SUMÁRIO
A atribuição do estatuto de Residente Não Habitual (RNH) depende da verificação cumulativa de dois requisitos prévios e indispensáveis:
(i) que o contribuinte não tenha sido considerado residente fiscal em Portugal em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano em que se torna residente; e
(ii) que seja qualificado como residente fiscal em território português, nos termos do artigo 16.º do Código do IRS, no ano em que solicita a aplicação do benefício fiscal decorrente desse estatuto,
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1.1. Requerentes
A... e B..., com os números de identificação fiscal, respetivamente, ..., e ..., casados entre si, e ambos residentes na ..., ... direito, ..., ...-... Lisboa, (doravante designados por Requerentes ou Sujeitos Passivos) apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º, nº1, alínea a) e 10.º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (doravante designado por RJAT) e da Portaria nº 112-A/2011 de 22 de março.
É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada por AT ou Requerida).
1.2. O pedido
Os Requerentes formulam o Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) nos seguintes termos:
Devendo o mesmo ser julgado totalmente procedente, por provado, anulando-se, em consequência, o despacho, proferido a 23 de outubro de 2024, pelo Diretor de Serviço Central da divisão de justiça tributária da Direção de serviços de IRS, através do qual se indeferiu a revisão oficiosa deduzida contra o ato de liquidação de IRS de 2021 e, bem assim, o ato de liquidação de IRS n.º 2022..., no montante global a pagar de € 168.961,22, sendo substituído por outro ato de liquidação de IRS em que os rendimentos auferidos pelo requerente A... sejam qualificados e tributados de acordo com o regime especial aplicável aos residentes não habituais, tudo com as necessárias consequências legais, designadamente, o reembolso do imposto pago indevidamente pelos requerentes, acrescido dos competentes juros indemnizatórios calculados à taxa legal.”
1.3. Tramitação processual
O pedido de constituição do tribunal apresentado em 2025-01-13, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2025-01-15, e automaticamente notificado à AT.
Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD em 05-03-2025 designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Na mesma data as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 25-03-2025, o qual foi nessa data comunicado às partes.
Por despacho do mesmo dia e notificado em 26-03-2025, a Requerida foi notificada para apresentar Resposta e juntar o Processo Administrativo, (PA).
Em 30-04-2025 a Requerida apresentou a Resposta e juntou o PA, junção que foi notificada em 02-05-2025.
Por despacho de 07-05-2025, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. Foi ainda decidido facultar às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, contados da notificação do despacho.
Os Requerentes apresentaram as suas alegações em 22-07-2025, tendo respondido à matéria de exceção suscitada pela AT.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou alegações.
2. Posição das partes
2.1. Posição dos Requerentes
Os Requerentes alegam que no ano de 2017 passaram a residir em Portugal, e o Requerente em 01-10-2017 iniciou funções no âmbito de um contrato de trabalho celebrado com a Sociedade C... com sede em ... France, sendo o seu local de trabalho na sede da sociedade.
Os Requerentes requereram a inscrição como residentes em Portugal em 2017, e afirmam que em Portugal permanecem a maior parte do tempo (sem, contudo, referir em concreto se permanecem mais de 183 dias por ano em Portugal , ou se existe outro elemento de conexão, dos previstos no artigo 16.º do CIRS que lhes atribua a qualidade de residentes em Portugal).
Os Requerentes entendem que o estatuto do residente não habitual, tem natureza meramente declarativa e não constitutiva pugnando pela verificação do mesmo, tendo em conta que as condições da sua atribuição se verificam na situação factual sub judice
Pedem que relativamente à liquidação de IRS relativa ao ano de 2021 lhe seja aplicado esse estatuto e seja declarada a anulação desse ato de liquidação.
2.2. Posição da Requerida
A Requerida na Resposta defendeu-se por exceção e por impugnação.
Como exceções, identifica a incompetência do CAAD para reconhecer o estatuto de residente não habitual “RNH”) e impropriedade do meio processual, as quais serão analisadas e decididas infra.
Relativamente à matéria de impugnação, menciona que poderá cingir-se à citação D..., Lda., pela AT no processo n.º 928/2024 de 14 de abril de 2024.
“A apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, do art, 16º do CIRS, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é possível a partir do ano de inscrição como residente não habitual”
3. Das exceções
A Requerida na Resposta invoca as exceções incompetência material do presente Tribunal Arbitral para reconhecer o estatuto de residente não habitual e à impropriedade do meio processual. e, a proceder alguma, obsta ao conhecimento do pedido e que, por isso, são de decisão prévia.
