Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 163/2025-T
Data da decisão: 2025-10-07  IMI  
Valor do pedido: € 11.790,40
Tema: IMI / AIMI — Isenção relativa a imóveis classificados como Património Mundial pela UNESCO.
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SUMÁRIO: I — Resulta do art. 14.º, n.º 4, do EBF que o ato que tenha indevidamente concedido um benefício fis­cal produz efeitos até que venha a ser revogado (ou administrativamente anulado).

II­ — Estando provado que a AT proferiu ato administrativo em matéria tributária a reconhecer, para determinado pré­dio, a vigência de um benefício fiscal de isenção de IMI e, por outro lado, não tendo tal ato sido objeto de revo­ga­ção ou anulação administrativa, não se poderá deixar de concluir que, aquando da prolação das liquidações im­pug­nadas, o referido prédio goza­va de isenção em sede de IMI e também em sede de AIMI [art. 135.º-C, n.º 3, al. a), do CIMI].

 

DECISÃO ARBITRAL

 

— I —

(relatório)

 

            A..., contri­­buin­te n.º ..., residente na Rua ... –..., n.º..., em Coimbra, e B..., contribuinte n.º ..., residente na ..., n.º ..., ..., ..., em Coimbra  (doravante “as requerentes”), vieram deduzir pedido de pronúncia arbitral tributária contra a AUTO­­RI­DADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “a AT” ou “a requerida”), peticio­nando a declaração da ilegalidade e anulação parcial dos atos de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) relativos aos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023.

Para tanto alegaram, em síntese, que a 1.ª requerente é titular de metade do direito de propriedade do prédio urbano sito na ..., n.os ... a ..., em Coimbra, inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... sob o artigo n.º ... (doravante “o Prédio”); que a 2.ª requerente é titular de um usufruto vitalício relativo à outra metade do direito de propriedade do Prédio, sendo assim ambas as requerentes os sujeitos passivos do IMI devido por tal prédio; que o Prédio se situa no perímetro da...– ... e ..., o qual se integra na lista do Património Mundial da UNESCO, conforme resulta do Aviso n.º 14917/2013, publicado no Diário da República, n.º 236, 2.ª série, de 05-12-2013, estando o Prédio incluído nesse conjunto assim classificado; que, tendo em consideração tal classificação como Património Mundial da UNESCO e a localização do imóvel aqui em causa, o mesmo não foi objeto de tributação em sede de IMI desde o ano de 2019, na sequência da apresentação pelas requerentes de um pedido de reconhecimento da isenção junto do Serviço de Finanças de Coimbra-..., e sua concessão por este serviço periférico; que em junho de 2024, as requerentes foram notificadas por aquele Serviço de Finanças da intenção da AT proceder ao cancelamento da isenção de IMI de que o prédio aqui em causa vinha beneficiando desde 2019 e para, querendo, exercerem o seu direito de audição prévia sobre tal projetada intenção; que até à data nunca lhes foi notificada qualquer decisão definitiva de cancelamento da isenção de IMI com referência ao Prédio; que, isso não obstante, foram notificadas em dezembro de 2024 de um conjunto de atos de liquidação de IMI e AIMI que incidiam sobre o Prédio (doravante “as Liquidações Impugnadas”), a cujo pagamento procederam; que, a ter efetivamente sido proferido, a falta de notificação do despacho de revogação da isenção de IMI inquina, de forma irremediável, os atos de liquidação de imposto daí resultantes, porquanto resultam de atos que não possuem a virtualidade de produzir quaisquer efeitos jurídicos, sendo o eventual ato de revogação do benefício fiscal aqui em crise ineficaz em relação às requerentes; que as Liquidações Impugnadas são ilegais na medida em que, nos termos do art. 44.º, n.º 1, al. n), do EBF, os prédios classificados como monumentos nacionais está isentos de IMI e, por seu turno, resulta do art. 15.º da Lei n.º 107/2001 que os bens culturais incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respetiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional, independentemente dessa classificação ser individual ou por integração em conjunto ou sítio; que, de acordo com os referidos preceitos legais, os prédios classificados como “monumentos nacionais” se encontram  isentos de IMI, isenção que é, nos termos legais, de carácter automático, resultando diretamente da lei e não carecendo de qualquer ato posterior de reconhecimento; que, nesta sequência, inexistem dúvidas de que o Prédio se encontra isento de IMI, isenção que, atualmente, ainda se mantém, pelo que os atos de liquidação de IMI e de AIMI objeto da presente arbitragem enfermam de erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo ser anulados; que os montantes de imposto liquidados pelas Liquidações Impugnadas foram colocados a pagamento pelas requerentes, pelo que têm estas direito ao reembolso dos montantes por si indevidamente pagos, bem como ao pagamento de juros indemnizatórios.

