n.º 2020 ... (liquidação n.º 2020...) (documentos n.ºs 1 e 2, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

E)    Do montante total da derrama municipal liquidada com referência ao período de tributação de 2019, o montante de €100.709,08, foi apurado a título individual pela B..., conforme resulta da declaração Modelo 22 apresentada pela sociedade no dia 30 de julho de 2020, com o número de identificação ... (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F)    A Requerente apresentou, no dia 16 de julho de 2021, a declaração Modelo 22 do grupo sujeito ao RETGS referente ao período de tributação de 2020, com o código de identificação n.º ... (do n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

G)   Com base nos montantes vertidos naquela declaração, a Requerente apurou um resultado fiscal do Grupo positivo no montante de €8.764.508,99, e uma derrama municipal de €203.608,30, conforme demonstração de liquidação de IRC n.º 2021 ... (liquidação n.º 2021...)(documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

H)   Do montante total da derrama municipal liquidada com referência ao período de tributação de 2020, o montante de €88.495,44 foi apurado a título individual pela B..., conforme resulta da declaração Modelo 22 por ela apresentada no dia 9 de julho de 2021, com o número de identificação ... (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

I)     A Requerente liquidou derrama municipal sobre a totalidade dos respetivos lucros tributáveis apurados com referência aos períodos de tributação de 2019 e 2020, não podendo apurar este tributo de forma distinta atentas as limitações inerentes ao sistema informático da AT, pois o modelo oficial da declaração Modelo 22, disponível no portal da internet da AT, impõe, para efeitos de apuramento da derrama municipal nos termos do Anexo A, a consideração do lucro tributável total apresentado no Campo 302 do Quadro 09;

J)    Em 5 de junho de 2024, a Requerente formalizou o pedido de revisão oficiosa contra os atos de autoliquidação de IRC, com referência aos períodos de tributação de 2019 e 2020, em que pretendeu ser ressarcida do montante de derrama municipal suportada por si naqueles períodos, na parte que resultou da desconsideração dos rendimentos obtidos no estrangeiro (pela B...) dos respetivos lucros tributáveis  (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

K)   O pedido de revisão oficiosa, a que foi atribuído o n.º ...2024..., foi indeferido por despacho de 19-12-2024, proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, que consta do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte: 

§ IV. DA APRECIAÇÃO

 16. Tomando em consideração o objeto do pedido e os termos em que assenta a sua apresentação impõe-se, desde já, deixar expresso que existem no presente caso razões suscetíveis de provocar o seu indeferimento liminar por intempestividade, face à inoperância do prazo alegado de 4 anos por inexistência de erro imputável aos serviços.

Senão vejamos.

17. A Requerente vem arguir que a empresa “B...” efetuou o apuramento da derrama municipal incluindo na correspondente matéria tributável rendimentos auferidos no estrangeiro, o que no seu entender 12 corresponde a uma errada aplicação do disposto no artigo 18.° da Lei n.° 73/2013, originando que as autoliquidações do IRC, referentes aos períodos de tributação de 2019 e de 2020, estejam incorretas, solicitando assim a sua revisão oficiosa.

 18. Para o efeito alude ao prazo previsto na segunda parte do n.° 1 do artigo 78.° da LGT, ou seja, a possibilidade de apresentação do pedido no decurso dos 4 anos seguintes à liquidação que pretende seja revista.

Com efeito,

19. O que determina o normativo em referência é que “A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.”

 

Desta forma

20. Mostrando-se já esgotado o prazo de reclamação administrativa, ou seja, conforme dispõe o n.° 1 do artigo 131.° do CPPT 13, dois anos após a apresentação das declarações periódicas de rendimentos, modelo 22, referentes aos períodos de tributação de 2019 e de 2020, a revisão oficiosa só pode ser viável mediante o cumprimento do referido prazo de 4 anos, tornando-se neste caso imprescindível o 

reconhecimento do fundamento de erro imputável aos serviços.

Ora,

21. Nos termos do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (RFALEI), aprovado pela Lei n.° 73/2013, de 3 de setembro, a derrama municipal, cuja receita reverte a favor dos Municípios, tem como base de tributação o lucro tributável de entidades residentes, sujeitas e não isentas deste imposto, que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como de entidades não residentes que exerçam a sua atividade em território português através de um estabelecimento estável nele situado.

22. É o que estabelece o artigo 18.° da citada Lei n.° 73/2013 quando expressa, no seu n.° 1, que “Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), que corresponda á proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território”, e no seu n.° 2, que, “sempre que os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e matéria coletável superior a (euro) 50 000 o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre os gastos com a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional”.

Logo,

23. A “B...” liquidou derrama municipal sobre a totalidade do lucro tributável apurado com referência aos períodos de tributação de 2019 e 2020, o qual se encontra corretamente influenciado pelos alegados rendimentos obtidos no estrangeiro, que devida e legalmente contribuem para a coleta daquele tributo.

Atente-se que,

24. A derrama municipal é um imposto cuja incidência real assenta no lucro tributável sem que o seu regime possua regras especificas para o apuramento desta grandeza, sendo, assim, seguidas as regras que estão consagradas no Código do IRC, cujo artigo 17°, como é sabido, estabelece que o lucro corresponde à soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos enunciados no Código a fim de serem tomados em consideração os objetivos e condicionalismos próprios da fiscalidade.

25. Isto significa que quer a derrama, quer o IRC, são determinados com recurso a uma base tributável comum – o lucro tributável.

