Sumário:
I. O artigo 12.º-A do Código do IRS estabelece uma medida excecional de caráter automático, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT. Porém, depende da declaração do sujeito passivo de beneficiar do regime, o que será feito aquando do preenchimento do modelo 3 da declaração de IRS.
II. O sujeito passivo para beneficiar deste benefício fiscal estabelecido no artigo 12.º -A do CIRS, além de ter sido residente em território português antes de 31 de dezembro de 2017, 2018 e 2019, no caso dos sujeitos passivos que se tornem fiscalmente residentes em 2021, 2022 ou 2023, respetivamente, ter a sua situação tributária regularizada, também terá de não ter sido residente em território português em qualquer dos três anos anteriores ao ano de regresso a Portugal e não ter solicitado a sua inscrição como residente não habitual.
III. A qualificação de uma pessoa singular como residente fiscal em território português depende da verificação, no ano a que respeitam os rendimentos, de algum dos critérios (“condições) previstos nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS, e não do facto de se declarar na declaração de IRS, por lapso ou intencionalmente, que se é residente fiscal em Portugal.
IV.O conceito de não residência fiscal em Portugal resulta a contrario do próprio Código do IRS, uma vez que todos aqueles que não preencherem um dos critérios de residência fiscal previstos no artigo 16.º do CIRS deverão ser considerados não residentes fiscais em território português.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
I.1 Enquadramento
1. O contribuinte A..., com o número de identificação fiscal ..., e residente na Rua ..., n.º..., ...-...Lisboa, (doravante designado por Requerente), apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), (de ora em diante designada por Requerida).
2. No pedido de pronúncia arbitral (ppa), apresentado em 28.11.2024, o Requerente peticiona que seja declarado ilegal o ato de liquidação de IRS, relativo ao período de tributação do ano de 2023, na parte em que não excluiu de tributação 50% dos rendimentos auferidos pelo contribuinte, conforme decorre do regime previsto no artigo 12.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
3. Em 08.07.2024, o Requerente apresentou procedimento de reclamação graciosa n.º ...2024... contra o ato de liquidação do IRS do ano de 2023. No procedimento de reclamação graciosa o Requerente invocou que “Após preenchimento e submissão da declaração de IRS foi sinalizado, pela plataforma, que a minha declaração continha um erro relativo à minha situação como ex-residente de acordo com o artigo 12-A° do Código do IRS. Mais particularmente, foi indicado que não sou elegível ao regime fiscal em causa, por ter sido residente em Portugal nos 3 anos anteriores e ano de regresso. Eu mudei-me para a Bélgica em janeiro de 2020 e regressei a Portugal em outubro de 2023. Efetivamente não mudei a minha morada fiscal logo depois de emigrar, mas fiz um pedido de alteração de morada fiscal com efeitos retroativos que já foi deferido no início de 2024. Desta forma, não fui residente em Portugal em 2020, 2021 e 2022. Tendo regressado em 2023 deveria ser elegível ao regime em causa (…)”.
4. Contra a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, o Requerente deduziu recurso hierárquico (n.º ...2024...) em relação ao qual se formou o ato de indeferimento tácito.
5. Em 02.12.2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi de imediato notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, em 11.09.2024 foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o ora signatário como Árbitro para integrar o tribunal arbitral singular, o qual, no prazo legal, comunicou a aceitação do encargo.
6. Tendo sido notificadas da nomeação do árbitro, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD e, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, em 01.10.2024, verificou-se a constituição do Tribunal arbitral.
7. Em 13.02.2025 foi proferido despacho arbitral para a Exm.ª Diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos previstos nas normas do artigo 17.º do RJAT.
8. Em 12.03.2025, a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida, tendo-se defendido por impugnação, e atentas as razões de facto e de direito invocadas, a Requerida pugna pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e a manutenção na ordem jurídica do ato tributário impugnado.
9. Na sua resposta, como questão prévia, a Requerida suscitou que existe erro na determinação do valor do processo por parte da Requerente que no pedido de pronúncia arbitral indicou o valor de € 5.990,59, quando, em face das normas do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o valor do processo arbitral deve ser de € 994,53, aspeto sobre o qual infra o Tribunal se pronunciará.
10. Em 16.06.2025, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), considerando a prova documental junta aos autos pelas partes e a natureza das questões a decidir, o Tribunal decidiu: i) Dispensar a produção de prova testemunhal; ii) Dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT; iii) Determinar que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas, no prazo de 20 dias, simultâneo, a contar da notificação do despacho arbitral, por aplicação conjunta do previsto no artigo 91.º, n.º 5, do CPTA, e no artigo 120.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º do RJAT. O Tribunal decidiu proceder à correção do valor da ação arbitral para o valor de € 2.995,30, visto que, o que está em causa, é o Requerente obter a exclusão de tributação de 50% dos rendimentos auferidos no ano de 2023, sendo esta a matéria controvertida no pedido de pronúncia arbitral. Por fim, o Tribunal decidiu que a decisão arbitral seria proferida até ao termo do prazo previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT.
