Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 254/2025-T
Data da decisão: 2025-10-08  IRS  
Valor do pedido: € 1.305.905,38
Tema: IRS – SIFIDE II no âmbito de Sociedade de transparência fiscal.
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 SUMÁRIO: 

A dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6º do Código do IRC, é imputada aos respetivos sócios ou membros referidos no seu nº 3, em conformidade com o nº 5 do artigo 90º, não lhe sendo aplicável o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS. 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Conselheira Dra. Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro-presidente), Dr. José Manuel Aurélio dos Santos (Vogal ) e Dr. Ricardo Marques Candeias (Vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

1.  A..., contribuinte n.º ... e B..., contribuinte n.º ..., casados entre si, residentes em Rua..., N.º..., ...-... Setúbal, C..., contribuinte n.º ... e D..., contribuinte n.º ..., casados entre si, residentes em Rua ..., N.º ..., ..., ...-... Algés, E..., contribuinte n.º ... e F..., contribuinte n.º..., casados entre si, residentes em Rua ..., N.º ..., ...-... Lisboa, G..., contribuinte n.º ... e H..., contribuinte n.º..., casados entre si, residentes em Rua ..., N.º..., ...-... Lisboa, I..., contribuinte n.º... e J..., contribuinte n.º ..., casados entre si, residentes em ..., N.º...–..., ...-... Lisboa, K..., contribuinte n.º ... e L..., contribuinte número ..., casados entre si, residentes na Rua ..., ..., ..., ..., Condomínio ..., ...-... Lisboa, M..., contribuinte n.º ... e N..., contribuinte n.º ..., casados entre si, residentes em Rua ..., N.º ..., ...-... Paço de Arcos, O..., contribuinte n.º ... e P..., contribuinte n.º ..., casados entre si, residentes em Rua ..., n.º..., ...-... Faro, Q..., contribuinte n.º .. ., residente em Rua ..., N..., ...-... Lisboa, R..., contribuinte n.º ... e S..., contribuinte n.º ..., casados entre si, residentes em Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, T..., contribuinte n.º ... e U..., contribuinte n.º..., casados entre si, residentes em Rua ..., N.º ..., ..., ...-... Porto, V..., contribuinte n.º..., residente em Rua..., N.º ..., ...-... Paço de Arcos, W..., contribuinte n.º ...  e X..., contribuinte n.º ..., casados entre si e residentes em Rua ..., N.º ..., ..., ...-... Matosinhos, Y..., contribuinte n.º ..., residente em ..., N.º ..., ..., ...-... Lisboa, Z..., contribuinte n.º... e AA..., contribuinte n.º..., casados entre si, residentes em ..., N.º ..., ..., ...-... Oeiras, BB..., contribuinte n.º ... e CC..., contribuinte n.º ..., casados entre si, residentes em Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, DD..., contribuinte n.º ... e EE..., contribuinte n.º ..., casados entre si, residentes em Rua ..., N.º ..., ..., ...-... Lisboa e FF..., contribuinte n.º... e GG..., contribuinte n.º..., casados entre si, residentes em Rua ..., N.º ... Esquerdo, ...-... Lisboa (“os Requerentes”), ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requereram  a Constituição do Tribunal Arbitral, em função das decisões de indeferimento, pedido de pronúncia arbitral – “ppa” – tendo por objeto os atos de indeferimento proferidos no âmbito dos procedimentos de Reclamação Graciosa n.º ...2024..., a qual tem por objeto o ato de Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de EUR 173.236,95 (cento e setenta e três mil, duzentos e trinta e seis euros e noventa e cinco cêntimos), Reclamação Graciosa n.º ...2024..., a qual tem por objeto o ato de Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de EUR 252.029,16 (duzentos e cinquenta e dois mil, vinte nove euros e dezasseis cêntimos) e respetivo ato de Liquidação de juros compensatórios de pagamentos por conta n.