26. Como afirma Saldanha Sanches14 “(...) “A particularidade da derrama face aos demais impostos municipais reside, essencialmente, no facto de a determinação da sua base tributável não ser distinta de todos os demais, mas antes assentar precisamente na base tributável de um outro imposto – o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC). Tal como sucede, por exemplo, na taxa de esgotos, ou, em alguns casos, no próprio IMT, há tributos que vão buscar a sua base de incidência aos valores patrimoniais apurados para efeitos do IMI. De acordo com a actual redacção da LFL de 2007, trata-se claramente de um imposto autónomo em relação ao IRC, pois todos os seus elementos estruturantes ora resultam apenas da lei (sujeito activo, margem de taxas), ou obedecem à intervenção da Autarquia Local 

(tributação ou não, taxas concretas), apenas comungando, para efeitos do seu cálculo e por simplicidade de gestão, de uma incidência objectiva comum. Mesmo com este objecto comum, admite-se a possibilidade de adaptação dos critérios de imputação do rendimento colectável do sujeito passivo (em atenção às características especiais deste) ao município, bem como a criação de um regime especial de taxas para empresas com baixos volumes de facturação. Existem, portanto, relações jurídico-fiscais claramente autónomas entre a derrama e o IRC, ao contrário do que se discutia nas anteriores LFL, onde a derrama pressupunha a existência de uma colecta de IRC e donde, portanto, era legítimo concluir pela respectiva acessoriedade face a este imposto (...).“

27. E, mesmo que os sujeitos passivos detenham várias representações locais, o regime estabelece, no já referido n.° 2 do artigo 18.°, que “Para efeitos de aplicação do disposto no número anterior, sempre que os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e matéria coletável superior a (euro) 50 000 o lucro tributável imputável á circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre os gastos com a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional”, acrescentando o n.° 13 que “Nos casos não abrangidos pelo n.° 2, considera-se que o rendimento é gerado no município em que se situa a sede ou 

a direção efetiva do sujeito passivo ou, tratando-se de sujeitos passivos não residentes, no município em que se situa o estabelecimento estável onde, nos termos do artigo 125.0 do Código do IRC, esteja centralizada a contabilidade.”

28. Poder-se-á ainda destacar alguma regras especificas estabelecidas nos seguintes números do mesmo artigo 18.° do RFALEI:

“21 - Para efeitos de aplicação do disposto no n.° 1, quando uma mesma entidade tem sede num município e direção efetiva noutro, a entidade deve ser considerada como residente do município onde estiver localizada a direção efetiva.

22 - A assembleia municipal pode, sob proposta da câmara municipal, nos termos dos nos 2 e 3 do artigo 16.° 15, deliberar a criação de isenções ou de taxas reduzidas de derrama.

23 - As isenções ou taxas reduzidas de derrama previstas no número anterior atendem, nos termos do regulamento previsto no n.° 2 do referido artigo 16.0, aos seguintes critérios:

a) Volume de negócios das empresas beneficiárias;

b) Setor de atividade em que as empresas beneficiárias operem no município;

c) Criação de emprego no município.

24 - Até à aprovação do regulamento referido no número anterior, a assembleia municipal pode, sob proposta da câmara municipal, deliberar lançar uma taxa reduzida de derrama para os sujeitos passivos com um volume de negócios no ano anterior que não ultrapasse (euro) 150 000.

25 - Os benefícios fiscais previstos nos números anteriores estão sujeitos às regras europeias aplicáveis em matéria de auxílios de minimis.”

29. É possível, pois, constatar, que o regime da derrama municipal, que em parte se acaba de expor, não contempla nenhuma situação que determine a possibilidade de “decepar” o lucro tributável, dele expurgando rendimentos que legalmente não estão excluídos da incidência real daquele tributo.

30. A derrama municipal calcula-se por aplicação de uma taxa máxima de 1,5% ao lucro tributável sujeito e não isento de IRC. Ou seja, o que está legalmente consagrado é uma tributação incidente sobre rendimentos sujeitos a IRC e dele não isentos.

Aliás,

31. Quanto a isenções e benefícios fiscais, conforme já se deixou atrás exposto, o RFALEI tem regras próprias.

32. E, como se salientou, apenas é conferido à assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, a possibilidade de reduzir a taxa da derrama para os sujeitos passivos com um volume de negócios no ano anterior que não ultrapasse € 150 000.

33. A possibilidade de alteração da base tributável, mormente por exclusão de rendimentos obtidos fora do território português, não é objeto de qualquer regulamentação no artigo 18.° da Lei n.° 73/2013, nem em qualquer outra legislação avulsa, pelo que, dada a sua inexistência, será forçoso concluir pela impossibilidade legal de ser conferido tratamento especial a tais rendimentos.

34. Nada na lei se refere à exclusão tributária de rendimentos obtidos fora do território nacional.

Neste sentido,

35. Não se pode concordar com a Requerente quando afirma ter a empresa “B...” liquidado derrama municipal sobre a totalidade dos respetivos lucros tributáveis em face das limitações inerentes ao sistema informático da AT e ao próprio modelo oficial da declaração modelo 22, que impõem o seu apuramento sobre o lucro tributável total declarado no campo 302 do quadro 09, daí resultando um valor de imposto excessivo, por se encontrar influenciado por rendimentos obtidos no estrangeiro.

De facto,

36. Não há, pelas razões deixadas evidenciadas, qualquer erro praticado pela “B...” na liquidação da derrama municipal, tendo-se limitado a seguir o regime legal que a molda e que se encontra explicito na arquitetura e nos conteúdos da declaração periódica de rendimentos, modelo 22, o que afasta o alegado pressuposto de erro imputável aos serviços.

A acrescentar,

37. No tocante à alusão da Requerente à decisão do STA, de 2021-01-13, proferida no Proc. n.° 

3652115.3BESNT18, no sentido de que os rendimentos provenientes do estrangeiro, não sendo gerados na área geográfica do(s) município(s) da empresa não estarem sujeitos à derrama municipal, a posição divergente da Direção de Serviços do IRC (DSIRC), constante da informação produzida em resposta à questão sobre o assunto colocada por esta Unidade Orgânica, e que mereceu Despacho concordante da Subdiretora Geral de 04-11-2022.

38. Defende aquela Direção de Serviços que para a base de cálculo da Derrama Municipal concorrem todos os rendimentos quer os auferidos em território português quer os obtidos fora dele, entendendo, com o devido respeito, ter o Tribunal olvidado dois aspetos fundamentais no que concerne ao cálculo do lucro tributável, porquanto quer o imposto principal quer a derrama comungam das mesmas normas sobre a incidência plasmadas no CIRC, as quais têm necessariamente de ser acatadas.

Por um lado, quanto às pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português, o lucro tributável obedece ao princípio da universalidade, (art.° 4°, n.° 1 do CIRC), isto é, releva no seu cômputo todo e qualquer rendimento recebido pelo sujeito passivo, independentemente da sua proveniência.

Por outro, esse mesmo lucro integra componentes de várias naturezas e resulta de uma complexidade de operações/balanceamentos entre rendimentos e gastos relevados na contabilidade e os devidos ajustamentos positivos e/ou negativos, efetuados nos termos do Código do IRC.

Daí que,

39. Afirme a DSIRC que mantém o entendimento que sobre a matéria tem vindo a seguir, tanto mais que a decisão do STA produz efeitos apenas para o caso apreciado e decidido.

