Sumário:
I – Configura incompatibilidade com o direito da UE quando se pretende aplicar tributação de mais-valias imobiliárias a residentes noutro Estado da UE sem a redução de 50% que a Lei prevê para residentes. II – Tal interpretação do artigo 43º, do CIRS, viola o disposto no artigo 63º, do TFUE, por discriminação negativa não consentida. III - Tal discriminação mantém-se mesmo no caso da possibilidade de opção prevista no artigo 72º, do CIRS
ACÓRDÃO ARBITRAL
Acordam em Tribunal Arbitral:
I. Relatório
1. A..., contribuinte n.º..., com domicílio fiscal na ..., n.º ..., ..., Barcelona, Espanha, doravante designada “Requerente”, tendo sido notificada, mediante o ofício datado de 7 de Novembro de 2024 da Direção de Serviços de Justiça Tributária, do despacho proferido em 7 de Novembro de 2024, pelo Subdiretor-geral, ao abrigo de Subdelegação de competências, que determinou o indeferimento do Recurso Hierárquico deduzido pela Requerente (cfr. Documento n.º 1) contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2018..., relativa ao ano de 2017, no montante global a pagar de € 146.306,06 (cfr. Documento n.º 2), veio apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral visando o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, o não provimento do recurso hierárquico e o ato de liquidação de IRS mencionado.
2. Pede a Requerente a anulação parcial do ato de liquidação de IRS n.º 2018..., relativo ao ano de 2017, no montante de € 73.153,03, correspondente à diferença de tributação resultante da consideração em 100 % ou 50 % da mais-valia realizada pela aqui Recorrente, aplicando-se ao mesmo a taxa autónoma de 28%, tudo com as demais consequências legais, designadamente a restituição à Recorrente da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal.
3. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, AT ou Requerida).
4. Em 3-2-2025, o pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT.
5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6, n.º 2, al. a) e do artigo 11, n.º 1, al. a), ambos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo devido.
6. As partes, notificadas dessa designação em 24-3-2025, não manifestaram vontade de a recusar (cf. artigo 11, n.º 1, al. b) e c) do RJAT, em conjugação com o disposto nos artigos 6 e 7 do Código Deontológico do CAAD), pelo que, ao abrigo da al. c) do n.º 1 do artigo 11 do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 11-4-2025.
7. Em 13-4-2025, foi proferido despacho a determinar a notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo e solicitar, querendo, a produção de prova adicional (cf. artigo 17 do RJAT).
8. A Requerida veio apresentar resposta, em 21-5-2025, remetendo também cópia do processo administrativo (PA).
8.A Considerando o PPA e a Resposta oferecida pela Requerente, o Tribunal Arbitral proferiu despacho, em 22-5-2025, dispensando a reunião a que alude o artigo 18º, do RJAT, por não haver exceções ou outras questões a debater nesse âmbito, e conferindo às partes o prazo de 20 dias para a apresentação de alegações finais escritas.
9. Ambas as partes apresentaram as alegações em 9-6-2025.
Posição das partes
10. Compulsado o PPA, a resposta e as alegações, a posição das partes é, em síntese, a seguinte:
10.1 A Requerente peticiona a anulação parcial do ato de liquidação IRS nº 2018..., relativa ao ano de 2017, no montante a pagar de €146.306,06 (Doc 2, com o PPA) na sequência do indeferimento do recurso hierárquico relativo ao ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da mencionada liquidação;
Argumenta, em síntese e no essencial, da seguinte forma:
(a) O pedido de revisão oficiosa que formulou ao abrigo do disposto no artigo 78º-1 (2ª parte), da LGT, tem por fundamento a existência de erro imputável aos serviços da AT na medida em que, neste conceito está abrangida qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente que, no caso, não sucede;
(b) Em causa, segundo alega, a tributação discriminatória e atentatória dos princípios da igualdade em violação, entre outros, do artigo 50º, do Tratado da União Europeia, aplicado a residentes noutro Estado-Membro quando realizem mais valias decorrentes da alienação de imóveis situados em Portugal;
(c) No caso, a Requerente adquiriu, a título oneroso, mediante escritura pública outorgada a 26 de Março de 1991,
(um quarto) da nua propriedade do prédio urbano sito na ..., n.ºs ... e ..., tornejando para a ..., n.ºs ... e ..., em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º ... da freguesia de ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ..., pelo preço global de 33.000.00,00 escudos (trinta e três milhões de escudos), o que equivale a €164.603,33 (cento e sessenta e quatro mil, seiscentos e três euros e trinta e três cêntimos), tendo ficado reservado para os vendedores – os seus pais – o usufruto vitalício do prédio (cfr. Documento n.º 8).
