Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 161/2025-T
Data da decisão: 2025-10-07  IRS  
Valor do pedido: € 435.689,35
Tema: IRS – Residente Não Habitual – Cidadão Americano – Método de Isenção – Rendimentos de Categoria E e G
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Sumário:

1.          O artigo 81.º, n.º 5, alínea a), do Código do IRS, na redação aplicável a factos tributários ocorridos em 2018, 2019 e 2020, isentava de tributação em Portugal os rendimentos de Categoria E, F e G de fonte estrangeira auferidos por residentes não habituais em Portugal desde que as convenções para evitar a dupla tributação aplicáveis atribuíssem ao Estado da Fonte competência (ainda que potencial) para tributar aqueles rendimentos. 

2.          A aplicação da “saving clause” constante da Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de Impostos sobre o Rendimento (doravante, “Convenção”) celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América (doravante, “EUA”) permite a este Estado tributar todos os rendimentos auferidos pelos seus cidadãos não residentes. 

3.          Sendo os cidadãos americanos residentes não habituais em Portugal suscetíveis de ser tributados nos EUA, nos termos da Convenção, os seus rendimentos de Categoria E, F e G de fonte estrangeira ficam isentos de tributação em sede de IRS, de acordo com a alínea a) do n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS, conjugada com a alínea b) do n.º 1 do Protocolo anexo à Convenção celebrada entre Portugal e os EUA 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Carla Castelo Trindade (Árbitra Presidente), Mariana Vargas e João Taborda da Gama (Árbitros Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante, “CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 30 de abril de 2025, acordam no seguinte:

 

I.          RELATÓRIO

1.A..., número de identificação fiscal ..., residente em..., ...-... ..., Évora (doravante, o “Requerente”), veio nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), em conjugação com o artigo 99.º, alínea a), e o artigo 102.º, n.º 1, alínea f), e n.º 2, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, “CPPT”), requerer a constituição do tribunal arbitral, com a intervenção de coletivo, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, a “Requerida” ou “AT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade de parte dos atos de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante, “IRS”) com os n.ºs 2020..., 2021... e 2022..., relativos aos anos de 2018, 2019 e 2020, respetivamente, dos quais resultou um montante total a pagar de € 435.689,35, do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que correu termos sob o n.º ...2022... subsequente e, bem assim, que se determine a condenação da Requerida na anulação dos referidos atos e no reembolso das quantias indevidamente pagas, acrescido de juros indemnizatórios.

2.De acordo com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a) e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. 

3.O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 30 de abril de 2025, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

4.Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta em 9 de junho de 2025.

5.Em 17 de junho de 2025, o Tribunal Arbitral proferiu despacho no qual, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT, dispensou a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT e notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas, direito que a Requerente exerceu em 8 de julho de 2025.

6.          Em 4 de agosto de 2025, o Tribunal Arbitral proferiu despacho solicitando a clarificação do objeto do pedido; o Requerente apresentou requerimento de resposta ao despacho em 12 de julho de 2025 e a Requerida em 18 de setembro de 2025.

7.          Em 12 de agosto de 2025, o Requerente requereu a junção aos autos de documentos, tendo a mesma sido admitida por despacho proferido pelo Tribunal Arbitral em 22 de setembro de 2025; nesse mesmo despacho foi concedido à Requerida um prazo de 10 dias para, querendo, exercer o contraditório sobre o teor dos referidos documentos.

II.        SÍNTESE DA POSIÇÃO DAS PARTES

8.O Requerente invoca a ilegalidade de parte dos atos de liquidação de IRS, dos anos de 2018, de 2019 e de 2020, bem como a ilegalidade do ato de indeferimento da revisão oficiosa apresentada contra aqueles atos tributários, com fundamento na errada aplicação do regime dos residentes não habituais (doravante, “RNH”).

