SUMÁRIO:
	I – O nº 1 do art. 22º do EBF ao limitar o regime nele previsto a OIC constituída segundo a legislação nacional, estabelece uma discriminação arbitrária, que é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais no espaço da União Europeia, proibida pelo art. 63º do TFUE, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça.
	II – A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno, em caso de desconformidade com aquela (art. 8º, nº 4 da CRP).
	 III – Nos casos em que há lugar a retenção na fonte a título definitivo, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é susceptível de configurar erro imputável aos serviços, para efeitos de apresentação, no prazo de quatro anos, do pedido de revisão dos actos tributários, nos termos do nº 1 do art. 78º da LGT.
	 
	 
	                                               DECISÃO ARBITRAL
	 
	 
	REQUERENTE: A...
	REQUERIDA: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
	 
	 
	 
	I - RELATÓRIO 
	 
	A.  AS PARTES. CONSTITUIÇÂO DO TRIBUNAL. TRAMITAÇÃO DO PROCESSO.
	 
	1.     No dia 20 de Dezembro de 2024, A..., Organismo de Investimento Colectivo, constituído de acordo com o direito irlandês, com residência fiscal na República da Irlanda, constituída sob a forma contratual e não societária, com o número de contribuinte fiscal português..., com sede na República da Irlanda, (doravante, abreviadamente, designado por Requerente), apresentou  pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente, designado RJAT), visando a anulação do acto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, e a consequente anulação do acto tributário de retenção na fonte de IRC no valor de 22.384,90 euros. e a sua restituição, acrescida de juros indemnizatórios, actos estes praticados pela Autoridade Tributária (doravante, designada, abreviadamente, por Requerida). 
	2.     No dia 23/12/2024, o pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 20/12/2024, foi aceite e automaticamente comunicado à AT, a qual foi notificada em 26/12/2024.
	3.     O Requerente apresentou a petição inicial assinada, com procuração e substabelecimento, com a indicação do valor da utilidade económica do processo e juntou quatro documentos, tendo, em 08/01/2025, ampliado o pedido, por, entretanto, ter sido notificado em 02/01/2025 do indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
	4.     Em 15/01/2025, a Requerida comunicou a designação de juristas para a representar.
	5.     O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do   disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea a) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, em 10/02/2025, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, não tendo as Partes que foram notificadas dessa designação manifestado vontade de recusar.
	6.     Em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 28/02/2025.
	7.      Em 28/02/2025, foi proferido despacho arbitral para os termos do art. 17º do RJAT, que foi notificado em 03/03/2025.
	   8. No dia 07/04/102024, a Requerida, apresentou a sua resposta defendendo-se, após apresentar questão prévia, por impugnação, tendo, ainda, procedido à junção do processo administrativo (PA).
	  9. No dia 08/04/2025, foi proferido despacho arbitral dispensando a reunião a que alude o art. 18º do RJAT e concedendo às Partes um prazo de dez dias para a apresentação de alegações escritas, simultâneas e facultativas.
	   10. No dia 05/05/2025, foram apresentadas alegações escritas pelo Requerente, reiterando e desenvolvendo a sua posição jurídica.
	   11. No dia 19/05/2025, foram apresentadas pela Requerida as suas alegações e invocada uma excepção.
	   12. Em 21/05/2025, foi proferida despacho arbitral para notificação do Requerente para responder à excepção, o qual foi notificado no dia seguinte.
	   13. Em 06/06/2025, foi recebida a resposta do Requerente à excepção..
	   14. Em 14/08/2025, foi proferido um despacho arbitral a prorrogar o prazo para a emissão e notificação da decisão arbitral pelo prazo de dois meses
	 
	    B. PRETENSÃO DO REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS                       
	Para fundamentar a sua pretensão, alega o Requerente, em síntese e no que se revela relevante, o seguinte:
	 - O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal irlandês, uma entidade jurídica de direito irlandês, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na República da Irlanda, constituída sob a forma contratual e não societária.
	 - O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país.
	 - O Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.
	 - No ano de 2020 o Requerente era detentor de participações sociais na seguinte sociedade residente em Portugal:
	 
	 - Ora, no referido ano, o Requerente, na qualidade de acionista desta sociedade residente em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos.
	 - Os dividendos recebidos no decorrer do ano de 2020  foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no número 4 do artigo 87.º do CIRC.
	 - Assim, no ano em causa, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte, no montante total a seguir discriminado:
	
		
			| 
					Ano da Retenção | 
					Valor Bruto do Dividendo | 
					Data de Pagamento | 
					Taxa de Retenção na Fonte | 
					Guia de pagamento | 
					  
					Valor da retenção (€) | 
		
			| 
					2020 | 
					89 539,62 | 
					21.05.2020 | 
					25% | 
					… | 
					22 384,90 | 
		
			| 
					TOTAL | 
					22 384,90 | 
	
	 
	 
	 
	 
	 
	 
	 
	 