11. Em face de diversas contingências inerentes à gestão de outros processos arbitrais não foi possível proferir a decisão arbitral no prazo de seis meses previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, e o Tribunal teve de fazer, nos termos do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, a prorrogação do prazo para a prolação da decisão arbitral.
12. A Requerente e a Requerida optaram por não apresentar alegações.
II. RAZÕES ADUZIDAS PELAS PARTES
II.1 Pelo Requerente
13. O pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente tem por objeto a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de n.º 2024 ..., no valor de € 994,53, relativo ao período de tributação do ano de 2023, na medida em que a referida liquidação deve ser elaborada considerando o contribuinte integrado no regime fiscal de ex-residentes previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS.
14. O Requerente invoca que em 08 de novembro de 2019 outorgou um contrato de trabalho com uma empresa belga e que, por resultado deste contrato de trabalho, foi trabalhar para a Bélgica e que fixou neste país a sua residência habitual.
15. O Requerente invoca e prova através do documento 5 junto ao pedido de pronúncia arbitral que no período compreendido entre 09.01.2020 e 03.10.2023 residiu na Bélgica.
16.O Requerente invoca que em outubro de 2023 regressou a Portugal e que desde então passou a deter o estatuto de residente em território nacional.
17. O Requerente alega que, em 2024, aquando do cumprimento das obrigações declarativas em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, apresentou a declaração de rendimentos modelo 3 do IRS, referente aos rendimentos auferidos no ano de 2023, tendo preenchido o quadro 4E do anexo A destinado ao regime fiscal aplicável aos ex-residentes (artigo 12.º-A do CIRS).
18. A declaração de IRS relativa ao ano de 2023, não foi validada pelo Sistema Informático da AT devido a um erro central (código Z10), que assinala erro na declaração relativo ao "Regime Fiscal ex-residente não permitido - residente em PT nos últimos 3 exercícios".
19. A declaração modelo 3-IRS do ano de 2023 foi, posteriormente, validada, mas com a desconsideração do regime fiscal de ex-residente e, consequentemente, o Requerente foi tributado pela totalidade dos rendimentos auferidos no período de tributação do ano de 2023.
20. O Requerente deduziu reclamação graciosa contra a liquidação de IRS n.º 2024..., tendo sido o procedimento de reclamação graciosa indeferido por despacho de 02.09.2024 do Chefe de Finanças de Lisboa ... .
21. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa teve por baso o fundamento de que “Da consulta às declarações modelo 3 de IRS, verificamos que no ano de 2020, o reclamante submeteu a declaração modelo 3 de IRS com rendimentos de trabalho dependente obtidos em Portugal como residente em Portugal” (…) o facto de a declaração de IRS do ano de 2020, ter sido submetida como residente obsta a que possa beneficiar do regime previsto no artigo 12º-A do CIRS”.
22. O Requerente invoca que as normas do artigo 12.º-A são normas de carácter excecional, na medida em que contraria os efeitos decorrentes das normas de incidência, exonerando os respetivos beneficiários do pagamento de IRS sobre “50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais”, nas condições ali definidas”.
23. Para fundamentar a sua pretensão, o Requerente invoca um segmento da decisão arbitral proferida no processo de arbitragem Tributária n.º 168/20211-T, em concreto, a parte em que se diz que se “Trata-se de uma norma que, embora inserida no Código do IRS, consubstancia um benefício fiscal automático e temporário, enquanto medida de caráter excecional instituída tendo em vista incentivar o regresso “daqueles que tiveram de sair do país em consequência da crise económica que afetou Portugal”, enquadrada no Programa Regressar (de acordo com as “Medidas Fiscais de Apoio às Famílias” incluídas no Relatório do Orçamento do Estado para 2019 – pág. 42)”.
24. O Requerente considera que reúne todos os requisitos legais que lhe permitem usufruir do benefício fiscal consagrado no artigo 12.º-A do Código do IRS, isto é, além de ter sido residente em território português antes de 31 de dezembro de 2015, e ter a sua situação tributária regularizada, também não foi residente em território português em qualquer dos três anos anteriores ao ano de regresso a Portugal e não efetuou a sua inscrição como residente não habitual.
25. O Requerente invoca que a circunstância de não lhe ter sido apicado o regime fiscal de ex-residente tem exclusivamente por base o facto de “não ter sido considerado residente em território português em qualquer um dos três anos anteriores”, pois, a AT entende que, no ano de 2020 o Requerente foi residente fiscal em Portugal, pelo simples facto de ter inscrito na declaração de rendimentos modelo 3 de IRS a situação residente fiscal em território nacional, alegando o Requerente que tal menção foi feita por lapso.
26. O Requerente considera que, em relação ao conceito de domicílio fiscal, a aplicação do artigo 16.º do Código do IRS não pode deixar de atentar ao vertido nos normativos da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Regular Algumas Outras Questões em Matéria de Impostos sobre o Rendimento (Decreto-Lei n.º 619/70) celebrada entre Portugal e a Bélgica.