Assim, começamos por analisar a exceção de incompetência relativa do Tribunal Arbitral, de harmonia com o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
3.1. Incompetência do CAAD para reconhecer o estatuto de residente não habitual (RNH)
A AT na Resposta invoca a Incompetência do CAAD para reconhecer o estatuto de RNH e defende que “
“Nos termos do disposto no artigo 2.º do RJAT decorre que a competência do CAAD se circunscreve à declaração de ilegalidade de atos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
Ora, como taxativamente decorre do PPA, o que os Requerentes pretendem com a presente lide é que lhes seja reconhecido o estatuto de residente não habitual para efeitos de liquidação de imposto em 2021, como, aliás, resulta expressamente no pedido efetuado na parte final do P.P.A.
Pois é consabido que só depois de ser reconhecido/concedido/aplicado o estatuto de RNH é que a liquidação impugnada poderia ser anulada.
Parece, assim, não existirem dúvidas que os pedidos dos Requerentes se circunscrevem ao reconhecimento do estatuto de RNH e à sua consequente aplicação na liquidação em causa.”
Apreciando
Analisando o Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA), verifica-se que o objeto imediato do pedido é o despacho que indeferiu a revisão oficiosa solicitada. Já o objeto mediato corresponde à liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) relativa ao ano de 2021.
Deste modo, e em sentido diverso do que sustenta a Autoridade Tributária, o presente pedido arbitral não tem por objeto a apreciação de qualquer outro ato decisório, nomeadamente de natureza administrativa, mas apenas o despacho de indeferimento da revisão oficiosa, e ato de liquidação de IRS referente ao ano de 2021.
O âmbito de competência dos tribunais arbitrais é delimitado pelo disposto no artigo 2.º do RJAT e pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, compreendendo exclusivamente a apreciação das pretensões relacionadas com a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte, de pagamento por conta, de atos de fixação da matéria tributável que não deem origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
Pelo exposto, conclui-se que não assiste razão à Autoridade Tributária, pelo que se julga improcedente a exceção de incompetência material invocada relativamente aos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD.
3.2. Da impropriedade do meio processual
Posição da Requerida
Na Resposta a AT alega a impropriedade do meio processual, afirmando:
“os mesmos argumentos que sustentam a incompetência absoluta do CAAD supra suscitada aplicam-se mutatis mutandis à impropriedade do meio processual, que igualmente se suscita.
Ou seja, o reconhecimento do regime jurídico do residente não habitual só pode ser peticionado junto do tribunal tributário por via da ação administrativa prevista e regulada no CPTA, pelo que, como se viu, é inquestionável que o P.P.A. apresentado pelos Requerentes não é o meio próprio para fazerem valer a sua pretensão.
Porquanto existe erro na forma de processo sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza do processo.”
Posição da Requerente
Nas alegações escritas dos Requerentes responderam às exceções deduzidas, nos seguintes termos:
Em síntese, afirmam o seguinte: “uma coisa é a (i) legalidade da liquidação cuja anulação se peticiona, aqui em causa, outra é o próprio estatuto de Residente Não Habitual e a sua atribuição, que não se encontra em discussão nesta sede pois, também os Requerentes, consideram que, quanto a este último, não é esta a sede própria para tal”.
(…)
“parece pacífico que o Tribunal Arbitral não tem competência para reconhecer o estado de Residente Não Habitual, no entanto e ao contrário do que a Requerida alega, os Requerentes não pretendem que o regime fiscal dos Residentes Não Habituais lhe seja reconhecido no presente processo, não existindo, pois, discordância relativamente à incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar o reconhecimento do estatuto dos Residentes Não Habituais.”
“coisa diversa é a (i) ilegalidade da liquidação, esta sim, objeto dos presentes autos”
(…) não assiste razão à Requerida, pois o Tribunal Arbitral é competente para a apreciação da (i)legalidade do ato de liquidação em apreço, ao abrigo do regime previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 2º do RJAT e em conformidade com a previsão dos artigos 2º, nº 1, alínea b) e 10º, nº 1, alínea a) do RJAT, bem como do artigo 102º, nº 1, alínea b) do CPPT.