Concluíram peticionando a declaração da ilegalidade e anulação parcial das Liquidações Impugnadas. Mais peticionaram, a título acessório, a condenação na restituição da quantia de imposto por elas indevidamente paga, bem como no pagamento de juros indemnizatórios.

Juntaram documentos e procurações forenses, declarando não pretender proceder à designação de árbitro. Atribuíram à causa o valor de EUR 11.790,40 e procederam ao pagamento da taxa de arbitragem inicial.

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            Constituído o Tribunal Arbitral Singular, nos termos legais e regulamentares aplicá­veis, foi determinada a notificação da administração tributária requerida para os efeitos previstos no art. 17.º do RJAT.

            Depois de devidamente notificada, a requerida veio apresentar resposta, na qual se defen­deu por impugnação. Sustentou a requerida, em síntese, que o Prédio não integra o conjunto classificado como património da humanidade, mas sim a zona especial de proteção deste conjunto, pelo que não preenche, nem preenchia à data da atribuição, os requisitos subjacentes à isenção de IMI estatuída no art. 44.º, n.º 1, al. n), do EBF; que, uma vez verificada a errónea ausência de tributação do Prédio em sede de IMI e AIMI, foi o mesmo submetido à aplicação do regime de tributação-regra daqueles impostos, na sequência do que, com respeito pelo prazo de caducidade previsto no art. 116.º do CIMI, foram emitidas as Liquidações Impugnadas, que são devidas e não padecem de quaisquer vícios.

            Concluiu pela improcedência do pedido e sua consequente absolvição. Juntou um despacho de nomeação de mandatários forenses e documentos.

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            Pelos despachos de 05-06-2025, 25-06-2025 e 11-07-2025, o Tribunal determinou às partes a realização de diversas diligências instrutórias.

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            Pelo despacho de 10-09-2020 foi determinado o encerramento da fase de instrução processual, dispensada a realização da audiência final e convidadas as partes a, querendo, procederem à apresentação de alegações escritas. Apenas as requerentes alegaram, mantendo no essencial as posições que já haviam sustentado nos respetivos articulados, tendo ainda juntado o comprovativo de pagamento do remanescente da taxa de arbitragem.

 

 

— II —

(saneamento)

 

Nos termos do art. 13.º do CPTA, aplicável à arbitragem tributária por via do art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT, o conhecimento da competência precede o de todas as demais matérias. Porém, uma vez que, por um lado, o âmbito de atuação da jurisdição arbitral tributária está li­mi­tado em razão do valor da causa (art. 3.º, n.º 1, da Port. n.º 112-A/2001) e, por outro lado, a compe­tência funcional das formações, singulares ou colegiais, de julgamento está igual­men­te depen­dente do concreto valor fixado para cada arbitragem (art. 5.º, n.os 2 e 3, do RJAT), ter-se-á, primeiramente, de proceder à determinação do valor da causa que funciona assim como uma condição prévia à cognição da competência.

Ora, nos termos do art. 97.º-A do CPPT, quando se impugnem atos de liquidação o valor atendível, para efeitos de custas, será o da importância cuja anulação se pretende. Tendo presente que as requerentes peticionam a invalidação parcial de diversos atos tributários pelo montante total de EUR 11.790,40 que alegam ter suportado indevidamente e não se vislum­brando qualquer motivo para divergir dessa quantificação, há que aceitar o mon­tan­te indicado na p.i., que aliás não foi objeto de impugnação pela requerida. 

Fixo assim à presente arbitragem o valor de EUR 11.790,40.