Assim,

40. Conclui a DSIRC que a derrama municipal incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, recaindo, assim, também, sobre rendimentos provenientes de fonte estrangeira, componentes daquela grandeza.

41. Em defesa da sua tese a DSIRC articula que:

• Nos termos do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades lntermunicipais é estabelecida a possibilidade de os municípios deliberarem lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5 %, sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o IRC, que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território (artigo 18°, n.° 1);

• A base de incidência da derrama municipal coincide com a do IRC, sendo a ela sujeitas as entidades residentes que exerçam, a título principal, uma atividade marcadamente económica e as não residentes com estabelecimento estável situado em território português;

• Daí que, quer quanto aos sujeitos passivos, quer quanto à respetiva base tributável, tenham de ser tomadas em consideração as disposições do Código do IRC, nomeadamente as regras contidas nos artigos 3.° - Base do imposto, 4~0 - Extensão da obrigação do imposto e 17.° -Determinação do lucro tributável;

• Na legislação em vigor que disciplina a figura da derrama inexiste qualquer norma que disponha a exclusão da base tributável de rendimentos provenientes do exterior, o que impõe que não se possa inferir um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, já que, na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados;

• Dessa mesma legislação não consta qualquer exclusão de tributação relativamente à parte do lucro tributável obtido fora do território nacional, sendo certo que o Código do IRC estabelece a extensão da obrigação do imposto relativamente às pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português, consistindo no englobamento da totalidade dos rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território;

• A regra de caráter geral estabelecida no n.° 1 do artigo 18.° do diploma contempla a sujeição da derrama municipal à área da sede do sujeito passivo ou do estabelecimento estável, prevendo o n.° 2 do mesmo artigo uma regra especial, para a repartição da derrama municipal por diversos municípios, que apenas ocorre nos casos em que os sujeitos passivos possuam estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e apurem uma matéria coletável superior a € 50 000,00, situação em que o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre os gastos com a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a 

correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional;

• E, caso não se encontrem reunidos os pressupostos para a repartição da derrama pelos diferentes municípios em que os sujeitos passivos possuam estabelecimentos estáveis ou representações locais, a mesma é devida apenas em função da área da sede do sujeito passivo.

De notar,

42. Dada a sua relevância na matéria aqui versada, o teor do Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.° 603/2020, proferido no Recurso n.° 172/20, 2~ seção, que, relativamente à determinação do valor da dedução à coleta do IRC a título de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional (CIDTJI), estabelece quanto à derrama municipal que o pagamento deste tributo deve ser “eliminado” por dedução de créditos por dupla tributação internacional sempre que a coleta de IRC, stritcto sensu, não se mostre suficiente para os absorver na totalidade. Ou seja, define o TC que o CIDTJI pode ser deduzido à fração da coleta da derrama municipal originada por rendimentos obtidos no estrangeiro.

Daí que,

43. O TC ao expressar que o CIDTJI pode ser deduzido à fração da coleta da derrama municipal originada por rendimentos gerados no estrangeiro, evidencia, inequivocamente, a sujeição de tais rendimentos à derrama municipal.

 

Nestes termos,

44. Contrariamente ao invocado pela Requerente não há no apuramento da derrama municipal qualquer ilegalidade que tenha determinado a tributação indevida no montante global de € 115 886,24, referente ao somatório dos valores que entende ter suportado excessivamente nos períodos de 2019 (€ 59 743,02) e 2020 (€ 56 143,22), invalidando, por isso, a revisão oficiosa dos atos tributários de autoliquidação com fundamento em erro imputável aos serviços.

De salientar, ainda, que,

45. O CAAD, no Processo n.° 32/2024-T, decidiu em sentido oposto ao tomado pela jurisprudência arbitral anteriormente citada, entendendo que a derrama municipal das sociedades residentes em território nacional incide sobre a totalidade do lucro tributável sujeito e não isento de IRC apurado, incluindo os rendimentos obtidos fora do território nacional.

46. Argumenta o tribunal arbitral que:

(...) o artigo n.° 13 do artigo 18.°, da Lei n.° 73/2013, é claro ao determinar que “(n)os casos não abrangidos pelo n.° 2, considera-se que o rendimento é gerado no município em que se situa a sede ou a direção efetiva do sujeito passivo.

A lei não afirma que o rendimento se considera gerado no local da sede ou direção efetiva da entidade que paga ou coloca à disposição os rendimentos, pelo que não pode o intérprete chegar a um resultado interpretativo que desconsidera o que a lei diz e que valoriza o que a lei não diz.

O artigo 90, n.° 2, do Código Civil, veda ao intérprete a possibilidade de considerar “o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.

E, conforme dispõe o artigo 9. °, n.° 3, do Código Civil, “[n]a fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Assim, considera-se que a totalidade do lucro tributável é, para efeito de derrama municipal, imputável ao município onde se situa a sua sede ou direção efetiva do sujeito passivo.

E compreende-se bem que assim seja, por razões que se prendem com os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, consagrados, respetivamente, nos artigos 13.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), os quais, ao invés de serem violados com esta interpretação, estão-lhe subjacentes, como demonstraremos de seguida.

O n.° 1 do artigo 18.° da Lei n.° 73/2013 atribui a cada município competência para deliberar lançar uma derrama municipal sobre a parcela do lucro tributável gerado na respetiva circunscrição territorial. A formulação utilizada pelo legislador visa abranger a universalidade dos municípios, mas delimitar o âmbito da respetiva competência à circunscrição territorial de cada um, daí que o legislador empregue a expressão “que corresponda á proporção do rendimento gerado na sua área geográfica”, não resultando da mesma qualquer exclusão de rendimentos de fonte estrangeira.

Nem tal exclusão pode ser extraída da redação do n.° 2 do artigo 18.° da Lei n.° 73/2013, porquanto este preceito se limita a definir a regra de repartição do lucro tributável imputável a cada município, no caso de o sujeito passivo possuir estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e matéria coletável superior a €50 000.

A norma contida no n.° 2 do artigo 18.° da Lei n.° 73/2013 não define a base de incidência da derrama municipal.

 A admitir-se a exclusão dos rendimentos de fonte estrangeira para efeitos de derrama municipal, estar-se-ia a tratar de modo injustificadamente diferente as entidades que desenvolvem uma atividade exclusivamente no território nacional e as que desenvolvem atividade também fora desse território, em beneficio destas.