(d) E através de escritura pública realizada a 14 de Julho de 2017, a Requerente e os seus três irmãos procederam à constituição da propriedade horizontal e à consequente divisão de coisa comum do prédio urbano (que identifica), passando o prédio a ser formado por 20 (vinte) frações autónomas, tendo lhe sido atribuído o valor global de € 2.225.635 (dois milhões, duzentos e vinte e cinco mil, seiscentos e trinta e cinco euros) (cfr. Documento n.º 9).
(e) Conforme resulta da escritura pública realizada a 14 de Julho de 2017, à Requerente foram adjudicadas 5 (cinco) frações autónomas, designadas pelas letras “D”, “G”, “N”, “P” e “R”, no valor global de € 538.002,75 (quinhentos e trinta e oito mil e dois euros e setenta e cinco cêntimos) (cfr. cit. Documento n.º 9).
(f) Posteriormente, através de escritura pública realizada a 23 de Agosto de 2017, a Requerente procedeu à alienação onerosa das sobreditas 5 (cinco) frações autónomas do prédio urbano acima melhor identificado, a B..., pelo preço global de € 675.000 (seiscentos e setenta e cinco mil euros) (cfr. Documento n.º 10) dividido da seguinte forma:
- a fracção autónoma com a letra “D, correspondente ao 1.º esquerdo, pelo preço de € 151.000 (cento e cinquenta e um mil euros);
- a fracção autónoma com a letra “G”, correspondente ao 2.º direito, pelo preço de € 145.000 (cento e quarenta e cinco mil euros);
- a fracção autónoma com a letra “N”, correspondente ao 5.º direito, pelo preço de € 145.000 (cento e quarenta e cinco mil euros);
- a fracção autónoma com a letra “P”, correspondente ao 6.º direito, pelo preço de € 145.000 (cento e quarenta e cinco mil euros)
- a fracção autónoma com a letra “R”, correspondente ao 7.º direito, pelo preço de € 89.000 (oitenta e nove mil euros).
(g) Atenta a referida alienação das cinco frações autónomas, a Requerente entregou, no dia 1 de Junho de 2018, na qualidade de não residente em Portugal, a sua correspondente declaração modelo 3 de IRS, relativa aos rendimentos obtidos, em 2017, em território português, na qual declarou, para além dos rendimentos prediais derivados do arrendamento das cinco frações autónomas, a totalidade da mais-valia imobiliária que realizou com a alienação do sobredito prédio urbano (cfr. Documento n.º 11).
(h) Nessa sequência, a Requerente veio a ser notificada do ato de liquidação de IRS n.º 2018..., relativo ao ano de 2017, que previa um valor a pagar de € 146.306,06 (cento e quarenta e seis mil trezentos e seis euros e seis cêntimos) (cfr. cit.Documento n.º 2).
(i) Por não ter efetuado o pagamento do referido imposto dentro do prazo de pagamento voluntário, a Administração tributária instaurou contra a ora Requerente, no dia 3 de Janeiro de 2019, o processo de execução fiscal n.º ...2019... .
(j) A Requerente veio a realizar, no dia 31 de Janeiro de 2019, o pagamento do IRS de 2017, no valor de € 146.306,06 (cento e quarenta e seis mil trezentos e seis euros e seis cêntimos), acrescido da quantia de € 97,34 (noventa e sete euros e trinta e quatro cêntimos), a título de custas (cfr. Documento n.º 12).
(k) Sendo o valor das mais-valias para os residentes em território português tributado, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, tendo apenas em consideração 50% do seu valor e, pelo contrário, no caso de não residentes, a tributação é pela totalidade desse valor.
(l) E, por outro lado, enquanto a um não residente em Portugal, é aplicada uma taxa fixa especial de 28% sobre a matéria coletável correspondente à totalidade das mais-valias realizadas, no caso dos residentes, apenas metade da matéria coletável correspondente às mais valias é tida em consideração para efeitos da aplicação das taxas gerais progressivas do imposto, contidas na Tabela do artigo 68º, do CIRS.