	 - O quadro referido no ponto acima permite discriminar, relativamente ao ano em questão, (i) o montante bruto dos dividendos recebidos, (ii) a data de pagamento dos referidos rendimentos, (iii) o número da guia de pagamento através da qual o imposto retido na fonte foi entregue junto dos cofres da AT em Portugal e (iv) o imposto suportado por retenção na fonte, que constitui objeto da presente impugnação.
	 - Conforme resulta do quadro mencionado, o Requerente suportou, em Portugal, no ano de 2020 a quantia total de imposto de EUR 22.384,90, a qual constitui objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.
	 - Na ótica do Requerente – e conforme já foi confirmado pelo TJUE em acórdão proferido no passado dia 17 de março de 2022, no processo n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN) –, Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia (“UE”) (in casu a República da Irlanda), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, de forma frontal, o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”).
	 - Neste sentido, no dia 21.05.2024, o Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade do referido ato de retenção na fonte de IRC relativo ao ano de 2020, na qual solicitou a anulação do mesmo por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal.
	  – Já depois da apresentação do PPA, o Requerente foi notificado, através de ofício de 02/01/2025, do indeferimento da revisão oficiosa, pelo que ampliou o pedido em 08/01/2025 para a impugnação do indeferimento expresso da reclamação graciosa
	Sobre as questões de direito, o Requerente alegou:
	 - Em primeiro lugar e com enorme relevância para a discussão da questão material ora controvertida, importa referir que em sede de outro processo arbitral que correu termos junto deste centro de arbitragem (processo n.º 93/2019-T), foi decidido o reenvio de questões prejudiciais para análise do TJUE, em tudo idênticas às que se colocam nos presentes autos, tendo o processo corrido termos junto do TJUE sob o n.º C-545/19.
	 - Ora, no passado dia 17.03.2022 foi conhecido o veredito do TJUE no processo que correu termos sob o n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), no qual o TJUE se pronunciou, de acordo com a pretensão do Requerente no processo, sobre o regime português de tributação de dividendos auferidos por OIC.  
	 - Assim, da decisão supra decorre, inapelavelmente, a procedência do presente pedido, uma vez que a questão material controvertida se mostra integralmente resolvida por aquela instância comunitária.
	 - Com efeito, a matéria de facto e de direito subjacente ao referido processo decidido pelo TJUE é em tudo idêntica à objeto dos presentes autos.
	 - Ora, tal como sintetizado pelo TJUE no referido acórdão:
	“Com as suas cinco questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 56.° e 63.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um EstadoMembro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. Esse órgão jurisdicional interrogase, por um lado, sobre a questão de saber se esse tratamento fiscal diferente em função do local de residência da instituição beneficiária pode ser justificado pelo facto de os OIC residentes estarem sujeitos a outra técnica de tributação e, por outro, se a apreciação da comparabilidade das situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes para efeitos de determinar se existe uma diferença objetiva entre estes, de molde a justificar a diferença de tratamento instituída pela legislação desse EstadoMembro, deve ser efetuada apenas ao nível do veículo de investimento ou deve igualmente ter em conta a situação dos detentores de participações sociais” (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 29).
	 - De forma perentória e inequívoca, o TJUE declarou que:
	“O artigo 63.° TFUE [relativo à liberdade de circulação de capitais] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um EstadoMembro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.
	 - Significa isto que o regime previsto nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4, todos do CIRC, ao prever que os rendimentos obtidos em Portugal por OIC não residentes estão sujeitos a retenção na fonte liberatória em sede de IRC a uma taxa de 25% (enquanto se prevê uma isenção de tributação aplicável, nos termos do artigo 22.º do EBF, a dividendos auferidos por OIC residentes) não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais, tal como resulta expresso e inequívoco da decisão do TJUE.
	 - Ora, entende o Requerente que a decisão do TJUE no referido processo implica a necessária procedência da reclamação graciosa anteriormente apresentada e, bem assim, do presente pedido de pronúncia arbitral, uma vez que a questão a dirimir é materialmente igual.
	 - Como se verá, perante a decisão do TJUE no processo referido, deve o regime que resulta dos normativos acima citados ser afastado, por força do princípio do primado, consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) sendo, assim, forçoso concluir que não podem manter-se os atos tributários de retenção na fonte de IRC ora sindicados, porque manifestamente ilegais, conforme já decidido em diversas decisões arbitrais deste CAAD.
	 - Assim, em conclusão, entende o Requerente que o regime interno que impõe a aplicação de retenção na fonte a dividendos distribuídos a um OIC não residente – como o Requerente –– (enquanto prevê que os dividendos distribuídos a OIC residentes estejam isentos dessa retenção) é claramente incompatível com o Direito da UE, pelo que se impõe a anulação dos referidos atos de retenção na fonte de IRC objeto destes autos.
	  - Após fazer o enquadramento normativo da questão e de justificar a desconformidade do artigo 22.º do EBF com o artigo 63.º do TFUE. e, em particular: da restrição à liberdade de circulação de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE
	 - Conclui, que uma legislação, como a que está em causa, que prevê a tributação em sede de imposto sobre o rendimento, através de retenção na fonte liberatória, dos dividendos de origem nacional quando são recebidos por OIC residentes noutro EM, ao mesmo tempo que prevê uma isenção de tributação em sede de imposto sobre o rendimento quando os dividendos de origem nacional são auferidos por OIC residentes nesse mesmo EM, é discriminatória à luz do princípio da liberdade de circulação de capitais, impõe-se aferir se essa legislação diz respeito a (i) situações objetivamente comparáveis e (ii) se não se pode justificar por qualquer razão imperiosa de interesse geral.
	 - Acrescentando que, tal como resulta de forma inequívoca do acórdão do TJUE proferido no processo n.º C-545/19 já acima invocado, o regime acima descrito é incompatível com o Direito da UE.
	 - É entendimento pacífico e unânime que o Direito da UE prevalece sobre o direito ordinário nacional, quer esteja em causa legislação adotada anteriormente, quer estejam em causa atos legislativos, entre outros (neste sentido, v., entre outros, o acórdão de 14 de julho de 1964, Costa vs Enel, C-65/64 e, ainda, acórdão do STA de 03.02.2016, tirado no processo n.º 01172/14).
	 - O primado do Direito da UE encontra ainda respaldo na CRP, cujo artigo 8.º, no seu n.º 4, estabelece que “[a]s disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
	 - A consequência jurídica do princípio do primado do Direito da UE é a não aplicação, em caso de conflito entre leis, das disposições internas contrárias à disposição comunitária bem como a proibição da introdução de disposições de direito interno contrárias à legislação comunitária.
	 - Referiu o Venerando STA no seu acórdão (processo n.º 654/13) que, “(…) atento o primado do direito comunitário – que, aliás, a recorrente não questiona -, é vedado ao tribunal aplicar normas do direito nacional que afrontem o que naquele se impõe, sendo que, havendo acórdão interpretativo proferido pelo TJUE a decisão nele proferida retroage à data da entrada em vigor da respectiva norma (…).”.
	 - Ou seja, o dever de anulação dos atos tributários ora sindicados decorre diretamente do reconhecimento expresso por parte do TJUE do carácter ilegal do regime fiscal em vigor até à presente data.
	 - Nestes termos, tendo o regime interno que impõe a aplicação de retenção na fonte a dividendos distribuídos a um OIC não residente – como o Requerente – (enquanto se prevê que os dividendos distribuídos a OIC residentes estão isentos dessa retenção) sido expressamente e sem reservas julgado incompatível com o Direito da UE no passado dia 17 de março de 2022, impõe-se a anulação dos atos de retenção na fonte sindicados, por força do princípio do primado consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.
	 - Face a tudo o acima exposto e, em concreto, face à situação fáctica objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, é evidente que deveria o pedido de revisão oficiosa previamente apresentado pelo ora Requerente ter sido julgado integralmente procedente, por se mostrar ilegal o ato de retenção na fonte de IRC incidente sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2020 por violação do princípio do primado consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o que motivará a integral procedência do presente pedido arbitral, concluindo-se pela anulação do ato tributário ora sindicado e pelo direito do Requerente à restituição do imposto indevidamente suportado, acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos nos termos do artigo 43.º da LGT, tudo com as demais consequências legais.
	Nestes termos, solicita o Requerente que seja concedido provimento ao presente pedido de pronúncia arbitral, determinando-se, em consequência:
	A anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa previamente apresentado pelo Requerente;
	Em virtude da procedência do pedido acima, a anulação do ato tributário de retenção na fonte de IRC ora sindicado por vício de violação de lei, em concreto por violação do Direito Comunitário e da CRP.
	O reconhecimento do direito do Requerente à restituição da quantia de 22.384,90 euros, relativa a retenção na fonte de IRC suportada em Portugal sobre dividendos distribuídos no ano de 2020, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF, tudo com as demais consequências legais, mormente o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT;
	Com a procedência dos pedidos formulados, a condenação da Autoridade Tributária no pagamento das custas de arbitragem.
	 
	O Requerente juntou quatro documentos, procuração e substabelecimento.
	 
	 
	     C. RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS                              
	                    
	Notificada para responder, a Requerida veio defender-se por impugnação, requerendo a improcedência do pedido de anulação do indeferimento da revisão oficiosa e, consequentemente a manutenção do acto de liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral e, em sede de alegações, deduziu a excepção de inimpugnabilidade do acto tributário de retenção na fonte, nos termos seguintes:
	 Depois de invocar uma questão prévia, alegando que o Requerente não fez prova de que é um OIC e, também, não comprova que lhe foi conferida uma isenção e que não consegue recuperar o imposto pago a título de crédito por dupla tributação internacional, ou através de qualquer pedido de reembolso, os impostos suportados ou pagos no estrangeiro.
	Defende-se por impugnação, dizendo o seguinte:
	 - A título prévio, sempre se dirá que, sendo o Requerente um organismo de investimento coletivo e um sujeito passivo não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável, deverá o peticionado ser julgado improcedente, pelo que se impugna todos os factos alegados pelo Requerente, por não corresponderem à verdade ou por deles não se poder retirar o efeito jurídico almejado pela Requerente…
	 
	 - Acresce que é sobre o requerente que recaí o ónus de demonstrar os factos constitutivos e legitimadores da sua pretensão, pelo que a falta de demonstração da verificação dos factos por si alegados ter-se-á de resolver contra as suas pretensões processuais.
	 