Com efeito, no caso de uma entidade com sede num determinado município nacional, mas cuja atividade seja desenvolvida em todo o território nacional, deverá o respetivo lucro tributável, para efeitos de derrama municipal, ser imputável ao município onde se situa a sua sede ou direção efetiva, conforme decorre do disposto nos n.ºs 1 e 13 do artigo 18.° da Lei n.° 73/2013, de 3 de setembro.

Não faria sentido, nem resulta da lei que tenha de se fazer a segregação dos rendimentos pelos diversos municípios onde os rendimentos foram pagos ou colocados à disposição do sujeito passivo, a menos que em algum (ou alguns) o sujeito passivo tenha estabelecimento estável ou representação local (e o sujeito passivo tenha matéria coletável superior a € 50 000) a que devam ser imputados os rendimentos gerados na respetiva circunscrição territorial, sendo então aplicável o 

disposto no n.° 2 do artigo 18.° da Lei n.° 73/2013.

Não se vislumbra qualquer fundamento para que o legislador adotasse solução diferente quando os rendimentos são pagos fora do território nacional. E a verdade é que não adotou, em respeito pelos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

Se assim não fosse, no caso de duas entidades com sede no mesmo município e com o mesmo lucro tributável, mas em que os rendimentos de uma resultassem exclusivamente de atividade desenvolvida em território nacional e os rendimentos de outra fossem parcialmente obtidos com atividade desenvolvida também fora do país, esta pagaria menos derrama municipal do que a primeira, uma vez que os rendimentos pagos fora do território nacional seriam excluídos. Tal hipótese configuraria uma violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, uma vez que duas entidades com idêntica capacidade contributiva seriam tributadas de modo injustificadamente diferente em sede de derrama municipal.

E, por conseguinte, compreende-se bem a solução normativa contida no n.° 13 do artigo 18.° da Lei n.° 73/2013, no sentido em que o rendimento se considera “gerado no município em que se situa a sede ou a direção efetiva do sujeito passivo”, sem distinção em função do local onde os rendimentos são pagos ou colocados á disposição do sujeito passivo.

O critério legal de imputação do lucro tributável a um município é, portanto, o do local em que o mesmo é gerado ou, dito de outro modo, o local a partir do qual é gerado — o local da sede ou direção efetiva do sujeito passivo. (...)“

Nestes termos,

47. Não tendo, de acordo com o exposto, a interpretação da Requerente acolhimento legal, não se evidenciando, portanto, qualquer erro ou ilegalidade no apuramento da derrama municipal, devem ser mantidas na sua ordem jurídica as autoliquidações processadas para os períodos de tributação de 2019 e 2020 e, nesta sequência, julgar improcedente o pedido por intempestivo por inaplicabilidade do prazo de 4 anos, apenas previsto para os casos de existência de erro imputável aos serviços.

(...)

L)    Com referência ao período de tributação de 2019, a B... apurou, ao nível individual, um lucro tributável no montante de €6.713.938,68, o qual inclui rendimentos de obrigações, nomeadamente juros, pagos por entidades estrangeiras, no montante total de €3.982.868,00 conforme consta do balancete do período junto como Documento n.º 9 e do mapa resumo dos rendimentos auferidos no estrangeiro pela B... em 2019 junto como documento n.º 10.e que se junta em anexo como Documento n.º 10, cujos teores se dão como reproduzidos;

M)  Relativamente ao período de tributação de 2020, a B... apurou, com referência ao período de tributação de 2020, um lucro tributável no montante de €5.899.696,08, o qual inclui rendimentos de obrigações, nomeadamente juros, pagos por entidades estrangeiras, no montante de €3.742.881,45, como consta do balancete do período junto como Documento n.º 11 e do no mapa resumo dos rendimentos auferidos no estrangeiro pela B... em 2020 junto como Documento n.º 12, cujos teores se dão como reproduzidos;

N)   Se não tivesse sido considerado no cálculo da derrama municipal os valores dos rendimentos obtidos no estrangeiro, teriam sido apurados os valores de € 59.743,092 e € 56.143,33, em 2019 e 2020, respectivamente; 

O)   Os rendimentos obtidos no estrangeiro pela B... são provenientes de juros (documentos n.ºs 8 e 10 da reclamação graciosa, que constam do processo administrativo);

P)    Não é possível indicar na declaração Modelo 22 um lucro tributável excluído dos rendimentos obtidos do estrangeiro para o efeito de determinar a derrama municipal;

Q)   Em 12-05-2025, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto 

 

2.2.1. Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.2.2. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.

 

2.2.3.      Relativamente aos valores dos rendimentos obtidos no estrangeiro, a Requerente apresentou com o pedido de revisão oficiosa lista dos rendimentos provenientes do estrangeiro, cuja correspondência à realidade não foi questionada na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

                  Designadamente, no procedimento de revisão oficiosa não foram pedidos à Requerente os «documentos probatórios do lucro tributável apurado naquelas operações realizadas com origem no estrangeiro», a que Autoridade Tributária e Aduaneira alude nos artigos 168.º e 169.º da sua Resposta.

O facto de a Autoridade Tributária e Aduaneira, na decisão do pedido de revisão oficiosa, não ter baseado a sua decisão em falta de prova dos elementos declarados, obsta a que a falta desses documentos possa relevar para improcedência da pretensão da Requerente.

              Na verdade, o processo arbitral tributário é, assim, um meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), sendo, como este, um meio processual de mera apreciação da legalidade de actos, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

              No âmbito de um contencioso de mera legalidade, esta tem de ser apreciada com base no acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo arbitral, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. 

              Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01-07-2020, processo n.º 309/14.6BEBRG), em que se entendeu que: 

I – O tribunal, na apreciação da legalidade de uma decisão administrativa, não pode considerar que esta se alicerça noutros fundamentos que não aqueles que aí foram externados.

II – Assim, não pode julgar improcedente a impugnação judicial da decisão que indeferiu o pedido de revisão de um acto tributário alicerçando-se na não verificação de um requisito se a AT não usou esse fundamento para indeferir aquele pedido.

 

              Por isso, não pode a Administração Tributária, após a prática do acto, nem o Tribunal no processo contencioso, justificar o indeferimento por razões diferentes das que constem da sua fundamentação expressa.