Os Requerentes formulam um pedido muito concreto no qual solicitam a anulação do ato de liquidação de IRS referente ao ano de 2021 e não qualquer indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto de Residente Não Habitual”
“Não podendo restar dúvidas de que o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelos Requerentes tem por objeto, única e exclusivamente, o ato de liquidação de IRS de 2021 e não o pedido de reconhecimento de qualquer estatuto, devendo portanto, improceder a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral invocada pela Administração Tributária”.
Apreciando
Os argumentos apresentados pelos Requerentes quanto à exceção de incompetência material do CAAD aplicam-se igualmente à exceção de impropriedade do meio processual invocada.
Assim, este Tribunal Arbitral decide pela improcedência da referida exceção.
4. Saneamento
O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, que foi tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.
O processo não enferma de nulidades, nem existem exceções ou questões prévias que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
5. Matéria de facto
5.1. Factos provados
a) O Requerente nascido em São Paulo, Brasil, aceitou uma proposta de contrato de trabalho por tempo indeterminado com o Grupo E..., com início no dia 1 de outubro de 2017; (cfr. doc. 3 junto com o PPA).
b) O Requerente passou a desempenhar as funções de líder da Marca F..., sendo-lhe atribuída, em termos genéricos, a responsabilidade pela definição, evolução e preservação da singularidade da marca, bem como pelos projetos vitais, em articulação com o global leader e os demais líderes de marca; (cfr. doc. 3 junto com o PPA).
c) Nos termos do contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre o Requerente e o Grupo E..., sua entidade empregadora e responsável pelo pagamento do seu salário mensal, prevê que o local da prestação do trabalho seja prestado em ... ..., situado no Departamento de Lille, no norte dm França; (cfr. doc. 3 junto com o PPA).
Consta do contrato de trabalho o seguinte:

d) Em 22 de outubro de 2017, os Requerentes procederam, junto da Autoridade Tributária, ao registo como residentes fiscais em Portugal; (facto não controvertido).
e) Em 2 de novembro de 2017, a AT criou o NIF, através do documento cadastral n.º ..., com a qualificação de “não residente; (cfr. PA).
f) Em 03-11-2017, através de alteração ao CC passou a constar como "Residente" - doc. CC02023...., situação que mantém até à data; (cfr. PA).
g) Por consulta à base de dados da AT - Visão integrada do contribuinte, constata-se que os Requerentes não constam o estatuto de RNH, como também não foi apresentado o anexo L com a declaração modelo 3 de IRS.
h) Nos termos do contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre o Requerente e o Grupo E..., sua entidade empregadora e responsável pelo pagamento do seu salário mensal, prevê que o local da prestação do trabalho seja realizado em França; (cfr. contrato de trabalho - doc. 3 junto com o PPA).
i) Em 24-06-2022, os Requerente apresentaram a declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2021, com a identificação ..., com a situação de casados e pela opção de tributação conjunta com residência território português, acompanhada dos anexos F, H e J, (cfr. PA).
j) Desta declaração resultou em 25-06-2022 a liquidação, n.º 2022..., com o valor a pagar no valor de € 168.961,22, com data-limite para pagamento voluntário até 31-08-2022; (cfr. PA).
k) Na declaração de IRS relativa ao ano de 2021, no Anexo F, os Requerentes declararam rendimentos prediais no valor de €20.400,00, relativos a um prédio urbano sito na freguesia ... (...– Loures); (cfr. declaração de IRS junta com o PA).
l) Em 22-08-2022, os Requerentes pagaram o IRS liquidado; (cfr. PA).
m) Em 28 de junho de 2023, o Requerente A... apenas pediu a inscrição como residente não habitual; (cfr. PPA e PA).
n) Os Requerentes, na pessoa de mandatário legalmente constituído, em 26-06-2023, apresentou pedido de revisão oficiosa a que foi atribuído o n.º ...2023... relativa à liquidação de IRS do ano de 2021 n.º 2022..., no valor a pagar de € 168.961,22; (cfr. doc. 3 junto com o PPA e PA).
o) O Despacho de indeferimento proferido a 23 de outubro de 2024, pelo Diretor de Serviço Central da Divisão de Justiça tributária da Direção de Serviços de IRS, ao abrigo de subdelegação de competências foi notificado ao mandatário dos Requerentes, por carta registada de 31 de Outubro de 2024; (cfr. doc. 1 junto com o PPA).