	 - Não está em causa a bondade nem o acerto da jurisprudência europeia que as Decisões Arbitrais pretendem seguir de perto e cuja aplicabilidade em abstrato à situação alegada pelo requerente é inquestionável. 
	 
	 - Sucede que, a nosso ver, o requerente não logrou fazer a prova dos factos por si alegados e, nessa medida, fica prejudicada a subsunção dos factos efetivamente demonstrados aos referidos princípios e normas jurídicas do Direito da União, referindo em abono desta posição um voto de vencido numa decisão arbitral do CAAD.
	 
	 - Mais alegou que importa referir que a situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável e que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas.
	 
	 - Atendendo a que é o Estado de residência que dispõe de toda a informação necessária para aferir um correto enquadramento contributivo e da sua capacidade contributiva global, a situação de um residente é, com certeza, distinta da de um não residente. 
	 
	 - Deste modo, tem o TJUE entendido que o facto de determinado Estado-membro não conceder a não residentes certos benefícios fiscais que concede a residentes, apenas pode ser discriminativo, na medida em que residentes e não residentes não se encontram numa situação comparável.
	 
	 - No mesmo sentido, está o Acórdão Truck Center (C-282/07, de 22-12-2008), “cuja conclusão foi a de que sujeitos passivos residentes e não residentes não se encontram numa situação objectivamente comparável”. 
	 
	 - Pode assim dizer-se que, o princípio da não discriminação atende à necessidade de conferir tratamento igual ao que é igual e diferente àquilo que é diferente, na medida dessa diferença.
	 
	 - De facto, resulta da jurisprudência do TJUE que determinada norma ou prática pode ser discriminatória, entrando em conflito com o Direito Comunitário, se não for objetivamente justificada.
	 
	 - Ora, no caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português. 
	 
	 - Veja-se, aliás, que nos Acórdãos Bachman (C-204/90) e Comissão/Bélgica (C-300/90), e embora essa jurisprudência tenha sido objeto de aperfeiçoamento em decisões mais recentes, um tratamento discriminatório de entidades não residentes foi permitido pela razão de interesse geral e a coerência do sistema fiscal nacional.
	 
	 - Ainda no Acórdão Marks & Spencer (C-446/03), o TJUE concluiu que a residência pode constituir um fator justificador das normas fiscais que implicam uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes e não residentes.
	 
	 - Aliás, “o TFUE refere expressamente que “a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros (art. 63º, nº 1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de “Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido” [art. 65º, nº 1, alínea a), do TFUE] ”(Acórdão do STA 01435/12, de 20/02/2013).
	 
	 - Também o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no âmbito do Processo nº 0654/13, de 27 de Novembro referiu que “Resulta da jurisprudência comunitária que embora da legislação nacional decorra, em abstracto, uma restrição à livre circulação de capitais não consentida pelo art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia (actual art. 63º TFUE), importa averiguar se essa restrição, consubstanciada em maior tributação de entidade não residente, será neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.”
	 
	 - Deste modo, e como se referiu, o Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artigos 5º, 8º e 10º do CIRS, conforme prevê o nº 3 do artigo 22º do EBF a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, conforme nº 6 da mencionada norma legal.
	 
	 - Contudo paralela a esta opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC.
	 
	 - Ou seja, optou-se por uma tributação na esfera do Imposto do Selo tendo sido aditada, à TGIS, a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos.
	 
	 - Esta reforma na tributação veio apenas a incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.
	 
	 - Por outro lado, está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º, do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação e disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. 
	 
	 - Por isso, no presente caso, não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela requerente. 
	 
	 - E ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores. 
	 
	 - Ou seja, a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir, em nossa opinião, por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois como se viu embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros Estados Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis. 
	 
	 - E não sendo as situações comparáveis parece difícil de aceitar o argumento da requerente de que a legislação nacional e particularmente o artigo 22.º do EBF está em desconformidade e contrariaria o disposto no TFUE, nomeadamente, quanto à liberdade de circulação de capitais, tendo em apreço a proibição geral de discriminação face a uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do referido TFUE.
	 
	 - Conforme antedito, não compete à Administração Tributária avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, não podendo aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.
	 
	 - A administração tributária não pode deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada, como qualquer órgão da Administração Pública, encontra-se estritamente vinculada ao cumprimento da lei, de acordo com o artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável subsidiariamente às relações jurídico-tributárias [ex vi do artigo 2.º alínea c) da LGT..
	 
	 - O TJUE tem sucessivamente acolhido e sublinhado o valor enumerativo e indicativo, mas não exaustivo, da Diretiva n.º 88/361/CEE, incluindo o respetivo Anexo I, nomeadamente o número IV, onde se subsumem ao conceito uma vasta constelação de operações e transações transfronteiriças sobre certificados de participação em organismos de investimento coletivo, em que se incluem os relevantes in casu. 
	 
	 - Com efeito, a distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal ao ora Requerente é passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE e da própria Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho de 1988. 
	 
	 - Devem ser salientados, porque se revestem de grande relevância hermenêutica e metódica, pelo menos quatro aspetos fundamentais de regime jurídico. 
	 
	 - O primeiro diz respeito à aplicabilidade direta do artigo 63.º TFUE e da inerente proibição de restrições injustificadas da liberdade de circulação de capitais. 
	 
	 - O segundo refere-se ao facto de as liberdades fundamentais do mercado interno terem como principais destinatários os Estados-Membros, que devem abster-se de adotar medidas legislativas, administrativas e jurisdicionais de restrição das mesmas.
	 
	 - O terceiro aspeto prende-se com a relação de complementaridade – e por vezes de sobreposição – que a liberdade de circulação de capitais estabelece com as liberdades de circulação de mercadorias e de pessoas, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços.
	 
	 - O quarto aspeto tem que ver com o reforço progressivo da importância da liberdade de circulação de capitais no mercado interno, especialmente a partir da criação da União Económica e Monetária (UEM).
	 
	 - Um dos principais objetivos da UEM consiste, precisamente, em facilitar a livre transferência de capital entre os Estados-Membros no quadro do mercado interno e das relações económicas e financeiras com Estados terceiros.
	 
	 - A criação de um mercado interno supõe, por definição, a gradual e efetiva abolição dos diferentes mercados nacionais, em favor de um único mercado interno, de forma a potenciar o crescimento económico à escala europeia através da mais fácil disponibilização de capital. 
	 
	 
	 - No âmbito da apreciação da conformidade das normas do Código do IRC e do EBF, atinentes aos dividendos com o princípio da liberdade de circulação de capitais, a Requerente convoca o artigo 63.º do TFUE que estabelece o seguinte: “1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros” 2.”No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as retenções aos pagamentos entre Estados-Membros e países terceiros.” 
	 