º 2024..., no valor de EUR 357,87 (trezentos e cinquenta e sete euros e oitenta e sete cêntimos), perfazendo o valor global a pagar de EUR 252.387,03 (duzentos e cinquenta e dois mil, trezentos e oitenta e sete euros e três cêntimos), Reclamação Graciosa n.º ...2024..., a qual tem por objeto o ato de Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de EUR 326.340,65 (trezentos e vinte e seis mil, trezentos e quarenta euros e sessenta e cinco cêntimos), Reclamação Graciosa n.º ...2024..., a qual tem por objeto o ato de Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de EUR 153.111,40 (cento e cinquenta e três mil, cento e onze euros e quarenta cêntimos), Reclamação Graciosa n.º ...2024..., a qual tem por objeto o ato de Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de EUR 218.909,01 (duzentos e dezoito mil, novecentos e nove euros e um cêntimos), Reclamação Graciosa n.º ...2024..., a qual tem por objeto o ato de Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de EUR 88.545,87 (oitenta e oito mil, quinhentos e quarenta e cinco euros e oitenta e sete euros), Reclamação Graciosa n.º ...2024..., a qual tem por objeto o ato de Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de EUR 215.048,67 (duzentos e quinze mil, quarenta e oito euros e sessenta e sete cêntimos), Reclamação Graciosa n.º ...2024..., a qual tem por objeto o ato de Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de EUR 171.991,46 (cento e setenta e um mil, novecentos e noventa e um euros e quarenta e seis cêntimos), Reclamação Graciosa n.º ...2024..., a qual tem por objeto o ato de Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de EUR 308.326,73 (trezentos e oito mil, trezentos e vinte e seis euros e setenta e três cêntimos), Reclamação Graciosa n.º ...2024..., a qual tem por objeto o ato de Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de EUR 261.870,88(duzentos e sessenta e um mil, oitocentos e setenta euros e oitenta e oito cêntimos), Reclamação Graciosa n.º ...2024..., a qual tem por objeto o ato de Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de EUR 168.087,24 (cento e sessenta e oito mil, oitenta e sete euros e vinte e quatro cêntimos), Reclamação Graciosa n.º ...2024..., a qual tem por objeto o ato de Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de EUR 346.070,43 (trezentos e quarenta e seis mil, setenta euros e quarenta e três cêntimos), Reclamação Graciosa n.º ...2024..., a qual tem por objeto o ato de Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de EUR 224.381,34 (duzentos e vinte e quatro mil, trezentos e oitenta e um euros e trinta e quatro cêntimos), Reclamação Graciosa n.º ...2024..., a qual tem por objeto o ato de Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de EUR 219.220,11 (duzentos e dezanove mil, duzentos e vinte euros e onze cêntimos), Reclamação Graciosa n.º ...2024..., a qual tem por objeto o ato de Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de EUR 73.417,24 (setenta e três mil, quatrocentos e dezassete euros e vinte e quatro cêntimos), Reclamação Graciosa n.º ...2024..., a qual tem por objeto o ato de Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de EUR 177.409,70 (cento e setenta e sete mil, quatrocentos e nove euros e setenta cêntimos), Reclamação Graciosa n.º ...2024..., a qual tem por objeto o ato de Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de EUR 139.930,51 (cento e trinta e nove mil, novecentos e trinta euros e cinquenta e um cêntimos) e Reclamação Graciosa n.º ...2024..., a qual tem por objeto o ato de Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de EUR 125.055,11, vêm, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 alínea a), 3.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedir a pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade e consequente anulação dos referidos atos de liquidação de IRS e de juros compensatórios, emitidos pela Senhora DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA , e Afins.