(m) Esta tributação diferente desfavorece os não residentes e, consequentemente, constitui uma violação do princípio da liberdade de circulação de capitais entre Estados-Membros da UE, nos termos do TFUE, conforme já decidiu e concluiu o TJUE, ou seja, de que o artigo 43º-2, do CIRS é incompatível com o direito europeu quando prevê uma limitação da tributação a 50% das mais valias realizadas apenas aos residentes em Portugal (cfr Acórdão Hollmann, de 11 de outubro de 2007 – Proc C-443/06).
(n) Na sequência e em consequência deste aresto, o CIRS foi alterado pela Lei do Orçamento do Estado para 2008 (Lei 67-A/2007, de 31-12) que estabeleceu a opção para os contribuintes não residentes em Portugal e residentes na UE e EEE (e desde que exista troca de informações) de aplicarem as taxas progressivas que seriam aplicáveis aos residentes em Portugal.
(o) No entanto, manteve-se a consideração de 100% da mais-valia para efeitos de aplicação tanto da taxa fixa de 28% (regime regra) como das taxas progressivas (regime opcional), permanecendo a regra de que somente o valor das mais-valias imobiliárias realizadas por residentes fiscais em Portugal era considerado em 50%.
(p) O TJUE, o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) e o Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) pronunciaram-se já no sentido de considerarem essa norma discriminatória e, como tal, contrária ao Direito da União Europeia.
(q) Vejam-se, a este respeito, o Acórdão do TJUE, proferido a 11 de Outubro de 2017, no âmbito do Processo C-443/06, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, um proferido a 22 de Março de 2011, no âmbito do Processo n.º 1031/10 e outro proferido a 30 de Abril de 2013, no âmbito do Processo n.º 01374/12, e, em especial, as decisões do CAAD, a proferida a 5 de Junho de 2012, no âmbito do Processo n.º 45/2012-T, a proferida a 14 de Maio de 2013, no âmbito do Processo n.º 127/2012-T e a proferida a 27 de Julho de 2016, no âmbito do Processo n.º 748/2015-T.
(r) Conforme resulta do que vem sendo exposto, a Administração tributária assenta a sua decisão de indeferimento no facto de a Requerente ter optado pela aplicação das regras aplicáveis a residentes, tal como previsto no artigo 17.º-A do CIRS.
(s) Qualquer opção pelo regime de tributação que os não residentes possam tomar não sana, a discriminação decorrente do artigo 43.º n.º 2 do CIRS.
(t) Nesta sequência, o entendimento de inúmera e recente jurisprudência do STA, nomeadamente os Acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.º 064/20.0BALSB e n.º 0901/11.0BEALM, tem sido claro quanto à correta interpretação que deve ser feita.
(u) Ou seja: resulta claro que o ato de liquidação em crise encerra uma ilegalidade evidente, na medida em que não aplica à Requerente o regime da limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, por aquela não ser residente, e a subsequente aplicação da taxa autónoma de 28%.
