Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 83/2025-T
Data da decisão: 2025-10-07  IRC  
Valor do pedido: € 64.535,58
Tema: IRC sobre dividendos pagos a OIC não residentes; violação do direito da União Europeia
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SUMÁRIO:

 

1.     O disposto no artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a fundos constituídos segundo a legislação nacional, excluindo do mesmo os fundos constituídos segundo legislações de outros Estados-Membros da EU, é incompatível com a previsão do artigo 63.º do TFUE.

2.     Tendo-se concluído que o regime nacional viola o Direito da União Europeia, e considerando que este tem primado sobre aquele por força do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, impõe-se a anulação das retenções na fonte impugnadas.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Prof. Doutor Victor Calvete (árbitro Presidente), Prof. Doutor Vasco Branco Guimarães e Prof. Doutora Raquel Franco (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 31 de março de 2025, acordam no seguinte:

I.       RELATÓRIO

A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português ..., com sede em ...– ...,  ..., Alemanha, (doravante designado de “Requerente”), vem, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), deduzir pedido de pronúncia arbitral para apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2022 e 2023, bem como da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa previamente apresentada contra os mesmos atos de liquidação.

Muito sucintamente, na ótica do Requerente, que invoca a favor da sua tese o acórdão do TJUE proferido a 17 de março de 2022, no processo n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), Portugal, ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC, os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia, simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, de forma frontal, o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”).

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 22.01.2025, e em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do 
Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei 
n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, foi nessa mesma data notificada a AT.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram no prazo legalmente estipulado a aceitação dos respetivos encargos.

Em 11.03.2025, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído em 31.03.2025, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, tendo sido subsequentemente notificada a AT para, querendo, apresentar resposta, o que veio a fazer a 12.05.2025. Em síntese, afirma que o TJUE tem entendido que o facto de determinado Estado-membro não conceder a entidades não residentes os benefícios fiscais que concede aos residentes, apenas poderá ser discriminatório se residentes e não residentes se encontrarem numa situação comparável e que, no caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento se encontram plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português. Com efeito, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente. Ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores. Ou seja, a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir, na opinião da AT, por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois, como se viu, embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não se pode afirmar que as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros Estados Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.

Através de despacho de 25.07.2025, o Tribunal notificou as Partes para se pronunciarem, no prazo de 15 dias, sobre a questão da legitimidade e regularidade do presente PPA, tendo em conta, nomeadamente, que:

(i)             Na reclamação graciosa apresentada pelo A..., não se fez qualquer referência à sua entidade gestora, nem esta teve qualquer intervenção no processo;

(ii)           No pedido de pronúncia arbitral o A... não faz qualquer referência à sua entidade gestora, nem esta teve qualquer intervenção no processo.

A 12.08.2025, a Requerente apresentou a sua pronúncia ao supra referido despacho, afirmando que:

(i)             A procuração junta aos autos foi assinada pelas duas pessoas que representam a entidade gestora do fundo (cf. Certificado na apostila que foi aposta à procuração)

(ii)           A procuração foi assinada em nome da B... mbH, entidade gestora do fundo

(iii)         A entidade gestora não foi referida na p.i. por mero lapso de escrita, tendo agora sido requerida a respetiva correção no sentido de se incluir no PPA a menção “neste ato representado pela sua entidade gestora B... mbH"

(iv)          O fundo Requerente pode ser sujeito de relações jurídicas tributárias (art. 15.º LGT), é titular de direitos e obrigações tributárias, possui personalidade judiciária tributária (art. 3.º CPPT) e é suscetível de ser parte em processos judiciais tributários.

A 04.09.2025, a Requerida apresentou a sua pronúncia, tendo defendido que a falta de identificação e menção da entidade gestora resulta numa situação de falta de legitimidade singular; que é inadmissível o chamamento à lide do real titular do interesse em demandar e que deveria ser declarada a procedência da exceção dilatória de ilegitimidade do Requerente. 