	 - Por sua vez, prescreve o Artigo 65.º do TFUE:
	«1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:
	a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
	b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
	2 - (…)
	3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º» 
	 
	 - Ora, o artigo 63.º do TFUE visa assegurar a liberalização da circulação de capitais dentro do mercado interno europeu e entre este e países terceiros, portanto, proíbe qualquer restrição ou discriminação que resulte do tratamento fiscal diferenciado concedido pelas disposições da lei nacional a entidades de Estados-membros ou de países terceiros que crie condições financeiras mais desfavoráveis a estes últimos e seja suscetível de os dissuadir de investir em Portugal. 
	 
	 - No entanto, para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos.
	 
	 - Além do mais, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera da Requerente, bem como na esfera dos investidores.
	 
	 - A verdade é que o Requerente não esclareceu/provou (apenas alegou) se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera do próprio Requerente ou dos investidores.
	 
	 - Assim, contrariamente ao afirmado pelo Requerente, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelo Requerente, antes, pelo contrário. 
	 
	 - Pois bem, o Requerente insiste na ideia de que a AT deveria aplicar a norma jurídica do artigo 63.º do TFUE em conformidade com as interpretações do TJUE proferidas até à presente data, todavia, isso equivale a remeter para a doutrina dos acórdãos que só pode ser entendida atendendo às circunstâncias dos casos concretos submetidos àquele Tribunal.
	 
	 - E a prova é a de que o intérprete só pode vincular-se às decisões do TJUE, quando delas resultem orientações claras, precisas e inequívocas e que tenham resultado da apreciação da conformidade com o Tratado de realidades factuais e normativas idênticas, o que não sucede com as realidades subjacentes aos acórdãos relativos a processos que envolvem fundos de investimento.
	 
	 - Ora, a jurisprudência do TJUE não autoriza o intérprete a extrair a conclusão, em abstrato, de que a mera existência de uma retenção na fonte de IRC incidindo apenas sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um Fundo de Investimento estabelecido noutro Estado-Membro constitui por si só uma restrição à livre circulação dos fluxos de capital no espaço europeu, sem que seja feita uma apreciação global do regime fiscal aplicável aos Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos em Portugal. 
	 
	 - Para efeitos de averiguar, em concreto, se as situações objetivas dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e dos Fundos de investimento estabelecidos noutros Estados-Membros são comparáveis, no tocante à tributação dos dividendos distribuídos por uma sociedade residente, necessário se torna comparar a carga fiscal que onera uns e outros em relação ao mesmo tipo de investimentos.
	 
	 - Só deste modo será possível concluir se a desvantagem de cash-flow criada pela retenção na fonte de IRC, aos fundos de investimentos estabelecidos noutros Estados-Membros da UE, cria um obstáculo ao acesso ao mercado financeiro nacional, colocando-os numa situação desfavorável quando comparada com a situação tributária aplicada aos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF.
	 
	 - Para avaliar se a legislação nacional aplicável aos OIC constituídos e estabelecidos em Portugal é discriminatória relativamente ao tratamento dos fundos de investimentos de outros Estados-Membros não basta olhar apenas o n.º 10 do artigo 22.º do EBF, pois, mesmo quando o que é sindicado é a tributação incidente sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um fundo de investimento estabelecido num estado membro, impõe-se levar em conta todos os ónus fiscais incidentes sobre tais rendimentos e sobre os ativos (in casu, ações) que lhe dão origem. 
	 
	 - Deste modo, embora sobre os dividendos pagos por sociedades residentes aos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF não exista a obrigação de retenção na fonte (cf., n.º 10 do mesmo artigo), a verdade é que estão sujeitos a uma tributação autónoma, à taxa de 23%, por aplicação conjugada do n.º 11 do artigo 88.º do Código do IRC e do n.º 8 do mesmo artigo 22.º do EBF, exceto se as correspondentes ações forem detidas, de modo ininterrupto, por período igual ou superior a um ano.
	 
	 - Acresce que as ações integram o património dos OIC e, caso os rendimentos provenientes dos dividendos sejam capitalizados, i.e., reinvestidos pelo Fundo, entram para o cálculo do valor tributável em Imposto do Selo, nos termos definidos no n.º 5 do artigo 9.º do Código do Imposto do Selo.
	 
	 - Consequentemente, reitera-se que, para avaliar se da legislação nacional resulta um tratamento discriminatório dos fundos de investimento de outros Estados-Membros contrário ao TFUE, por constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais, a análise não pode cingir-se à consideração estrita das regras de retenção na fonte, há que atender à carga fiscal a que estão sujeitos os OICs abrangidos pelo artigo 22.º do EBF relativamente aos dividendos e às correspondentes ações, pois, só com esta visão global pode concluir-se com um mínimo de segurança que os fundos estrangeiros que investem em ações de sociedades residentes em Portugal são colocados numa situação mais desfavorável. 
	 
	 - Atente-se que a pretensão do Requerente é demonstrar que a legislação nacional gera uma diferença de tratamento dos Fundos de Investimento estrangeiros suscetível de os dissuadir de realizarem investimentos em Portugal, em razão de serem sujeitos a uma carga fiscal superior que lhes reduz a sua capacidade de mobilização de capitais para investimento e a rendibilidade a proporcionar aos investidores.
	 
	 - Pois bem, a carga fiscal que pode recair sobre os dividendos e as correspondentes ações dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, seja de IRC, tributações autónomas ou de Imposto do Selo, também tem um impacto negativo na capacidade financeira dos mesmos e nas taxas de rendibilidade dos investimentos, que, como se viu, no exemplo supra, pode exceder o imposto retido na fonte sobre os dividendos auferidos por Fundos de investimento de outros Estados-Membros.
	 
	 - Recorda-se que no Acórdão do TJUE Comissão/Portugal, processo C-493/09, de 11.10.2009, é reconhecido que: 
	«31. A referida diferença de tratamento não existe todavia quando os dividendos pagos por uma sociedade residente são provenientes de partes sociais que não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo durante o ano que precede a data da sua colocação à disposição. Com efeito, por força do artigo 88.º, n.º 11, do CIRC, a isenção prevista no artigo 16., n.º 1, do EBF não é aplicável nestas condições, de modo que o IRC incide sobre estes dividendos independentemente do local de residência do fundo de pensões ao qual são pagos.».
	 
	 - Reitera-se, pois, que a análise da comparabilidade entre a carga fiscal a que se encontra sujeita oRequerente relativamente aos dividendos pagos por uma sociedade residente em território português e a carga fiscal que pode incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF exige que sejam tidas em consideração todas as formas de tributação que podem ser aplicadas aos dividendos e às correspondentes ações.
	 
	 - Só assim, é possível concluir se existe uma discriminação negativa dos fundos de investimento com as características da Requerente, que resulte numa desvantagem suscetível de constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE. 
	 
	 - E, portanto, o que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas, a que não corresponde uma discriminação em substância, conforme supra referido.
	 
	 - Aliás, o Requerente ao analisar a desconformidade da legislação nacional com o artigo 63.º do TFUE, centra-se exclusivamente nos n.ºs 1 e 3 do artigo 22.º do EBF, que estabelece a isenção de retenção na fonte, o que revela uma visão parcial do regime de tributável aplicável aos OIC abrangidos por este dispositivo legal.
	 
	 - Pois, se Requerente tivesse sido constituída ao abrigo da legislação nacional, não teria incidido qualquer retenção na fonte em sede de IRC sobre os dividendos auferidos, mas poderia ter incidido a tributação autónoma, à taxa de 23%, e, eventualmente, o imposto do selo previsto na Verba 29 da TGIS.
	 