27. O Requerente invoca que da materialidade constante dos autos, resulta que o Requerente nos anos de 2020, 2021, 2022 não permaneceu em território nacional mais de 183 dias e que também não dispunha em território nacional de habitação em condições que fizessem supor intenção de a manter e ocupar como residência habitual, não era em 31 de dezembro daqueles anos tripulante de navios e aeronaves, nem desempenhava no estrangeiro funções ou comissões de caráter público, incluindo as de deputado ao Parlamento Europeu.
28. O Requerente considera que nos anos de 2020, 2021 e 2022 não preenchia qualquer um dos critérios previstos no n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS para ser considerado residente fiscal em Portugal, pelo que, uma vez que, o conceito de não residência fiscal em Portugal resulta a contrario do próprio CIRS, importa concluir que, todos aqueles que não preencherem um dos critérios de residência fiscal previstos no artigo 16.º do CIRS, deverão ser considerados como não residentes fiscais em Portugal. O Requerente invoca a decisão arbitral proferida no processo n.º 535/2022-T.
29. O Requerente invoca que resulta da informação cadastral do AT relativa ao Requerente que a Administração Fiscal o considera como não residente em território nacional (residente na Bélgica) no período de 30.01.2020 a 03.10.2023.
30. O Requerente considera que não poderá ser considerado residente para efeitos fiscais em Portugal no ano de 2020, nos termos previstos alíneas a), b) c) e d) do n.º 1 artigo 16.º do Código do IRS.
31. Em relação à sua permanência em Portugal, o Requerente considera não ser necessário indagar da verificação de tal pressuposto, porquanto, a Requerida nem sequer coloca em causa tal critério, pelo contrário, assume irrestritivamente que nos anos de 2020, 2021 e 2022 o Requerente foi residente na Bélgica estando, por conseguinte, verificado que foi na Bélgica onde permaneceu mais de 183 dias em cada um dos referidos anos fiscais.
32. Para fundamentar o seu entendimento, o Requerente invoca a posição do Professor Rui Duarte Morais quando este diz que “A questão de saber se alguém é ou não residente em Portugal é independente da do domicílio fiscal. Aquele que efetivamente transferiu a sua residência para o estrangeiro não pode mais ser considerado residente em Portugal, mesmo que nos registos da administração fiscal continue a figurar como domiciliado em Portugal (mesmo que por omissão dele, sujeito passivo, em promover a necessária alteração)”.
33. O Requerente considera que invocar o estatuto de residente do sujeito passivo em Portugal relativamente ao ano de 2020, em que comprovadamente residia e trabalhava na Bélgica, escorando-se apenas no declarado na declaração de rendimentos modelos 3 de IRS, e com base nisso afastar a própria presunção cadastral, afigura-se completamente alheado da realidade factual.
34. O Requerente considera que, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, por força da sua ilegalidade, deve ser anulada a liquidação de IRS impugnada, e, consequentemente, ser-lhe aplicado o regime fiscal de ex-residente e serem excluídos de tributação 50% dos rendimentos auferidos pelo Requerente no ano de 2023.
II.2 Pela Requerida
35. Na sua resposta, que aqui se dá por integralmente reproduzida, a Requerida advoga que o pedido de pronúncia arbitral deve ser considerado improcedente e, consequentemente, deve ser mantido na ordem jurídica o ato tributário de liquidação de IRS n.º 2024..., referente ao período de tributação do ano de 2023, no valor de € 994,53.
36. A Requerida invoca que, em 26.05.2024, foi apresentada a declaração de rendimentos modelo 3-IRS relativa ao ano de 2023, na qual foi mencionado ser o Requerente residente em território nacional, e ter auferido rendimentos de trabalho dependente no respetivo Anexo A, da qual resultou a liquidação n.º 2024..., de 29.06.2024, com o valor a receber no montante de € 994,53.
37. Que esta declaração de rendimentos ficou no Sistema de Gestão de Divergências com o erro Z10 – Regime Fiscal de Ex-Residentes não permitido, visto que o Requerente foi considerado residente em Portugal.
38. A Requerida invoca que, por consulta às declarações de IRS, se verificou que, apesar do Requerente alegar ter sido não residente em Portugal no ano de 2020, foi entregue a declaração de rendimentos referente àquele ano na situação de residente em território nacional, e que, por consulta às obrigações acessórias, se verifica que foi declarado pela entidade... –B... S.A. – ter pago rendimentos de trabalho dependente ao Requerente.
39. A Requerida invoca que em 08.07.2024 foi instaurado o procedimento de reclamação graciosa n.º ...2024..., deduzido contra o ato de liquidação do IRS do ano 2023, em que o sujeito passivo pede a anulação do ato de liquidação e solicita a aplicação do regime previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS.