 

II.       SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, nºs. 1 e 3 ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, nº 2, ambos do RJAT.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

Quanto à questão da regularidade na representação do Requerente fundo, oportunamente suscitada pelo Tribunal e relativamente à qual as Partes tiveram oportunidade de se pronunciar, entende este Tribunal o seguinte:

Quer o PPA, quer a reclamação graciosa que o antecede, foram apresentados, na aparência, pelo OIC, uma vez que não se refere, nos respetivos cabeçalhos, que é o fundo que está a praticar os referidos atos, "representado por”. Simultaneamente, num caso como no outro, é apresentada uma procuração, a favor dos mandatários que assinam a peça, outorgada pelos representantes legais do fundo – ou seja, é a entidade gestora do fundo que, para todos os efeitos, outorga a procuração, constituindo, assim, como mandatários, os advogados que apresentaram a reclamação graciosa e o PPA. 

Quando confrontada com essa situação, a Requerente alega o erro de escrita no cabeçalho do PPA e pede a respetiva retificação, de forma a que apareça no cabeçalho que o fundo está, nesse ato, a ser representado pela entidade gestora (assegurando, assim, a coerência com a procuração oportunamente apresentada e atrás referida).

Com o pedido de retificação apresentado, que este Tribunal entende ser de aceitar nos termos gerais previstos nos artigos 146.º do Código de Processo Civil e 249.º do Código Civil, no âmbito do processo arbitral, a irregularidade fica, assim, sanada. Não há sequer necessidade de se ratificar o processado anterior, porque a procuração junta aos autos já indiciava que era a entidade gestora a praticar o ato (embora não viesse concretamente referida no PPA, foram os seus representantes que outorgaram a procuração).

Poderia, ainda, colocar-se a questão de saber se a mesma irregularidade, ocorrida ao nível do processo de reclamação graciosa, produz algum impacto sobre o PPA, eventualmente até no sentido de se considerar que, por não ter sido regularmente apresentada a reclamação graciosa, essa irregularidade poderia impedir a produção do indeferimento tácito daquela reclamação, colocando em crise o PPA que deu início a este processo. Não nos parece, contudo, que seja essa a consequência a retirar do exposto.

Com efeito, trata-se, também em sede graciosa, de uma irregularidade do cabeçalho da reclamação, já que, também nessa sede, a procuração que acompanhou a reclamação graciosa foi outorgada a favor dos advogados que subscrevem a peça, pelos representantes da entidade gestora do OIC. 

É certo que essa irregularidade não foi sanada, no âmbito do processo administrativo, como o foi, agora, em sede de PPA. Contudo, no âmbito do procedimento tributário, vigoram princípios de proporcionalidade e simplicidade (cf. artigos 55.º da LGT e 46.º do CPPT) que devem, no entender deste Tribunal, ditar que a consequência a extrair dessa irregularidade seja condizente com a sua gravidade e com a real afetação do procedimento tributário em causa.

Por outro lado, atendendo ao disposto no artigo 56.º da LGT, a AT estava obrigada a pronunciar-se sobre a reclamação graciosa em causa uma vez que se trata de (i) um assunto da sua competência; (ii) apresentado por meio de reclamação; (iii) pelo sujeito passivo; (iv) não se verificando nenhuma das exceções ao dever legal de decisão previstas no n.º 2 do mesmo dispositivo legal.

Estando a AT obrigada a pronunciar-se, aplica-se o disposto nos números 1 e 5 do art. 57.º da LGT, ou seja, o incumprimento do prazo de 4 meses, “contado a partir da entrada da petição do contribuinte no serviço competente da administração tributária, faz presumir o seu indeferimento para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial.”

Assim, tendo-se formado na ordem jurídica o ato tácito de indeferimento, o prazo para apresentação do PPA conta-se a partir da respetiva data, sendo, no caso, tempestiva a apresentação do PPA e não havendo, portanto, consequências para o âmbito arbitral da irregularidade ocorrida ao nível gracioso. Neste sentido, pode o Tribunal avançar para a apreciação do mérito do pedido arbitral oportunamente apresentado.

 

III.    FUNDAMENTAÇÃO

III. 1. Matéria de facto 

A. Factos provados

Para a decisão da causa submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar os factos relevantes que se julgam provados nos documentos juntos pelas Partes ao presente processo:

A.   O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país. 

B.    Nos anos de 2022 e de 2023, o Requerente era titular de participações sociais em sociedades residentes em Portugal, designadamente a C... SGPS, S.A. e a D..., S.A.