9.Para fundamentar a sua posição, o Requerente invocou, em suma:

i)           fundamentação a posteriori apresentada pela AT na decisão final do pedido de revisão oficiosa e a respetiva preterição do direito de audição prévia quanto aos novos fundamentos; 

ii)         erro sobre os pressupostos de facto quanto à nacionalidade norte-americana do Requerente; e 

iii)        erro sobre os pressupostos de direito quanto à aplicação do regime dos residentes não habituais. 

10.Por sua vez, a Requerida respondeu reiterando que o Requerente não provou que era nacional dos Estados Unidos da América à data dos factos tributários que originaram o imposto contestado e sustentando a legalidade das liquidações de IRS.

III.      QUESTÃO PRÉVIA: DO OBJETO DO PEDIDO DA REQUERENTE

11.De acordo com o descrito no pedido de constituição de tribunal arbitral, está em causa apenas a ilegalidade da tributação dos rendimentos de capitais e mais-valias imputados ao Requerente, em sede de IRS, nos anos de 2018, de 2019 e de 2020. 

12.Não sendo objeto do pedido a tributação dos rendimentos imputados à mulher do Requerente no ano de 2018 (ano em que optaram pela tributação conjunta em sede de IRS).

13.A própria AT aceita esta delimitação do objeto na sua resposta.

14.No entanto, considerando o valor da causa indicado pelo Requerente e à parte de IRS do ano de 2018 contestada, questionava-se se os € 288.865,02 indicados (cf. artigo 12.º do pedido de constituição de tribunal arbitral) incluiriam imposto apurado relativamente aos rendimentos auferidos pela sua mulher, em virtude da tributação conjunta.

15.Isto porque o valor indicado pelo Requerente como imposto a contestar no ano de 2018 (os € 288.865,02) corresponderia à totalidade das tributações autónomas apuradas na liquidação de IRS de 2018 (cf. doc. n.º 5 junto pelo Requerente). 

16.E, contrariamente ao afirmado no artigo 30.º do pedido de constituição de tribunal arbitral, analisando a declaração Modelo 3 desse mesmo ano, verifica-se que houve tributação conjunta e que a mulher do Requerente também declarou rendimentos de fonte estrangeira das Categorias E e G, sem prejuízo de também ela estar qualificada como RNH (cf. doc. n.º 2 junto pelo Requerente). 

17.Notificadas as partes para se pronunciarem quanto ao objeto do processo, o Requerente esclareceu, por requerimento apresentado em 12 de agosto de 2025 que “O objeto do pedido incide exclusivamente sobre o IRS liquidado pela AT, relativamente a rendimentos da categoria G auferidos pelo Requerente” que se encontram “(…) refletidos no Anexo J da Declaração Modelo 3” (cf. requerimento junto pelo Requerente em 12 de agosto de 2025).

18.O Requerente reconheceu ainda que “O valor exato do reembolso a processar, nos termos do pedido formulado, pressupõe a revisão da liquidação por parte da AT. Não sendo este procedimento público, nem partilhado integralmente com o contribuinte, terá de ser concretamente apurado mediante a revisão da liquidação em sede de concretização da decisão arbitral” (cf. requerimento junto pelo Requerente em 12 de agosto de 2025).

19.A AT não se pronunciou quanto à clarificação do objeto do pedido, pelo que se depreende a sua concordância com o exposto pelo Requerente.

20.Em face do exposto, o presente processo arbitral tem o seu objeto delimitado aos atos tributários de IRS apenas na parte do imposto incidente sobre os rendimentos de Categoria E e de Categoria G auferidos pelo Requerente (ficando excluído o IRS que incidiu sobre os rendimentos da mulher do Requerente no ano de 2018 e sobre os restantes rendimentos auferidos pelo Requerente).

IV.      SANEAMENTO

21.O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar o pedido, que foi tempestivamente apresentado nos termos do previsto nos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT. As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e dos artigos 1.º, 2.º e 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. O processo arbitral não enferma de nulidades.