(v) Por fim, e ainda à laia de interpretação do regime previsto no artigo 43.º do Código do IRS, importa fazer referência ao Ofício Circulado n.º 20255, de 14 de Abril de 2023 que com vista à harmonização dos procedimentos dos diversos serviços de finanças e que instrui os mesmos no sentido de, no que diz respeito aos rendimentos de mais-valias auferidos “(…) por sujeitos passivos não residentes, até 31/12/2022, cujas liquidações tenham sido ou venham a ser objeto de procedimento ou processo tributário, mantém-se em vigor o entendimento no sentido da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS aos sujeitos passivos não residente, considerando-se o saldo das mais valias imobiliárias em apenas 50 % do seu valor, sujeito a tributação autónoma à taxa especial de 28 %.” - cfr. Ofício Circulado n.º 20255, de 14 de Abril de 2023
(w) Concluindo: dúvidas não podem subsistir de que a liquidação aqui reclamada carece de fundamento legal, devendo, necessariamente, concluir-se pela incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º, do CIRS, com o artigo 63.º, do TFUE, o que determina, a final, a ilegalidade, parcial, da liquidação objeito de Recurso Hierárquico, com restituição do valor de € 73.153,03 [diferença de tributação resultante da consideração em 100% ou 50% da Mais-Valia realizada] e inerentes juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43º e 100º, da LGT
10.2 A Requerida alega, em síntese, na Resposta:
10.2.1 A Requerente foi informada que, na sequência de esclarecimento que apresentou em 18-12-2018, deveria apresentar documento comprovativo dos rendimentos auferidos no estrangeiro para ser considerada a opção prevista no artigo 17º-A, do CIRS, sob pena de ser tributada pelo regime geral dos não residentes;
10.2.2 Analisados os documentos apresentados pela Requerente foi proposto o encerramento da divergência em 21-2-2019, pelo ofício GI-... e notificada sobre a conclusão do procedimento de divergências sem correções;
10.2.3 No pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78º-1, da LGT (erro imputável aos serviços), pretendeu a Requerente a exclusão de 50% das mais valias e a tributação à taxa de 28%;
10.2.4 Em 16-4-2023 foi proferida decisão de indeferimento do procedimento na consideração de que o valor das mais valias para os residentes em território português é tributado em 50%, de harmonia com o disposto no artigo 43º-2, do CIRS;
10.2.5 Todavia, atendendo à opção efetuada na declaração de tributação nos termos do artigo 17º-A, do CIRS, foi a requerente tributada nos termos do disposto nesse artigo;
10.2.6 No recurso hierárquico interposto, foi invocado que o ato de liquidação encerra uma “ilegalidade evidente” na medida em que não se lhe aplica o regime da limitação da tributação a 50% das mais valias realizadas, nem a taxa autónoma de 28%, porquanto não é a Requerente residente em Portugal;
10.2.7 A decisão no recurso hierárquico confirmou o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa;
10.2.8 Insiste a Requerida que a liquidação foi elaborada de acordo com os elementos declarados pela Requerente e de acordo com a opção assinalada de tributação nos termos do artigo 17º-A, do CIRS;
10.2.9 A discriminação negativa suscetível de restringir a circulação de capitais, com destaque para o Ac Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) do STA de 9-12-2020, não tem aplicação no caso porquanto a Requerente foi tributada na mesma condição dos residentes e teve direito à redução de 50%, nos termos do artigo 43º-2, do CIRS;
10.2.10 Ou seja, o saldo das mais-valias foi considerado em 50% do valor [artigo 43º-2/b), do CIRS] e, como tal, tributado às taxas gerais do artigo 68º, do CIRS;
10.2.11 – Respeitada assim a opção de tributação da Requerente, não ficou esta, enquanto não residente, sujeita a carga fiscal superior àquela que seria aplicada a um residente.
II – Saneamento
11. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2, n.º 1, a) e 5 do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10, n.º 1, al. a), do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4 e 10, n.º 2 do RJAT e artigo 1 da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de março, na redação da Portaria n.º 287/2019, de 3 de setembro).
12. O processo não enferma de nulidades.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
III – FUNDAMENTAÇÃO
§1. Factos provados
13. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
(a) A Requerente adquiriu, por meio de aquisição onerosa, mediante escritura pública outorgada a 26 de Março de 1991,
(um quarto) da nua propriedade do prédio urbano sito na ..., n.ºs ... e ..., tornejando para a ..., n.ºs ... e ..., em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º... da freguesia de ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo..., pelo preço global de 33.000.00,00 escudos (trinta e três milhões de escudos), o que equivale a €164.603,33 (cento e sessenta e quatro mil, seiscentos e três euros e trinta e três cêntimos), tendo ficado reservado para os vendedores – os seus pais – o usufruto vitalício do prédio (cfr. Documento n.º 8).
(b) E através de escritura pública realizada a 14 de Julho de 2017, a Requerente e os seus três irmãos procederam à constituição da propriedade horizontal e à consequente divisão de coisa comum do prédio urbano (que identifica), passando o prédio a ser formado por 20 (vinte) frações autónomas, tendo lhe sido atribuído o valor global de € 2.225.635 (dois milhões, duzentos e vinte e cinco mil, seiscentos e trinta e cinco euros) (cfr. Documento n.º 9).