C.   Com referência aos anos de 2022 e de 2023, a Requerente pagou IRC em Portugal sobre dividendos colocados à sua disposição neste país, por aquelas sociedades, por retenção na fonte, à taxa de 25%, prevista no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC, no valor de € 64.535,58.

D.   O imposto em causa foi entregue através das guias de retenção na fonte n.º ... (submetida em 15/06/2022), n.º ... (submetida em 18/07/2022), n.º ... (submetida em 17/01/2023), n.º ... (submetida em 19/17/2023) e n.º ... (submetida em 17/01/2024).

E.    A requerente apresentou Reclamação Graciosa dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) ocorridos entre 19.05.2022 e 27.12.2023, aquando da colocação à disposição de dividendos decorrentes de participações sociais detidas em duas sociedades residentes em Portugal.

F.    A reclamação graciosa foi remetida por correio registado a 19.06.2024,

G.   Tendo-lhe sido atribuído o número ...2024... .

H.   Até ao momento, não foi proferida resposta à reclamação graciosa apresentada.

 

B.    Factos não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos não provados.

 

C.   Fundamentação da fixação da matéria de facto

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT. 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.

 

III. 2. Matéria de Direito 

1. Apreciação do direito aplicável in casu

O Requerente é um fundo de investimento constituído ao abrigo do direito alemão que, nos anos de 2022 e 2023, recebeu dividendos, pagos em Portugal, por sociedades de direito português, relativamente aos quais foram efetuadas retenções na fonte à taxa de 25%. 

Tendo oportunamente apresentado uma reclamação graciosa relativamente aos referidos atos de retenção na fonte, foi a mesma tacitamente indeferida. 

Assim, cabe ao Tribunal avaliar da legalidade dos referidos atos tributários, bem como do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada, face ao ordenamento jurídico que lhes era aplicável nas datas em que foram praticados.

O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção vigente em 2022, estabelecia o seguinte:

Artigo 22.º Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional. 

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1. 

4 – Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC. 

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC. 

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual. 

7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime. 

9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo, no entanto, ser inferior a um ano civil: 

a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil; 

b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade. 

10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.

12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC. 

13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC. 

14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia. 

15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba. 

16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.

O Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, que, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, procedeu à reforma do regime de tributação dos organismos de investimento coletivo, alterando o Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, o Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro e a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, prevê, no respetivo artigo 7.º, que “as regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015”. 

Ora, no n.º 1 do mencionado artigo 22.º do EBF, estabelece-se que o regime nele previsto é aplicável aos “fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”, o que, sendo o Requerente um fundo constituído ao abrigo da lei alemã, determina a sua exclusão da aplicação do regime em causa. 

Contudo, defende o Requerente que, do regime previsto no artigo 22.º do EBF, resulta um tratamento discriminatório para os OIC não residentes, mas cujos rendimentos são tributados em Portugal, em relação aos residentes, sendo esse tratamento discriminatório incompatível com o disposto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que estabelece, no respetivo número 1, que, “no âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.” 

A esse propósito, cumpre, porém, referir que, do disposto no artigo 65.º do TFUE resulta uma restrição do potencial âmbito daquela previsão normativa, já que aí se refere (n.º 1) que “O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros: a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido; b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.” O n.º 2 dispõe ainda que “o disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados” e o n.º 3 que “As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.”

Torna-se evidente, assim, que o mero tratamento diferenciado da situação dos residentes e dos não residentes é, apenas, um indício de que poderá haver uma discriminação violadora da previsão do artigo 63.º, n.º 1, do TFUE. No ensejo de clarificar as situações em que essa discriminação efetivamente ocorre nos casos de tributação de OIC residentes e não residentes, o TJUE, em acórdão de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, concluiu que “O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

No que ao contexto português diz respeito, é, ainda, de assinalar que o próprio Supremo Tribunal Administrativo uniformizou a jurisprudência sobre a matéria em causa, seguindo a jurisprudência do TJUE, em acórdão de 28-09-2023, proferido no âmbito do processo n.º 093/19, clarificando o já conhecido princípio do primado do direito europeu, consagrado no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição, em que se estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático” e dando cumprimento ao entendimento do próprio STA no sentido de que a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais quando tem por objeto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, pode ver-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602). 