Vêm os Requerentes peticionar pela ilegalidade dos atos de indeferimento das reclamações graciosas acima melhor identificadas e, consequentemente, pela anulação (parcial) dos atos de liquidação acima identificados, reputando-os ilegais na parte em que aplica os limites estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, alínea b), do Código do IRS, à dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (“SIFIDE”), quando haja lugar à imputação da matéria coletável aos sócios (pessoas singulares) de sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal, por violação do disposto nos artigos 6.º, 90.º e 92.º do Código do IRC e artigos 35.º a 38.º do Código Fiscal de Investimento (“CFI”), o que se invoca nos termos da alínea a) do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) aplicável subsidiariamente à presente ação arbitral por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. 

2- O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 19/02/2024 pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”). 

Os Requerente não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros signatários, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, os quais comunicaram a respetiva aceitação no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar. 

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no seu artigo 11.º n.º 1, sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 27/05/2025. 

3- A fundamentarem o pedido alegam os Requerentes:

…”. Nas liquidações em causa, a AT desconsiderou ilegalmente uma dedução à coleta associada ao Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento (SIFIDE), originariamente gerada na esfera de uma sociedade transparente e imputada aos seus sócios pessoas singulares (os ora. Requerentes) e que a utilização dessa dedução na esfera pessoal de cada um fica sujeita aos (baixíssimos) limites previstos para as deduções de natureza pessoal no n.º 7 do artigo 78.º do CIRS…” 

Segundo os Requerentes, “…esta tese da AT não tem qualquer suporte legal e já foi afastada pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) por Acórdão de 7 de junho de 2023, no Pº. 01301/21. OBERG e, também .por algumas decisões arbitrais do CAAD, transitadas em julgado, designadamente o Processo 432-2021-T, Processo 93-2022-T, o Processo 260/2023-T, o Processo 221-2024-T e o Processo 382-2024-T …”

No exercício de 2023, a Sociedade HH..., SP, RL, sujeita ao regime de transparência fiscal previsto no artigo 6.º do CIRC. apurou de matéria coletável no valor de EUR 19.070.670,52 ( dezanove milhões, setenta mil, seiscentos e setenta euros e cinquenta e dois cêntimos), Doc Nº40 e 41).

A Sociedade, no exercício de 2023, realizou um investimento em «Participação no capital de instituições de I&D e contributos para fundos destinados a financiar a I&D» no montante de EUR  2.000.000,00 (dois milhões de euros), tendo-lhe sido atribuído pela Agência Nacional de Inovação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 35º e seguintes do CFI, um crédito fiscal de EUR 1.650.000,00 (um milhão e seiscentos e cinquenta mil euros), (Documento n.º 42, junto pelos Requerentes).

Esclarecem os Requerentes que: “…«Em primeiro lugar, a lei estabelece que, mesmo sendo sujeitos passivos, as sociedades transparentes “não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas” (cf. artigo 12.º do Código do IRC). Em segundo lugar, o regime determina que a matéria coletável das sociedades transparentes é apurada nos termos do Código do IRC e imputada aos sócios, integrando-se no seu rendimento tributável de IRS ou de IRC, consoante a respetiva natureza (cf. artigo 6.º, n.º 1 do Código do IRC). No que respeita aos sócios que sejam pessoas singulares, aquela matéria coletável apurada nos termos previstos no Código do IRC é qualificada como rendimento líquido da categoria B e sujeita a englobamento (cf. artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, do Código do IRS). Em terceiro lugar, o regime estabelece que, apesar de não haver coleta na esfera das sociedades transparentes, as deduções à coleta de que estas poderiam beneficiar se fossem tributadas são: 

●              calculadas nos termos do regime aplicáveis às sociedades;

●               imputadas aos respetivos sócios, e;

●              deduzidas à coleta dos sócios que tenha resultada imputação da matéria coletável das sociedades (cf. artigo 90.º, n.º 5, do Código do IRC).»O regime da transparência fiscal que a matéria coletável da Sociedade é imputável aos Requerentes, a título de rendimento de Categoria B em sede de IRS, na percentagem que a cada um cabe…”

Esse investimento gerou na esfera da Sociedade uma dedução à coleta no montante de EUR 1.650.000,00 (um milhão e seiscentos e cinquenta mil euros).

Alegam os Requerentes a ilegalidade dos atos de liquidação de IRS referentes ao ano de 2023, os quais foram reclamados nos respetivos procedimentos de reclamação graciosa acima descritos, e que constituem o objeto mediato da presente ação, na parte em que a Autoridade Tributária desconsidera a dedução à coleta relativa ao Benefício Fiscal SIFIDE declarado por cada um dos Requerentes na respetiva Modelo 3 de IRS. O valor pedido pelos Requerentes é o valor correspondente à soma dos valores cuja dedução em sede de IRS cada um dos Requerentes peticiona, ou seja, EUR 1.305.905,38 (um milhão, trezentos e cinco mil, novecentos e cinco euros e trinta e oito cêntimos). 

“.... No entanto, quando processou a declaração de rendimentos dos Requerentes, a Administração Fiscal (A.T) não teve em consideração a dedução à coleta respeitante ao SIFIDE II, que era devida nos termos do disposto no artigo 90.º, n.º 4, do Código do IRC…”

“…. Por outro lado, como resulta do artigo 90.º do Código do IRC, as deduções à coleta no âmbito das sociedades reguladas pelo princípio da transparência fiscal são determinadas de acordo com as regras do Código do IRC, e não têm como limite o previsto no artigo 78.º, n.º 7, do CIRS, que se refere única e exclusivamente às deduções à coleta aplicáveis a sujeitos passivos em sede de IRS. Acresce que os limites da dedução à coleta previstos no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS têm em conta a situação pessoal das pessoas singulares e não das pessoas coletivas como é o caso da Requerente ...”