              Nos casos de pedido de revisão oficiosa de actos de autoliquidação, se a respectiva decisão mantém o acto impugnado, com fundamentação expressa, deverá entender-se que se opera revogação por substituição daquele acto, passando a subsistir na ordem jurídica um novo acto que, apesar de manter o conteúdo decisório, terá a nova fundamentação. 

Assim, no caso em apreço, a invocada falta de prova dos valores declarados pela Requerente não pode ter relevância para a decisão da causa.

De resto, mesmo quando a lei estabelece que o ónus da prova recai sobre o contribuinte, a Administração Tributária não está dispensada de «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» (artigo 58.º da LGT).

«O órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito» (artigo 72.º da LGT) e no procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares» (artigo 50.º do CPPT), independentemente de o ónus da prova recair ou não sobre o contribuinte.

                  O funcionamento das regras do ónus da prova ocorre apenas quando, após a actividade necessária para a adequada fixação da matéria de facto, directamente a partir dos meios de prova e indirectamente com base na formulação de juízos de facto, se chega a uma situação em que não se apurou algum ou alguns dos factos que relevam para a decisão que deve ser proferida. Nestes casos, por força das regras do ónus da prova, devem decidir-se os pontos em que se verifique tal dúvida contra a parte que tem o ónus da prova. ( [1] )

                  É apenas nestas situações em que, após a produção das provas e a realização de diligências necessárias para apurar a factualidade relevante para a decisão, subsistem dúvidas sobre factos em que deve assentar a decisão que funcionam as regras do ónus da prova, valorando procedimentalmente as dúvidas contra aquele a quem é atribuído o ónus da prova.

Assim, no procedimento tributário ( [2] )  as regras do ónus da prova não significam que seja sobre a parte à qual ele é atribuído que recai o dever de trazer ao processo os meios de prova dos factos relevantes para decisão, dispensando a Autoridade Tributária e Aduaneira de tal tarefa, pois esta nunca está dispensada de, em cumprimento do princípio do inquisitório, antes de aplicar as regras do ónus da prova, «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido», por força do artigo 58.º da LGT.

O princípio do inquisitório, enunciado este artigo 58.º da LGT, situa-se a montante do ónus de prova (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.

A expressão «todas as diligências necessárias» não dá margem para interpretação restritiva quanto aos deveres de realização de diligências que a lei impõe a AT.

                  Neste caso, a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez no âmbito do procedimento de revisão oficiosa qualquer diligência tendente a verificar a correspondência ou não à realidade dos valores declarados pela Requerente e os indicados nos documentos que juntou ao procedimento, pelo que não podem aplicar-se contra estas as regras do ónus da prova.

 

 

2.2.4. No que concerne ao facto referido na alínea P), considerou-se provado com base nas afirmações da Requerente, feita nos artigos 104.º e 105.º do pedido de pronúncia arbitral e não questionada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e no exame do formulário da declaração modelo 22 e respectivas instruções de preenchimento, em que não se prevê possibilidade de afastar os rendimentos provenientes do estrangeiro do âmbito de incidência da derrama municipal. 

 

 

3. Excepção de incompetência 

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita uma excepção, que denomina de  incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar decisões de pedidos de revisão oficiosa.

                  Os fundamentos da excepção são os seguintes, em suma, 

– a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD quanto a actos de autoliquidação limita-se aos que forem precedidos de reclamação graciosa, como entende que decorre da referência expressa aos artigos 131.º a 133.º do CPPT, que é feita no artigo 2.º alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, e da não inclusão de referência ao artigo 78.º da LGT, pelo que aqueles tribunais são incompetentes para apreciar a legitimidade de actos que não forem precedidos de reclamação;

– o entendimento contrário impõe-se igualmente por força dos princípios constitucionais do Estado de Direito e da Separação dos Poderes (cfr. Art.ºs 2.º e 111.º, ambos da Constituição, bem como da Legalidade Art.º 3. n.º 2 e 266.º n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no Art.º 30.º n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a actividade da Requerida;

 

A Requerente respondeu à excepção, defendendo que deve ser julgada improcedente, porque, em suma, o que se discute nos presentes autos é a legalidade dos atos de liquidação de IRC que foram contestados junto da AT através do procedimento de Revisão Oficiosa e  vindo a ser uniforme a posição da jurisprudência, de que independentemente do meio administrativo ter sido o procedimento de revisão oficiosa do ato tributário, esta legalidade deverá ser apreciada pelo Tribunal Arbitral.

A Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, exclui do âmbito da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à arbitragem tributária as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do CPPT».

No entanto, está jurisprudencialmente assente que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

Com efeito, é unânime a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo sobre a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de autoliquidação na sequência da apresentação de pedidos de revisão oficiosa ( [3] ).

Como se diz no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul  de 27-04-2017, processo n.º 8599/15 (reproduzindo a decisão arbitral proferida no processo n.º 630/2014-T):

 

Conforme resulta do art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta [alínea a)] e a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais [alínea b)].

Por outro lado, a competência dos tribunais arbitrais depende dos termos da vinculação da Autoridade Tributária (AT) à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos do RJAT. Com efeito, o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Nos termos da alínea a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011 ficam excluídas do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

Considerando aqueles preceitos legais a decisão arbitral concluiu pela viabilidade de apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa, julgando não verificada a excepção de incompetência suscitada. Concordamos na íntegra com todo o discurso fundamentador da decisão arbitral, cuja fundamentação aqui transcrevermos apenas em parte:

 “A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.

(...)

Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo art. 2.º do RJAT.

Na verdade, neste art. 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».

No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.

Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. ( [4] )

A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação.

Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

(…)

A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.

É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.

Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º». Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.

Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. ( [5] )

Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.

Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.

Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».

Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto e a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.

Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a soluça mais acertada.

É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.”

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira questiona a constitucionalidade desta interpretação sobre o âmbito da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, mas essa constitucionalidade já foi objecto de apreciação do Tribunal Constitucional que decidiu «não julgar inconstitucional a norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD». ( [6] )

Nestes termos, aderindo à referida jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul e do Tribunal Constitucional, considera-se que as autoliquidações são impugnáveis perante este Tribunal Arbitral e que este tem competência para apreciar a sua legalidade, na sequência de decisão de indeferimento de pedido de revisão oficiosa e à face da fundamentação desta decisão.