V.        MATÉRIA DE FACTO

A.1.  Factos dados como provados

22.       Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a)          O Requerente é um cidadão nacional dos EUA, desde, pelo menos, 2012 (cf. doc. junto pelo Requerente no requerimento de 8 de julho de 2025);

b)         O Requerente é residente para efeitos fiscais em Portugal desde o ano de 2018 (cf. doc. n.º 1 junto pelo Requerente);

c)          Desde 2018 que o Requerente, sujeito passivo para efeitos de IRS, se encontra registado como RNH (cf. doc. n.º 1 junto pelo Requerente);

d)         No cumprimento das obrigações declarativas a que está adstrito, o Requerente entregou as declarações anuais de rendimentos (Modelo 3) n.º ... referente ao ano de 2018 (cf. doc. n.º 2 junto pelo Requerente), n.º ... referente ao ano de 2019 (cf. doc. n.º 3 junto pelo Requerente) e n.º ... referente ao ano de 2020 (cf. doc. n.º 4), que incluíram rendimentos auferidos pelo Requerente, de origem variada;

e)          Foram declarados rendimentos auferidos pelo Requerente com fonte nos EUA, Brasil, Bélgica, Suíça, Canadá, Argentina, Austrália, Rússia, e alguns rendimentos provenientes de jurisdições como a Ilha de Jersey, Hong Kong, Bermudas ou Ilhas Cayman (cf. docs. n.º 2, 3 e 4);

f)           No ano de 2018, o Requerente optou pela tributação conjunta com a Senhora B..., portadora do número de identificação fiscal português ..., pessoa com quem era casado à época;

g)          As referidas Declarações Modelo 3 deram origem às liquidações n.º 2020...,  n.º 2021... e n.º 2022..., respetivamente referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020, e respetivamente datadas de 27.01.2020, 05.02.2021 e 10.01.2022 (cf. docs. n.º 5, n.º 6 e n.º 7 juntos pelo Requerente);

h)         O Requerente apresentou, em 28.12.2022, pedido de revisão oficiosa, que correu os seus termos sob o n.º ...2022..., contra as referidas liquidações de IRS dos anos de 2018, de 2019 e de 2020, na parte que incidiam sobre os rendimentos de capitais e mais-valias;

i)           O Requerente foi notificado do projeto de decisão da AT através do Ofício n.º ... de 06.03.2024 (cf. doc. n.º 8 junto pelo Requerente), que propunha o indeferimento do pedido com fundamento, no que ora releva, o seguinte:

 

 

 

 

 

 

j)           Em 26.03.2024, o Requerente apresentou o respetivo direito de audição ao qual anexou cópia do seu passaporte norte-americano (cf. doc. n.º 9 junto pelo Requerente);

k)         O Requerente foi notificado da decisão final proferida pela AT através do Ofício n.º ... de 14.11.2024 (cf. doc. n.º 10 junto pelo Requerente) que indeferiu o pedido de revisão oficiosa, mantendo a fundamentação constante do projeto de decisão e acrescentando, em resposta ao direito de audição, o seguinte:

       
  Caixa de Texto: B...  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A.2.  Factos dados como não provados

23.Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.

A.3.  Fundamentação da matéria de facto provada e não provada 

24.Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil – doravante, “CPC” –, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

25.Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

26.Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

27.Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

28.Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

29.É pacífico na doutrina e jurisprudência que “Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios” (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, p. 321 e, entre outros, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul – doravante “TCA Sul” - de 05.03.2020, processo n.º 19/17.2BCLSB).  

30.Ao que acresce que as fotocópias do passaporte juntas pelo Requerente são consideradas reproduções mecânicas nos termos do artigo 368.º, do Código Civil, fazendo prova plena caso não sejam impugnadas pela contraparte (cf. Acórdão do TCA Sul de 09.02.2017, processo n.º 20002/16.4BCLSB).

31.Assim, sem prejuízo da posição assumida pela Requerida a propósito de alguns dos factos carreados para os autos pelo Requerente, considera este Tribunal que a prova documental apresentada tem valor objetivo e a respetiva informação se tem por verdadeira.