4- Na Resposta defende a Autoridade Tributária que:

As deduções em causa, “…têm de respeitar a disciplina do IRS. O apuramento da coleta é efetuado de acordo com o procedimento de liquidação de IRS, englobando-se os rendimentos líquidos categoria B com os restantes rendimentos do agregado familiar para determinação da taxa geral de IRS a aplicar, Ou seja, “o montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo, a que alude o n.º 5 do artigo 90º do CIRC, tem de assentar – e assentou no caso em apreço - no procedimento de liquidação de IRS, previsto no CIRS e, designadamente, no que para aqui releva, no regime das deduções à coleta previstos neste Código. ..“

…” Entende a AT que, o que está em causa, e fundamentou as decisões impugnadas e, consequentemente as respetivas liquidações, é que essa dedutibilidade incide sobre a coleta apurada em IRS e, portanto, de acordo com a disciplina regulada no CIRS e, em particular, com o disposto no seu artigo 78.º “Deduções à coleta”…”

Quanto à dedução à coleta do benefício fiscal, as despesas realizadas pelos Requerentes em 2023 são suscetíveis de integrar «despesas de investigação e desenvolvimento», conforme definido no artigo 36º do CFI, e elegíveis por força do disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 37º do mesmo diploma legal, cumprindo os requisitos previstos no capítulo V para que pudessem beneficiar da dedução à coleta.

 …”. No entanto, essa dedução é feita nos termos do disposto no artigo 90.º do Código do IRC, e, estando em causa uma entidade sujeita ao regime de transparência fiscal, a dedução será imputada aos respetivos sócios de acordo com o disposto no nº 5 desse artigo 90.º do Código do IRC, de acordo com a sua participação na sociedade...”

…”. Considerando que estamos perante pessoas singulares, relevam ainda as regras previstas no Código do IRS, que  sendo que as deduções imputadas aos sócios, geradas na esfera da sociedade transparente, nos termos do nº 5 do artigo 90º do Código do IRC, são dedutíveis nos termos da alínea k) do nº 1 (benefícios fiscais) e do nº 2 do artigo 78º do Código do IRS (retenções na fonte), com os limites que constam dos nºs. 7 e 8 desse artigo…”

É entendimento da Requerida (Autoridade Tributária) que uma vez que os Requerentes têm um rendimento coletável superior ao valor do último escalão do nº 1 do artigo 68º, as deduções à coleta previstas nas alíneas c) a h) e k) do nº 1 do artigo 78.º do Código do IRS, não podem exceder os EUR 1.000,00 (mil euros), sendo este limite majorado 5% por cada dependente ou afilhado civil nos agregados com 6 ou mais dependentes.

“… o montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo, a que alude o n.º 5 do artigo 90º do CIRC, tem de assentar – e assentou no caso em apreço - no procedimento de liquidação de IRS, previsto no CIRS e, designadamente, no que para aqui releva, no regime das deduções à coleta previstos neste Código…”

“… no que concerne à dedução de benefícios fiscais, em sede de IRS, o artigo 78.º do CIRS, sob a epígrafe “Deduções à coleta”, no seu n.º 1 vem elencar as deduções consentidas, a saber: 

“a) Aos dependentes do agregado familiar e aos ascendentes que vivam em comunhão de habitação com o sujeito passivo; 

b) Às despesas gerais familiares; 

c) Às despesas de saúde e com seguros de saúde; 

d) Às despesas de educação e formação; 

e) Aos encargos com imóveis; 

f) Às importâncias respeitantes a pensões de alimentos; 

g) À exigência de fatura; h) Aos encargos com lares; i) Às pessoas com deficiência; 

j) À dupla tributação internacional; 

k) Aos benefícios fiscais. 

l) Ao adicional ao imposto municipal sobre imóveis, nos termos do artigo 135.º-I do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis” 

“… o n.º 3 do artigo 78.º do CIRS que “As deduções referidas neste artigo são efetuadas pela ordem nele indicada e apenas as previstas no número anterior, quando superiores ao imposto devido, conferem direito ao reembolso da diferença…”

“…os n.ºs 7 e 8 do mencionado artigo 78.º do CIRS “7- A soma das deduções à coleta previstas nas alíneas c) a h) e k) do n.º 1 não pode exceder, por agregado familiar, e, no caso de tributação conjunta, após aplicação do divisor previsto no artigo 69.º, os limites constantes das seguintes alíneas

(…) 

7 cPara contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao valor do último escalão do n.º 1 do artigo 68.º, o montante de (euro) 1 000. 