	 - Portanto, em lugar de se acentuar a discriminação existente no Estado de residência fiscal do credor dos rendimentos, será mais acertado falar em diferentes modalidades de tributação que até pode redundar, em certos casos, numa carga fiscal menor dos dividendos auferidos em Portugal por Fundos de Investimento constituídos ao abrigo da legislação de outros Estados-Membros da UE.
	 
	 - Reforce-se que, ao extrair conclusões de decisões do TJUE, não deve olvidar-se que o Tribunal se debruça sobre casos concretos que lhe são submetidos pelos tribunais nacionais por reenvio prejudicial, pelo que as factualidades subjacentes e as circunstâncias que envolvem esses casos tem uma importância primordial na formação das decisões. 
	 
	 - É, assim, arriscado e prematuro retirar conclusões gerais que são dirigidas a resolver casos concretos, o que justifica que a AT se considere inibida de transpor para os casos que lhe são submetidos de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu. 
	 
	 - Ora, não ressalta dos Acórdãos suprarreferidos que os Fundos de Investimento estejam sujeitos a qualquer forma de tributação sobre os dividendos distribuídos por sociedades de outros Estados-Membros. 
	 
	 - Deste modo, reitera-se que se reputa de ligeira e simplista a conclusão de que o regime de tributação dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF se mostra contrária ao Direito da União Europeia e que contraria as disposições do TFUE relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como relativas à livre circulação de capitais, porquanto, se baseia apenas no n.º 3 dessa disposição, alheando-se do disposto no n.º 8 do mesmo preceito, bem como da tributação em Imposto do Selo. 
	 
	 - Assim, um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa e um Fundo de Investimento constituído ao abrigo das normas de outro Estado Membro, não estão em situações comparáveis para efeitos de averiguar se existe um tratamento discriminatório em termos fiscais e uma clara restrição à liberdade de circulação de capitais.
	 
	Quanto ao pedido de juros indemnizatórios inexistindo qualquer ilegalidade sobre os atos impugnados, não há, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
	 
	 - Com efeito, sobre este assunto, transcreve-se o resumo do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 30 de janeiro 2019, proferido no âmbito de recurso para Uniformização de Jurisprudência (Proc. 0564/18.2BALSB):
	“Para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT) e não poder deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP)”.
	 
	Nestes termos, deve a Requerida ser absolvida da instância, caso assim não se entenda, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, com todas as devidas e legais consequências.
	 
	Juntou o Processo administrativo
	 
	Em sede de alegações, a Requerida veio invocar a excepção de inimpugnabilidade do acto tributário de retenção na fonte, nos seguintes termos:
	 - O Requerente apresentou o pedido de RO a 21-05-2024, sendo que, o prazo de apresentação do pedido de reembolso relativamente aos rendimentos auferidos e sujeitos a retenção na fonte, nos termos do artigo 98.º, n.º 7 do Código do IRC, precludia “no prazo de dois anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto gerador do imposto”, ou seja, a 31-12-2022.
	 - Pelo que, quanto aos rendimentos e retenção na fonte de 2020, o prazo havia precludido e o pedido seria sempre considerado intempestivo.
	 - Note-se que o regime do artigo 98.º, n.º 7 do Código do IRC é especial em relação ao consagrado nos artigos 132.º da LGT e 137.º do Código do IRC, previsto para a generalidade de retenções na fonte.
	 - Ou seja, o legislador criou um sistema específico de reembolso de retenções na fonte com dois anos de prazo, já a pensar exatamente no facto de que iria ser dirigido a não residentes.
	 - Ora, o prazo de quatro anos a favor do contribuinte por erro imputável aos serviços visou repor uma situação de igualdade entre a administração e os contribuintes, apenas para os casos em que o prazo de reclamação era de apenas 4 meses, atualmente 120 dias.
	 - Criar uma extensão de dois anos de prazo, por aplicação analógica de uma previsão genérica, estando em causa uma norma especial, em que não ocorre qualquer tipo de analogia, uma vez que os contribuintes não residentes já detêm um prazo especialmente fixado em dois anos, viola os princípios da legalidade, e da certeza e da segurança jurídica.
	 - Ou seja, atendendo o termo do prazo de entrega do imposto retido pelas guias dos períodos identificadas nos autos sempre se dirá que, o prazo previsto no n.º 1 do art.º 78.º da LGT para o pedido por iniciativa do requerente já se encontrava ultrapassado, em relação às guias submetidas nos períodos de 2010, na medida em que, tratando-se do (i) substituído tributário, (i) tendo a retenção na fonte sido efetuada a título definitivo e, (iii) tendo invocado retenção indevida de imposto, é de aplicar o disposto no n.º 3 do art.º 137.º do CIRC (norma especial face ao art.º 132.º n.ºs 3 e 4 do CPPT)
	 - Em abono do alegado, a Requerida invoca jurisprudência deste CAAD.
	Conclui, pedindo que seja julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário impugnado e absolvendo-se a Requerida de todos os pedidos
	 