5.2. Factos dados como não provados
Este Tribunal Arbitral entende que não está provado:
a. Que os Requerentes nos 5 anos anteriores a 2017, não residiram em Portugal;
b. b) Consta do contrato de trabalho o seguinte (doc.3 junto com o PPA):

c. Não consta dos autos qualquer prova de que o Requerente marido tenha solicitado à sua entidade patronal autorização para residir em Lisboa por razões familiares, nem de que tenha permanecido em Portugal por mais de 183 dias em cada ano, desde 21 de julho de 2017, data que consta como a da assinatura do contrato com o Grupo E...;
d. Que os Requerentes lograram provar o exercício de atividade de elevado valor acrescentado alegado;
e. Os Requerentes não indicam nem provam a data de início da residência em Portugal, nem os dias de permanência em cada ano, desde 2017,
f. Não é alegado nem provado o local de residência da Requerente mulher, desde 2017.
g. Que, no ano de 2021, os Requerentes tinham residência em Portugal e que se Requerentes mesmo que tenham permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual.
5.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, a) e), do RJAT).
Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.
Assim, o presente Tribunal Arbitral formou a sua convicção quanto à factualidade provada tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, como prevê o artigo 110.º do CPPT, e com base na prova documental produzida.
6. Thema Dicidendum
A questão central submetida à apreciação e decisão no presente pedido arbitral consiste em determinar a legalidade da liquidação de IRS referente ao ano de 2021, aferindo se a mesma deve ser parcialmente anulada, com consequente restituição do imposto indevidamente pago e reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
Antes de mais, há que mencionar, como consta dos factos dados como provados e factos não provados que os Requerentes alegam que no ano de 2017 passaram a residir em Portugal, e o Requerente em 01-10-2017 iniciou funções no âmbito de um contrato de trabalho celebrado com o Grupo E..., sendo o seu local de trabalho na sede da sociedade, ... França. Apesar de no contrato de trabalho celebrado coma C..., prever a possibilidade o Requerente solicitar para residir em Lisboa, por razões familiares, não consta dos autos qualquer prova de o ter solicitado.
Em 22-10-2017 inscreve-se como residente em Portugal. Em 02-11-2017, foi criado o NIF através do documento cadastral ..., como “Não residente”; (cfr. PA).
Em 03-11-2017, através de alteração ao Cartão de Cidadão o Requerente marido passou a constar como "Residente" - doc. CC02023..., situação que mantém até à data; (afirmação da AT).
Os Requerentes, conforme declaração de IRS relativa ao ano de 2021, eram proprietários do prédio urbano suprarreferido, o qual esteve arrendado nesse ano, gerando rendimentos prediais no valor de €20.400,00, não tendo demonstrado que, em qualquer dia desse dispunham de habitação em condições que permitissem supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.
6.1. A legislação
Artigo 13.º do CIRS:
“Sujeito passivo
1 - Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.”
Artigo 15.º, n.º 1 do CIRS:
“1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus
rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.
2 - Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território
português.
Artigo 16.º do CIRS
(residência)
1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;
(...)
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.
3 - As pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1.
4 - A perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português, salvo nos casos previstos nos n.os 14 e 16.
5 - A residência fiscal é aferida em relação a cada sujeito passivo do agregado.
(...)
8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.
10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)
11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.
12 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português.
13 - Enquadra-se no disposto na alínea d) do n.º 1 o exercício de funções de deputado ao Parlamento Europeu.
14 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, um sujeito passivo considera-se residente em território português durante a totalidade do ano no qual perca a qualidade de residente quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Permaneça em território português mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, nesse ano; e
b) Obtenha, no decorrer desse ano e após o último dia de permanência em território português, quaisquer rendimentos que fossem sujeitos e não isentos de IRS, caso o sujeito passivo mantivesse a sua qualidade de residente em território português.
15 - O disposto no número anterior não é aplicável caso o sujeito passivo demonstre que os rendimentos a que se refere a alínea b) do mesmo número sejam tributados por um imposto sobre o rendimento idêntico ou substancialmente similar ao IRS aplicado devido ao domicílio ou residência:
a) Noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal e que se preveja a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade; ou
b) Noutro Estado, não abrangido na alínea anterior, em que a taxa de tributação aplicável àqueles rendimentos não seja inferior a 60 % daquela que lhes seria aplicável caso o sujeito passivo mantivesse a sua residência em território português.