40. Por despacho de 02.09.2024 do Chefe do Serviços de Finanças de ..., a reclamação graciosa foi indeferida com o fundamento de que “(…). Considerando que a declaração modelo 3 de IRS do ano de 2020, não foi substituída, esta não reflete a situação cadastral ora vigente, e tal facto obsta a que possa ser aplicado o regime previsto no art° 12-A do CIRS. Se o reclamante é não residente em Portugal no ano de 2020, é nesta qualidade que a declaração modelo 3 tem que ser submetida e não como residente. Deste modo, deverá ser convolado em definitivo o projeto de decisão de indeferimento da presente reclamação graciosa”.
41. Contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, em 02.10.2024, foi apresentado Recurso Hierárquico, que não foi objeto de apreciação. Em 28.11.2024, o contribuinte veio reiterar o seu pedido, em sede arbitral, por considerar que no ano de 2023 preenche os requisitos para beneficiar do regime previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS, nomeadamente, por não ter sido residente em território nacional nos três anos anteriores ao seu regresso a Portugal.
42. Em relação à aplicação ao Requerente no ano de 2023 do regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS, a Requerida sublinha que, por consulta ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, verifica-se em relação à situação do contribuinte o seguinte:
a) Em 31.12.2019 era residente em Portugal;
b) Em 23.01.2024, alterou a sua situação para não residente (Bélgica), com efeitos a 30.01.2020;
c) Em 23.01.2024, alterou a sua situação para residente, com efeitos a 04.10.2023.
43. A Requerida invoca a norma do n.º 1 dos artigos 12.º-A e do artigo 16.º do Código do IRS, bem como o Ofício-Circulado n.º 20206, de 28.02.20129, e sublinha que, ainda que, o Requerente tenha sido residente em Portugal antes de 31.12.2019, conforme informação constante do cadastro, é necessário verificar se está preenchido o requisito da não residência fiscal em Portugal nos três anos imediatamente anteriores ao ano do seu regresso – 2023 – isto é, nos anos de 2020, 2021 e 2022.
44. Em relação ao ano de 2020, há que sublinhar que, em 28.06.2021, foi apresentada a declaração de rendimentos de IRS, na situação de residente em território nacional e foi declarado pela entidade ... – B... S.A., ter pago rendimentos de trabalho dependente ao Requerente, tendo este último alterado a informação do cadastro para não residente para o período de 30.01.2020 a 04.10.2023.
45. A Requerida considera que, para efeitos de aplicação do regime do artigo 12.º-A do CIRS, não pode o Requerente ser considerado residente, ainda que parcial, nos três anos anteriores ao ano do seu regresso, pelo que apesar de não preencher os requisitos para ser considerado residente em Portugal no ano de 2020 pela totalidade do ano nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS, tal facto não afasta a possibilidade de ter sido residente parcial em território nacional, facto (e presunção cadastral) que o Requerente não afastou e admite no seu pedido, uma vez que nos termos do n.º 4 do artigo 16.º do CIRS, a perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português.
46. A Requerida sublinha que é o próprio Requerente ao referir que apenas começou a residir na Bélgica a partir de 09.01.2020, e segundo o n.º 4 do artigo 16.º do CIRS “a perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português, […]”, verificando-se que o Requerente foi residente em Portugal no ano de 2020, ainda que parcialmente, uma vez que para além da informação do cadastro, apresentou declaração na qualidade de residente, liquidada ao abrigo do princípio da verdade declarativa, e auferiu rendimentos de trabalho dependente conforme referido anteriormente.
47. A Requerida considera que, não estando preenchido o requisito da não residência nos três anos anteriores ao seu regresso a Portugal no ano de 2023, e, consequentemente, não se verificando os requisitos para aplicação do regime do artigo 12.º- A do CIRS, por o Requerente ter sido considerado residente em Portugal no ano de 2020, ainda que parcialmente, deve ser negado provimento ao pedido de pronúncia arbitral.
48.A Requerida invoca as normas do n.º 1 dos artigos 19.º e 74.º da LGT e destaca que é ao Requerente que incumbe comprovar a residência no estrangeiro (Bélgica) nos referidos três anos anteriores ao seu regresso ao território nacional (2020, 2021 e 2022).
49. Em sede de jurisprudência arbitral, a Requerida invoca a decisão arbitral proferida no processo n.º 220/2024-T, a qual refere que “[e]ntendemos que o legislador no art.º 12.º -A, n.º 1 a) ao mencionar “Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores” está a referir-se a 3 anos civis e não a 36 meses. E para justificar esse nosso entendimento é de considerar o artigo 143.º do CIRS que determina: “Para efeitos do IRS, o ano fiscal coincide com o ano civil”. Neste mesmo sentido a Requerida invoca, ainda, a decisão arbitral proferida no processo n.º 740/2022-T.
50. A Requerida considera que o Requerente não pode beneficiar do regime previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS, porque não foi comprovada a sua residência no estrangeiro na totalidade dos três anos anteriores, tendo o Requerente, inclusive, confessado nos presentes autos que passou a ser não residente em Portugal a partir 09 de janeiro de 2020, o que cristaliza a conclusão da respetiva residência parcial em território português no aludido ano.