8 – Nos agregados com três ou mais dependentes a seu cargo, os limites previstos no número anterior são majorados em 5 % por cada dependente ou afilhado civil que não seja sujeito passivo do IRS.  …”

(…)

5- Dispensa de reunião prevista no artigo 18 º do RJAT

No seguimento do processo, por despacho arbitral de 8 de setembro de 2025, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, “…o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT…”, bem como a apresentação de alegações escritas por não haver novos elementos sobre que as partes se devessem pronunciar.

 

 II – SANEAMENTO

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

Cabe apreciar e decidir.

 

III - FUNDAMENTAÇÃO 

 1As questões a dirimir são as seguintes: 

Se os atos de indeferimento das reclamações graciosas já referidas padecem ou não de ilegalidade, com a consequente anulação ou manutenção na ordem jurídica das liquidações de IRS contra as quais as mesmas se dirigiam, também já identificadas

Em caso de procedência do pedido com consequente reembolso dos valores pagos indevidamente, se há ou não lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT, relativamente aos Requerentes que optaram pelo pagamento; 

Quanto aos Requerentes que optaram por não efetuar o pagamento e prestaram garantias com vista à suspensão dos processos de execução fiscal, saber se têm ou não direito aos pagamentos das indemnizações pelos encargos suportados com a prestação das garantias. 

E, por último, se há ou não lugar a condenar a AT ao pagamento de juros de mora nos termos do n.º 5 do artigo 43.º da LGT em caso de procedência do pedido. 

2- Matéria de facto

2.1  Factos provados

 Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

Os Requerentes são sócios de uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal previsto no artigo 6.º do CIRC designada por HH...,SP,RL”, pessoa coletiva n...., conforme se alcança do Anexo G da declaração de Informação Empresarial Simplificada de 2023 - documento 38;

Por aplicação do referido regime de transparência fiscal e dos estatutos da sociedade, a matéria coletável desta entidade é imputável aos Requerentes, a título de rendimento da Categoria B de IRS, na percentagem que a cada um cabe, conforme a seguir se refere e de acordo com o seguinte quadro de suporte: 

 

Quadro fiscal exemplificativo

No exercício de 2023, a sociedade apurou matéria coletável no valor de EUR 19.070.670,52. Sendo que, por referência ao mesmo exercício, realizou um investimento em «Participação no capital de instituições de I&D e contributos para fundos destinados a financiar a I&D» no montante de EUR 2.000.000,00 (dois milhões), tendo-lhe sido atribuído pela Agência Nacional de Inovação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 35º e seguintes do CFI, um crédito fiscal de EUR 1.650.000,00 (um milhão e seiscentos e cinquenta mil euros) (cf. Documento n.º 42, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

Tal investimento gerou na esfera da sociedade uma dedução à coleta no montante de EUR 1.650.000,00 (um milhão e seiscentos e cinquenta mil euros). Ou seja, uma dedução à coleta de igual montante, tendo os Requerentes nos respetivos anexos D da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2023 feito a respetiva imputação, Quadro 4 (Imputação de Rendimentos e Retenções) e Quadro 9 (Deduções à Coleta onde se reflete o Benefício Fiscal SIFITE II Imputado pela Sociedade proporcionalmente aos sócios) conforme Documento n.º 42, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais; 

 

Nas liquidações de IRS em causa, não foram consideradas as deduções à coleta do valor do SIFIDE II, inscrito no Modelo 3 de IRS. 

Como resulta dos documentos juntos aos presentes autos, não obstante os Requerentes não se conformarem com a liquidação de IRS impugnada, na parte em que sujeita aos limites do artigo 78.º, n.º 7 do Código do IRS, a dedução do benefício fiscal em apreço, os Requerentes procederam ao pagamento do imposto liquidado (cf. cit. Documentos n.º 44, 46, 48, 50, 52, 54, 56, 58, 60, 62, 64, 67, 69, 72, 74, 76, 78 e 80).

2.2. Factos não provados 

Não há factos não provados com relevância para a decisão

2.3. Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto

O Tribunal não tem de se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas Partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (conforme artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). 

A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes, no teor dos documentos juntos aos autos, por elas não contestados.

 

3- Matéria de direito 

§1.º Quanto à ilegalidade dos atos tributários impugnados

  

Considerando a matéria de facto dada como provada e fazendo o seu enquadramento com o direito aplicável, a questão de fundo a decidir com vista à composição do litígio está em saber se, relativamente à dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais SIFIDE II, reguladas pelo artigo 38.º do CFI, quando ocorridas no âmbito de sociedades transparentes, a sua imputação aos sócios, pessoas singulares, fica ou não sujeitas aos limites estabelecido no n.º 7 do artigo 78.º do Código do IRS, na redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, vigente em 2020.