16 - Um sujeito passivo considera-se, ainda, residente em território português durante a totalidade do ano sempre que volte a adquirir a qualidade de residente durante o ano subsequente àquele em que, nos termos do n.º 4, perdeu aquela mesma qualidade.”
Artigo 18.º, n.º 1 h) do CIRS:
Rendimentos obtidos em território português
1 - Consideram-se obtidos em território português:
h) Os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados (...)
Artigo 19.º da LGT, relativo ao domicílio fiscal:
“1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:
a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;
b) Para as pessoas colectivas, o local da sede ou direcção efectiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal.
2 - O domicílio fiscal integra ainda o domicílio fiscal eletrónico, que inclui o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, bem como a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital e no serviço público de caixa postal eletrónica. (Redação do Decreto-Lei n.º 93/2017, de 1 de agosto)
3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária
4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária
5 - Sempre que se altere o estatuto de residência de um sujeito passivo, este deve comunicar, no prazo de 60 dias, tal alteração à administração tributária
6 - Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas colectivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional.”
(...)
E determina o artigo 22.º do CIRS:
Englobamento
1 - O rendimento coletável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes.
Artigo 57.º do CIRS, que na redação em vigor em 2020 e 2021, referia:
“Artigo 57.º Declaração de rendimentos
1 - Os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos relevantes para a sua concreta situação tributária, nomeadamente para os efeitos do artigo 89.º-A da lei geral tributária, devendo ser-lhe juntos, fazendo dela parte integrante os anexos e outros documentos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo.”
Artigo 19.º da LGT
“Domicílio fiscal
1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:
a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;
(...)
2 - O domicílio fiscal integra ainda o domicílio fiscal eletrónico, que inclui o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, bem como a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital e no serviço público de caixa postal eletrónica.”
6.2. Apreciando
Como consta dos factos não provados os Requerentes não provaram que nos 5 anos anteriores a 2017 não residiram em Portugal.
E, nos termos do artigo 19.º, n.º 1, alínea a), da Lei Geral Tributária, o domicílio fiscal da pessoa singular corresponde, em regra, ao local da sua residência habitual. Assim, para efeitos das relações jurídico-tributárias, os direitos e deveres do contribuinte são definidos com base nesse local.
No caso em apreço, os Requerentes não lograram provar que, em 2021, eram residentes em Portugal ou que era em Portugal que tinham o seu domicílio fiscal.
A AT confirma a inscrição do Requerente como residente em Portugal em 2017, inicialmente como não residente e posteriormente como residente conforme consta dos factos provados. Porém, não é possível determinar se os Requerentes residiram efetivamente em Portugal a partir de 2017 ou se iniciaram em 2017 a residir em Portugal e posteriormente e antes de 2021 perderam a qualidade de residentes em Portugal, considerando o disposto no artigo 19.º n.º 1, a) da LGT, que o domicílio fiscal do sujeito passivo é, (pessoas singulares) salvo disposição em contrário, o local da sua residência habitual;
Importa referir que, não obstante a Autoridade Tributária afirmar que os Requerentes possuem NIF português e residem em Portugal, tal circunstância, por si só, não é suficiente para provar a residência fiscal.
Considerando os factos provados e não provados, inexiste qualquer elemento que permita sustentar, ainda que de forma meramente indiciária, que os Requerentes tenham permanecido em território português por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início no ano de 2017, e em especial no ano de 2021, ou que disponham de qualquer outro elemento de conexão que permita afirmar que têm, em Portugal, domicílio ou residência fiscal.
Por consequência, não se mostra verificado o critério de residência estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS.
Pelo exposto mesmo que os Requerentes residam fora de Portugal, devem entregar a declaração modelo 3 com o Anexo F, sempre que obtenham rendimentos prediais em território português.
Conforme o artigo 13.º do CIRS essa declaração deve constar os rendimentos obtidos fora de Portugal (Anexo J) conforme as instruções de preenchimento da declaração (Modelo 3 de IRS).
A atribuição de um Número de Identificação Fiscal (NIF) português aos Requerentes não implica, por si só, que estes sejam considerados residentes fiscais em Portugal para efeitos de IRS, nos termos do artigo 16.º do Código do IRS. A qualificação como residente fiscal depende, essencialmente, da verificação de factos concretos, nomeadamente o local do domicílio fiscal - entendido como o lugar onde o contribuinte reside habitualmente e onde está sujeito à tributação global dos seus rendimentos.