51. Embora, no pedido de pronúncia arbitral, o Requerente não tenha pedido o pagamento de juros indemnizatórios, a Requerida na sua resposta faz menção expressa de que os mesmos não são devidos.
III. SANEAMENTO
52. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
53. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
54. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março.
55. O processo não enferma de nulidades.
IV. FUNDAMENTAÇÃO
IV.1. MATÉRIA DE FACTO
IV.1.1. Factos provados
56. Em relação à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, nos termos do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 29.º do RJAT, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar os factos considerados provados e os não provados. O tribunal considera provados e relevantes para a decisão arbitral os factos seguintes:
57.1. O Requerente tem a profissão de Engenheiro Mecânico e no ano de 2023 auferiu rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS, enquadráveis na categoria A.
57.2. Em 26 de maio de 2024, o Requerente apresentou a declaração de rendimentos modelo 3-IRS, referente ao período de tributação do ano de 2023, tendo preenchido o quadro 4E do anexo A, destinado ao regime fiscal aplicável aos ex-residentes.
57.3. A declaração de rendimentos modelo 3-IRS apresentada pelo Requerente ficou na situação de erro – Z10-Regime Fiscal Ex-Residentes não permitido.
57.4. Com base na declaração apresentada pelo contribuinte, em 29.06.2024, a AT fez a liquidação de IRS n.º 2024..., que determinou imposto a receber no valor de € 994,53.
57.5. Em 08.07.2024, o contribuinte apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRS n.º 2024..., à qual foi atribuído o n.º ...2024..., que correu termos no Serviços de Finanças de Lisboa ... .
57.6. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 02.09.2024 do Chefe Serviços de Finanças de Lisboa ... .
57.7. Em 02.10.2024, o contribuinte apresentou recurso hierárquico contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, o qual não chegou a ser alvo de apreciação por parte da entidade competente.
57.8. O Requerente teve a condição de residente na Bélgica entre as datas de 09.01.2020 a 03.10.2023 – Doc. 5 junto ao ppa.
57.9. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 28 de novembro de 2024.
IV.1.2. Motivação - Factos provados e não provados
58. Os factos provados baseiam nos documentos apresentados pelas Partes e que estão juntos ao processo arbitral e com relevo para a decisão arbitral não existem factos que devem considerar-se como não provados.
IV.2. MATÉRIA DE DIREITO
59. A matéria controvertida no presente processo arbitral prende-se com a aplicação do regime de tributação em sede de IRS dos rendimentos (categoria A e/ou B) auferidos por ex-residentes, regime que se encontra estabelecido no artigo 12.º - A do Código do IRS – Regime fiscal aplicável a ex-residentes – que exclui de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS, sejam sujeitos a tributação por força dos normas de incidência das referidas categorias de rendimentos.
60. Ao tempo dos factos (período de tributação do ano de 2023) os normativos do artigo 12.º-A do Código do IRS dispunham:
“1. São excluídos de tributação 50 % dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º em 2019, 2020, 2021, 2022 ou 2023: (Redação da Lei n.º 12/2022, de 27/06
a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores;
b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015, no caso dos sujeitos passivos que se tornem fiscalmente residentes em 2019 ou 2020, e antes de 31 de dezembro de 2017, 2018 e 2019, no caso dos sujeitos passivos que se tornem fiscalmente residentes em 2021, 2022 ou 2023, respetivamente; (Redação da Lei n.º 12/2022, de 27/06)
c) Tenham a sua situação tributária regularizada.
2.Não podem beneficiar do disposto no presente artigo os sujeitos passivos que tenham solicitado a sua inscrição como residente não habitual.”.
61. Importa desde já considerar que o Requerente não requereu a sua inscrição como residente não habitual e que, nos termos dos normativos do artigo 177.º-A do CPPT, tinha a sua situação tributária regularizada.
62. E, assim sendo, a matéria controvertida que importa decidir prende-se com o conceito de residência em território português, em ordem a decidir sobre se o Requerente é ou não titular dos requisitos estabelecidos nas alíneas a) do artigo 12.º-A do Código do IRS, porquanto, se verifica que o contribuinte reúne os requisitos estabelecidos nas alíneas b), e c) do n.º 1, e do n.º 2 do artigo 12.º-A do Código do IRS.
63. O artigo 19.º da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece o conceito de domicílio fiscal. Para as pessoas singulares a norma da alínea a) do n.º 1 daquele artigo prescreve que se considera domicílio fiscal o local da residência habitual.
64. A residência habitual é o local onde uma pessoa vive normalmente, o centro da sua vida pessoal e dos seus interesses, não se tratando necessariamente da residência única ou permanente, mas sim do local para onde a pessoa retorna após ausências e onde tem a intenção de fixar-se de forma estável. A determinação da residência habitual envolve a análise de diversos elementos fácticos, como presença física, vínculos familiares e profissionais, e a intenção de viver ou ter fixado uma habitação com carácter estável - https://diariodarepublica.pt/dr/lexionario/termo/residencia.