A jurisprudência do CAAD tem vindo maioritariamente a dar razão à perspetiva dos Requerentes, designadamente os Acórdãos proferidos em análise e que resumimos:

 

 

Por concordarmos com a mesma seguiremos de perto, por exemplo, a jurisprudência vazada na Decisão arbitral proferida no processo n.º 93/2022-T, onde se pode ler o seguinte : 

“ …6. A única questão em debate, quanto à matéria de fundo, está em saber se a dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), se encontra sujeita ao limite estabelecido na alínea c) do n.º 7 (majorado cfr. n.º 8 se aplicável) do artigo 78.º do Código do IRS quando haja lugar à imputação da matéria coletável no rendimento tributável dos sócios de sociedades profissionais no âmbito do regime de transparência fiscal.

A Autoridade Tributária, na decisão de indeferimento das reclamações graciosas, não põe em causa que a sociedade realizou despesas de investigação e de desenvolvimento no âmbito do SIFIDE II, no período de tributação de 2023, e reconhece que há lugar a um crédito fiscal no montante de € 1.650.000,00 (um milhão seiscentos e cinquenta mil euros), apurado nos termos do artigo  38.º, n.º 1, do CFI, que é imputado aos Requerentes na qualidade de sócios da sociedade que efetuou o investimento, na proporção da sua participação social, e é dedutível ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no artigo 6.º do CIRC,  nos termos do n.º 5 do artigo  90.º do CIRC.

O que se discute é se a dedução à coleta que assim se deva efetuar é influenciada pelo disposto no artigo 78.º, n.º 1, alínea k), e n.º 7, alínea c), do Código do IRS, disposições essas que determinam que a soma das deduções à coleta previstas nas alíneas c) a h) e k) do n.º 1 do mesmo artigo 78.º (onde se incluem as relativas a benefícios fiscais) não podem exceder, para os contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao último escalão a que se refere o artigo 68.º, o montante varia nos requerentes de acordo com o intervalo mínimo e máximo de [€1.250…;…€10.072,53].

Importa começar por ter presente o regime de transparência fiscal que se encontra regulado no artigo 6.º do Código do IRC, e que, na parte que mais interessa considerar, estabelece o seguinte:

1 - É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria coletável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros: 

(...)

a.Sociedades de profissionais;

(…)

4- Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se:  a) Sociedade de profissionais: 

1.A sociedade constituída para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa atividade;

(…).

  O regime especial de tributação caracterizado pela transparência fiscal, para além dos objetivos de combate à evasão fiscal e eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos, tem essencialmente em vista assegurar a neutralidade fiscal relativamente à forma jurídica sob a qual a atividade da sociedade é desenvolvida e que é alcançada através da tributação dos sócios ou membros da sociedade, quer sejam pessoas singulares ou coletivas, tal como se exercessem diretamente a atividade.  

Através da imputação da matéria coletável aos sócios, por efeito do regime de transparência fiscal, a sociedade não é tributada em IRC, mas sim nas pessoas dos seus sócios, em sede de IRC ou de IRS, consoante se trate de pessoas coletivas ou singulares.

No entanto, ainda que o rendimento dos sócios da sociedade sujeita a transparência fiscal, que sejam pessoas singulares, seja tributado na sua esfera jurídica em sede de IRS como rendimento líquido da categoria B (artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, do Código do IRS), a matéria coletável é determinada nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, que regula não só os termos em que se processa a liquidação, com base na obrigação declarativa do sujeito passivo  (n.º 1), como especifica as deduções que podem ser efetuadas ao montante apurado, aí se incluindo as relativas a benefícios fiscais (alínea c) do n.º 2).  Acrescentando o n.º 5 desse mesmo artigo 90.º que as deduções à coleta referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º «são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo». 

De onde resulta, com evidência, que as deduções ao montante apurado, em que se inclui os benefícios fiscais, são efetuadas de acordo com as regras do Código do IRC, e, especialmente, tendo em atenção as referidas disposições do artigo 90.º (cfr., neste sentido, Manual de IRC, edição da Autoridade Tributária e Aduaneira, Direção de Serviços de Formação) Lisboa, 2016).