	      D. RESPOSTA DO REQUERENTE À EXCEPÇÃO
	 -  A Requerida suscita, nas suas alegações, a exceção de inimpugnabilidade do ato de retenção.
	 - E fá-lo porque, segundo se compreende, considera que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado após o prazo de dois anos para apresentação de reclamação graciosa, sendo a (alegada) intempestividade o fundamento para a inimpugnabilidade. 
	 - Para sustentar a sua posição, a Requerida cita uma decisão arbitral deste CAAD e um voto de vencido da decisão de um outro processo arbitral do CAAD..
	 - Porém, esta questão tem sido decidida unanimemente em casos em tudo semelhantes pelo STA (vejam-se, entre outros, os acórdãos do STA no processo n.º 087/22.5BEAVR, de 09.11.2022, no processo n.º 0565/07, de 14.11.2007, no recurso n.º 26233, de 12.12.2001, no recurso n.º 1460/02, de 25.03.2005, recurso n.º 1461/02, de 19.02.2003, recurso n.º 1771/02, de 02.04.2003, recurso n.º 422/03, de 09.04.2003). 
	 - Ora, o artigo 78.º da LGT prevê a revisão do ato tributário por iniciativa: 
	(i)          do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade; ou, 
	(ii)        da AT, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços
	 - Como pode ler-se no acórdão do STA no processo n.º 087/22.5BEAVR, de 09.11.2022 “[o] meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação)”
	 - Ainda, como assevera a Conselheira Isabel Marques da Silva em acórdão de 09.12.2021, processo n.º 0706/11.9BELRS: “É assim jurisprudência reiterada e pacífica do STA, segundo a qual, tal como a administração tributária pode, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art.º 78º da Lei Geral Tributária) também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamentos (cfr. Acórdãos do STA com os números 0140/13, de 29.05.2013, 476/12 de 12.09.2012, 259/12 de 14.06.2012, 1007/11 de 14.03.2012)”.
	 - De igual forma, como assinalou o STA em acórdão de 14.11.2007, no processo n.º 0565/07, “[c]omo se vê, a questão de saber se se pode pedir a revisão de um acto tributário de retenção na fonte, sem primeiramente deduzir reclamação graciosa, tem resposta afirmativa no aresto acabado de reproduzir. A questão de saber se se pode impugnar o indeferimento de pedido de revisão de idêntico acto, sem primeiramente se reclamar, deve ter resposta idêntica, desde logo porque, como se diz no mesmo citado acórdão, «o pedido de revisão por iniciativa do contribuinte configura (...) uma verdadeira reclamação»”.
	 - Esta previsão não significa, no entanto, que os sujeitos passivos não possam, no prazo da revisão oficiosa aplicável à AT, solicitar a esta entidade que tome a iniciativa de a realizar.
	 - Tal resulta, desde logo, dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, inscritos no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. 
	 - Nas palavras de Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “o dever de a Administração concretizar a revisão de actos tributários, a favor do contribuinte, quando detectar uma situação desse tipo por sua iniciativa ou do contribuinte, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei” (in Lei Geral Tributária Anotada e comentada, pág. 704).
	 - Em termos jurisprudenciais, tem sido aceite, com relevante unanimidade, que o pedido de revisão oficiosa pode ser espoletado, no prazo de quatro anos, pelo próprio contribuinte e com fundamento em qualquer ilegalidade.
	 - Assim, defendeu o Venerando STA, em acórdão proferido no processo n.º 402/06, de 17.02.2006 que, “Mesmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Administração Tributária tem o dever de revogar actos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no art. 78.º da L.G.T. 
	II - O dever de a Administração efectuar a revisão de actos tributários, quando detectar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei.
	III - A revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efectuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, mas, como se conclui do n.º 7 (anterior nº 6) do art. 78º da L.G.T., o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que Administração tributária o pode exercer.
	IV - O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em que não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa mas dentro dos limites temporais em que a Administração tributária pode rever o acto com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da L.G.T.]. 
	V - A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do art. 152.º do CPT (ou 132.º do CPPT), pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial.”
	 - Em Acórdão datado de 14.03.2012, o STA afirma de forma absolutamente cristalina que “[c]om efeito, no caso vertente, em que o pedido de revisão teve por objecto um acto de liquidação que o sujeito passivo reputa de ilegal – por, na sua perspectiva, ter sido emitido ao abrigo de uma errada interpretação e aplicação do Direito aplicável, com desacertada aplicação aos factos relevantes – nada impede que ele possa, no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou, caso o tributo não tenha ainda sido pago, a todo o tempo), solicitar à Administração que reveja oficiosamente esse acto, ficando com isso investido de um direito a uma decisão sobre o pedido formulado.” (vd, acórdão proferido no recurso n.º 1007/11).
	 - No mesmo Acórdão, o STA conclui que “[a] revisão do acto tributário por «iniciativa da administração tributária» pode ser efectuada «a pedido do contribuinte», como resulta do artigo 78.º, n.º 7 da LGT e do artigo 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT, bem como dos princípios da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade – artigo 266.º, n.º 2 da CRP. E o «erro imputável aos serviços» constante do artigo 78.º, n.º 1, in fine, da LGT compreende o erro de direito e não apenas o lapso, erro material ou erro de facto, como aliás veio esclarecer o n.º 3 do artigo 78.º da LGT, na redacção introduzida pelo artigo 40.º da Lei n.º 55-B/04, de 30 de Dezembro.” (idem).
	 - No mesmo sentido vai o acórdão proferido pelo STA em 03.06.2020, no processo n.º 095/18, quando refere que “Na verdade e como bem se discorre na sentença (…), o procedimento de revisão dos actos tributários, previsto no art.78° da Lei Geral Tributária, é específico da Administração Tributária e de natureza oficiosa, independentemente de ter lugar por sua iniciativa ou a pedido do interessado, bem como do resultado da revisão, constituindo-se simultaneamente numa garantia e num direito, relativamente os actos tributários finais ou intermédios, negativos ou positivos, neste sentido”. 
	 - Aliás, já no âmbito do CPT (cujo artigo 94.º tinha um âmbito mais restrito que o atual artigo 78.º da LGT), aquele Venerando Tribunal afirmava inequivocamente que: “[p]ermitindo a lei a revisão do acto tributário, não é possível falar-se de uma estabilização definitiva dos efeitos do acto tributário sem que todos os prazos da sua reclamação, pedido de revisão oficiosa judicial, de revisão e de recurso contencioso estejam esgotados. Mesmo quando oficiosa, a revisão do acto tributário pode ser impulsionada por pedido dos contribuintes, tendo a administração tributária o dever de proceder a ela, caso se verifiquem os respectivos pressupostos legais.” (ver acórdão do STA datado de 20.03.2002, recurso n.º 26580).
	 - Assim, o mesmo Venerando STA já se pronunciou de forma clara, afirmando que “[n]a verdade, é hoje pacífico que a revisão prevista no art. 78.º da LGT constitui um poder-dever da AT, à qual se impõe, por força dos princípios justiça, da igualdade e da legalidade dos impostos, que a AT está obrigada a observar na sua actividade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e art. 55.º da LGT), que não exija dos contribuintes senão o imposto resultante dos termos da lei; e é também jurisprudência consolidada, que, tal como a AT deve, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário (no prazo de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, como decorre do n.º 1 do art. 78.º da LGT), com fundamento em erro imputável aos serviços, também o contribuinte pode, dentro dos mesmos prazos, pedir que seja cumprido esse dever (Cfr. RUI DUARTE MORAIS, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, 28.5, págs. 212 a 214.) (Por mais recente, e com indicação de numerosa jurisprudência, vide o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 793/14” – cfr. Acórdão do STA, de 04.05.2016, no processo n.º 0407/15.
	 - Neste sentido, vide ainda Acórdão do STA, de 06.02.2013 no processo n.º 0839/11: “O facto de não terem sido accionados os referidos mecanismos de efectivar a limitação ou exclusão do imposto, nem terem sido impugnados (administrativa ou judicialmente) as respectivas liquidações nos termos e prazos previstos na lei (art.º 132º do CPPT), não obsta à posterior dedução de pedido de revisão oficiosa dessas liquidações nos termos e prazos previstos no art.º 78º da LGT, pois que o dever de a Administração Tributária efectuar a revisão existe em relação a todos os tributos e formas de liquidação”.
	 - No que respeita ao fundamento da revisão do ato tributário por iniciativa da AT, determina o artigo 78.º, n.º 1 da LGT que a mesma deverá ocorrer tendo por base “erro imputável aos serviços”.
	 - Veja-se, ainda a este propósito, a jurisprudência arbitral mais recente, 
	 - Decorre, ainda, do acórdão do STA de 12.12.2001, tirado no âmbito do recurso n.º 26233 que “esta imputabilidade aos serviços é independente de culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro (…) a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266º, nº 1 da CRP e 55º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços” 
	 - Neste sentido, veja-se o acórdão do STA, de 12.11.2009, proferido no processo n.º 681/2009, onde se afirma que a “letra da lei, ao referir a imputabilidade do erro aos serviços, aponta manifestamente no sentido de poder servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado, como aliás é admitido em geral (…). A administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei [artigos 266, n.º 1, da CRP, 17.º, n.º 1, alínea a) do CPT e 55.º da LGT], pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que as integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”.
	Neste sentido, veja-se também o acórdão do TCA Sul, de 31.01.2019, no processo n.º 1058/10.0BELRS, onde pode ler-se o seguinte:
	“A revisão oficiosa do acto de retenção na fonte pode ser solicitada pelo contribuinte, com base em erro de direito imputável aos serviços, no prazo de quatro anos a contar da data do acto tributário”. 
	 