(c) À Requerente foram adjudicadas 5 (cinco) frações autónomas, designadas pelas letras “D”, “G”, “N”, “P” e “R”, no valor global de € 538.002,75 (quinhentos e trinta e oito mil e dois euros e setenta e cinco cêntimos) (cfr. cit. Documento n.º 9).
(d) Posteriormente, através de escritura pública realizada a 23 de Agosto de 2017, a Requerente procedeu à alienação onerosa das sobreditas 5 (cinco) frações autónomas do prédio urbano acima melhor identificado, a B..., pelo preço global de € 675.000 (seiscentos e setenta e cinco mil euros) (cfr. Documento n.º 10) dividido da seguinte forma:
- a fração autónoma com a letra “D, correspondente ao 1.º esquerdo, pelo preço de € 151.000 (cento e cinquenta e um mil euros);
- a fração autónoma com a letra “G”, correspondente ao 2.º direito, pelo preço de € 145.000 (cento e quarenta e cinco mil euros);
- a fração autónoma com a letra “N”, correspondente ao 5.º direito, pelo preço de € 145.000 (cento e quarenta e cinco mil euros);
- a fração autónoma com a letra “P”, correspondente ao 6.º direito, pelo preço de € 145.000 (cento e quarenta e cinco mil euros)
- a fração autónoma com a letra “R”, correspondente ao 7.º direito, pelo preço de € 89.000 (oitenta e nove mil euros).
(e) Atenta a referida alienação das cinco frações autónomas, a Requerente entregou, no dia 1 de Junho de 2018, na qualidade de não residente em Portugal, a sua correspondente declaração modelo 3 de IRS, relativa aos rendimentos obtidos, em 2017, em território português, na qual declarou, para além dos rendimentos prediais derivados do arrendamento das cinco frações autónomas, a totalidade da mais-valia imobiliária que realizou com a alienação do sobredito prédio urbano (cfr. Documento n.º 11).
(f) Nessa sequência, a Requerente veio a ser notificada do ato de liquidação de IRS n.º 2018..., relativo ao ano de 2017, que previa um valor a pagar de € 146.306,06 (cento e quarenta e seis mil trezentos e seis euros e seis cêntimos) (cfr. cit.Documento n.º 2).
(g) Por não ter efetuado o pagamento do referido imposto dentro do prazo de pagamento voluntário, a Administração tributária instaurou contra a ora Requerente, no dia 3 de Janeiro de 2019, o processo de execução fiscal n.º ...2019... .
(h) A Requerente veio a realizar, no dia 31 de Janeiro de 2019, o pagamento do IRS de 2017, no valor de € 146.306,06 (cento e quarenta e seis mil trezentos e seis euros e seis cêntimos), acrescido da quantia de € 97,34 (noventa e sete euros e trinta e quatro cêntimos), a título de custas (cfr. Documento n.º 12).
(i) No sobredito ato de liquidação não foi aplicado à Requerente o regime da limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, por aquela não ser residente, e a subsequente aplicação da taxa autónoma de 28%.
(j) O Ofício Circulado da AT, n.º 20255, de 14 de Abril de 2023 que visa a harmonização dos procedimentos dos diversos serviços de finanças instrui os mesmos no sentido de, no que diz respeito aos rendimentos de mais-valias auferidos “(…) por sujeitos passivos não residentes, até 31/12/2022, cujas liquidações tenham sido ou venham a ser objeto de procedimento ou processo tributário, mantém-se em vigor o entendimento no sentido da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS aos sujeitos passivos não residente, considerando-se o saldo das mais valias imobiliárias em apenas 50 % do seu valor, sujeito a tributação autónoma à taxa especial de 28 %.”
§2. Factos não provados
14. Não se revelam provados ou não provados quaisquer outros factos essenciais para o objeto do pedido.
§3. Fundamentação da matéria de facto
15. Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123, n.º 2, do CPPT e do artigo 607, n.º 3, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29, n.º 1, als. a) e e), do RJAT.
Assim é que os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre da aplicação conjugada do artigo 596, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29, n.º 1, e), do RJAT.
16. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, em especial os elementos constantes do processo administrativo consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
III – FUNDAMENTAÇÃO (cont.)