É o que se depreende, aliás, do disposto no artigo 6.º do Código do IRC, há pouco transcrito, onde se consigna que é imputada aos sócios «a matéria coletável, determinada nos termos deste Código», ou seja, nos termos do Código do IRC, ainda que passe a integrar o rendimento tributável dos sócios, para efeitos de IRS, quando se trate de pessoas singulares.

Nas deduções à coleta no âmbito do regime de transparência fiscal, regulado no Código do IRC, não tem, por isso, aplicação o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS, que se refere às deduções à coleta em sede de IRS.

Nem é viável, no plano da hermenêutica jurídica, que o apuramento do imposto venha a ser efetuado através da conjugação de disposições que pertencem a diferentes blocos normativos, que respeitam a diferentes tributos e têm um âmbito de aplicação distinto.

Acresce que o próprio CFI, que regula o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento, esclarece, no seu artigo 38.º, que o valor correspondente às despesas pode ser deduzido ao montante da coleta do IRC, apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC (n.º 1), e a dedução é feita nos termos do artigo 90.º do Código do IRC (n.º 3).

Não pode subsistir dúvida, por conseguinte, que as deduções à coleta, no âmbito do regime de transparência fiscal, são efetuadas nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e, em especial, de acordo com o seu n.º 5, não tendo qualquer aplicação ao caso o regime de deduções à coleta em IRS.  “

 

 Finalmente salienta-se que esta mesma jurisprudência tem sido confirmada por diversos acórdãos do STA, designadamente: 

O STA, no acórdão de 07-06-2023, processo n.º 1301/21.0BEBRG, (em que é Relatora Anabela Russo) decidiu que :

“…a dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria coletável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do CFI, não lhes sendo aplicável, assim, o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS…”.

 

No Acórdão de 06.04.2025, proferido no Processo n.º 01300/21.1BEBRG (em que é Relator Jorge Cortês) decidiu que:

“… À dedução à coleta das despesas elegíveis no âmbito do SIFIDE II dos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal não se aplicam os limites da dedução à coleta do artigo 78.º do CIRS...” 

 

Por sua vez, no Acórdão de 01/16/2025, proferido no Processo n.º 02222/21.1BEBRG (em que é relatora Virgínia Andrade) decidiu que:

“…A dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do SIFIDE II, quando haja lugar à imputação da matéria coletável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do Código Fiscal do Investimento, não lhes sendo aplicável, o limite estabelecido no artigo 78.º n.º 7 do Código do IRS...”

 

Pelo exposto, os Despachos de indeferimento das reclamações graciosas dirigidas às respetivas liquidações de IRS enfermam de ilegalidade e por isso deverão ser anuladas com todas as consequências legais daí advindas incluindo a anulação das respetivas liquidações de IRS e juros compensatórios quando liquidados.

 

§2º. Quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas 

 

Alega a Requerida que tal interpretação suscita diversas inconstitucionalidades, mas sem razão.

Com efeito, não acolher este entendimento também se traduz numa distorção no objetivo de neutralidade fiscal que o legislador quis alcançar através do regime da transparência fiscal.

Com este regime pretendeu o legislador que, independentemente do modo de obtenção dos rendimentos (sociedade vs modo individual), esses rendimentos devem ser tributados de modo idêntico.

No caso, aceitar que o benefício fiscal SIFIDE fique sujeito aos limites à dedução impostos pelo artigo 78.º do Código do IRS conduz a uma discriminação das sociedades sujeitas ao regime da transparência fiscal relativamente aos sujeitos passivos de IRC que, por força do
disposto no artigo 92.º, n.º 2, alínea b) do Código do IRC, não ficam
sujeitos a esses limites.

 A este propósito, cfr.  o recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06/04/2025 (Processo n.º 01300/21.1BEBRG) escreveu-se a este respeito:

“(…) como bem salientou o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, no qual, após defender a não aplicação dos limites dos limites consagrados no artigo 78.º, n.º 7 do CIRS, sustentou que “o entendimento contrário conduz, de forma inaceitável, a que as
sociedades sujeitas ao regime de transparência sejam discriminadas relativamente a todos os outros sujeitos passivos de IRC o que, na falta de justificação cabível, suscita, no mínimo, dúvidas sobre a constitucionalidade de tal interpretação”. E acrescentamos agora nós,
conduz até a uma insustentável discriminação em matéria de tributação entre os próprios sócios nas situações em que a sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal tenha como sócios simultaneamente pessoas singulares e pessoas coletivas, uma vez que, a estes últimos, relativamente a um mesmo benefício e ano fiscal, nunca é aplicável a limitação consagrada no citado artigo 78.º, n.º7 do CIRS. // É que, o respeito pelo princípio da igualdade, contrariamente ao que alega a Recorrente nas suas conclusões, não pode ser aferido por referência ao confronto entre um sujeito passivo cuja tributação de rendimento se encontra integralmente submetida ao regime consagrado no CIRS e um sujeito passivo, sócio de uma sociedade em regime de transparência fiscal, cuja matéria tributável que lhe é imputável, provém do exercício da pessoa coletiva, é determinada nos termos do CIRC e à qual é reconhecido um benefício fiscal de dedução de despesas (elegíveis) reguladas por um regime especial (CIF), que determina que essa dedução seja realizada nos termos do CIRC. // Carece, pois, de sentido, neste contexto, alegar a existência de uma desigualdade entre sujeitos passivos de IRS, por ser seguro que os sujeitos que a Recorrente convoca para comparar não estão numa mesma situação material: os sujeitos passivos pessoas singulares que não são sócios de uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal e a quem não foi reconhecido o benefício fiscal, ou seja, que não realizaram as despesas de investimento e desenvolvimento cuja dedução o Estado, sem limites (além dos já salvaguardados), assegurou que seriam efetivadas não é idêntica à das pessoas singulares – sócios de sociedades sujeitas a regime de transparência fiscal a quem foi reconhecido o
benefício, investimento que as pessoas coletivas, que a Recorrida integra na qualidade de sócia, confiando na economia fiscal prometida, realizaram.” Com efeito, o investimento feito pelas sociedades sujeitas ao regime da transparência fiscal deixa de ser um benefício fiscal nos termos
previstos no CFI, para representar um custo para os sócios pessoas singulares dessa mesma sociedade que, superando os limites previstos no Código do IRS, deixam de poder deduzir à coleta esse benefício. Termos em que improcedem as questões de inconstitucionalidade suscitadas.

 

§3.º Reembolso das quantias e juros indemnizatórios 

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito. O que está de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago e ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na LGT, artigo 43.º, n.º 1 e no CPPT, artigos 61.º, n.º 5, que serão devidos desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

§4.º Juros de mora 

 

Estamos em presença de juros sancionatórios que terão lugar apenas no caso de incumprimento pela AT dentro do prazo de execução espontânea da decisão transitada em julgado. Nos termos do artigo 24º do RJAT, a AT está vinculada ao cumprimento integral das decisões arbitrais, nos prazos legalmente estabelecidos, (ver nºs 1 e 3 do artigo 175º do CPTA).

Sobre esta matéria já o STA se pronunciou, designadamente (acórdão de 01/02/2017, proferido no processo n.º 0285/16), que com a devida vénia transcrevemos o seu sumário: “Os juros de mora previstos no artigo 43º, n.º 5 da LGT, a favor do contribuinte, ao contrário dos juros indemnizatórios, perdem a natureza indemnizatória/reparatória que poderiam ter e apenas assumem a natureza de sanção, pelo que são devidos em simultâneo com os juros indemnizatórios devidos ao abrigo do n.º 1 do mesmo artigo 43º.”

 

IV – DECISÃO

 

De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em: 

 

a)     Julgar, procedente o pedido de pronúncia arbitral; 

b)    Anular os despachos de indeferimento das reclamações graciosas e, em consequência, as liquidações de IRS e juros compensatórios do ano de 2023, contra as quais as mesmas se dirigiram, nas partes em que têm como pressuposto a não dedução à coleta de IRS da quantia que beneficia do SIFIDE; 

c)     Julgar improcedentes os pedidos relativos a juros de mora, previstos no nº. 5 do artigo 43º da LGT;

d)    Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal. 

 

 

V- VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do Processo em EUR 1.305.905,38 (um milhão trezentos e cinco mil novecentos e cinco euros e trinta e oito cêntimos), nos termos do disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que ficam a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

VI-CUSTAS 

Fixar as custas em EUR 17.748,00 (dezassete mil setecentos e quarenta e oito euros), ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que ficam a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira. 

 

 

Notifiquem-se as Partes e o Ministério Público . 

Lisboa, de 8 de outubro de 2025.

 

 

Árbitro Presidente,

 

 

 

Fernanda  Maçãs (árbitro-presidente)

 

 

Árbitro  Vogal

 

 

 

Dr. José Manuel Aurélio dos Santos (vogal-relator)

 

 

Árbitro Vogal

 

 

 

Ricardo Marques Candeias (vogal)