	 - O STA também já defendeu expressamente que “[e]m face do princípio da equivalência dos meios processuais (implicando que às entidades não residentes devam ser asseguradas as mesmas possibilidades legais que às entidades residentes), o estabelecimento do prazo de 2 anos, previsto no nº 1 do art. 89º do CIRC (a que corresponde o actual art. 95º do mesmo diploma) para pedir o reembolso do montante retido na fonte, por uma sociedade não residente, após ter reunido o requisito temporal de detenção da participação social em momento posterior à distribuição dos lucros e consequente tributação por retenção na fonte, não impede que esta lance mão do pedido de revisão oficiosa ao abrigo do disposto no art. 78º da LGT, verificados que estejam os respectivos pressupostos.” – Acórdão n.º 01458/13, de 14.05.2014.
	 - Assim, em harmonia com a jurisprudência já existente sobre o tema em situações semelhantes, a revisão oficiosa do ato de retenção na fonte pode ser solicitada pelo contribuinte, com base em erro de direito imputável aos serviços, para além do prazo previsto no artigo 131.º do CPPT, e, em concreto, no prazo de quatro anos a contar da data do ato tributário, i.e., a contar da data da retenção.
	 - Face ao exposto, estando em causa uma retenção na fonte a título definitivo pelo substituto fiscal, o erro sobre os pressupostos de direito dessa retenção na fonte é suscetível de configurar erro imputável aos serviços para efeitos da apresentação, no prazo de 4 anos, de pedido de revisão oficiosa dos atos tributários, conforme expressamente decidido pelo STA, nomeadamente no acórdão tirado no processo n.º 087/22.5BEAVR, de 09.11.2022.
	 - Do acima exposto, resulta que é jurisprudência unânime e reiterada que a circunstância de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação do ato de liquidação, não obsta a que seja pedida a respetiva revisão oficiosa e seja impugnado contenciosamente o eventual ato de indeferimento desta.
	 - Sendo inequívoco que “[o] artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa” (cfr. acórdão do TCAS de 13.12.2019, processo n.º 111/18.6BCLSB).
	 
	 - A este respeito, recorde-se que “o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária” (cfr. acórdão do TCAS de 27.04.2017, processo n.º08599/15).
	 
	 - “Sendo certo que”, como conclui o douto TCAS no acórdão acima citado, “nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. (Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07)” (idem).
	 
	Pelo acima exposto não pode proceder a exceção invocada.
	 
	 
	E: QUESTÕES A DECIDIR 
	            Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, são as seguintes as questões, que cabe apreciar e decidir:
	1. Se, no caso de retenção na fonte a título definitivo, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é susceptível de configurar erro imputável aos serviços para efeitos de apresentação no prazo de quatro anos do pedido de revisão desse acto tributário, nos termos do nº 1 do art. 78º da LGT
	2. Se, a legalidade do acto tributário de retenção depende de se saber se o regime especial de tributação previsto no art. 22º do EBF para as OIC constituídas de acordo com a lei nacional, interpretado no sentido de excluir as OIC de um País de um Estado-Membro da EU, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais, consagrado no art. 63º do TFUE.
	2. E, complementarmente, no caso de o Tribunal Arbitral condenar a Requerida, se haverá lugar à restituição do montante pago e ao pagamento de juros indemnizatórios, e desde quando.
	 
	     E. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS 
	        - O Tribunal Arbitral é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º, nº 1, do RJAT.
	         - As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
	         - O processo não enferma de nulidades.
	         - Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa 
	        Tudo visto, cumpre proferir 
	 
	 II. DECISÃO
	 
	A.    MATÉRIA DE FACTO
	 
	A.1. Factos dados como provados
	       Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:
	 
	1 - O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal irlandês, uma entidade jurídica de direito irlandês, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na República da Irlanda, constituída sob a forma contratual e não societária.
	 
	 2 - O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país, sendo o contribuinte fiscal nº ... .
	 
	 3 - O Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.
	 
	4 - No ano de 2020, o Requerente era detentor de participações sociais na seguinte sociedade residente em Portugal 
	 
	 
	 
	 5 - Neste ano, o Requerente, na qualidade de acionista desta sociedade residente em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos.
	 
	6 - Os dividendos recebidos no decorrer do ano de 2020, foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC (“CIRC”).
	 
	 7 - Assim, no ano em causa, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte, no montante total a seguir discriminado:
	
		
			| 
					Ano da Retenção | 
					Valor Bruto do Dividendo | 
					Data de Pagamento | 
					Taxa de Retenção na Fonte | 
					Guia de pagamento | 
					  
					Valor da retenção (€) | 
		
			| 
					202 | 
					89 539,62 | 
					21.05.2020 | 
					25% | 
					… | 
					22 384,90 | 
		
			| 
					TOTAL | 
					22 384,90 | 
	
	 
	 
	 
	 
	 
	 
	 
	 
	8 – No dia 21.05.2024, o Requerente apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 78º da LGT, pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade do referido ato de retenção na fonte de IRC relativo ao ano de 2020, na qual solicitou a anulação do mesmo por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto suportado em Portugal.
	 
	9 – No dia 02.01.2025, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento desta revisão oficiosa, tomada em 30.12.2024.
	 
	10 – No dia 20.12.2024, o Requerente apresentou o presente PPA.
	   
	A.2. Factos dados como não provados 
	        Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados
	. 
	A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada 
	           Os factos dados como provados estão baseados no processo administrativo, nos documentos indicados relativamente a cada um deles e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não tenha sido questionada, ou a Requerida os tenha admitido nos termos em que impugnou o PPA.
	 
	B.    DO DIREITO 
	 Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.
	As orientações arrogadas pelo Requerente e pela Requerida e a sua fundamentação estão expostas no Relatório desta Decisão Arbitral, para os quais se remete.
	Comecemos pela excepção invocada de inimpugnabilidade do acto de retenção na fonte praticado em 2020, por o pedido de revisão oficiosa não ter sido apresentado  no prazo de dois anos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto gerador do imposto, invocando o preceituado no art. 98º, nº 7 do CIRC.
	No caso em apreço, estamos perante retenção na fonte a título definitivo pelo substituto fiscal, e o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção na fonte é suscetível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do n.º 1 do artigo 78º da LGT. Esta é também a posição jurisprudencialmente dominante, ainda que com nuances, ao nível da fundamentação.
	O Acórdão do STA, de 9/11/2022, proferido no âmbito do processo n.º 087/22087/22.5BEAVR sustentou que “assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é suscetível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do n.º1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária”, esclarecendo que se justifica «igualmente nestas situações que os erros praticados no ato de retenção sejam imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 78º da LGT, pois está fora de questão responsabilizar o contribuinte pela atuação do substituto, sob pena de violação dos seus direitos garantísticos».
	Na mesma linha, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de março de 2023, processo 02087/15.2BEPRT, que «os atos de retenção na fonte devidamente comunicados aos serviços da administração tributária competente cabem no conceito de «atos de liquidação» para os efeitos da sua impugnação administrativa e da segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária em particular», explicando que  «não faria sentido algum que o legislador alargasse o direito à revisão aos atos de autoliquidação e deixasse de fora os atos de retenção na fonte, praticados por alguém que não é administração e que se substitui ao contribuinte».
	Por outro lado, como também se refere neste mesmo aresto, «a revisão dos atos tributários não é um meio excecional de defesa contra os atos tributários, mas um meio alternativo ou complementar dos meios administrativos ou contenciosos» e «não é pelo facto de o artigo 137.º, n.º 2, referido não fazer referência à revisão dos atos de retenção na fonte que se deve concluir que o contribuinte não possa recorrer a este meio de defesa».
	Ainda na mesma linha, relativamente a actos de autoliquidação em que o contribuinte incorrera em erros, mas com fundamentação que, por maioria de razão, vale para os casos de liquidação por terceiro, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de janeiro de 2015, processo n.º 0843/14, «tratando-se de verdadeira liquidação tributária para todos os efeitos, na medida em que o cidadão é utilizado em funções que lhe não são próprias, mas próprias de um funcionário da Administração Tributária, nos casos em que, ao mencionar os factos ou na subsunção dos mesmos ao direito, incorre em erro, esse erro não pode deixar de considerar-se como erro da própria Administração Tributária».
	 No caso em apreço, não houve qualquer intervenção do Requerente na prática do acto de retenção na fonte, pelo que, desde logo, não há fundamento para considerar que o erro não seja imputável aos «serviços», entendidos como todos os intervenientes na liquidação dos tributos, para além do contribuinte. Por isso, podia ser utilizado o prazo de quatro anos a contar da liquidação, previsto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, para pedir a revisão oficiosa do acto de retenção na fonte praticados em 2019 a 2021, pelo que se considera tempestivo o pedido de revisão oficiosa apresentado e improcedente a exceção por intempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral.
	Relativamente ao mérito, a questão a dirimir no presente processo é a de saber se um ato de retenção na fonte sobre dividendos auferidos por OIC não residente (fundo de investimento com residência fiscal na República da Irlanda) no ano de 2020, à taxa de 25%, enferma ou não de vício de violação legal, considerando o quadro legal previsto no Código do IRC (cfr. artigos 94.º e 87.º do Código do IRC), em contraponto com o artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que determina uma exclusão de tributação sobre dividendos auferidos por OIC residente em Portugal.
	 