 

 

4. Matéria de direito

 

4.1. Posições das Partes 

 

A Requerente apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira um pedido de revisão das autoliquidações de derrama municipal referente aos períodos de tributação de 2019 e de 2020m por entender que não deviam ser considerados no seu cálculo os valores de rendimentos de obrigações, nomeadamente juros, pagos por entidades estrangeiras, do que entende resultar pagamento indevido de € 115.886,24 (€ 59.743,092 e € 56.143,33, em 2019 e 2020, respectivamente).

A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu o pedido baseando-se, em suma, no entendimento de que:

Na legislação em vigor que disciplina a figura da derrama inexiste qualquer norma que disponha a exclusão da base tributável de rendimentos provenientes do exterior, o que impõe que não se possa inferir um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, já que, na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados;

• Dessa mesma legislação não consta qualquer exclusão de tributação relativamente à parte do lucro tributável obtido fora do território nacional, sendo certo que o Código do IRC estabelece a extensão da obrigação do imposto relativamente às pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português, consistindo no englobamento da totalidade dos rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território;

• A regra de caráter geral estabelecida no n.° 1 do artigo 18.° do diploma contempla a sujeição da derrama municipal à área da sede do sujeito passivo ou do estabelecimento estável, prevendo o n.° 2 do mesmo artigo uma regra especial, para a repartição da derrama municipal por diversos municípios, que apenas ocorre nos casos em que os sujeitos passivos possuam estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e apurem uma matéria coletável superior a € 50 000,00, situação em que o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre os gastos com a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional;

• E, caso não se encontrem reunidos os pressupostos para a repartição da derrama pelos diferentes municípios em que os sujeitos passivos possuam estabelecimentos estáveis ou representações locais, a mesma é devida apenas em função da área da sede do sujeito passivo.

 

No presente processo, a Requerente mantém a posição assumida no pedido de revisão oficiosa, invocando jurisprudência arbitral e dos Tribunais Superiores em abono da sua posição.

A Autoridade Tributária e Aduaneira mantém a posição assumida na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, invocando também jurisprudência arbitral e dos Tribunais Superiores. 

Assim, a questão essencial que é objecto do presente processo é a de saber se os rendimentos de fonte estrangeira auferidos pela Requerente devem ser excluídos no cálculo da Derrama Municipal, nos exercícios de 2019 e 2020.

 

 

4.2. Questão da inclusão dos rendimentos de fonte estrangeira no cálculo da derrama municipal

 

O artigo 14.º da Lei das Finanças Locais (Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro, republicada pela Lei n.º 51/18, de 16 de Agosto),  estabelece que constituem receitas dos municípios «o produto da cobrança de derramas lançadas nos termos do artigo 18.º».

No artigo 18.º da mesma Lei estabelece-se, além do mais, que 

 

1. Os municípios podem deliberar lançar uma derrama, de duração anual e que vigora até nova deliberação, até ao limite máximo de 1,5 %, sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.

2 - Para efeitos de aplicação do disposto no número anterior, sempre que os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e matéria coletável superior a (euro) 50 000 o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre os gastos com a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional.

                  

A questão de saber se os rendimentos de fonte estrangeira devem ser considerados para efeitos de  determinação do lucro tributável relevante para liquidação de derrama municipal foi objecto de decisão pelo Supremo Tribunal Administrativo, numcaso em que estava em causa actividade produtora de rendimentos no estrangeiro, desenvolvida pela própria empresa portuguesa, através e estabelecimentos estáveis.

Nesse acórdão de 13-01-2021, proferido no processo n.º 3652/15.3BESNT, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu, além do mais, o seguinte:

“... o legislador, parece-nos, não ter querido ser inconsequente, anódino, na previsão, desde sempre, imutável, de que o percentual da derrama municipal incida sobre o lucro tributável correspondente à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município coletor. E, na mesma linha, está a preocupação, constante, de, nos casos de necessidade de repartição de derrama entre vários municípios, ser obrigatório tributar "o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município" envolvido e/ou, ainda, quando não haja diversos estabelecimentos estáveis ou representações locais, ter de considerar-se "o rendimento (que) é gerado no município", em que se situa a sede ...

Numa outra formulação, em função destes concretos e objetivos ditames legais, no pressuposto, ainda, de que o legislador não desconhecia a realidade de que muitos dos sujeitos passivos de IRC exercem atividades comerciais ou industriais em diversos pontos do País e do globo, o reporte e ligação da incidência, específica, da derrama municipal, à "proporção", à parte de um total, do rendimento gerado num determinado município, só pode significar isso mesmo; o cálculo, o apuramento da derrama, quando ocorrer e na medida do possível (permitida pela contabilidade), tem de implicar as operações aritméticas necessárias ao isolamento, relativamente a outros auferidos, do rendimento gerado no município beneficiário e, posterior, aplicação da percentagem (até ao máximo de 1,5%) pelos seus órgãos deliberada.

Além de esta se nos apresentar como a interpretação que melhor respeita a letra da lei, julgamos, também, ser a que melhor respeita os mais lógicos objetivos pretendidos alcançar com a imposição de derramas municipais. Na verdade, embora o legislador não o haja assumido explicitamente ... certos de que os tributos e em especial os impostos, visam, desde logo, "a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas" e devem respeitar "os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material" (Artigo 5º da Lei Geral Tributária (LGT), presente, ainda, a condição de impostos autónomos (do IRC), só podemos assumir que as derramas municipais se têm, para legitimação, de ligar à atividade que o sujeito passivo desenvolve na área geográfica/território do município recetor, objetivando a respetiva autoliquidação, em primeira linha, contribuir para colmatar as necessidades financeiras deste, na medida, proporcional, da pegada deixada, por aquele, nas suas infraestruturas, serviços, imobilizado corpóreo...