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Fixado que está o valor da causa, e uma vez que este não excede o dobro do montante da alça­da dos tribunais centrais administrativos, é então possível concluir que o presente Tri­bu­­nal Arbitral Singular dispõe de competência funcional (art. 5.º, n.º 2, do RJAT); atento o mon­tan­te fixado, conclui-se que dispõe igualmente de competência em razão do valor para conhe­cer da presente arbitragem (art. 4.º, n.º 1, in fine, do RJAT e art. 3.º, n.º 1, da Port. n.º 112-A/2011). 

Este Tribunal Arbitral é também competente em razão da matéria para conhecer da presente causa por força do art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e da vinculação à arbitragem tributária institucionalizada do CAAD por parte da adminis­tração tributária requerida, tal como resulta da Portaria de Vinculação.

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Apresentam-se coligadas ambas as requerentes cumulando diversas pretensões de invalidação de distintos atos tributários.

Importa decidir da admissibilidade da coligação de autoras e da cumulação de pedidos.

Nos termos do art. 3.º do RJAT, “[a] cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.”

Ora, no caso em apreço, não se suscita qualquer dúvida de que a apreciação dos pedidos deduzidos por ambas as requerentes tem por base as mesmas circunstâncias de facto e a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito a situações de facto perfeitamente idênticas.

Vai assim admitida a coligação das requerentes, bem como a cumulação dos pedidos de anulação por ambas deduzidos nesta arbitragem.

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Inexistem quaisquer questões prévias ou outras questões prejudiciais que obstem ao conhecimento do objeto da causa. Não se verificam igualmente nulidades processuais de que importe conhecer, quer por terem sido invocadas pelas partes, quer ainda por serem do conhecimento oficioso

***

            Devidamente saneados os autos, as questões são então as seguintes:

— ilegalidade parcial das Liquidações Impugnadas decorrente de erro nos pressupostos de facto, na medida em que o Prédio estaria incluído no na lista do património da humanidade da UNESCO e, portanto, sujeito a uma isenção automática de IMI e AIMI; 

— ilegalidade parcial das Liquidações Impugnadas decorrente de erro nos pressupostos de facto e de direito, na medida em que teria sido proferido ato expresso de reconhecimento da isenção de IMI.

 

Acessoriamente, importa ainda decidir acerca da restituição às requerentes dos mon­tan­tes por si indevidamente pagos ao abrigo dos atos tributários impugnados, bem como a condenação da requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

 

— III —

(fundamentação de facto)

 

FACTOS PROVADOS:

Com relevância para a decisão das questões decidendas na presente arbitragem, considero provados os seguintes factos:

A.   A 1.ª requerente é proprietária plena de uma quota-ideal de um-meio do direito de propriedade relativo ao Prédio e nua-proprietária da restante quota [doc. n.º 3 junto com a p.i.].

B.    A 2.ª requerente é, desde 2014, usufrutuária de uma quota-ideal de um-meio do direito de propriedade relativo ao Prédio [doc. n.º 3 junto com a p.i.].

C.   Em 09-05-2019 a 1.ª requerente apresentou no Serviço de Finanças de Coimbra-... um pedido de reconhecimento de isenção de IMI com referência ao Prédio [documento junto com o requerimento de 23-06-2025].

D.   Na sequência do requerimento referido em C. foram instaurados os processos de isenção n.os ..., ..., ..., ..., ... e ..., os quais foram objeto de deferimento sem despacho manuscrito por parte do Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra-... .

E.    Em 04-06-2024 o Serviço de Finanças de Coimbra-... dirigiu à 1.ª requerente o ofício n.º 2024...notificando-a para, querendo, exercer o direito de audição prévia acerca de um projeto de decisão de cancelamento da isenção de IMI referente ao Prédio [doc. n.º 7, junto com a p.i.].

F.    Em 04-06-2024 o Serviço de Finanças de Coimbra-... dirigiu à 2.ª requerente um ofício notificando-a para, querendo, exercer o direito de audição prévia acerca de um projeto de decisão de cancelamento da isenção de IMI referente ao Prédio [doc. n.º 8, junto com a p.i.].