65. A residência habitual é o centro permanente ou habitual onde se situam os interesses de uma pessoa, que se concretiza pela vontade do interessado em fixar o centro dos seus interesses no território de um Estado-Membro e a presença, com grau de estabilidade, nesse mesmo território – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra. Proferido no processo n.º 160/21.7T8CLB.C1, de 10.01.2023.
66. O conceito de residência habitual deve ser interpretado no contexto em que se insere, ou seja, o art.º 16.º do Código do IRS deve ser lido como um todo. Tal como referido, tanto a al. a) como a al. b) do n.º 1 do art.º 16.º do Código do IRS impõem uma conexão efetiva com o território português. Se a qualidade de residente, nos termos da al. a) resulta, automaticamente, de um critério fáctico, meramente numérico, a presença em Portugal, a al. b) exige, pela falta de maior presença no território, um elemento adicional de intenção. O referido artigo impõe, assim, a vontade de estar regularmente presente no território nacional, utilizando, para o efeito, uma determinada habitação. A residência habitual é, assim, igualmente um critério fáctico determinado pela permanência regular (habitual) numa determinada habitação e, onde, como tal se presume ter organizada a sua vida – cfr. Processo arbitral n.º 457/2021-T.
67. Importa ter presente que domicílio fiscal e residência habitual não são dois conceitos equivalentes ou iguais. A este propósito veja-se o sumário do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 2369/09.7 BELRS, de 11.11.2021, em que se prescreve que “I. A residência fiscal configura-se como um conceito basilar em termos de determinação da sujeição pessoal ao IRS. II. Os conceitos de domicílio fiscal (previsto no art.º 19.º da LGT) e de residente fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos. III. O dever de comunicação, previsto quer no n.º 1 do art.º 43.º do CPPT quer no então art.º 19.º, n.º 2, da LGT (atual n.º 3), não se trata de formalidade ad substanciam, pelo que a sua preterição não tem necessária e definitivamente impacto em termos de tributação. IV. Tendo ficado demonstrado, quer por força do mecanismo de troca de informações previsto na CDT Portugal / Espanha, quer por força do certificado de residência emitido pelas autoridades fiscais espanholas, ter o Impugnante sido residente fiscal em Espanha no ano de 2003, aí tendo declarado os seus impostos e aí declarando a sua residência habitual, ficou cabalmente provada a residência fiscal naquele país. V. Não obstante o domicílio fiscal do Impugnante, previsto no art.º 19.º da LGT, contemplar uma morada em Lisboa, esta circunstância distingue-se do conceito de residência fiscal para efeitos de IRS e não consubstancia qualquer presunção inilidível de que a residência fiscal é na morada ali constante”.
68. Saber de alguém é ou não residente em Portugal não está dependente do domicílio fiscal, por este não constituir, no plano internacional, qualquer presunção de residência. O conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, enquanto o domicílio fiscal projeta-se em consequências processuais – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 803/05.0BESNT, de 08.07.2021.
69. Considerar-se-á como residente em território nacional, para efeitos de tributação, quem se encontre em qualquer uma das situações enunciadas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 16.º do CIRS, sendo que o conceito de “não residente” apura-se a contrario, devendo considerar-se como tal quem não se encontre em qualquer das situações previstas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 16.º do CIRS. Os conceitos de domicílio e residência no plano fiscal não coincidirem inteiramente com a sua aceção civilista, para efeitos de delimitação da esfera de incidência das normas tributárias de cada Estado é, também ela, distinta da noção de domicílio tributário de direito interno e que é um domicilio especial pelo qual a lei refere a um lugar bem determinado o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres estabelecidos pelas normas tributárias, localizando o sujeito passivo com vista a fixar a circunscrição territorial em cuja área se situem os serviços de administração competentes para a prática de atos relativos à situação fiscal do contribuinte - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 00182/18.5BEPNF, de 19.12.2024.
70. A Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Bélgica (Decreto-Lei n.º 619/70, de 15 de dezembro), no seu artigo 4.º contém disposições sobre o conceito de domicílio fiscal, que dispõem que:
1. Para efeitos desta Convenção, a expressão «residente de um Estado Contratante» significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direção ou a qualquer outro critério de natureza similar. Significa também as sociedades de direito belga, que não sejam sociedades por ações, que tenham optado pela sujeição dos seus lucros ao imposto das pessoas singulares.
2. Quando, por virtude do disposto no n.º 1, uma pessoa singular for residente de ambos os Estados Contratantes, a situação será resolvida de acordo com as seguintes regras:
a) Será considerada residente do Estado Contratante em que tenha uma habitação permanente à sua disposição. Se tiver uma habitação permanente à sua disposição em ambos os Estados Contratantes, será considerada residente do Estado Contratante com o qual sejam mais estreitas as suas relações pessoais e económicas (centro de interesses vitais);
b) Se o Estado Contratante em que tem o centro de interesses vitais não puder ser determinado, ou se não tiver uma habitação permanente à sua disposição em nenhum dos Estados Contratantes, será considerada residente do Estado Contratante em que permanece habitualmente;
c) Se permanecer habitualmente em ambos os Estados Contratantes ou se não permanecer habitualmente em nenhum deles, será considerada residente do Estado Contratante de que for nacional;
d) Se for nacional de ambos os Estados Contratantes ou se não for nacional de nenhum deles, as autoridades competentes dos Estados Contratantes resolverão o caso de comum acordo. (…)”.