Ademais e em situações, como a que nos ocupa, de isoláveis parcelas de rendimentos auferidos no estrangeiro, só esta forma de entender e operar, permite alcançar um resultado equitativo e materialmente justo; por um lado, assegura os desígnios tributários do município da sede do sujeito passivo, com a incidência sobre a parcela de lucro tributável gerado no seu território e por outro, liberta o obrigado tributário de pagar sobre rendimentos que, objetiva e comprovadamente, não foram auferidos pelo exercício de qualquer atividade (produtiva) dentro dos limites territoriais do concelho, onde se encontra sediado, com a inerente não utilização das respetivas infraestruturas... Igualmente, só desta forma se consegue algum tratamento igualitário entre as situações de tributação de rendimentos auferidos na área de mais do que um município nacional, através de estabelecimentos estáveis ou representações locais, em que a coleta não pertence, apenas, àquele em que se situa a sede (ou direção efetiva) e os casos de atividades exercidas, simultaneamente, em Portugal e no estrangeiro (Nas primeiras, tenha-se em conta que, no estabelecimento da proporção que determina o lucro tributável a imputar à circunscrição de cada município, se opera com a "massa salarial", ou seja, com um fator ligado à relação de trabalho, estabelecida entre o sujeito passivo e as pessoas que exercem a sua atividade sob as suas ordens e direção, o que constitui mais um indício da vontade do legislador de ligar e condicionar o pagamento de derrama municipal à atuação concreta, efetiva, com utilização da força de trabalho, geradora de rendimentos, no território municipal respetivo.).

Obviamente, não é incorreto afirmar ...  que, na LFL, "nada se refere à exclusão de tributação relativamente ao lucro tributável obtido fora do território nacional, sendo certo que o Código de IRC ao estabelecer, relativamente a tais pessoas colectivas ..., a regra de extensão da incidência da obrigação do imposto a tais rendimentos, nos termos do n.º 1, do artº 4º, do CIRC”. Porém, retirar, daí, a conclusão de que, em todas as situações, sem exceção, o lucro tributável, (com inclusão dos rendimentos obtidos fora do território português) é integralmente sujeito a derrama, afigura-se-nos exagerado e entender de forma cega, quanto às especificidades desta, concreta, figura tributária. Na verdade, consideramos evidente (em sintonia com a doutrina) que a disciplina legal da derrama municipal nasceu e permanece, há mais de 30 anos, pouco incisiva e desenvolvida, "relativamente ligeira"”.

 

Aparentemente, esta jurisprudência poderia ser aplicada também às situações em que se está perante rendimentos obtidos no estrangeiro directamente pela própria empresa residente, como foi entendido em várias decisões arbitrais.

Porém, o Supremo Tribunal Administrativo no recente acórdão de 02-04-2025, processo n.º 560/22.5BEALM, veio entender, por unanimidade, que 

I - Desde a redacção inicial, o art. 18º da Lei n.º 73/2013 de 03-09 (RFALEI) estabeleceu a regra, inalterada até hoje, de que "(") Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 1, quando uma mesma entidade tem sede num município e direção efetiva noutro, a entidade deve ser considerada como residente do município onde estiver localizada a direção efetiva.

II - Na determinação do lucro tributável, dos rendimentos de fonte estrangeira e, inexistindo norma legal que afaste tal situação no domínio apontado, ou seja, para efeito de derrama municipal, inexiste fundamento para os excluir, sendo que o artigo 18º nº 13 da Lei n.º 73/2013, de 03-09 é claro ao determinar que "[n]os casos não abrangidos pelo n.º 2, considera-se que o rendimento é gerado no município em que se situa a sede ou a direção efetiva do sujeito passivo ["]".

III - Na situação dos autos, em nenhum momento se fala em estabelecimentos estáveis ou representações que poderiam implicar uma outra leitura da realidade em apreço e a lei não aponta qualquer elemento no sentido de se poder dizer que o rendimento se considera gerado no local da sede ou direcção efectiva da entidade que paga ou coloca à disposição os rendimentos, de modo que, a conclusão firmada na sentença recorrida no sentido da existência de rendimentos obtidos pela Impugnante fora do território nacional é inapta a produzir o efeito de anulação dos actos de autoliquidação no domínio indicado, na medida em que a alusão a rendimentos obtidos no estrangeiro preenche apenas um conceito material e não o conceito contemplado na lei com referência ao rendimento gerado na sua área geográfica.

IV - Assim, a totalidade do lucro tributável é, para efeito de derrama municipal, imputável ao município onde se situa a sua sede ou direcção efectiva do sujeito passivo, não existindo qualquer razão para afastar os rendimentos de fonte estrangeira.

 

Na fundamentação desta decisão refere-se, além do mais, o seguinte:

A partir daqui, importa notar, como já ficou dito, que a derrama municipal continua a caracterizar-se como um imposto acessório, na medida em que apenas é devida quando seja exigível, em concreto, a prestação tributária principal, subsistindo nessa mesma medida uma relação de dependência entre o imposto municipal e o imposto estadual, tendo passado a incidir não sobre a colecta (isto é, sobre o imposto de IRC já liquidado), mas sobre o lucro tributável (isto é, sobre o rendimento que constitui a base do imposto), passando, desse modo, a dever entender-se, do ponto de vista jurídico-financeiro, como um adicionamento ao IRC em vez de um adicional, situação que convoca as regras para a determinação do lucro tributável previstas no CIRC.

Ora, de acordo com o disposto no artigo 17º nº 1 do CIRC, “[o] lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º [entidades que exerçam a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola] é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.

Por seu lado, o artigo 3.º do CIRC, sobre a base do imposto, no que releva para os autos, estabelece que:

“1 - O IRC incide sobre: a) O lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas colectivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola; […] 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código. […]”.

Depois, o artigo 4º nº 1 do CIRC, relativo à extensão da obrigação de imposto, determina que 

“[r]elativamente às pessoas colectivas e outras entidades com sede ou direcção efectiva em território português, o IRC incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território”.

Deste modo, num primeiro momento, a análise deste preceitos implica a consideração, na determinação do lucro tributável, dos rendimentos de fonte estrangeira e, inexistindo norma legal que afaste tal situação no domínio apontado, ou seja, para efeito de derrama municipal, inexiste fundamento para os excluir, como bem refere a Recorrente.

 

Com efeito, em relação ao rendimentos obtidos nos estrangeiro, como se viu, o artigo 18º nº 13 da Lei n.º 73/2013, de 03-09 é claro ao determinar que “[n]os casos não abrangidos pelo n.º 2, considera-se que o rendimento é gerado no município em que se situa a sede ou a direção efetiva do sujeito passivo […]”.

Pois bem, a regra estabelecida apenas cede nos casos em que “os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município” e só nestes últimos casos haverá repartição de derrama pelos restantes municípios, ou seja, “a repartição da derrama pressupõe a não coincidência (em rigor, a segregação) entre o município da sede/direcção efectiva da empresa e o(s) município(s) do(s) estabelecimento(s) estável(is) … . No caso de não existir um município onde se encontre localizado um estabelecimento estável, não há elemento de conexão relevante e, por consequência, a derrama é entregue por inteiro ao Município da sede/direcção efectiva. …” – Saldanha Sanches, A derrama, os recursos naturais e o problema da distribuição de receita entre os municípios, Fiscalidade, nº 38, 2009, pág. 146.