G.   Em dezembro de 2024 a 1.ª requerente foi notificada dos seguintes atos tributários [doc. n.º 1 junto com a p.i.]:

— Liquidação de IMI n.º 2020-..., no valor de € 25,35, referente ao ano de 2020;

— Liquidação de IMI n.º 2020-..., no valor de € 680,93, referente ao ano de 2020;

— Liquidação de IMI n.º 2021..., no valor de € 25,35, referente  ao ano de 2021;

— Liquidação de IMI n.º 2021..., no valor de € 680,93, referente ao ano de 2021;

— Liquidação de IMI n.º 2022..., no valor de € 25,54, referente ao ano de 2022; 

— Liquidação de IMI n.º 2022..., no valor de € 686,04, referente ao ano de 2022;

— Liquidação de IMI n.º 2023..., no valor de € 25,54, referente ao ano de 2023;

— Liquidação de IMI n.º 2023..., no valor de € 686,04, referente ao ano de 2022;

— Liquidação de AIMI n.º 2021..., no valor de € 1.521,23, referente ao ano de 2021;

— Liquidação de AIMI n.º 2022..., no valor de € 1.521,23, referente ao ano de 2022;

— Liquidação de AIMI n.º 2023..., no valor de € 1.538,25, referente ao ano de 2023;

— Liquidação de AIMI n.º 2024..., no valor de € 1.538,25, referente ao ano de 2024.

 

H.   Em dezembro de 2024 a 1.ª requerente foi notificada dos seguintes atos tributários [doc. n.º 2 junto com a p.i.]:

— Liquidação de IMI n.º 2020..., no valor de € 25,35, referente ao ano de 2020;

— Liquidação de IMI n.º 2020..., no valor de € 680,93, referente ao ano de 2020;

— Liquidação de IMI n.º 2021..., no valor de € 25,35, referente ao ano de 2021;

— Liquidação de IMI n.º 2021..., no valor de € 680,93, referente ao ano de 202;

— Liquidação de IMI n.º 2022..., no valor de € 25,54, referente ao ano de 2022;

— Liquidação de IMI n.º 2022..., no valor de € 686,04, referente ao ano de 2022;

— Liquidação de IMI n.º 2023..., no valor de € 25,54, referente ao ano de 2023;

— Liquidação de IMI n.º 2023..., no valor de € 686,04, referente ao ano de 2022;

 

I.     As requerentes colocaram a pagamento as notas de cobrança correspondentes aos atos tributários referidos em G. H. [doc. n.º 8 junto com a p.i.].

J.     Nos procedimentos tributários a que dizem respeito os ofícios mencionados nos pontos E. F. do probatório não chegou a ser proferida qualquer decisão final.

 

 

FACTOS NÃO PROVADOS:

Com relevância para a decisão da causa de acordo com as diversas solu­ções plausíveis da questão de direito considero como não provado o seguinte facto:

— Que o Prédio faça parte do conjunto inscrito na lista do património mundial da UNESCO sob a denominação “...—...e ...”.

 

 

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

Os factos constantes do probatório resultam provados pela prova documental junta pelas partes nos seus articulados ou durante a fase da instrução da causa. Em especial, os factos A. C. E. I. resultam demonstrados pelos documentos expressamente identificados em cada um dos correspondentes pontos do probatório.

Quanto ao facto D. do probatório, este resulta demonstrado pela confissão efetuada pela requerida no seu requerimento apresentado em 10-09-2025. Por seu turno, o facto J. resulta demonstrado pela circunstância de, no Processo Administrativo junto pela requerida, não ser possível vislumbrar qualquer documentação da prolação de decisões finais nos procedimentos tributários instaurados em vista do cancelamento da isenção de IMI de que as requerentes vinham beneficiando com referência ao Prédio.