O Direito
17. Compulsados o PPA, a Resposta e as alegações apresentadas pelas partes, resultam essenciais para decidir as seguintes questões: (I) saber se o disposto no artigo 43º-2, do CIRS é ou não compatível com o artigo 63º, do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), (ii) se o facto de atualmente esse regime poder ser afastado pelos sujeitos passivos, designadamente quando manifestem a opção prevista no artigo 72º, do CIRS, tal faculdade, quando exercida, afasta a discriminação negativa dos não residentes relativamente aos residentes e (iii) se os atos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e do recurso hierárquico são ou não de manter na ordem jurídica.
18. Analisando mais de perto as questões em causa, conjugando-as com a matéria provada e assim sintetizada:
a) A Requerente, na qualidade de não residente em Portugal, em resultado de venda, em 2017, de 5 (cinco) frações autónomas que adquirira nesse mesmo ano na sequência de ação de divisão de coisa comum, espelhou na declaração modelo 3 de IRS relativa aos rendimentos obtidos em 2017 em território português, a mais-valia imobiliária obtida com essa venda.
b) A AT, procedeu à liquidação de IRS nº 2018..., no valor de €146.306,06, não tendo aplicado nessa liquidação o regime de limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas e a subsequente aplicação da taxa autónoma de 28%, conforme previsto no artigo 43º-2, do CIRS
19. Em causa saber se a mais-valia realizada pela Requerente só deve ou pode ser considerada em 50% na medida em que o entendimento diferente da AT viola o princípio da livre circulação de capitais consagrado no artigo 63º-1, do Tratado da União Europeia, ou seja, saber se é compatível com o direito da UE a existência de uma norma que discrimine o regime fiscal aplicável a residentes e não residentes, quando este últimos sejam cidadãos nacionais de outros estados membros da UE.
Vejamos:
20. Esta matéria foi inicialmente tratada pelo TJUE no “Acórdão Hollmann” (Proc C-443/06, de 11-10-2007) que teve por objeto uma situação ocorrida em data anterior às alterações introduzidas ao artigo 72º, do CIRS pela Lei nº 67-A/2007 e no qual se decidiu que “(...) o artigo 56º, CEE [atual artigo 63º, do TFUE] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional (...) que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um imóvel situado num Estado-Membro (...) quando essa alienação é efetuada por um residente de outro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel (...)”
21. Pois bem, a citada Jurisprudência “Hollmann”, é de manter intocada após as situações ocorridas em momento posterior ao das alterações introduzidas pelo artigo 72º, do CIRS, pela Lei nº 67-A/2007 – Cfr., v. g., Acórdãos do STA nos Processos nºs 0439/06, 0103/10, 0901/11.0BEALM, 01374/12 e 01172/4, todos publicados e passíveis de consulta em www.dgsi.pt e decisões arbitrais nos processos do CAAD nºs 45/2012, 127/2012-T, 748/2015-T, 89/2017-T, 644/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 55/2019-T, publicados em www.caad.org.pt.
22.Na verdade, a alteração do quadro legal pela Lei nº 67-A/2007 (OE para 2008), não impede que persista uma situação de discriminação no tratamento de residentes e não residentes, com prejuízo para estes últimos, ainda que residam em país da União Europeia.
23.E vai neste mesmo sentido, de forma praticamente unânime, o entendimento da Jurisprudência, ou seja, que a citada alteração legislativa não resolveu o problema de discriminação pré-existente.
24. Assinale-se que, a propósito da existência de um regime de opção em tudo idêntico ao introduzido pelo artigo 72º, do CIRS pela Lei nº 67-A/2007, já se pronunciou o TJUE no denominado “Acórdão Gielen” (proc nº C-440/08, de 18-3-2010) , considerando que a introdução do regime de opção não resolvia o problema e apesar deste acórdão se referir a uma questão relativa à liberdade de circulação de pessoas e não à liberdade de circulação de capitais, a verdade é que o princípio em causa é o mesmo: preservar a liberdade de circulação e a não discriminação entre regimes aplicáveis com fundamento na residência ou na nacionalidade dos sujeitos passivos no seio da UE.
25.Por outro lado, como bem assinala o acórdão do TJUE proferido no processo nº C-184/18, “(...) não existe nenhuma diferença objetiva das situações dessas duas categorias de contribuintes que justifique a desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias por eles realizadas em resultado da alienação de um bem imóvel situado em Portugal (...). Por conseguinte, a situação em que se encontram os contribuintes não residentes (...) é comparável à dos contribuintes residentes (...)”.