Na situação dos autos, em nenhum momento se fala em estabelecimentos estáveis ou representações que poderiam implicar uma outra leitura da realidade em apreço.

Além disso, a lei não aponta qualquer elemento no sentido de se poder dizer que o rendimento se considera gerado no local da sede ou direcção efectiva da entidade que paga ou coloca à disposição os rendimentos.

Tal significa que a conclusão firmada na sentença recorrida no sentido da existência de rendimentos obtidos pela Impugnante fora do território nacional é inapta a produzir o efeito de anulação dos actos de autoliquidação no domínio indicado, na medida em que a alusão a rendimentos obtidos no estrangeiro preenche apenas um conceito material e não o conceito contemplado na lei com referência ao rendimento gerado na sua área geográfica (o que nos afasta da situação tratada no Ac. deste Supremo Tribunal de 13-01-2021, Proc. nº 03652-15.3BESNT 0924/17, www.dgsi.pt, apontado na decisão recorrida) por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, sendo que, “in casu”, em função dos elementos descritos e de acordo com a norma aplicável (artigo 18º nº 13 da Lei n.º 73/2013, de 03-09), tem de concluir-se que a totalidade do lucro tributável é, para efeito de derrama municipal, imputável ao município onde se situa a sua sede ou direcção efectiva do sujeito passivo, não existindo qualquer razão para afastar os rendimentos de fonte estrangeira.

Diga-se ainda que, admitir a exclusão dos rendimentos de fonte estrangeira para efeitos de derrama municipal, implicava tratar de modo diferente as entidades que desenvolvem uma actividade exclusivamente no território nacional e as que desenvolvem actividade também fora desse território, em benefício destas, pois que, no caso de uma entidade com sede num determinado município nacional, mas cuja actividade seja desenvolvida em todo o território nacional, deverá o respectivo lucro tributável, para efeitos de derrama municipal, ser imputável ao município onde se situa a sua sede ou direcção efectiva, conforme decorre do disposto nos n.ºs 1 e 13 do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 03-09, não tendo qualquer sentido, nem fundamento legal, fazer uma distribuição dos rendimentos pelos diversos municípios onde os rendimentos foram pagos ou colocados à disposição do sujeito passivo, a menos que em algum (ou alguns) o sujeito passivo tenha estabelecimento estável ou representação local (e o sujeito passivo tenha matéria colectável superior a €50 000) a que devam ser imputados os rendimentos gerados na respectiva circunscrição territorial, sendo então aplicável o disposto o descrito artigo 18º nº 2 da Lei nº 73/2013, de 03-09, matéria que tem de ser replicada quando os rendimentos são pagos ou colocados à disposição do sujeito passivo fora do território nacional.

Se assim não fosse, no caso de duas entidades com sede no mesmo município e com o mesmo lucro tributável, mas em que os rendimentos de uma resultassem exclusivamente de actividade desenvolvida em território nacional e os rendimentos da outra fossem parcialmente obtidos com actividade desenvolvida também fora do país, esta pagaria menos derrama municipal do que a primeira, uma vez que os rendimentos pagos fora do território nacional seriam excluídos, situação que colocaria em crise os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, uma vez que duas entidades com idêntica capacidade contributiva seriam tributadas de modo diferente em sede de derrama municipal sem qualquer justificação.

Tal equivale a afirmar o princípio de que o rendimento se considera “gerado no município em que se situa a sede ou a direcção efectiva do sujeito passivo”, sem distinção em função do local onde os rendimentos são pagos ou colocados à disposição do sujeito passivo.

(...)

Em suma, o probatório fixado nos autos interpretado no sentido exposto na decisão recorrida por referência a rendimentos obtidos no estrangeiro não preenche a previsão legal com referência ao exposto no art. 18º nº 1 da Lei nº 73/2013, de 03-09, sendo que nada emerge dos autos em termos de colocar em crise o princípio de que o rendimento se considera “gerado no município em que se situa a sede ou a direcção efectiva do sujeito passivo”, sem distinção em função do local onde os rendimentos são pagos ou colocados à disposição do sujeito passivo, situação que, naturalmente, determina a procedência deste recurso, a revogação da sentença recorrida no segmento impugnado, quer em relação à anulação dos actos impugnado nesta sede, quer em relação aos juros indemnizatórios arbitrados na sequência da aludida anulação, impondo-se o total naufrágio da presente impugnação judicial no domínio em análise.

 

Sendo esta a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, especificamente sobre a questão em apreço, é essa que se adopta nesta decisão arbitral, tendo em mente a «interpretação e aplicação uniformes do direito», pretendida pelo artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil e postulada pelo princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP).

Por isso, improcede o pedido de pronúncia arbitral, ficando prejudicado o conhecimento de outras questões colocadas. 

 

 

5. Pedido de restituição de quantias pagas com juros indemnizatórios 

 

Improcedendo o pedido de pronúncia arbitral, improcedem os pedidos de restituição de quantias pagas e juros indemnizatórios, que pressupõem pagamento indevido. 

 

 

 

6. Decisão            

 

                  De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)     Julgar improcedentes a excepção invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

b)    Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

c)     Julgar improcedente o pedido de reembolso de quantias pagas;

d)    Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios;

e)    Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.

 

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €115.886,24, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 13-10-2025

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Jónatas Machado)

 

 

(Maria Alexandra Mesquita)

                                                                                         

                                                                                                                                                                                                                                                       

 

 



( [1] ) Sobre este ponto pode ver-se ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 432.

( [2] ) E, eventualmente, com alcance diferente do que o ónus da prova possa assumir no processo civil, o que não interessa aqui esclarecer. 

[3] Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-04-2017, processo n.º 8599/15; de 25-06-2019, processo n.º 44/18.6BCLSB; de 11-07-2019, processo 147/17.4BCLSB; de 13-12-2019, processo n.º 111/18.6BCLSB; de 11-03-2021, processo n.º 7608/14.5BCLSB; de 26-05-2022, processo n.º 97/16.6BCLS; de 12-05-2022, processo n.º 96/17.6BCLSB 

[4] Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06.

[5] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07.

[6] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 244/18, de 11-05-2018, processo n.º 636/17.