Já o facto considerado não provado resulta da circunstância de não ter sido feita prova nos autos acerca da realidade a que o mesmo diz respeito, não obstante a sua alegação pelas requerentes, expressamente impugnada pela requerida, que sustentou que o Prédio estaria incluído, não no conjunto classificado como património mundial, mas sim na zona especial de proteção desse conjunto. Com efeito, a certidão que as requerentes juntaram como documento n.º 5 da p.i. não permite dilucidar esta questão, na medida em que nela se certifica apenas que o imóvel está abrangido por servidão administrativa do património cultural. Ora, tanto é servidão administrativa de proteção do património cultural a classificação de um imóvel (indi­vi­dua­lizada ou por integração num conjunto), como a sua inclusão na zona proteção de um outro imóvel ou conjunto, esse sim alvo de classificação. Trata-se de servidões adminis­tra­ti­vas com diferentes intensidades às quais se aplicam distintos níveis de compressão do direito de propriedade dos proprietários afetados e a que correspondem regimes jurídico-tributários di­versos. Tão-pouco oferece qualquer esclarecimento a esse respeito o ofício n.º ... de 12/04/2024 da C.M. Coimbra junto com o articulado de resposta da requerida, já que se limita à afirmação conclusiva, não motivada e sem invocação de qualquer razão de ciência, de que se trataria de “prédios com isenção irregular.

Assim, uma vez que era sobre as requerentes que incidia o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos de que se arrogam (art. 74.º, n.º 1, da LGT), a dúvida quanto à verificação de algum desses factos terá de ser resolvida contra elas, por serem aquelas a quem os mesmos aproveitariam (art. 414.º do CPC).

 

 

— IV —

(fundamentação de direito)

 

DA APLICAÇÃO DA ISENÇÃO PREVISTA NO ART. 44.º DO EBF,

Como primeira causa de pedir, sustentam as requerentes que o Prédio se situa no perímetro “... – ... e...”, que se trata de um conjunto incluído na lista do Património Mundial da UNESCO e, nessa medida, classificado de monumento nacional, nos termos da Lei de Bases do Património Cultural. Por seu turno, essa circuns­tância consentiria que o mesmo Prédio ficasse isento de tributação em sede de IMI (e de AIMI) por força do disposto no art. 44.º, n.º 1, do EBF que, no que diz respeito aos imóveis clas­sificados como monumentos nacionais, prescinde do requisito da classificação indivi­dua­li­zada.

Ora, como facilmente se depreende da decisão da matéria de facto proferida nos pre­sen­tes autos, as requerentes não lograram efetuar a demonstração dos factos que permitiriam, no ca­so concreto, concluir pelo reconhecimento do direito a usufruir do benefício fiscal que invocam neste processo. Dito de outro modo: nesta arbi­tra­gem não fica­ram probatoriamente demonstrados a totalidade dos pressupostos factuais que inte­gravam esta sua causa de pedir, pelo que não poderá deixar de improceder o vício de violação de lei decorrente de erro nos pres­su­­pos­­tos de facto que as requerentes assacavam às Liquidações Impugnadas.

Por este motivo, improcede este vício.

 

DA VIOLAÇÃO DO CASO DECIDIDO ADMINISTRATIVO,

Seguidamente, invocam as requerentes que, com referência ao Prédio, teriam requerido junto do Serviço de Finanças de Coimbra-2 o reconhecimento expresso do benefício fiscal de isenção de IMI, pretensão que teria sido deferida, alegações que saem confirmadas pela matéria de facto dada como provada na presente causa.

Com efeito, está provado nos presentes autos que, em 09-05-2019, a 1.ª requerente apresentou no serviço local de finanças pedido de reconhecimento de isenção de IMI com referência ao Prédio [facto C. do probatório] e que esse pedido foi objeto de deferimento por parte do Chefe do Serviço de Finanças [facto D.]. Mais ficou provado que, em 2024, o referido serviço notificou as requerentes, para efeitos de exercício do direito de audiência prévia, de um projeto de decisão de cancelamento da isenção de IMI referente ao Prédio anteriormente reconhecida [factos E. F.], procedimentos no âmbito dos quais não chegou a ser proferida qualquer decisão final [facto J.].

Por conseguinte, à data de prolação das Liquidações Impugnadas vigorava um ato administrativo em matéria tributária que reconhecera expressamente a isenção do Prédio em sede de IMI e as diligências administrativas entretanto desencadeadas com vista ao cancelamento ou anulação administrativa de tal ato não chegaram a concluir com a prolação de qualquer decisão final e definitiva.