VI.      DO DIREITO

A.Da fundamentação a posteriori na decisão final do pedido de revisão oficiosa e respetiva preterição do direito de audição prévia quanto aos novos fundamentos

32.O Requerente sustenta que houve “(…) uma alteração de posição da AT, contraditória com o projeto de decisão e estruturalmente distinta da fundamentação anteriormente deduzida” (cf. artigo 69.º do pedido de constituição de tribunal arbitral), invocando, por esse motivo que a AT utilizou fundamentação a posteriori e lhe vedou a possibilidade de exercer o direito de audição prévia quanto aos novos fundamentos.

33.Todavia, antecipa-se que estes vícios imputados à decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não procedem.

34.Ainda que se admita que o fundamento utilizado pela AT quanto à alegada falta de legitimidade do Requerente relativamente ao pedido de anulação de parte da liquidação de IRS de 2018, por constarem daquele ato importâncias imputadas à sua mulher (“B... , NIF...”), resulta claramente da decisão final do procedimento de revisão oficiosa que não foi este o fundamento para o indeferimento do pedido.

35.Com efeito, o fundamento de indeferimento do pedido de revisão oficiosa foi a alegada falta de prova da cidadania americana do Requerente na data dos factos tributários em questão.

36.Aliás, a própria decisão final do procedimento de revisão oficiosa remete para a fundamentação do projeto de decisão, sendo expresso e inequívoco que o motivo do indeferimento é a falta de demonstração da cidadania americana do Requerente (e não a sua ilegitimidade para apresentar o pedido).

37.Tanto assim é, que a decisão proferida é uma decisão de mérito – de indeferimento. E não uma decisão formal – de arquivamento do procedimento.

38.Assim, não se verificam estes vícios imputados à decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

B.Do erro sobre os pressupostos de facto quanto à nacionalidade norte-americana do Requerente 

39.       Contrariamente ao sustentado pela AT, atendendo às cópias dos dois passaportes juntos pelo Requerente, é inequívoco que este já era nacional dos EUA, em 2018, 2019 e 2020. 

40.       É um facto conhecido que não é possível manter passaportes já caducados, i.e., quando é feita a respetiva renovação o passaporte anterior é entregue pelo cidadão. 

41.       A cópia do passaporte junto pelo Requerente como documento n.º 11 do pedido de constituição de tribunal arbitral é o seu passaporte atualmente vigente, emitido em 19 de novembro de 2021 e válido até 18 de novembro de 2031.

42.       Por requerimento de 8 de julho de 2025, o Requerente juntou cópia do seu passaporte anterior, emitido em 23 de março de 2012 e válido até 22 de março de 2022.

43.Em face da prova carreada para os presentes autos, o Tribunal Arbitral deu como provada a nacionalidade americana do Requerente na data dos factos tributários, pelo que a AT incorreu em erro sobre os pressupostos de facto quanto à nacionalidade norte-americana do Requerente.

C.        Do erro sobre os pressupostos de Direito quanto à aplicação do regime dos residentes não habituais

44.Dispunha o n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS em vigor na data das liquidações de IRS contestadas que:

“Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos (…) das categorias E, F e G, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer uma das condições previstas nas alíneas seguintes:

a) Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou

b) Possam ser tributados no outro país, território ou região, em conformidade com o modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património da OCDE, interpretado de acordo com as observações e reservas formuladas por Portugal, nos casos em que não exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, desde que aqueles não constem de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, relativa a regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis e, bem assim, desde que os rendimentos, pelos critérios previstos no artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português” (sublinhado nosso).

45.Estando comprovada a nacionalidade norte-americana do Requerente, importa trazer à colação a Convenção e o Protocolo entre a República Portuguesa e os EUA, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/95, de 12 de outubro.

46.Decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º do referido Protocolo anexo à Convenção que:

“Não obstante o disposto na Convenção, salvo a alínea c) do presente número, um Estado Contratante pode tributar os seus residentes [como previstos nos termos do artigo 4.º, «Residência»], e os Estados Unidos podem tributar os seus cidadãos, como se a Convenção não tivesse entrado em vigor. Para este efeito, a expressão «cidadão» incluirá um indivíduo que, possuindo essa condição anteriormente, tenha perdido a cidadania com o propósito principal de evitar a tributação, mas apenas durante um período de 10 anos a contar da referida perda. (…)” (sublinhado nosso).