71. Nos presentes autos de arbitragem tributária não está em causa qualquer questão sobre dupla tributação e, não obstante a conexão que existe com a Bélgica em virtude do Requerente nos anos em que não foi residente em Portugal ter sido residente na Bélgica, a matéria controvertida não apela à aplicação da Convenção, mas sim e apenas exige a aplicação das normas que delimitam o conceito de residência ínsito no artigo 16.º do Código do IRS. É, portanto, uma questão que apenas exige a aplicação do direito interno.
72. Pelas referências jurisprudenciais e conceptuais supra efetuadas fica patente que o conceito de domicílio fiscal, que tem um escopo procedimental e de delimitação de competência territorial, é distinto do conceito de residência, visando este fins de natureza substância com impacto nos normativos que delimitam a tributação dos rendimentos auferidos pelo contribuinte.
73. Em face dos normativos do artigo 16.º do Código do IRS, o conceito de residente em território português tem a delimitação seguinte:
“1. São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;
c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.
3. As pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1.
4. A perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português, salvo nos casos previstos nos n.ºs 14 e 16.
(…)
14 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, um sujeito passivo considera-se residente em território português durante a totalidade do ano no qual perca a qualidade de residente quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Permaneça em território português mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, nesse ano; e
b) Obtenha, no decorrer desse ano e após o último dia de permanência em território português, quaisquer rendimentos que fossem sujeitos e não isentos de IRS, caso o sujeito passivo mantivesse a sua qualidade de residente em território português.
15. O disposto no número anterior não é aplicável caso o sujeito passivo demonstre que os rendimentos a que se refere a alínea b) do mesmo número sejam tributados por um imposto sobre o rendimento idêntico ou substancialmente similar ao IRS aplicado devido ao domicílio ou residência:
a) Noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal e que se preveja a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade; ou
b) Noutro Estado, não abrangido na alínea anterior, em que a taxa de tributação aplicável àqueles rendimentos não seja inferior a 60 % daquela que lhes seria aplicável caso o sujeito passivo mantivesse a sua residência em território português.
16. Um sujeito passivo considera-se, ainda, residente em território português durante a totalidade do anosempre que volte a adquirir a qualidade de residente durante o ano subsequente àquele em que, nos termos do n.º 4, perdeu aquela mesma qualidade”. (o negrito é nosso).
74. Importa considerar que a norma do n.º 1 do artigo 13.º do Código do IRS estabelece que “[f]icam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.
75. Há, portanto, que concluir que para aplicação das normas de incidência subjetiva tem de se ter por base o conceito de residência, conceito que se encontra delimitado nos normativos do artigo 16.º do Código do IRS.
76. Importa considerar que o Código do IRS, não obstante estar estruturado por categorias de rendimentos, tem por finalidade realizar a tributação da totalidade dos rendimentos das pessoas singulares que tenham residência em território nacional e de efetuar a tributação dos não residentes em relação aos rendimentos obtidos em território português.
77. É, portanto, necessário concluir que o conceito de residência a considerar para efeitos de tributação só pode ser aquele que emerge dos normativos do artigo 16.º do Código do IRS, não podendo o intérprete e aplicador do direito pretender desenhar o conceito de residência em função dos regimes de tributação estabelecidos na estrutura de incidência objetiva ou subjetiva do Código do IRS, adaptando o conceito de residência em função da extensão da real tributação de cada regime de tributação.
78. Qualquer outra conceção que defenda entendimento diverso, beneficia da oposição dos normativos do artigo 11.º da LGT, designadamente, os normativos dos n.ºs 1 e 2 daquele artigo da LGT, que dispõem que “[n]a determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei”. Por maioria de razão, o conceito de residência ínsito no artigo 16.º do CIRS tem de ser um conceito unitário, consistente, e universal em sede de tributação nas diversas categorias de rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos.
79. Em face deste entendimento do legislador, e encontrando-se delimitado o conceito de residência no artigo 16.º do Código do IRS, não é aceitável que o aplicador do direito, para efeitos da aplicação do regime fiscal dos ex-residentes, estabelecido no artigo 12.º-A do CIRS, pretenda desenhar outro conceito de residência em território nacional e pretenda fazer depender a aplicação do regime fiscal dos ex-residentes de um conceito de não residente segmentado por anos civis completos, quando no artigo 12.º-A do CIRS, em nenhum normativo, o legislador faz qualquer referência a anos civis completos. O conceito de residência a que o legislador apela é ao conceito de residência delimitado nos normativos do artigo 16.º do Código do IRS e não é pelo facto do artigo 143.º do CIRS estabelecer que o ano fiscal em sede de IRS coincide com o ano civil que se pode derrogar o conceito de residência estabelecido nos normativos do artigo 16.º do Código do IRS.