	Dado que esta situação é, em tudo, semelhante à  foi objecto do processo de Arbitragem Tributária nº 838/2024-T, de que o signatário foi árbitro singular, seguir-se-á, mutatis mutandis, a fundamentação da Decisão Arbitral que nele foi proferida em 27/12/2024, face à identidade material.
	 
	Assim, a questão em apreciação foi objeto de análise pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), 2ª Secção, no âmbito do Processo C-545/19 (ALLIANZGI-FONDS AEVN/Autoridade Tributária e Aduaneira), o qual teve por base um pedido de reenvio prejudicial apresentado por tribunal arbitral português (processo nº 93/2019-T).
	 
	 A decisão do TJUE, no ponto em análise, dispõe que: “o artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um EstadoMembro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”
	 
	Nesta medida, atento o primado do Direito da União, consagrado entre nós por efeito da cláusula de receção automática prevista no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, estão os tribunais nacionais vinculados a tal interpretação, o que implica a necessária desaplicação do direito interno em caso de esconformidade com o Direito da União Europeia.
	 
	Nesta linha, e num quadro de massificação de contencioso sobre a questão ora em litígio (veja-se, a título meramente exemplificativo, as decisões tomadas nos processos arbitrais n.ºs 471/2024-T, 391/2024-T, 381/2024-T, 368/2024-T, 367/2024-T 306/2024-T, 303/2024-T, 440/2024-T e 838/2024-T, disponíveis em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/), veio, o Supremo Tribunal Administrativo, entretanto, uniformizar jurisprudência,  no âmbito do processo n.º 093/19.7BALSB, em concordância com o entendimento sufragado pelo TJUE, tal como se exigia:
	·       “Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação”
	·       “O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”
	·       “A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.”
	Não resta, portanto, quaisquer dúvidas, razão pela que se dispensa uma excursão adicional de fundamentação, devendo antes seguir-se em toda a linha o itinerário cognoscitivo traçado pelo TJUE e que aqui merece total acolhimento, no quadro de vinculação que constitucionalmente os órgãos jurisdicionais devem à decisão daquele Tribunal e, bem assim, reforçado pela uniformização de jurisprudência emanada do STA, sendo notório que o ato de retenção na fonte ora em apreciação, por se ancorar em normas que violam o princípio da circulação de capitais com previsão legal no artigo 63.º do TFUE – ao tratar a tributação dos OIC não residentes de forma mais gravosa e sem justificação de interesse geral que o permita, quando comparado com a tributação dos OIC residentes – se encontra ferido de vício de violação de lei, tal como lhe é assacado pelo Requerente, razão pela qual deve proceder o presente pedido de pronúncia arbitral.
	 
	Assim sendo, deve ser anulado o acto de indeferimento da revisão oficiosa e, bem assim, o acto tributário de retenção na fonte de IRC, com a consequência da restituição da quantia de IRC indevidamente suportada, por efeito daquele acto.
	 
	Quanto aos juros indemnizatórios:
	Esta matéria está regulada no art. 24.º do RJAT, o qual expressamente determina no seu n.º 1, alínea b) que a decisão arbitral obriga a Administração Tributária, nos casos aí consignados, a “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito”, e preceitua, ainda, no seu n.º 5, que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
	 Também o art. 100.º da LGT, cuja aplicação é autorizada pelo disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, preceitua de modo idêntico, no sentido da imediata reconstituição da legalidade, compreendendo a mesma o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.
	Por seu lado, o art. 43.º, n.º 1, da LGT condiciona o direito a juros indemnizatórios aos casos em que “houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
	Estando em causa uma liquidação e cobrança de imposto em violação do Direito da União Europeia, tal confere ao contribuinte o direito a receber juros indemnizatórios, na senda da jurisprudência pacífica (neste sentido veja-se, para além de decisões arbitrais, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01273/08.6BELRS).
	 
	Importa notar, no entanto, porque num primeiro momento o erro apenas pode ser imputável ao substituto (e não à AT), há que observar o decidido pelo STA no acórdão de uniformização de jurisprudência de 29.06.2022, proferido no processo n.º 093/21.7BALSB: “em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T.”
	 
	E, consequentemente, uma vez que o Requerente pagou a totalidade do liquidado, deverá ser-lhe restituído o imposto indevidamente pago, por força do disposto nos arts. 24º, nº 1, alínea b) do RJAT e 100º da LGT.
	Tem, assim, o Requerente direito não só ao reembolso da quantia paga, mas também a receber juros indemnizatórios sobre a mesma, nos termos das disposições combinadas dos arts. 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT, 100.º e 43.º, n.º 1, ambos da LGT, à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até à efectiva restituição.
	 
	C.    DECISÃO
	 
	Termos em que decide este Tribunal Arbitral: 
	 
	a)    Declarar ilegal o art. 22º, nº 1 do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo as sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia. 
	b)    Julgar procedente o pedido de anulação do acto tributário de retenção na fonte do IRC e proceder à sua anulação, bem como da decisão de indeferimento da revisão oficiosa
	c)     Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia paga, e condenar a Requerida a restituir à Requerente o valor do imposto indevidamente pago, e agora anulado, no montante de 22.384,90 euros, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até integral reembolso.
	d)    Condenar a Requerida nas custas do processo, 
	 
	D.    Valor do processo 
	Fixa-se o valor do processo em 22.384,90 euros, nos termos do artigo 97º-A, nº 1, a), do Código de Procedimentos e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária
	 
	E.    Custas 
	Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.224,00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4º, nº 4, do citado Regulamento.
	 
	Notifique-se. 
	 
	(Esta decisão foi redigida pela ortografia antiga)
	 
	 
	Lisboa, 10 de Outubro de 2025
	 
	 
	O Árbitro  
	 
	(José Nunes Barata)