47.Resulta da conjugação de ambas as normas transcritas que:

i)           quando esteja em causa um cidadão norte-americano, os EUA podem exercer o seu direito de tributação sobre todos os rendimentos por aquele auferidos; 

por esse motivo, 

ii)         o requisito previsto na alínea a) do n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS encontra-se verificado, 

e, consequentemente,

iii)        os rendimentos das categorias E e G de fonte estrangeira auferidos por RNH em território português, com nacionalidade americana, são isentos de tributação para efeitos de IRS.

48.Neste mesmo sentido já se pronunciou a decisão arbitral proferida em 28.03.2022 no processo n.º 684/2020-T que aqui se acompanha.

49.No referido aresto, o Tribunal Arbitral concluiu que: 

“(…) o Protocolo que faz parte da Convenção dos Estados Unidos da América ressalva a faculdade de este Estado tributar os seus nacionais (cidadãos) “como se a Convenção não tivesse entrado em vigor”, i.e., de tributar os seus rendimentos numa base mundial de acordo com o seu direito interno, usualmente designada de “saving clause” – v. artigo 1.º, alínea b) do mencionado Protocolo.

Atento o exposto, em relação aos rendimentos da categoria G (mais-valias mobiliárias) de fonte norte-americana afigura-se linear a subsunção à alínea a) do n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS, pois tais rendimentos são, de acordo com a Convenção, da qual o citado Protocolo faz parte integrante, tributáveis no Estado da residência (Portugal) e, em simultâneo, no Estado da nacionalidade (Estados Unidos da América).

A interpretação que a Requerida faz de que a atribuição a Portugal – como Estado de residência – da competência para tributar as mais-valias mobiliárias do Requerente, nos termos do artigo 14.º, n.º 6 da Convenção celebrada com os Estados Unidos da América, prejudica a aplicação do artigo 81.º, n.º 5, alínea a) do Código do IRS não tem razão de ser. Esta conceção não é compatível com a função (somente) negativa das Convenções para Eliminar a Dupla Tributação, corolário do princípio da legalidade e tipicidade dos impostos.

Com efeito, a delimitação dos poderes de tributar dos Estados e a atribuição de “competência” ao Estado da residência (Portugal), não impõe que este exerça o seu poder tributário. O Estado competente para tributar pode optar por não o fazer, pelo que a tributação não se satisfaz com a existência de uma norma convencional atributiva de poderes tributários, exigindo uma norma de direito interno que a imponha. Assim, ao contrário do que afirma a Requerida, a atribuição a Portugal, pelo artigo 14.º, n.º 6 da Convenção, de competências tributárias em matéria de mais-valias mobiliárias (na qualidade de Estado de residência) não implica que estas sejam necessariamente tributadas em Portugal, podendo o legislador nacional optar pela não tributação, como veio a fazer com o artigo 81.º, n.º 5, alínea a) do Código do IRS, desde que verificados os requisitos aí consagrados. Não sendo os poderes para tributar esses rendimentos exclusivos de Portugal, como se extrai do cotejo do artigo 14.º, n.º 6 da Convenção com o artigo 1.º, alínea b) do seu Protocolo, mas concorrentes com os poderes de tributar do outro Estado Contratante, os Estados Unidos da América, resulta preenchida a condição da norma que consagra o método da isenção, pelo que se conclui com a Requerente pela ilegalidade da não aplicação deste método da isenção às mais-valias de fonte norte-americana.

Acresce referir que no caso concreto esse poder de tributar não foi hipotético e teve expressão real, pois o Requerente demonstrou ter declarado os rendimentos do ano 2019 aqui em causa – as mais-valias – às autoridades norte-americanas, preenchendo os formulários aplicáveis que se traduziram em pagamento efetivo de imposto sobre o rendimento naquela jurisdição”.