Conforme já referido nos factos provados, a Autoridade Tributária afirma, tanto na Resposta como no Processo Administrativo (PA), que “em 22-10-2017afirma que o Requerente, procedeu junto da AT, ao registo como residentes (Requerente e mulher) fiscais em Portugal;
Em 02-11-2017, foi criado o NIF através do documento cadastral ..., como “Não residente”;
Em 03-11-2017, através de alteração ao CC passou a constar como "Residente" - doc. CC02023..., situação que mantém até à data”.
Importa, assim, analisar se a mera atribuição de um Número de Identificação Fiscal (NIF) português, acompanhada do registo como residente junto da Autoridade Tributária, é suficiente, por si só, para qualificar os Requerentes como residentes fiscais em Portugal - condição essencial para a atribuição do estatuto de Residentes Não Habituais e para o consequente acesso aos benefícios fiscais associados.
Com efeito, de harmonia com o disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro, os elementos a recolher para o cadastro de registo de contribuinte são os seguintes.
Artigo 9.º
Elementos identificativos
1 -Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo anteriores são considerados e devidamente recolhidos os seguintes elementos identificativos do respetivo interessado:
a) Nome completo;
b) Domicilio fiscal;
c) Estatuto fiscal, de acordo com as regras de conexão de residência previstas no Código do IRS;
d) Naturalidade;
e) Nacionalidade;
f) Data de Nascimento;
g) Sexo;
h) Número de documento de identificação civil e respetiva designação;
i) Número de Identificação Bancária (NIB) ou Número Internacional de Conta Bancária (IBAN);
j) Grau de deficiência;
k) Contactos telefónicos;
l) Correio electrónico.
Para o cadastro do registo de contribuinte, não se recolhe “a morada” do contribuinte, mas o seu domicílio fiscal. Ora, sobre o conceito de domicílio fiscal pronunciou-se o TCAS em acórdão de 07/04/2011, proferido no Proc. 04550/11, nos seguintes termos:
“I) -O conceito de domicílio fiscal estatuído no disposto no artigo 19° da LGT, nomeadamente no seu n°1 é um domicílio especial que se refere a um lugar determinado para o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias o qual, sendo especial, é independente do estipulado no artigo 82° do C. C. embora, ideologicamente e na sua essência o disposto naquele primeiro inciso legal se conecte com a necessidade de o sujeito passivo e a A.F. estarem em contacto sempre que o for necessário para o exercício dos respectivos direitos e deveres, em homenagem ao princípio da colaboração ínsito no artº 59º da LGT. (…)”. (disponível em www.dgsi.pt/).”
Ou seja, o domicílio fiscal, estatuído no artigo 19.º da LGT como conceito meramente supletivo, enquanto um lugar determinado para o exercício de direitos e cumprimento das obrigações previstos nas leis tributárias não tem necessariamente lugar na residência habitual - o domicílio voluntário geral - acrescendo ainda o facto de, para efeitos de IRS, o conceito relevantemente imperativo é o conceito de residência que nem sequer coincide com o de “residência habitual”.
Não pode, ainda, deixar de se sublinhar que o artigo 13.º, da Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro, que está na base do automatismo instituído para integrar no registo dos contribuintes a “morada de contacto” criada pelo seu n.º 1, transformando-a em “domicílio fiscal” não tem essa finalidade.
Como supramencionado, o n.º 1 do artigo 13.º da citada Lei n.º 7/2007, prescreve que “1 - A morada é o endereço postal físico, livremente indicado pelo cidadão, correspondente ao local de residência habitual, ou o endereço correspondente aos locais e meios alternativos referidos no n.º 6".
No caso concreto em análise, o Requerente marido exerce funções profissionais na sede do Grupo E..., em França.
Atendendo às responsabilidades descritas no respetivo contrato de trabalho, bem como à factualidade apurada, é razoável inferir - com base nos factos provados e circunstâncias objetivas - que a residência habitual do Requerente, nos anos em que exerceu funções, se situava nas imediações do respetivo local de trabalho.
Acresce que, nos termos do contrato de trabalho, está expressamente prevista a realização de deslocações em contexto profissional, o que reforça a necessidade de proximidade entre a residência habitual e o local de exercício das funções.