Dispõe-se no art. 14.º, n.º 4, do EBF que “[o] ato administrativo que conceda um benefício fiscal não é revogável”, excecionando-se porém as situações em que “o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele ato pode ser revogado.”

Deste preceito resulta que o ato que tenha indevidamente concedido um benefício fiscal produz efeitos até que venha a ser revogado (ou administrativamente anulado). Estando, como se disse, provado que foi proferido ato a reconhecer, para o Prédio, a vigência de benefício fiscal de isenção de IMI e, por outro lado, não tendo sido tal ato objeto de revogação, não se poderá deixar de concluir que, à data de prolação das Liquidações Impugnadas, o Prédio gozava de isenção em sede de IMI e também em sede de AIMI [art. 135.º-C, n.º 3, al. a), do CIMI].

Assim, as Liquidações Impugnadas padecem do vício de violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de facto e de direito, na medida em que, à data em que foram proferidas, estaria vigente ato administrativo em matéria tributável a reconhecer expres­as­men­te que o Prédio beneficiava de isenção de IMI, o qual, de resto, não consta que tenha, até à data, sido revogado ou administrativamente anulado.

Procede, assim, este vício assacado às Liquidações Impugnadas.

 

DOS PEDIDOS ACESSÓRIOS,

Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, caracterizado por pronúncias constitutivas (arts. 99.º e 124.º do CPPT), nele podem ainda extrair-se efeitos condenatórios no confronto da administração tributária, como resulta patente do facto de nesse meio processual poder haver lugar à condenação no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida. Acresce que, de harmonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão,” preceitos legais aplicáveis à arbitragem tributária por força da expressa remissão, a título de direito subsidiário, do artigo 29.º, n.º 1, als. a) e c), do RJAT.

Por outro lado, face ao disposto no art. 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT, fica a administração tributária requerida vinculada a, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito.”

Donde, nada obsta a que, no processo arbitral tributário possa haver lugar à condenação da administração tributária requerida na restituição aos requerentes das quantias por eles pagas na decorrência de atos tributários que venham, nessa sede arbitral, a ser anulados ou declarados nulos. De resto, tal constitui uma prática jurisdicional difusa nos tribunais arbitrais tributários constituídos sob a égide do CAAD.

Tendo ficado provado que as requerentes procederam ao pagamento do imposto liquidado pelos atos tributários parcialmente anulados nesta arbitragem (facto I. do proba­tó­rio) terá também de proceder a pretensão de condenação da AT a restituir-lhes as quantias de imposto por elas indevidamente pagas ao abrigo dos atos de liquidação agora parcialmente anulados, como se determinará a final.

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            Decorre do art. 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão da qual não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários estaduais, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando todos os atos e operações necessários para o efeito. Esta norma não pode ser desligada do que se dispõe no art. 100.º da LGT, nos termos do qual a plena reconstituição da situação atual hipotética compreende “o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.” Especificamente no que concerne à obrigação de juros indemnizatórios dispõe-se no art. 43.º, n.º 1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” De realçar que o erro que se exige nesta norma não corresponde a um erro psicológico ou volitivo e a sua verificação tão-pouco reclama um juízo de culpabilidade da administração ou dos seus agentes: o erro de que se cuida neste preceito legal é o erro material ou objetivo que integra o vício de violação de lei, entendido como a desconfor­mi­dade entre os pressupostos factuais invocados como motivação ou causa do ato concreto e a previsão normativa em que se fundou o agir administrativo (erro nos pressu­pos­tos de facto) ou a divergência entre o conteúdo ou o objeto do ato e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis (erro nos pressupostos de direito).

Dúvidas não podem existir de que a pretensão relativa a juros indemnizatórios tem também cabimento no meio processual arbitral. Na realidade, dispõe-se no art. 24.º, n.º 5, do RJAT que é “devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.” Tal norma­tivo, conjugado com a circunstância de o processo arbitral ser uma alternativa à impug­na­ção judicial, deve ser entendido como permitindo a condenação da administração fiscal no paga­mento de juros indemnizatórios no quadro do processo arbitral.