50.É de notar que a aplicação do método de isenção aos rendimentos em apreço nos presentes autos apenas depende da possibilidade da sua tributação por parte do Estado da Fonte – não se exigindo a sua tributação efetiva. Por este motivo, apesar de o Requerente ter junto documentação com o intuito de comprovar a tributação efetiva dos rendimentos em discussão nos EUA, tal prova não se revela relevante para a presente decisão.

51.Ao que acresce que o Requerente terá obtido a nacionalidade americana muito antes de lhe ter sido reconhecido o estatuto de RNH (pelo menos, em 2012, se não antes). Para além disso, o n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos tributários, não exigia que a convenção para eliminar a dupla tributação fosse a celebrada entre Portugal como Estado da Residência e o Estado da Fonte. Apenas se exige que exista uma convenção para eliminar a dupla tributação aplicável e que essa convenção determinasse a possibilidade de o outro Estado tributar os rendimentos. Tal é o que sucede no caso em apreço: a Convenção entre Portugal e os EUA é aplicável a todos os rendimentos auferidos pelo Requerente, independentemente de serem vários Estados da Fonte. 

52.O que significa que os EUA podem tributar os seus cidadãos com base no rendimento mundial.

53.Portanto, em virtude da nacionalidade americana do Requerente, é aplicável a Convenção celebrada entre Portugal e os EUA e o Protocolo que dela faz parte integrante a todos os rendimentos por si auferidos. 

54.Assim, resta concluir pela verificação dos requisitos da isenção nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS e pela aplicação do método de isenção aos rendimentos de Categoria E e G auferidos pelo Requerente nos anos de 2018, de 2019 e de 2020. 

55.Em face do exposto, as liquidações de IRS contestadas têm subjacente um erro sobre os pressupostos de Direito quanto à aplicação do regime dos RNH, impondo-se a sua anulação, bem como a anulação da decisão de indeferimento da revisão oficiosa, com as demais consequências legais.

D.        Do reembolso do imposto indevidamente pago e dos juros indemnizatórios

56.Como consequência da anulação dos atos tributários de IRS, o Requerente tem direito, em conformidade com o disposto no dos artigos 24.º, do RJAT, e 100.º, da Lei Geral Tributária (doravante, “LGT”), aplicável ex vi alínea a) do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT, a ser reembolsado das quantias indevidamente pagas – a apurar pela AT em sede de execução de julgados.

57.Para além disso, tem ainda direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, calculados desde 28 de dezembro de 2023 até à data da emissão das respetivas notas de crédito ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (cf. Acórdão uniformizador de jurisprudência do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de setembro de 2020, proferido no processo n.º 40/19.6BALSB).

VII.    DA DECISÃO

58.Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente e, em consequência, declarar a ilegalidade da parte das liquidações de IRS com os n.ºs 2020..., 2021... e 2022..., relativos aos anos de 2018, 2019 e 2020, respetivamente, incidente sobre os rendimentos de Categoria E e G auferidos pelo Requerente, e, também, em consequência, declarar a ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que correu termos sob o n.º ...2022..., com a consequente anulação destes atos;
  2. Condenar a Requerida a, em conformidade com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, praticar os atos consequentes à condenação do pedido anterior, nomeadamente o reembolso do imposto indevidamente pago pelo Requerente e o pagamento de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal supletiva, desde o dia 28 de dezembro de 2023, sobre a importância a reembolsar, até à data da emissão das respetivas notas de crédito; e

3-          Condenar a Requerida nas custas do processo.

VIII. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 435.689,35 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.  

IX.      CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 7.038,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se. 

 

Lisboa, 7 de outubro de 2025

 

Os Árbitros,

 

 

A Árbitra Presidente 

(Carla Castelo Trindade)

 

A Árbitra Adjunta

(Mariana Vargas)

 

 

 

O Árbitro Adjunto e Relator

(João Taborda da Gama)