80. Importa, ainda, considerar que o conceito de não residente tem de ser delimitado por interpretação a contrario das normas do artigo 16.º do Código do IRS, aliás, tal como é sublinhado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 00182/18.5BEPNF, de 19.12.2024.
81. In casu, para aplicação do regime fiscal dos ex-residentes apenas está em causa a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, porquanto, a Requerida na sua resposta não invoca que o Requerente deva ser considerado residente em território nacional com base em qualquer uma das situações estabelecidas nas normas das alíneas b) a d) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS.
82. O Requerente deixou de ser residente em Portugal no dia 30.01.2020, portanto, no ano de 2020, não permaneceu em território nacional mais de 183 dias seguidos ou interpelados, e não adquiriu a qualidade de residente no ano subsequente àquele em que perdeu a residência.
83.O Requerente apenas voltou a adquirir a qualidade de residente em território português em 04.10.2023. Com efeito, a norma do n.º 3 do artigo 16.º do Código do IRS estabelece que “[a]s pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1”.
84. Assim sendo, o Requerente voltou a ser residente em território português a partir de 04.10.2023. Aliás, em face da certidão de residência apresentada pelo Requerente (Doc. 5 junto ao ppa), verifica-se que o mesmo teve a condição de residente na Bélgica entre as datas de 09.01.2020 a 03.10.2023.
85. O conceito de não residente tem de ser delimitado por interpretação a contrario das normas do artigo 16.º do CIRS, e, nesta conformidade, interpretando à contrário a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS, e, ainda, as normas dos n.ºs 14 e 16 do artigo 16.º do CIRS, impõe-se concluir que o Requerente não foi residente em território nacional nos anos de 2020, 2021 e de 2022, e que apenas adquiriu de novo a condição de residente em território português a partir do dia 04.10.2023.
86. É, portanto, absolutamente irrelevante pretender ou considerar que o Requerente foi residente em Portugal no ano de 2020 porque apenas perdeu a condição de residente em 30.01.2020, ou porque em relação ao ano de 2020 apresentou uma declaração de rendimentos de IRS na qual mencionou a condição de residente em Portugal.
87. Considerando que as normas jurídicas têm de ser interpretadas em função do elemento literal e dos elementos lógicos (sistemático e teleológico), há que considerar que o conceito de residência relevante para aplicação do regime fiscal dos ex-residentes é o conceito de residência emergente das normas do artigo 16.º do CIRS, bem como o conceito de não residente tem de ser delimitado por interpretação a contrario dos normativos do artigo 16.º do Código do IRS, e não em função de um conceito de não residente baseado em anos civis completos.
88. E, assim sendo, impõe-se concluir que o Requerente reúne as condições ou requisitos legais para usufruir do regime plasmado nos normativos do artigo 12.º-A do Código do IRS (Regime fiscal de tributação dos ex-residentes), devendo, consequentemente, o Requerente ser tributado com a exclusão de 50% dos rendimentos do trabalho dependente auferidos no ano de 2023.
89. Nesta conformidade, a liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de 994,53, referente ao ano de 2023, enferma de erro, razão pela qual se determina a sua anulação, devendo ser os rendimentos do trabalho auferidos pelo Requerente no ano de 2023 tributado ao abrigo do regime fiscal dos ex-residentes consagrado no artigo 12.º-A do Código do IRS.
99. Por todas as razões supra enunciadas considera-se o pedido de pronúncia arbitral procedente.
V. DECISÃO
Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade e determinar a consequente anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2024..., no valor de € 994,53, referente ao período de tributação do ano de 2023, porquanto, os rendimentos auferidos pelo sujeito passivo devem ser tributados ao abrigo do regime fiscal aplicável a ex-residentes previsto no artigo 12.º-A do CIRS.
b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento nas custas do processo arbitral.
VI. VALOR DO PROCESSO
O Requente atribuiu ao pedido de pronúncia arbitral o valor de € 5.990,59, valor que corresponde ao valor dos rendimentos auferidos no ano de 2023 e sujeitos a IRS. Através do nosso despacho de 16.06.2025 corrigimos o valor do processo para € 2.995,30, uma vez que a exclusão a tributação de 50% dos rendimentos reduziria o valor do imposto para metade. Porém, este raciocínio está errado, porquanto, o valor de € 5.990.59 não é de imposto, mas de rendimentos. Assim, atenta a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força da norma da alínea a) do artigo 6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 994,53 (novecentos e noventa e quatro euros e cinquenta e três cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).
VII. CUSTAS
O valor das custas é fixado em € 306,00 (trezentos e seis euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 5 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 03 de outubro de 2025
O Árbitro,
Jesuíno Alcântara Martins