26.E é este o entendimento que tem vindo a ser também invariavelmente sufragado pelo STA que, por exemplo, em 20-2-2019, proferiu elucidativo acórdão, no processo nº 0692/17, assim sumariado: I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático». II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU. III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).
27. À luz destas sumárias mas suficientes considerações é que se revelam ilegais os atos sob impugnação de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e do recurso hierárquico e, nessa medida, também é ilegal a liquidação de IRS nº 2018..., relativa ao ano de 2017, procedendo, deste modo, o pedido de anulação dessa liquidação no montante correspondente ao valor excedente a 50% da mais-valia realizada, com aplicação da taxa autónoma de 28%, conforme pedido.
Juros indemnizatórios
28. No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
29.Dispõe o nº 1 deste artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
30. Considerou-se no acórdão do STA de 8 de Março de 2017, proferido no proc. 01019/14, em sintonia com jurisprudência constante do mesmo Tribunal, o seguinte: “Sobre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência desta secção uniforme e reiteradamente afirmado que o respetivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afetada pelo erro (Vide, entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos in www.dgsi.pt.).”
31. Por outro lado, consta do acórdão TJUE de 4 de dezembro de 2018,no processo C‑378/17, em linha com a jurisprudência do mesmo Tribunal aí referida, o seguinte: “(...) Como diversas vezes afirmou o Tribunal de Justiça, a referida obrigação de não aplicar uma legislação nacional contrária ao direito da União incumbe não só aos órgãos jurisdicionais nacionais mas também a todos os órgãos do Estado, incluindo as autoridades administrativas, encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, o direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, n.o 31; de 9 de setembro de 2003, CIF, C‑198/01, EU:C:2003:430, n.o 49; de 12 de janeiro de 2010, Petersen, C‑341/08, EU:C:2010:4, n.o 80; e de 14 de setembro de 2017, The Trustees of the BT Pension Scheme, C‑628/15, EU:C:2017:687, n.o 54).
32. Daqui resulta que o princípio do primado do direito da União impõe não só aos órgãos jurisdicionais mas a todas as instâncias do Estado‑Membro que confiram plena eficácia às normas da União.
33.Na decisão do processo The Trustees of the BT Pension Scheme, C‑628/15, pode também ler-se que: “há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tanto as autoridades administrativas como os órgãos jurisdicionais nacionais encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, as disposições do direito da União têm a obrigação de garantir a plena eficácia dessas disposições e de não aplicar, se necessário pela sua própria autoridade, qualquer disposição nacional contrária, sem pedir nem aguardar pela eliminação prévia dessa disposição nacional por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (v., neste sentido, relativamente às autoridades administrativas, acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, n.o 31, e de 29 de abril de 1999, Ciola, C‑224/97, EU:C:1999:212, n.os 26 e 30, e, relativamente aos órgãos jurisdicionais, acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, n.o 24, e de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C‑614/14, EU:C:2016:514, n.o 34).”[1]
34. Na doutrina nacional, refere Fausto de Quadros: “(…) temos a obrigação para a Administração Pública de recusar a aplicação de normas ou atos nacionais contrários ao Direito Comunitário, e de aplicar este mesmo contra Direito nacional de sentido contrário, conforme doutrina acolhida, de forma modelar no caso Factortame, já referido neste livro por diversas vezes. A Administração Pública vai ter, ainda mais do que o legislador, a necessidade de levar essa doutrina em conta no desempenho da sua missão de aplicar o Direito.”[2]
35. No mesmo sentido, vai Miguel Gorjão-Henriques, que, escrevendo sobre o princípio do primado do direito comunitário, afirma:”(…) indubitavelmente, a dimensão clássica do princípio é aquela que, com clareza, nos enuncia Rostane MEHDII, ao salientar que o juiz e a administração têm a obrigação de «excluir as regras internas adoptadas em violação da legalidade comunitária”[3]
36.Nesta conformidade, estando a Requerida obrigada a desaplicar o direito nacional contrário ao direito da União, a não observância de tal dever consubstancia de erro de direito imputável aos serviços.”