Considerando o exposto, resulta clara a ilegalidade, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, do artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a fundos constituídos segundo a legislação nacional, excluindo do mesmo os fundos constituídos segundo legislações de outros Estados-Membros da UE. 

Consequentemente, são ilegais, por vício de violação de lei, os atos de retenção na fonte impugnados, relativos ao ano de 2022 e ao ano de 2023, bem como o ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra os mesmos, o que determina a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT. 

2. Questões de conhecimento prejudicado

Tendo-se concluído que o Direito da União Europeia impõe a anulação das retenções na fonte impugnadas e que este tem primado sobre o direito de fonte nacional, por força do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, fica prejudicado, por ser inútil (nos termos do disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento das restantes questões suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que não se toma delas conhecimento.

3. Do reembolso das quantias pagas e do pagamento de juros indemnizatórios

Verificando-se que foram pagas as quantias liquidadas sobre os rendimentos em causa, em virtude da aplicação da taxa liberatória de 25%, e tendo sido determinada a ilegalidade dos atos de liquidação em causa, existe fundamento para o reembolso, por parte da AT, da totalidade da quantia retida na fonte, o que equivale ao valor de € 64.535,58. 

Por outro lado, foi ainda formulado pelo Requerente um pedido de pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, em acórdão datado de 29-06-2022, proferido no âmbito do processo n.º 93/21.7BALSB, clarificando que, em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do ato tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à AT depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efetivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para o cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artigo 43.º, n.ºs 1 e 3, da LGT. 

No caso em apreço, a reclamação graciosa foi apresentada em 19.06.2024 e não foi expressamente respondida, tendo-se formado o ato tácito de indeferimento tácito em 19.10.2024. 

Assim, de harmonia com a referida jurisprudência uniformizada, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde 20.10.2024, devendo estes ser contados tendo por base a quantia de € 64.535,58, desde essa data até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

IV.    DECISÃO 

Termos em que se decide:

a)  Julgar procedente o pedido arbitral, com a consequente anulação dos atos de retenção na fonte de IRC pagos com referência aos exercícios de 2022 e de 2023, no valor total de € 64.535,58;

b)  Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, desde 20.10.2024, devendo estes ser contados tendo por base a quantia de € 64.535,58, desde essa data até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril;

c)  Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

  V.       VALOR DO PROCESSO

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 64.535,58 (sessenta e quatro mil, quinhentos e trinta e cinco euros e cinquenta e oito cêntimos) que a AT não questionou e que corresponde ao valor da liquidação de imposto a que se pretendia obstar, para efeitos do disposto no art.º 3.º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa. 

 

VI.    CUSTAS

Custas a cargo da Requerida, no montante de € 2.448,00 (dois mil, quatrocentos e quarenta e oito euros), nos termos dos artigos 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 7 de outubro de 2025

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Victor Calvete

 

O Árbitro vogal

 

Vasco Branco de Guimarães

 

A Árbitra vogal (relatora)

 

Raquel Franco

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

Vencido quanto à decisão de impor à AT o pagamento de juros que só poderiam ser da responsabilidade do legislador (nos termos do disposto no artigo 15.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro) – porque me parece apodíctico que, como se escreveu noutro acórdão uniformizador do STA, proferido em 30 de Janeiro de 2019 (processo nº 0564/18.2BALSB), “não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT)”.

Em conformidade com tal jurisprudência – que entendo especial em relação à geral que foi invocada pela maioria –, defendi que a atribuição de juros ao Requerente só se poderia sustentar na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT (por analogia) uma vez que o que a AT não podia fazer no momento da liquidação era exactamente o mesmo que a AT não podia fazer no momento da avaliação da decisão da reclamação graciosa: não podia (ainda para mais, necessariamente, sem due process, sem contraditório, sem imparcialidade, sem possibilidade de suscitar o reenvio e sem recurso obrigatório do MP) desaplicar a lei que está vinculada a cumprir. Tal como, aliás, tem sido decidido por outros colectivos arbitrais: por exemplo, as decisões dos processos n.ºs 90/2019-T, 215/2021-T, 368/2021-T, 808/2022T, 996/2023-T, 297/2024-T, 303/2024-T e 304/2024-T.

 

Lisboa, 7 de outubro de 2025

Victor Calvete