Também não consta dos autos qualquer pedido formal dirigido à entidade patronal solicitando autorização para residir em Lisboa por motivos familiares, conforme previsto no contrato, o que fragiliza a alegação de que a residência habitual se localizaria nesse concelho. Acresce que, embora os Requerentes sejam proprietários de imóvel situado em Lisboa, o mesmo encontra-se arrendado, circunstância que, por si só, exclui a possibilidade de aí se localizar a sua residência habitual ou domicílio fiscal, nos termos legais aplicáveis.
Contudo, a mera indicação de residência em Portugal no registo da Autoridade Tributária não constitui, por si só, fundamento suficiente para determinar a residência fiscal para efeitos de tributação em sede de IRS.
Sobre o conceito de residência fiscal também se pronunciou o Acórdão do TCAS, de 08.07.2021, proferido no processo n.º 803/05.0BESNT:
“(…)
III. Saber de alguém é ou não residente em Portugal não está dependente do domicílio fiscal, por este não constituir, no plano internacional, qualquer presunção de residência.
IV. O conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, enquanto o domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais.”
De mencionar também o Acórdão do TCAS de 11-11-2021, proferido no processo n.º 2369/09.7BELRS, que menciona no sumário:
“I. A residência fiscal configura-se como um conceito basilar em termos de determinação da sujeição pessoal ao IRS
II. Os conceitos de domicílio fiscal (previsto no art. 19.º da LGT) e de residente fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos.
III. O dever de comunicação, previsto quer no n.º 1 do art. 43.º do CPPT quer no então art. 19.º, n.º 2, da LGT (atual n.º 3), não se trata de formalidade ad substanciam, pelo que a sua preterição não tem necessária e definitivamente impacto em termos de tributação.
(…)
V. Não obstante o domicílio fiscal do Impugnante, previsto no art.º 19.º da LGT, contemplar uma morada em Lisboa, esta circunstância distingue-se do conceito de residência fiscal para efeitos de IRS e não consubstancia qualquer presunção inilidível de que a residência fiscal é na morada ali constante.”
(...) os conceitos de domicílio fiscal e de residente para efeitos de IRS não são sinónimos.
Apelando às palavras de Alberto Xavier (Direito Tributário Internacional, 2.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 281):
“A noção de residência ou domicílio para efeitos de delimitação da esfera de incidência das normas tributárias de cada Estado é também distinta da noção de domicílio tributário de direito interno e que é um domicilio especial pelo qual a lei refere a um lugar bem determinado, o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres estabelecidos pelas normas tributárias, localizando o sujeito passivo com vista a fixar a circunscrição territorial em cuja área se situem os serviços de administração competentes para a prática de actos relativos à situação fiscal do contribuinte”.
Assim, de um lado, podemos discernir o conceito de domicílio fiscal previsto no art.º 19.º da LGT, cuja relevância mais evidente se situa ao nível dos contactos entre o contribuinte e a AT (aliás, cabe atualmente no conceito de domicílio fiscal o domicílio fiscal eletrónico).
Daí a previsão constante do art.º 43.º, n.º 2, do CPPT, no sentido de que a “falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos dos artigos anteriores, devido ao não cumprimento do disposto no n.º 1 [comunicação da alteração do domicílio], não é oponível à administração tributária, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efetuadas”.
Refira-se, aliás, que este dever de comunicação, previsto quer no n.º 1 do art.º 43.º do CPPT quer no então art.º 19.º, n.º 2, da LGT (atual n.º 3), não se trata de formalidade ad substanciam, o que significa que a sua preterição não tem necessária e definitivamente impacto em termos de tributação.
Já o conceito de residência fiscal tem subjacente outros pressupostos, como decorre do art.º 16.º do CIRS, a saber, designadamente:
a) Permanência em território português mais de 183 dias seguidos ou interpolados;
b) Permanência por menos tempo, se aí se dispuser, em 31 de dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.
Sublinhe-se que o conceito de residência fiscal, por referência ao número de dias de permanência no território, é um conceito comum em outros ordenamentos, como é o caso do espanhol, em cujo art.º 9.º, n.º 1, da Ley del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas então em vigor, se previa justamente como sendo residente, para efeitos deste tributo, ou tal permanência ou o centro de interesses situar-se naquele Reino.
Portanto, estamos perante dois conceitos distintos com teleologias também elas distintas.
Como se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 17.09.2015 (Processo: 00546/10.2BEVIS):
“É ponto assente que o conceito de residência não se confunde com o conceito de domicílio fiscal, definido no artigo 19º da LGT como local da residência habitual, pois que o conceito de domicílio fiscal não tem em vista determinar a lei tributária aplicável a certa situação, mas tão só fixar territorialmente os serviços (locais e regionais) da administração tributária competentes para lidar com o contribuinte no que se refere à sua situação tributária.