37.Assim também tem concluído a jurisprudência nacional, pois, como se pode ler, v. g., no acórdão do STA proferido em 19.11.2014, no processo 0886/14: “desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do ato afetado pelo erro, conforme se deixou explicado, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12/12/2001, no recurso n.º 026233, pois «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços. - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 14 de Março de 2012, rec. n.º 1007/11, e numerosa jurisprudência aí citada.”
38. O mesmo resulta do acórdão do TCAS n.º 1058/10.0BELRS, de 31.01.2019, onde se decidiu:“ Em suma, para decidir pela procedência da impugnação o Tribunal de 1ª instância entendeu que, ao contrário do que considerou a AT, ocorreu, no caso, violação do direito comunitário, o que configura erro de direito, a enquadrar no conceito de “erro imputável aos serviços” e que, assim sendo, apelando à jurisprudência resultante do acórdão do STA de 12/12/2001, no proc. nº 026.233, o pedido de revisão é o meio processual adequado para suscitar a apreciação do vício de violação do direito comunitário por parte de norma da legislação nacional, por ser imputável aos serviços. Sendo que o pedido de revisão apresentado pela impugnante (atendendo ao prazo de 4 anos previsto no nº 1 do art. 78º da LGT) é tempestivo e meio idóneo para a apreciação da ilegalidade da liquidação, uma vez que é invocado o apontado erro imputável aos serviços».
No caso, a sentença considerou que o pedido de revisão oficiosa do acto de retenção na fonte ocorreu dentro do prazo de quatro anos, previsto no artigo 78.º/1, da LGT e que a interposição da presente impugnação judicial contra o indeferimento tácito do pedido de revisão ocorreu dentro dos prazos consagrados nos artigos 57.º/1 e 5, da LGT e 102.º/1/d), do CPPT. E, desta feita, considerou improcedente a excepção da caducidade da acção. Juízo que é de manter, dado que o mesmo não padece de qualquer erro.
Mais se refere que está em causa alegado erro de direito imputável aos serviços, consistente na emissão de acto tributário em violação do Direito da União Europeia, o qual é recondutível ao 2.º inciso do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. Está em causa erro de direito determinante do agravamento da situação fiscal do contribuinte.
De onde se extrai que, ao julgar improcedente a excepção da caducidade da acção, a sentença não enferma do alegado erro de julgamento, pelo que deve ser confirmada, nesta parte.”
39.Assim, no caso sub judice, à luz da jurisprudência e doutrina referidas, não estando a Requerida exonerada do dever de aplicação do primado do direito europeu, não poderá deixar de proceder o pedido de condenação quanto aos juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.[4], nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT.
IV – DECISÃO
Termos em que, decide este Tribunal:
a) Julgar totalmente procedente o pedido;
b) Anular, em consequência, parcialmente, o ato de liquidação de IRS nº 2018..., relativa ao ano de 2017, no montante de € 73.153,03, com aplicação da consequente taxa de 28%;
c) Condenar a Requerida na devolução do valor excedente pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos expostos supra e
d) Condenar a Requerida no pagamento das custas deste processo, atento o seu total decaimento.
Valor do processo
Em conformidade com o disposto no artigo 306, n.º 2 do CPC, no artigo 97-A, n.º 1, al. a) do CPPT [« 1- Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende (...)]», e no artigo 3, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária [«O valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário»], fixa-se o valor do processo em € 73.153,03, sem contestação pela Autoridade Tributária.
Custas
Nos termos do disposto nos artigos 12, n.º 2 e 22, n.º 4 do RJAT, no artigo 4, n.º 4 e na Tabela I (anexa) do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante de custas é fixado em € 2.448,00, a cargo da Requerida, conforme decidido supra.
· Notifique-se, incluindo o Ministério Público.
Lisboa, 6 de outubro de 2025
José Poças Falcão
(Presidente do Tribunal Arbitral)
Magda Feliciano
(Árbitra Adjunta)
Amândio Silva
(Árbitro Adjunto)
[2] DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA, Almedina, 2004, p. 530.
[3] DIREITO DA UNIÃO, Almedina, 8ª edição, 2017, pag. 365.
[4] Neste sentido, entre outras, a decisão arbitral de 1 de Abril de 2021, proferida no proc. 457/2020-T, de 1 de Abril de 2021.