Aplicando este enquadramento jurídico ao caso sub judice, e tendo ficado provado que as requerentes procederam ao pagamento das obrigações tributárias correspondente às liquidações parcial­mente anuladas nos presentes autos e que estas, por seu turno e no segmento em que foram invalidadas, estão feridas de vício de violação de lei decorrente de erro nos pressupos­tos de facto e de direito — circunstância que permite imputar a ilegalidade de que os atos padecem dire­ta­­men­te à conduta da requerida, por terem sido por praticados pelos seus órgãos —, tanto basta para que se possa concluir pelo preenchimento dos pressupostos do direito a juros in­dem­ni­za­tó­rios nos termos das citadas normas legais.

Tem assim também de proceder o pedido acessório de condenação no pagamento de juros indemnizatórios. 

 

DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS DA ARBITRAGEM,

            Vencida na presente arbitragem, é a requerida responsável pelas custas — art. 12.º, n.º 2, do RJAT e arts. 4.º, n.º 5, e 6.º, al. a), do Regulamento de Custas da Arbitragem Tributá­ria do CAAD (doravante “o Regulamento”).

Desse modo, tendo em conta o valor fixado ao processo em sede de saneamento (que, recorde-se, foi de EUR 11.790,40), por aplicação da l. 3 da Tabela I ane­xa ao mencionado Regulamento, a final fixar-se-á a taxa de arbitragem no montante de EUR 918,00, em cujo pagamento será condenada a requerida.

 

— V —

(dispositivo)

 

            Assim, pelos fundamentos expostos, julgo a presente arbitragem totalmente proce­den­te e em conse­quência:

a)    Declaro ilegal e anulo parcialmente, nos segmentos em que cada um desses atos incluíu na base tributável que serviu para o apuramento do imposto devido o valor patrimonial tributário correspondente ao prédio inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... sob o artigo n.º ..., os seguintes atos tribu­tá­rios:

— Liquidação de IMI n.º 2020-... referente ao ano de 2020;

— Liquidação de IMI n.º 2020-... referente ao ano de 2020;

— Liquidação de IMI n.º 2021 ... referente ao ano de 2021;

— Liquidação de IMI n.º 2021... referente ao ano de 2021;

— Liquidação de IMI n.º ... referente ao ano de 2022; 

— Liquidação de IMI n.º 2022 ... referente ao ano de 2022;

— Liquidação de IMI n.º 2023 ... referente ao ano de 2023;

— Liquidação de IMI n.º 2023 ... referente ao ano de 2022;

— Liquidação de AIMI n.º 2021... referente ao ano de 2021;

— Liquidação de AIMI n.º 2022... referente ao ano de 2022;

— Liquidação de AIMI n.º 2023 ... referente ao ano de 2023;

— Liquidação de AIMI n.º 2024... referente ao ano de 2024.

— Liquidação de IMI n.º 2020 ... referente ao ano de 2020;

— Liquidação de IMI n.º 2020 ... referente ao ano de 2020;

— Liquidação de IMI n.º 2021 ... referente ao ano de 2021;

— Liquidação de IMI n.º 2021 ... referente ao ano de 202;

— Liquidação de IMI n.º 2022... referente ao ano de 2022;

— Liquidação de IMI n.º 2022 ... referente ao ano de 2022;

— Liquidação de IMI n.º 2023... referente ao ano de 2023;

— Liquidação de IMI n.º 2023... referente ao ano de 2022;

 

b)    Condeno a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir às requerentes os montantes de imposto por estas indevidamente pagos ao abrigo dos segmentos ora anulados dos atos tributários referidos em a);

c)    Condeno a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento às reque­­rentes de juros in­demni­zatórios calculados, à taxa legal, sobre a quantia de im­pos­­to que estas pa­garam inde­vidamente ao abrigo dos segmentos ora anu­la­dos dos atos de liquidação referidos em a), contados desde a data dos respetivos pagamentos e até ao processa­men­to integral das correspon­den­tes notas de crédito;

d)    Condeno a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do pre­sente processo arbitral tributário, cuja taxa de arbitragem fixo em EUR 918,00.

 

Notifiquem-se as partes.

 

CAAD, 7/10/2025

O Árbitro,

 

 

(Gustavo Gramaxo Rozeira)