Tal significa que a residência assume a posição de elemento de conexão de maior relevo no âmbito do direito fiscal internacional, e bem assim no direito fiscal interno, além de que é o factor “residência” que determina quais as normas tributárias aplicáveis - de entre as normas de vários Estados (concorrentes) - e que delimita definitivamente o âmbito da incidência do imposto, demarcando também a extensão das obrigações tributárias dos contribuintes.
Nesta perspectiva, os impostos sobre o rendimento e o capital são, via de regra, desenhados e desenvolvidos a partir de uma dupla concepção ou dicotomia: por um lado, os contribuintes residentes e, por outro, os contribuintes não residentes, cuja diferenciação se faz sentir a respeito, designadamente, das obrigações declarativas, das técnicas de cobrança do imposto e das respectivas taxas aplicáveis.”
Ainda sobre a residência fiscal é de mencionar a decisão arbitral proferida no Processo n.º 36/2022-T, da qual destacamos: “O conceito de não residência fiscal resulta a contrario do próprio Código do IRS, uma vez que todos aqueles que não preencherem um dos critérios de residência fiscal previstos no artigo 16.º do Código do IRS deverão ser considerados não residentes fiscais em Portugal”.
Da análise da jurisprudência citada e das normas do CIRS mencionadas, considerar-se-á como residente em território nacional, para efeitos de tributação, quem se encontre em qualquer das situações enunciadas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS.
E, o conceito de “não residente” terá de ser determinado a contrario, devendo considerar-se como tal quem não se encontre em qualquer das situações previstas no n.º 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS.
Saber de alguém é ou não residente em Portugal não está dependente do domicílio fiscal, por este não constituir, no plano internacional, qualquer presunção de residência.
O conceito de residência enquadra-se no domínio das normas tributárias substantivas, sendo determinante para a verificação da existência e da extensão da obrigação tributária.
Já o domicílio fiscal, por sua vez, assume relevância no plano procedimental, projetando-se nas consequências de natureza processual, designadamente no âmbito das notificações e comunicações entre a administração tributária e o sujeito passivo.
Assim, o conceito de residência enquadra-se no âmbito das normas tributárias substantivas, sendo determinante para a verificação da existência e da extensão da obrigação tributária. Já o domicílio fiscal, por sua vez, assume relevância no plano processual, projetando-se nas consequências administrativas e procedimentais da relação jurídico-tributária.
Em conclusão, para que os Requerentes possam beneficiar do estatuto de Residentes Não Habituais (RNH), impõe-se, antes de mais, a demonstração cumulativa dos seguintes requisitos: (i) não terem sido considerados residentes fiscais em Portugal em qualquer dos cinco anos anteriores a 2017; e (ii) serem qualificados como residentes fiscais em território português no ano em que requerem o estatuto.
Pelo exposto este Tribunal Arbitral decide que o pedido arbitral é totalmente improcedente.
7. Do pedido de reembolso e juros indemnizatórios
Os Requerentes pedem o reembolso do imposto pago e o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.
Decorre do número 1 desse artigo que existe direito a juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Nestes termos a atribuição de juros indemnizatórios encontra-se dependente da procedência da ilegalidade dos atos de liquidação contestados, o que não sucede nos presentes autos.
Dada a decisão de improcedência do pedido improcede também o pedido de reembolso do imposto pago e direito a juros indemnizatórios.
8. Decisão
Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito supra expostos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo
a) Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter na ordem jurídica o despacho proferido em 23 de outubro de 2024 pelo Diretor de Serviço Central da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Serviços de IRS, que indeferiu o pedido de revisão oficiosa apresentado contra o ato de liquidação de IRS relativo ao ano de 2021, bem como o ato de liquidação de IRS n.º 2022 ..., no montante global de €168.961,22;
b) Condenar os Requerentes nas custas do processo.
9. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 168.961,22€, indicado pelo Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
10. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em, 3.672,00€ nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo dos Requerentes.
Notifique-se
Porto, 8 de outubro de 2025
Os Árbitros
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(Regina de Almeida Monteiro-Presidente)
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(José Coutinho Pires- Adjunto)
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(A. Sérgio de Matos-Adjunto)